EDIFICIOS Y OBJETOS

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PESQUISA  | Escala

EDIFÍCIOS E OBJETOS

por aníbal parodi rebella

ENTIDADES EM DIÁLOGO O homem é responsável pela criação de um amplíssimo espectro de

Os objetos são percebidos desde o exterior. Sua superfície pode

construções e produtos que abrangem gamas dimensionais igualmente

chegar a ser contínua e unitária. Podem ou não envolver um espaço

vastas. A arquitetura e o design, como protagonistas principais da

em seu interior. Não são habitáveis. São manipuláveis e

materialização de nosso habitat, estruturam dois universos familiares

transportáveis. Sua produção pode ser desde artesanal a totalmente

em permanente interação com o homem: os edifícios que este habita

industrializada. Podem ser duráveis, mas também efêmeros e

e os objetos que auxiliam suas atividades. Edifícios e objetos

descartáveis. Suas dimensões guardam em maior ou menor medida

possuem identidades próprias, mesmo que laxas em múltiplos

relação com partes do corpo humano. Seu vocabulário formal também

aspectos, o que permite que eventualmente interfiram entre si,

utiliza pautas históricas específicas de cada tipo de objeto,

fundem-se ou permutem-se.

interpretadas, reinterpretadas e desafiadas quando é necessário.

Os edifícios são percebidos por dentro e por fora. Têm telhados,

Sua composição costuma ser muito menos complexa, envolve

paredes e pisos que configuram um invólucro físico que define

habitualmente um número menor de variáveis, componentes e materiais,

e protege um espaço interior. Têm entradas, aberturas e fechamentos

podendo chegar a ser unitária em relação com a maior parte delas.

permeáveis que regulam sua relação com o espaço exterior.

Cumprem um número reduzido de funções e inclusive com frequência

São habitáveis. Não são manipuláveis nem transportáveis. São

apenas uma. Estas funções, além disso, costumam ser explícitas. Podem

construídos “artesanalmente”, são duráveis e não descartáveis,

funcionar exclusivamente através de mecanismos eletromecânicos e

apesar de todas as exceções que possam confirmar a regra. Suas

sistemas automatizados. Sua qualidade integral é a objetualidade.

dimensões guardam, em uma maior ou menor medida, uma relação com a proporção do corpo humano. Utilizam um vocabulário formal pautado historicamente que é interpretado, reinterpretado e desafiado, porém está sempre presente. Sua composição é complexa, envolve um grande número de variáveis, componentes e materiais. Cumprem muitas funções simultaneamente. Estas costumam ser explícitas. Podem incorporar algumas instalações eletromecânicas e sistemas automatizados. Sua qualidade integral é a tectonicidade.

TECTONICIDADE Todas as palavras, independentemente de sua eventual precisão semântica “de dicionário”, costumam seguir rumos particulares nos quais seu uso navega em águas nem sempre transparentes. Tectonicidade… O dicionário não nos diz grande coisa sobre esta palavra. De fato, tectonicidade não é um termo reconhecido pela Real Academia Espanhola (ou pelos dicionários da língua portuguesa). O vocábulo tectônico/ca devolve-nos como primeira acepção: “adj.

Frank O. Gehry, Claes Oldenburg, Coosje Van Bruggen: agência de publicidade Chiat-Day-Mojo, Los Angeles, 1985-1991. Acesso principal.

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pertencente ou relativo aos edifícios ou outras obras de arquitetura”.

também a tectonicidade associada à expressão da condição

Caso adotemos esta definição, o adjetivo poderá ser aplicado a um

matérico-arquitetônica, a que aflora nos detalhes, no modo como

grande número de substantivos, dando como resultado diferentes

a matéria está articulada e se sintetiza com os demais aspectos do

tipos de “tectonicidade”.

projeto. É a tectonicidade articuladora do vidro, do aço e da pedra; da

Porém, existe a tectonicidade “pura e simples”?

ordem sistemática e da fluidez espacial da obra de Mies van der Rohe;

Conforme Helio Piñon, a tectonicidade é “uma condição da forma

da leveza visual do concreto aparente de Tadao Ando; das dobraduras

arquitetônica que contribui com uma ordem material […]. Garante

laminares metálicas de escala incerta de Frank O. Gehry. Construção,

verossimilhança física do artefato e se rege por critérios de

materialidade e articulação e síntese projetual, a arquitetura não

autenticidade”. [1]

será nunca uma expressão direta do ato construtivo, senão sua

Em sua opinião, o construtivo define os atributos da matéria sobre

representação. Com um sentido amplo e compreensivo, “Semper

os quais a ação formativa do sujeito atuará. O tectônico seria sua

trata sobre a noção de tectonicidade como relação orgânica,

manifestação visual: o tectônico é para o construtivo o que o formal

inter-relacionada e articulada sobre as diversas decisões técnicas

é para o estruturante. [2]

que conformam um edifício. Conforme Semper, existem diferentes

Alude-se a um sentido de tectonicidade que valoriza a condição

artes e técnicas tectônicas, sendo a arquitetura a técnica da arte do

tangível, sensual, não abstrata, táctil, ligada à construção, aos

espaço”. [4] Em qualquer caso, a tectonicidade parece ser, por

detalhes da execução física da arquitetura. A importância deste papel

definição, a qualidade identitária essencial da arquitetura. Aquela que

é tal que, caso se faça abstração da realidade física, com seus

a diferencia do resto dos fenômenos e realidades. Seu lugar é o lugar

atributos corpóreos e cromáticos, a concepção corre o risco de se

natural da fricção entre a estrutura física e a visual, aquela que Piñon

tornar uma incursão engenhosa nos domínios de Euclides, alheios,

reconhece como o problema central da criação autêntica.

em si mesmos, ao território da arquitetura. [3] Existe uma tectônica firmemente vinculada à tradição que reconhece nos componentes construtivos e estáveis sua lei fundamental. É a tectônica do inconsciente coletivo, da experiência acumulada ao longo da história. A do pórtico, do arco, da abóbada, da cúpula, da transmissão rápida e eficiente das cargas ao solo e da autenticidade material. Existe

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OBJETUALIDADE Se a tectonicidade tinha amplas margens de interpretação e envolvia uma complexa síntese de variáveis, a objetualidade, como qualidade intrínseca das coisas, não parece ficar atrás. Objetos há muitos, e muito diversos. Portanto, a precisão de uma iconografia socialmente

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1] 2] 3] e 4] Rem Koolhaas-OMA: Centro de exposições e convenções Ras al Khaimah (RAK), Dubai, projeto original, 2007. 5] Death Star: nave e arma super poderosa que aparece na saga cinematográfica Star Wars, dirigida por George Lucas e cujo primeiro longa-metragem estreou em 1977. 6] Rádio portátil Panasonic, Panasonic, 1972.

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compartilhada da representação dos objetos é um terreno pantanoso

como macro-objetos e os objetos como micro-arquiteturas quando

do qual emergem muito poucas certezas. O primeiro que podemos

trocaram qualidades fundamentais para suas respectivas identidades,

afirmar é que os objetos – principalmente os contemporâneos – não se

de acordo com o imaginário coletivo do que um edifício ou uma coisa

regem, como regra geral, por pautas análogas às estabelecidas pela

“devem ser”. A identidade de objetos e das arquiteturas costuma

tectonicidade para a arquitetura.

com frequência hibridar-se e, neste processo, entre outras qualidades,

Atualmente, seu caráter está fortemente pautado pelos hábitos de

a escala está sempre envolvida. As arquiteturas podem experimentar

consumo que requerem do objeto uma particular sedução que

transformações que paulatinamente as objetualizem até se tornarem

amalgama: uma lógica expressiva industrial, uma imagem unitária

autênticos objetos colossais, enquanto que os objetos podem ir

e utilitária, pregnância de forma e cor, fácil apreensão comunicacional,

desenvolvendo processos graduais de arquiteturização até se

originalidade, exclusividade e valor agregado como portador de status.

converter em verdadeiras miniaturas arquitetônicas.

Apesar de ser uma qualidade essencialmente do produto industrial,

Considerando nossa hipótese básica que afirma que a manipulação

cada vez mais as obras de arquitetura estão começando a aceitar

da escala costuma ser detonante – ou pelo menos catalizadora – dos

premissas consumistas – em termos de imagem de produto – em todos

processos de projeto, analisaremos como em muitas oportunidades

seus níveis de aplicação. Os objetos, à diferença dos edifícios, são com

os objetos aumentam seu tamanho para dar vida a novos objetos,

certa frequência transformáveis e, quando é assim, costumam

e como em muitas outras as arquiteturas reduzem suas dimensões

incorporar mecanismos e automatismos que regulam os movimentos

para alimentar novas arquiteturas.

e funções incorporados. As peças móveis ou os componentes

Deste modo, as duas metamorfoses formuladas dos objetos em

transformáveis, que na arquitetura são geralmente pequenos em

miniaturas arquitetônicas e das arquiteturas em objetos colossais

relação ao tamanho do edifício, nos objetos podem chegar a ser

podem se conceber integradas em um ciclo contínuo de troca

proporcionalmente muito maiores. Os adjetivos da transformação

de identidades e de escalas. Dentro deste ciclo contínuo podem

são de aplicação predominantemente objetual. Retrátil, dobrável,

se reconhecer operativamente dois segmentos encadeados que

extensível, deslizante, inflável, telescópico, compactável etc. podem

habilitam a transformação de objetos em arquiteturas, e de

ser aplicados a objetos inteiros, porém, na arquitetura, costumam

arquiteturas novamente em objetos. Ambos estão alimentados por

referir-se tão somente a elementos secundários da composição.

transformações na identidade de objetos e arquiteturas, comprometendo intimamente suas gamas escalares intrínsecas.

TROCA DE QUALIDADES A tectonicidade e a objetualidade que nos interessam neste momento, mesmo que não exclusivamente, referem-se a qualidades aparentes que nos permitem identificar os produtos de cada disciplina e os associar com as dimensões esperáveis de seus fenômenos e circunstâncias. O que faz com que percebamos uma arquitetura como um objeto gigantesco? O que faz com que percebamos um objeto como uma arquitetura em miniatura? A resposta pode parecer óbvia, porém não por isso é menos verdadeira: as arquiteturas são percebidas

NOTAS [1] PIÑÓN, Helio: La forma y la mirada, Buenos Aires: Editorial Nobuko,

2005, p. 100. [2] Ibid., p. 102. [3] Ibid., p. 103. [4] MONTANER, Josep Maria: Arquitectura y Crítica, Barcelona: Gustavo Gili,

1999. Conceitos compilados pelo autor em: SEMPER, Gottfried: Der Stil in den technischen und tektonischen. Künsten, 1860-1863.

Luis M. Mansilla+Emilio Tuñon: Centro Internacional de Convenções da Cidade de Madri, 2007. www.mansillatunon.com/ Gráficos e maquete apresentados para o concurso integrados com fotografia de uma das 12 medalhas. Costellazioni Zodiacali por Bruno Munari para Ricci, Brescia, 1975. Composição: Aníbal Parodi Rebella.

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ESCALA ARQUITETÔNICA E EXPRESSÃO OBJETUAL Assim como algumas arquiteturas contemporâneas reencontram,

Um cubo enferrujado flutua no meio do lago a certa distância.

após muito tempo, o prazer da figuração das iconografias explícitas,

É grande, ainda que não saibamos quanto. Não há na imensidão da

dentro do dominante ecletismo linguístico atual também há espaço

superfície lacustre referências dimensionais claras. Para piorar,

para arquiteturas que exploram, cada vez com maior radicalismo, a

o volume geométrico aparece puro e hermético ante nós. Não há

objetualização de sua expressão.

aberturas, não há evidência de escala humana. É um imenso objeto

Ausência ou minimização absoluta de aberturas ou de qualquer

na paisagem, “... uma miragem... templo?... plataforma técnica?...

outro signo que desafie, a partir da sua expressão histórica

observatório? ” [1] (NOUVEL, Jean. Monolito. Suíça: Morat, 2002).

e intrínseca, a marca objetual do edifício. Peles recorrentemente

Outro cubo, branco, liso e de 12 metros de lado é projetado por Aldo

contínuas e homogêneas que definem imensos volumes em

Rossi como Monumento à Resistência de Cuneo, em 1962. “O imenso

ausência de juntas aparentes. Caixas mudas e anônimas empilhadas

objeto não está fixado na terra senão somente apoiado nela; não

umas sobre as outras. Perfurações e arcos cujas dimensões

foi edificado, senão colocado ali, transportado à sua nova situação

desafiam a tectônica estrutural natural e esperável. Equilíbrios

desde o ignorado lugar no qual foi concebido”. [2] Seu idealismo

instáveis que rivalizam com as leis da gravidade. Exageros

objetual de perfeita geometria e hermética clausura lembra o design

dimensionais: maior, mais extenso, mais alto, mais fino, mais caro

de um lindo e prático cinzeiro criado por Bruno Munari. Uma vez dentro

etc. Gadgets colossais que ostentam virtuosismos tecnológicos,

do monumento, o tempo parece se deter, e a noção de realidade,

inovação material, automatização de movimentos, originalidade e

espaço e escala parece se diluir.

status de consumo.

A janela, ou, melhor dizendo, o espaço enquadrado, é o motivo

Embalar, envolver, cobrir, tampar, atar são ações unitárias e

central de alguns projetos de habitação coletiva do escritório MVRDV.

cotidianas que praticamos sobre objetos, mas que é muito improvável

Por um lado, o edifício “El Mirador” em Madri (2005) e, por outro,

aplicar a componentes da paisagem natural ou urbana.

o edifício “Parkrand” em Amsterdam (2006). Em ambos, a

Quando Christo e Jeanne Claude embalam edifícios e pontes,

interpretação coletiva do espaço individual da janela é realizada

cobrem rios e cercam ilhas, equiparam automaticamente suas imensas

a partir de uma ampliação súbita e inesperada de suas dimensões

presenças com as dos objetos. Jogam com suas escalas sem tornar

habituais. Não é, certamente, a única vez que esse escritório desafia

vulnerável seu tamanho, transformando a improbabilidade em

a definição de componentes e estruturas arquitetônicos tradicionais.

possibilidade certa.

A configuração aporticada mínima tipo mesa do edifício para a Coleção

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1] e 2] Christo & Jeanne Claude: Wrapped Telephone, desenho, 1984. Wrapped Reichstadt-Project, instalação, Berlim, 1995. . 3] Bruno Munari: Cinzeiro Cubo, 1957. 4] e 5] Aldo Rossi: Monumento a Sandro Pertini, Milão, 1988-1990. (Foto Toni Nicolini). 6] Jean Nouvel: The Monolith, Morat, Suíça,

2002. . 7] Aldo Rossi: Monumento à Resistência, Cuneo, projeto, 1962. Corte longitudinal e maquete.

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Boijmans, o empilhado instável de “caixas e equipamentos” díspares

como pontes, apoiam seus extremos uns sobre outros, configurando

da Ópera de Oslo [1.14/42], são exemplos claros de leituras objetuais

uma trama planimétrica e espacial de base hexagonal (Urbanização

introduzidas no processo de projeto a partir da manipulação escalar

The Interlace, Rem Koolhaas - OMA, Singapura, 2008).

de arquétipos formais.

Os Emirados Árabes são a terra prometida da desmesura e dos

Como cogumelos depois da chuva, surgem projetos concebidos

excessos: o edifício mais alto, as figurações mais caprichosas

a partir do empilhamento mais ou menos estruturado, mais ou menos

para terrenos aterrados ao mar com fins turísticos, a possibilidade

informal, de caixas. Caixas de embalagem como as que Sejima

insuspeitada de imensos oásis, exclusivos e verdes, em meio

brincava em sua infância e que, junto à normativa histórica de

do deserto, à força de irrigação forçada de água e dinheiro,

escalonamento das construções em altura de Nova Iorque, inspiraram

um novo éden onde Rem Koolhaas tem a possibilidade de criar

a articulação volumétrica do Novo Museu de Arte Contemporânea

sua Manhattan pessoal, trinta anos depois da primeira edição de

da cidade (2007). Caixas que balançam com liberdade em torno de

Delirious New York.

um eixo central como as do edifício do Banco Central Europeu em

Neste lugar, Koolhaas concebe também um altíssimo edifício-placa

Frankfurt (Dominique Perrault, 2003). Caixas inseridas de forma

capaz de girar como um imenso radar em meio a um espelho d’água

alternada a um e outro lado do eixo e núcleo central do projeto

(Dubai Renaissance, 2006). Nouvel projeta aqui uma imensa

de arranha-céus situado no 80 South St. de Nova Iorque (Santiago

cobertura circular de 180 metros de diâmetro, que filtra a intensa

Calatrava, 2003), estrutura compositiva ensaiada previamente em

luz como a copa de uma improvável e gigantesca árvore (Museu do

suas esculturas e que pode ser interpretada como uma operação

Louvre, Abu-Dhabi, 2006). Tadao Ando cria para o Museu Marítimo

de salto escalar a partir de uma luminária de Frank Lloyd Wright

(Abu-Dhabi, 2006) uma peça de aparência monolítica perfurada

(Luminária de pé Taliesin 2, 1955). Caixas empilhadas e afetadas

em sua parte inferior por uma imensa abóbada que emula, abstração

por um gesto unitário de torção, imaginável somente à escala

geométrica mediante, a arquitetura natural das grutas.

de um objeto (Santiago Calatrava, Turning Torso, Mälmo, 2005). Caixas cuidadosamente superpostas e cujas superfícies refletem

NOTAS

texturas diferentes como os usos mistos que integram o projeto

[1] Pequeno fragmento da descrição do próprio Jean Nouvel de sua obra

de Koolhaas para a torre de 52 andares em Jersey City (2006),

“Monolito”, erguida em Morat em 2002, com motivo da Exposição

frente a Manhattan e na margem oposta do Rio Hudson. Uma

Internacional Suíça. Disponibilizado em:

construção de gigantescos blocos didáticos froebelianos composta

[2] LAHUERTA, Juan José. “Personajes de Aldo Rossi”, em Carrer de la

por dezenas de enormes caixas-blocos de habitação coletiva que,

ciutat 12, 1980.

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1] 2] e 3] Santiago Calatrava: escultura e arranha-céu Turning Torso, Malmö, Suécia, 2005. 4] Santiago Calatrava: arranha-céu 80 South Street, Nova Iorque, 2003. Perspectiva do projeto e 6

detalhe de modelo 3D. 5] Rem Koolhaas-Oma: torre de 52 andares, Jersey City, 2006. 6] Rem Koolhaas-Oma: urbanização The Interlace, Singapura, 2008. 7] Dominique Perrault: Banco Central Europeu, Frankfurt, 2003. . 8] MVRDV: conjunto habitacional El Mirador, Madri, 2005.

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ARQUITETURAS OBJETUALIZADAS WoZoCo & Dosmasuno O projeto de habitações sociais WoZoCo do MVRDV (1994-1997) [1.14/50, 51] tem janelas e portas como qualquer outro edifício de seu tipo. Os materiais que afloram resultam familiares. Está claro que se trata de um edifício, de uma arquitetura. Porém, sobre a fachada norte projeta-se uma extensa série de volumes de grandes dimensões. O que de certa distância era anunciado como varandas, de perto são prismas do tamanho de completas unidades que aparecem acopladas milagrosamente como se estivessem imantados sobre a superfície do bloco regular que estrutura a composição. Esta hipótese estrutural, verossímil na escala dos pequenos objetos, torna-se altamente improvável na escala arquitetônica. Mesmo que saibamos que “existe truque”, não podemos deixar de perceber o conjunto com a liberdade compositiva de quem brinca com blocos didáticos. A fusão de códigos visuais tectônicos e objetuais instala uma sugestiva ambivalência de identidade e escala. Um recurso formal análogo é utilizado pelo escritório madrilense Dosmasuno para o conjunto residencial de Carabanchel (2003). Enquanto a fachada externa do bloco habitacional está resolvida com uma superfície plana e uma textura visual regular e uniforme, a face interior está eriçada de volumes de diferentes tamanhos e proporções que, como gavetas de um arquivo, projetam-se fortemente para fora do volume principal do edifício.

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LIVING ROOM Um projeto singular do Escritório Seifert + Stöckmann ergue-se na pequena cidade de Gelnhausen, na Alemanha. “Living Room” (1999-2004), de igual modo que a “Casa Rudin” (1997) de Herzog & de Meuron recorre à volumetria arquetípica da casa como imagem e registro inconfundível de sua função. Seu invólucro está pautado pela textura regular de um tabuleiro de xadrez de cheios e vazios que reformula a estrutura tradicional esperável de aberturas e reveste toda sua superfície, cobertura incluída. Se bem que as “janelas” apareçam individualmente com o tamanho habitual, o sistema não hierárquico e sua disposição regular e extensiva fazem com que o volume apareça como um pedaço de queijo geometricamente perfurado. De repente, e sem prévio aviso, um setor na parte superior da fachada principal, em frente a uma pequena pracinha, começa a se mover. Uma grande “gaveta” emerge, deslizando a partir do interior do volume, e projeta um cômodo inteiro em direção ao exterior, a céu aberto. Camada sobre camada, signo sobre signo, acumula-se informação que desafia a tectonicidade da obra e é pouco menos que inevitável percebê-la como um artefato subitamente aumentado de tamanho em meio da textura urbana tradicional do bairro. Poucos elementos encontram-se tão indissoluvelmente ligados à imagem do móvel como a gaveta. Poderíamos dizer que basta que algo tenha gavetas para que seja identificado como uma peça de mobiliário. As imagens recorrentes de Salvador Dalí nas quais

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1] A coluna em ruínas na paisagem. François Barbier: pavilhão em forma de coluna em ruínas para François Nicolas Henri Racine de Monville, Jardins du Désert de Retz, 1771. 2] Frederic Passy e família, donos entre 1856 e 1936. Foto de 1910 com conjunto de janelas no quarto andar e a incorporação de uma cobertura plana. 3] Thomais Kemmer:

modelo 3D da proposta para o concurso do Edifício do Chicago Tribune, 1922. . 4] Seção transversal conforme registro em Jardins anglo-chineses de George Le Rouge, 1785. 5] Agya Dinami: século XVI, Atenas. A pequena igreja ficou localizada sob o atual Ministério de Educação e Cultura da Grécia.

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alguns de seus personagens estão cheios de pequenas gavetas entreabertas, como símbolo de sua essência interior, são eloquentes deste fato (e, além do mais, as gavetas sempre escondem algo em suas entranhas).

AGIA DYNAMI Quando se decide a construção do atual edifício do Ministério de Educação e Cultura da República da Grécia, no terreno previsto no centro de Atenas, erigia-se, desde o século XVI, uma pequena igreja, a Agia Dynami. A nova torre decide “se arregaçar” e liberar parcialmente sua planta inferior para conservar a relíquia arquitetônica e cultural. O resultado ostenta um contraste dimensional e expressivo extremo entre a preexistência e o novo edifício, que modifica completamente a percepção da igreja, que hoje brilha como uma miniatura, um souvenir agigantado, um pequeno objeto em meio a um entorno cuja escala e textura espacial urbana são absolutamente estranhos a ela. A descontextualização extrema, a ausência total de referências originais isola a construção e a transforma – embora, apesar de sua evidente figuração – em um pequeno objeto “perdido” entre as extremidades de seus maiores, assomando entre os pilares da torre, em meio da paisagem que a arquitetura nos devolve hoje.

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FUSTE A coluna é um componente inerente à linguagem da arquitetura, e pelo mesmo motivo tectônico por natureza. Elemento essencial da tradicional estrutura de pórticos com associações antropomórficas, sua presença refere-se a conteúdos semânticos, formais, construtivos, estruturais e estáveis, funcionais e históricos. Em troca, sua presença isolada esvazia boa parte de seus conteúdos e os condensa no signo, na imagem sintética e representativa “do arquitetônico”. Transforma-o em um objeto icônico. Caso, além disso, a coluna seja habitada, como no pavilhão (ruína colossal) que François Barbier projeta para o Barão de Monville (Jardins du Désert de Retz, 1771) ou na proposta para o edifício do Chicago Tribune de Adolf Loos (Chicago, 1922), então teremos como resultado um componente arquitetônico transformado em objeto e através de sua função devolvido novamente ao universo arquitetônico. Seu valor comunicacional e autonomia de signo são tais que, apesar de estar cumprindo um papel essencialmente arquitetônico, como o de refúgio ou moradia, as propostas de Monville e Loos não podem, neste caso, deixar de ser percebidas como objetos colossais “arquiteturizados”(ou como arquiteturas fortemente objetualizadas). As escrivaninhas, aparadores ou móveis de uso misto que combinam superfícies de apoio e espaços para guardar costumam incluir em

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1] e 2] Joe Colombo: Mini-Kitchen, 1963. Reedição revisada, 2007, Boffi. 3] Salvador Dalí: “Vênus de Milo com gavetas”, 1936, detalhe. 4] e 5] Hans Peter Wörndl: Pavilhão Güklhupf, Viena, Áustria, 1993. Série fotográfica: Paul Ott. 6] Eileen Gray: móvel auxiliar com gavetas pivotantes para escritório de arquitetura, 1925.

121 x 205 x 49 cm. Coleção particular, Bruxelas. 7] Steven Holl + Vito Acconci: Storefront Gallery for Art and Architecture, Nova Iorque, 1993. 8] Combinado: rádio-tocadiscos décadas de 1950-1960. 9] e 10] Dominique Perrault: Centro Olímpico de Tênis, Madri, 2009.

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sua composição muitos elementos móveis: portas de abrir ou

Aníbal Parodi Rebella é doutor em Arquitetura pela

corrediças, planos de apoio ampliáveis, gavetas deslizantes,

ETSAM-UPM, Espanha, e arquiteto pela Universidade

elementos basculantes ou rebatíveis. Algumas vezes esta qualidade

da República, Uruguai, onde desempenha seu

flexível e transformável, característica das peças de mobiliário,

trabalho docente.

é reformulada em projetos de arquitetura aproximando identidades estéticas e lógicas de funcionamento. Caso confrontemos algumas peças de equipamento de rara beleza, como a escrivaninha que Eileen Gray projeta para si mesma em 1925 ou o carrinho-minicozinha de Joe Colombo (1963) [1], com a renovação da fachada da Galeria Storefront em Nova Iorque (Steven Holl e Vito Acconci, 1993), o Pavilhão temporário GuckHupf (Hans Peter Wörndl, 1992), ou inclusive com a Caixa Mágica de Dominique Perrault (Centro Olímpico de Tênis, Madri, 2002-2009) [1.14/67, 68], para tomar alguns exemplos de arquiteturas de dimensões bem diferentes, poderemos constatar como a marca objetual própria do móvel está presente em todos eles.

NOTAS [1] A minicozinha é um dos componentes apresentados sob a

denominação de Total Living Units na 13ª trienal de Milão de 1964, obtendo a medalha de ouro. O projeto original em aço e madeira foi reeditado recentemente em Corian branco. 3

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4 1] Dosmasuno: conjunto habitacional em Carabanchel, Madri, 2003. . 2] Salvador Dalí: “Cidade de gavetas”, ou “ O contador antropomórfico”, 1936. Óleo sobre madeira, 25,4 x 44,2 cm. 3] e 4] Seifert+Stöckman: Living Room, 1999-2004 . De repente e sem prévio aviso, um setor na parte superior da fachada principal, em frente a uma pequena pracinha, começa a se mover. Uma grande “gaveta” emerge, deslizando a partir do o interior do volume, e projeta um cômodo inteiro em direção ao exterior, a céu aberto. Camada sobre camada, signo sobre signo, acumula-se informação que desafia a tectonicidade da obra e é pouco menos que inevitável percebê-la como um artefato subitamente aumentado de tamanho em meio à textura urbana tradicional do bairro. 5] e 6] MVRDV: unidade habitação WoZoCo, Amsterdam, Holanda, 1994-1997. .

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