Discriminação por motivo de raça: percepções sobre identidade racial e suas implicações sobre discriminação múltipla e discriminação institucional

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DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE RAÇA: PERCEPÇÕES SOBRE IDENTIDADE RACIAL E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA E DISCRIMINAÇÃO INSTITUCIONAL Rodrigo Da Silva Mestre em Direitos Humanos Centro Universitário Ritter dos Reis [email protected] Resumo: O presente artigo tem por objetivo o aprofundamento dos estudos e percepções sobre identidade racial e a sua compreensão com base em estudos culturais e contra-hegemônicos. O entendimento de que a identidade racial decorre do pertencimento de determinado grupo minoritário e subordinado, assim como a consideração das questões culturais geradoras de hierarquias raciais e a ideia de que relações de poder atingem as identidades e as impõem situações discriminatórias, é uma via para a compreensão do tema. Aliado a isso, a percepção de que as identidades raciais são parte de um debate entre vetores essencialistas e de construto social se mostra adequada e pertinente para as questões identitárias. Utiliza-se de metodologia do tipo qualitativa e com a coleta de dados através da pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos e sítios de internet para o aprofundamento de conhecimento sobre a questão problematizada. Para tanto, se utilizará uma abordagem dialética com uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, isto no sentido de que os fatos não podem ser considerados fora de um contexto social, político, econômico, dentre outros, com a pesquisa qualitativa e de observação bibliográfica, tal sobre os temas correlatos ao tema principal. Nessa esteira, busca-se uma interpretação e aplicação jurídica da identidade racial inserta em critérios proibidos de discriminação de maneira contextualizada e com vistas a um princípio da igualdade e direito da antidiscriminação com concretude, assim como revelar as suas implicações em casos de discriminação múltipla e de discriminação institucional.

1 Introdução O artigo tem como objetivo aprofundar a compreensão acerca da discriminação por motivo de raça a partir de estudos culturais e contra-hegemônicos relativos às identidades e relacionando-os com a identidade racial negra. Especificamente, serão abordadas as questões citadas com os fenômenos discriminatórios da discriminação múltipla e da discriminação institucional em busca de subsídios para o enfrentamento das situações de desigualdades estruturadas na sociedade. Falar em discriminação racial remete a uma série de percepções e perspectivas que envolvem o tema, já que raça é um termo de constante luta e controvérsias no âmbito das relações sociais, políticas e jurídicas. Desse modo, conforme a visão e discurso empregados, os efeitos serão diversos, seja em alguma política pública no atendimento ao grupo racial merecedor de atenção ou relacionado a um eventual tratamento jurídico diferenciado injusto. Uma regra jurídica que prevê a proibição de discriminação por motivo de raça tem a sua elaboração para o atendimento de demandas de determinadas identidades subordinadas. Para tanto, o estudo das identidades raciais é conveniente para XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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se destacar como interpretar adequadamente as regras contidas em critérios proibidos de discriminação. Em contextos sociais determinados, haverá casos de desigualdades e discriminação cujas dinâmicas demandam específicos enfrentamentos pelo Direito. A análise daquilo que envolve as questões identitárias raciais serve como elucidação de situações discriminatórias complexas, como nos casos de discriminação múltipla e discriminação institucional. Entender as identidades inseridas em cenários cujas estruturas reforçam a subordinação dos negros e os invisibilizam é um caminho para o afastamento das consequentes vulnerabilidades jurídicas e sociais. Nesse compasso, o trabalho se estruturará da seguinte forma: Inicialmente, serão abordados alguns aspectos acerca da construção do conceito normativo de raça em tratados de direitos humanos relativos à raça, assim como se trará referências culturais à raça e à sua consideração como construto social e decorrente de noções contextuais e de pertencimento identitário. Ainda, serão apresentadas algumas perspectivas de entendimento sobre a identidade racial a partir de um discurso contra-hegemônico, parte da insurgência de saberes epistemológicos e políticos, como forma de dar voz e visibilidade àqueles que são historicamente subordinados. Na parte final, se correlacionará as questões de identidades raciais, critério proibido de discriminação relativo à raça e o enfrentamento de dinâmicas discriminatórias, como os casos de discriminação múltipla e de discriminação institucional.

2 A proibição de discriminação por raça e a identidade racial A discriminação é um fenômeno do âmbito jurídico no qual há a constatação de tratamentos diferenciados injustos, sendo definido normativamente na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (NAÇÕES UNIDAS, 2006) (já incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro). Em tal tratado tem-se por discriminação “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha o propósito ou o feito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública” (BRASIL, 2009). Como técnica jurídica para o enfrentamento da discriminação, há a lista de critérios proibidos de discriminação que elege manifestações de discriminação, tais como gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, deficiência e idade (FREDMAN, 2011, p. 38). Como vislumbrado, há inserção de determinadas identidades na listagem de critérios proibidos de discriminação mediante elaborações legislativas. Tal atividade legislativa não é em vão, pois decorre da atenção àqueles vitimados por situações discriminatórias. Com efeito, falar de discriminação e critérios proibidos de discriminação está conectado à ideia de identidade. Mas como compreender tais identidades? No caso deste trabalho, como XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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compreender a identidade racial e interpretá-la inserida nas normas jurídicas antidiscriminatórias? Um possível entendimento ao trato das identidades raciais é pelo estabelecimento de conexões entre o racismo e relações de poder (DELGADO, 2001, p. 2). Mais do que isso, a percepção de que o racismo é parte de uma série de atos discriminatórios que se renovam diariamente, de forma consciente ou não, naquilo que DELGADO (2001, p. 2) refere como “microagressões”. Assim, essas relações se sedimentam em determinadas estruturas de poder e de discriminação, baseadas, por exemplo, em padrões e estereótipos (DELGADO, 2001, ps. 26-28), cujas dinâmicas não visíveis devem ser descortinadas e combatidas. Como ferramenta analítica sobre o tema, o trabalho parte de uma perspectiva crítica, em contraposição, por exemplo, ao tradicional universalismo e abstração no que toca às identidades, sendo mister a consideração de contextos econômicos, sociais, políticos e históricos (DELGADO, 2001, p. 3). Assim, pensar sobre o racismo e as identidades raciais não se restringe a um tipo de identidade, ou melhor, as identidades não devem ser tidas como universais e fixas, sendo merecedoras de consideração quanto às suas diferenças em cenários sociais variados. Da mesma forma, isso reflete na interpretação das categorias jurídicas decorrentes das identidades. Em um sentido, há a essencialização das identidades raciais e o entendimento de que existiriam diferenças biológicas entre raças, o que foi uma das vertentes para a consolidação do racismo e a hierarquização de raças. De outro modo, tem-se que não há reducionismos biológicos quanto aos temas identitários, o que inclui raça, mas as identidades são construídas socialmente de acordo com contextos históricos (BEASLEY, 2006, p. 146). Nessa mirada, as identidades são parte de um processo em construção e de forma não acabada (BAUMAN, 1999, p. 50), de modo que sempre se constituem a partir de práticas discursivas e em uma multiplicidade de posições (HALL, 1996, p. 4). Aprofundando esse debate, também há a consideração de que as identidades são decorrência de atividades comportamentais e de convenções sociais que também advêm de relações definidas de poder (WEEKS, 2000, p. 28), a exemplo de poderes disciplinares (institucionalmente constituídos, como ensino, religião, medicina, direito) que impõem modelos dominantes, como ocorre em outras identidades como gênero e sexualidade (WEEKS, 2000, p. 41). Essa dicotomia essencialista/construcionista, assim como a referência às discriminações estruturadas em relações de poder é presenciada na produção normativa dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no tangente à identidade racial nas normas jurídicas. O desenvolvimento normativo seja no Sistema Universal de Proteção de Direitos Humanos seja no Sistema Regional Interamericano de Proteção de Direitos Humanos é um reflexo desse debate. Por exemplo, a partir da Declaração Universal de Direitos Humanos houve a adoção de catálogos de direitos universais, mas sem o atendimento à agenda das diferenças e ainda uma ênfase no cenário latino americano para assimilação e mestiçagem XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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das raças (mais um traço essencialista e sem consideração às diferenças e à ideia de identidade como construto social) (TORRES-PARODI Y BOLIS, 2007, p. 406). Já em período posterior, os termos raça e etnia como identidades culturais voltam-se às questões de diversidade, isso através da Declaração sobre Raça da Unesco (TORRES-PARODI Y BOLIS, 2007, p. 408). Seguindo os períodos de transformações histórico-normativas, com a Convenção de Viena houve a adoção de uma agenda estatal pela inclusão social e relação do racismo e opressão econômica (TORRES-PARODI Y BOLIS, 2007, p. 411) e por fim, com a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas de Intolerância, há um deslocamento para a consideração de múltiplas formas de discriminação e de identidades subordinadas (TORRES-PARODI Y BOLIS, 2007, p. 413). Nesse cenário e meramente exemplificativo, viu-se uma constante modificação no escopo normativo de abordagem acerca do tema identidade racial e combate às discriminações. De um ponto de vista individual e universalista, passando por tensões assimilacionistas, de classe até à perspectiva de estruturas de subordinação específicas diante de identidades múltiplas (SILVA, 2014). No Brasil, não foi diferente. A identidade negra começou a não ser aceita como parte do projeto de Nação brasileira, numa época conhecida pelo racismo cientificista e biológico (eminentemente essencialista), cujas vertentes propugnavam o embranquecimento no Brasil através da substituição da mão de obra negra por imigrantes europeus e teorias de miscigenação. (GUIMARÃES, 2004, p.11). Também se considerou o racismo como parte de uma opressão de classe e não inclusão do negro na sociedade (FERNANDES, 1978) e se abordou normativamente o tema de forma casuísta e individualizada, como na Lei Afonso Arinos, Lei n.º 1.390/1951 (BRASIL, 1951) ou em atenção às estruturas racistas na sociedade brasileira, com na Lei Caó, Lei n.º 7.716/1989 (BRASIL, 1989) e no recente Estatuto da Igualdade Racial, Lei n.º 12.288/2010 (BRASIL, 2010). As referências normativas revelam as diferentes abordagens sobre identidade racial e os diversificados tipos de agendas políticas e de legislação antidiscriminatória. O fato é que isso denota a necessidade de uma compreensão das identidades raciais inseridas em contextos discriminatórios e de como enfrentá-los de maneira conectada com a realidade social, histórica e cultural do grupo discriminado. Por exemplo, o não aprofundamento acerca de questões sobre identidade racial e a complexidade do fenômeno discriminatório pode ensejar incorretas compreensões, como a supervalorização de mitos, como o da democracia racial no Brasil que, no dizer de FRY (2005, p. 221) “faz mais do que apenas negar a verdadeira democracia racial. Ele tem a poderosa função de mascarar a discriminação e o preconceito.”. Logo, identidade racial e proibição de discriminação por motivo de raça devem ser compreendidos e relacionados com a cultura e com os seus elementos comportamentais, sendo o racismo não restrito a atos individuais e isolados, mas manifestado, moldado e subordinante de forma estruturada e sistematizada (FANON, 1980, p. 37). É o que FANON (1980, p. 35) chama de doutrina da hierarquia cultural como “uma modalidade da hierarquização sistematizada, prosseguida de maneira implacável”. Noutros XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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termos, identidade não tem como ser considerada em si mesma e isoladamente, mas de modo relacional com a sua historicidade (seu tempo), geograficamente (localizada) e conforme valores na qual se insere (CHÈRIF, 2013, p. 83). Identidades raciais, aspectos culturais e contextos discriminatórios insertos em estruturas de subordinação são notas comuns quando há o enfrentamento do racismo, constatação de desigualdades e a utilização dos institutos jurídicos do direito da antidiscriminação. A percepção das dinâmicas discriminatórias e o que decorre do debate acerca das identidades contribuem para uma interpretação e aplicação com maior concretude do principio da igualdade. Nesse compasso, a apropriação das demandas políticas de minorias historicamente subalternizadas, como no caso os negros que adotam o pertencimento a tal identidade, revela a perspectiva crítica referida acima (DELGADO, 2001, p. 3) alinhada à insurgência dos saberes subalternizados e contra-hegemônicos (MISKOLCI, 2014, ps. 1-2), como reflexo da produção de conhecimento decoloniais (MISKOLCI, 2014, p. 3) na compreensão e incidência da ciência jurídica na realidade social. Uma via a ser pavimentada ao lado de um constitucionalismo transformativo, com ideias decoloniais do sul global, em que o Direito oportunize mudanças sociais significativas em atendimento àquelas identidades historicamente subalternizadas, além de ser emancipatória em comparação ao tradicional constitucionalismo liberal (BAXI, 2013), ou seja, interpretar normas jurídicas de direitos fundamentais em atenção a esse caráter contextual necessário de cada realidade discriminatória e sua localidade. A identificação daqueles que se colocam socialmente, politicamente ou são tidos como sujeitos de direitos segue a lógica de suas inserções em cenários sociais que podem sofrer situações de discriminação. À identidade racial aderem outras identidades nas relações sociais e jurídicas cotidianamente. Quando há a concomitância de identidades dentro de estruturas de subordinação, como categorizar isso juridicamente? Há uma resposta jurídica a tal fenômeno? 3 Identidade racial e discriminação múltipla como discriminação interseccional As identidades vitimadas por discriminação são traduzidas juridicamente em critérios proibidos de discriminação. Dentre listas de critérios, pode-se colocar gênero, raça, orientação sexual, idade, religião e classe socioeconômica, não sendo uma lista fechada. Quando há alguma situação discriminatória, tais identidades/critérios proibidos podem se apresentar isoladamente, o que torna relativamente simples a incidência do direito da antidiscriminação nesses casos. Contudo, há momentos nos quais as discriminações são dirigidas a indivíduos ou grupos cujos critérios proibidos de discriminação estão presentes em uma mesma situação. Aqui, há a definição normativa da discriminação múltipla em normas jurídicas internacionais de proteção aos Direitos Humanos. Quando há a menção de discriminação múltipla, destaque-se que os tratados e convenções internacionais também mencionam os seus conceitos equivalentes, como “múltiplas formas de discriminação”, “múltiplas barreiras” ou “múltiplas e agravadas formas XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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de discriminação” (NAÇÕES UNIDAS, 1994; NAÇÕES UNIDAS, 1995; NAÇÕES UNIDAS, 2001). Para os fins dessa pesquisa, adota-se o conceito de discriminação múltipla, que é definida como o tipo de discriminação que ocorre quando há a concomitância de mais de um critério proibido de discriminação, em que se gera complexidade no caso discriminatório sob análise (BAMFORTH, MALEIHA e COLM, 2008, p. 517). O desenvolvimento do conceito de discriminação múltipla nas normas jurídicas é fruto de constantes debates no cenário internacional junto aos mecanismos de defesa dos Direitos Humanos. Com efeito, podem-se citar, exemplificativamente, três instrumentos normativos de proteção aos Direitos Humanos. Os dois primeiros referem-se às duas convenções no âmbito do sistema regional interamericano que preveem o conceito específico de discriminação múltipla. A Convenção Interamericana contra Toda a Forma de Discriminação e Intolerância e a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, aprovadas em 2013 e já vigoram no Sistema Interamericano, inclusive já ratificadas pelo Brasil. Nelas, há a expressa referência à discriminação múltipla: [...] Art. 1° - Para os efeitos desta Convenção: [...] 3. Discriminação múltipla ou agravada é qualquer preferência, distinção, exclusão ou restrição baseada, de modo concomitante, em dois ou mais dos critérios dispostos no Artigo 1.1, ou outros reconhecidos em instrumentos internacionais, cujo objetivo ou resultado seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes, em qualquer área da vida pública ou privada. [...].

Quanto à complexidade do fenômeno jurídico da discriminação múltipla, como compreendê-lo? Uma via é a através da consideração das intersecções de identidades (por exemplo, raça, classe, gênero, dentre outras) de maneira contextualizada. Os estudos são tributários do movimento feminista negro ou o Black Feminism estadunidense, no qual difundiu a ideia, como visto no item anterior, de que as identidades não devem ser essencializadas (BOND, 2013, p. 103) em uma abordagem interseccional contra as invisibilidades discriminatórias que podem ser geradas. Assim, cada caso concreto deve ser contextualizado, de acordo com as particularidades regionais, históricas, políticas, sociais e econômicas (CRENSHAW, 2002, p. 183). Nesse sentido, a discriminação interseccional pode ser definida como a experiência da discriminação resultando de dois elementos conceituais (1) intersecção de vários critérios identitários (que seriam vinculados a critérios proibidos de discriminação) em (2) estruturas de subordinação. Através dos elementos que compõem o conceito de discriminação interseccional é possível o aprofundamento da compreensão da discriminação múltipla e o seu eficaz enfrentamento (SILVA, 2014). A problematização da presença de identidades, como a identidade racial, de forma intersectada com outras identidades em questões de discriminação, reforça a ideia sobre os XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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contributos vindos dos estudos sobre identidade, seja no sentido de pertencimento, seja no que tange às hierarquias culturais constituídas em estruturas racistas. Aqui, importa atentar que a identidade racial, por vezes, não será considerada isoladamente quando houver a discriminação sobre algum indivíduo ou grupo. Ver as identidades não isoladas e com uma perspectiva desestabilizadora de padrões impostos por discurso vindos de relações de poder e de desconstrução de estruturas de subordinação (além da racista) auxilia no efetivo combate de contextos discriminatórios pautados no tempo e no espaço em sociedades marcadas por discriminações, sejam veladas ou explícitas. E a consideração disso em casos de discriminação múltipla, quando há a invisibilidade da própria discriminação, por vezes, é ferramenta analítica pertinente à solução dos conflitos e demandas geradas ao disciplinamento do direito da antidiscriminação. Ocorre que as identidades discriminadas em estruturas de subordinação nem sempre figuram somente no plano individual, mas também no plano coletivo. Mais do que isso, é possível a consolidação de discriminações em detrimento de determinado grupo identitário no âmbito institucional e em reforço e benefício daqueles que culturalmente detêm o poder e reforçam-se dentro das instituições. 4 Identidade racial e discriminação institucional A assertiva de que as discriminações se dão além do plano individual é uma referência de que o racismo pode também se dar institucionalmente (HENRY, 2010, p. 426). Por exemplo, apesar do combate ao racismo em níveis individuais, é possível a sua constatação no conjunto de fatores e padrões que o mantém, como o encarceramento massivo de negros e pobres (HENRY, 2010, p. 428), algo muitas vezes não perceptível e reproduzido pelas próprias instituições detentoras do poder e por aqueles determinadores das políticas públicas (HENRY, 2010, p. 429). Diante disso, pode-se propor uma problematização maior dos temas relativos às identidades raciais, suas questões de pertencimento, hierarquização cultural, contraposição às relações de poder e a via e a desconstrução dos padrões emergentes de estruturas de subordinação. A consideração disso para além do racismo cultural para um viés de racismo/discriminação institucional (HENRY, 2010 p. 431), em que atos institucionalizados fomentam círculos e padrões de discriminação perpetuadores de desigualdades a grupos identitários (como os negros) e com base em protocolos institucionais (HENRY, 2010, p. 435). Nesse sentido, as hierarquizações, estereótipos e construção de privilégios de uma branquitude em diversas instituições e em detrimento da negritude são caracterizadores da discriminação institucional. Vale ressaltar que muitas vezes tal discriminação institucional se dará de forma não aparente e não intencional (HENRY, 2010, p. 437), o que demonstra a necessidade de se problematizar essas situações e atingir resultados antidiscriminatórios concretos. Reforçando o dito acima, a concepção individualista e por vezes essencializadora de identidades não dá conta dessas demandas, diante de padrões de exclusão e XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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desigualdades persistentes aos grupos identificados com minorias políticas, como os negros, cujas soluções em subsídio ao direito passam pelo exame das dinâmicas culturais, pela resistência nos cenários institucionalizados e na análise e frente às hegemonias (SHEPPARD, 1998, p. 146). Como na discriminação múltipla e o seu entendimento pela discriminação interseccional, em seu elemento das estruturas de subordinação, as identidades são atingidas por esses padrões discriminatórios estruturais. Isso pode se dar dentro das instituições e revelar as práticas institucionais reforçadoras das desigualdades. Tais práticas e efeitos podem ser definidos como discriminação sistêmica, cujas práticas institucionais têm interação e produzem efeitos de exclusão de membros de grupos minoritários (SHEPPARD, 1998, p. 157). Nesse sentido, a análise contextualizada não só no âmbito social em que as identidades se relacionam, mas no interior das instituições e suas estruturas e sistemas reforçadores de discriminação merecem uma atenta análise. O não acesso às determinadas políticas públicas ou a violência sistêmica sofrida pelos negros é um exemplo de como se pode constatar não só discriminações individuais, mas institucionais que reforçam os padrões hegemônicos dos detentores do poder institucionalizado. Ainda, ao contextualizar-se esse tipo de situação desigual, a presença simultânea de outras identidades em critérios proibidos de discriminação pode não só aumentar os efeitos daqueles que sofrem com a discriminação no seio das instituições, como pode tornar invisível a própria discriminação. 5 Conclusões O artigo procurou uma compreensão concreta dos cenários em que se dão discriminações por motivos de raça e seus efeitos em casos de discriminação múltipla e de discriminação institucional. Para tanto, buscou-se um aprofundamento sobre as identidades, como a identidade racial, e a sua tradução jurídica como critério proibido de discriminação. O entendimento de que a identidade racial decorre de questões culturais, de pertencimento e de contraposição às hegemonias e relações de poder que a coloca como subalternizada e hierarquicamente inferior é uma perspectiva a ser adotada pelo direito da antidiscriminação. Isso tem como reflexo na efetividade dos combates às discriminações. O estabelecimento de uma interpretação jurídica desestabilizadora de padrões discriminatórios estruturados quer na sociedade quer nas instituições, tem como resultado a visibilidade das discriminações muitas vezes não percebidas e uma proteção jurídica atenta às demandas identitárias subordinadas. Referências

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XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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