(Des)aparecendo

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Descripción

(Des)aparecendo
Rodrigo Contrera
Falando com o Bac e o Alex, o primeiro amigo de muitos anos atrás, o segundo colega dele, numa lanchonete próxima à Estação Pinheiros do metrô, o último deixou sair uma frase que me deixou pensando: "a garota quer reconhecimento antes de ser atriz". "A garota" referia-se a uma garota qualquer, que por algum motivo quereria atuar ou aparecer como atriz em algum lugar, qualquer um.
É fácil concordar com o Alex. Realmente, no mercado em que atuamos – o da representação, seja para teatro, cinema ou tv –, muitos jovens parecem querer ser reconhecidos, brilhar, antes mesmo de serem alguma coisa, e essa "alguma coisa" seria ser ator/atriz. Há pouco, sábado passado, num teste para uma companhia bem distante de casa, eu vi esse fenômeno da boca de uma garota. Ela disse que queria fazer sucesso, aparecer ou algo assim. Assim. Com essa ingenuidade toda. Ainda bem que eu não ri (na verdade, nem tive vontade de rir). Falei com ela seriamente e veremos se ela interpretou também seriamente.
O que eu queria comentar é uma lógica que normalmente passa batida quando nos defrontamos com observações desse tipo. Pois é fácil criticar, dizendo que a garota tá errada – e tá –, que sendo assim deveria deixar de pensar em atuar, que melhor seria se virasse sei lá o quê – os epítetos começam com ser garota de programa mais ambiciosa. Quando homens comentam o caso, normalmente riem – embora não deixem de se sentir de certa forma envolvidos com a situação.
Eu acho triste e sintomático. Triste porque parece um desejo desesperado. Querer ser reconhecido sem merecer é, a meu ver, quase um sintoma de delírio. Tanto que a esquizofrenia paranoica caracteriza-se por isso mesmo – por um achar-se o que não se é. Ou seja, por fazer a pessoa achar que é algo que não tem a menor capacidade de ser. É delirante sentir que a pessoa pode ser algo ao que nem começou a se dedicar. De onde viria isso, por sua vez? Daí a segunda parte desta breve reflexão.
Somos bombardeados com mensagens que nos dizem que temos de ser alguém. Tem quem acredite, e isso facilita sobremaneira o trabalho desses sujeitos que querem vender produtos para públicos de todos os tipos. Quando você não tem muito bom-senso, tende a acreditar que isso é verdade. Que basta você ter uma coisa qualquer que outra lhe será dada. Que tendo dinheiro terá garotas. Que tendo sucesso, terá garotas. Que tendo garotas, terá autoestima. Que tendo sucesso, a tua autoestima melhorará e tua mãe gostará de você. Isso se aplica a quase tudo. Tanto que o cara perde o emprego e acha que perdeu tudo – inclusive e principalmente aquilo que não faz parte do "pacote" incluído na grana conseguida com o emprego. Quando o cara consegue o emprego, então, acha que ganhou bem mais do que isso – e fica feliz não tanto pelo emprego, mas por tudo isso que parece ter conseguido.
A garota em questão deve achar que fazendo sucesso poderá conseguir outra coisa qualquer. Que, quem sabe, com isso as pessoas não a considerem mais tão limitada como ela realmente é –, que a vida não seja tão sofrida – como ela realmente é –, que os amigos não zombem de seus sonhos – como realmente zombam –, que sua mãe finalmente sinta que ela achou um lugar na vida – algo que por algum motivo ela ainda não tem. Em suma, a garota em questão perguntou quase por perguntar. Ou seja, claro, não deveria ter perguntado. Mas perguntou.
Não achem que com estas observações eu relativizo minha opinião a respeito desse costume de alguns jovens, geralmente bonitos e bonitas, que pelo visto vêem na oportunidade de atuarem uma via fácil para fazer o que muitos de meus colegas mais próximos desprezam – tudo do mesmo, ou seja, tudo o que, no fundo, mal dá para sustentar uma carreira, um nome, uma posição, um perfil, que seja. Eu não gosto disso, não mesmo, e costumo perder um pouco a paciência com esse costume de determinado tipo de gente. Mas não podia também deixar de refletir um pouco a respeito, e por causa disso fiz estas linhas. Tomara que aos poucos esse costume acabe, mas, pelo pouco que conheço do mundo e da vida, bem sei que isso não deve mesmo acontecer. Muito ao contrário.






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