Corpos colonizados – Reflexões sobre Raça e Deficiência*

June 24, 2017 | Autor: Marco Gavério | Categoría: Disability Studies, Postcolonial Studies, Crip theory, Sociologia
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Corpos colonizados – Reflexões sobre Raça e Deficiência Marco Antonio Gavério - UFSCar Prof. Dr. Jorge Leite Junior (orientador) Introdução e Objetivos Utilizando como base a obra Pele Negra, Máscaras Brancas de Franz Fanon, este pôster tenta estabelecer uma analogia com alguns conceitos utilizados pelo autor sobre o corpo negro para pensar o corpo deficiente e sua aparente “zona do não-ser”. A análise ancora-se na trama do filme Freaks (1932) e as discussões sobre o conceito de Ableism, que vem permeando as

teorias sociais sobre deficiência no marco teórico dos Disability Studies, para refletir e 'colocar em dúvida a noção de funcionalidade natural dos corpos que se estabelece e fixa-se na oposição aos corpos deficientes, considerados disfuncionais, bem como indicar, preliminarmente, a produção da deficiência como significante estanque fundamental para a caracterização de corpos não-deficientes.

O choque colonial e o corpo negro Da leitura de “Pele Negra, Máscaras Brancas” de Franz Fanon, destaco dois pontos: em primeiro lugar, sobre as relações raciais, pois é a partir da experiência do negro em um mundo colonial que se caracteriza o racismo em uma linguagem para além do determinismo biológico sobre as diferenças raciais. A inferioridade do negro se dá no momento em que o branco toma somente para si a condição de ser humano. A ruptura para a construção deste mundo racializado está no choque colonial. A colonização é o processo de diferenciação que se aloca na epiderme, na cultura e nas relações a partir de um processo objetivo e subjetivo alocando o negro à zona do não-ser . O segundo ponto é um desembocar próprio da obra de Fanon: o esquema corporal do colonizado. Devido a sua desumanização, o homem negro necessita reaprender a posicionar seu corpo em um mundo insensível à sua diferença. A ontologia do colonizador não permite que seja possível uma ontologia do colonizado, a não ser como mero objeto, ou ainda, um “objeto em meio a outros objetos”. A resistência ontológica do negro, assim, se esvai, pois os negros só existem em relação ao branco, humano por sua definição. Em torno do corpo [negro] reina uma atmosfera densa de incertezas devido ao esquema histórico-racial, construção anterior ao próprio

corpo que emoldura e coordena o olhar objetivo e subjetivo do negro sobre si. Portanto, o regime de verdade colonial cria a ambivalência a partir da fixidez dos significantes (Homi Bhabha, 1998), que de certa maneira reside no corpo – significado - através de sua representação em forma de estereótipo. O estereótipo é a prática discursiva ambivalente materializada, corporificada, de articulações hierarquizantes das diferenças raciais.

O esquema corporal deficiente – corpo e raça através de Fanon

> Lançando mão da reflexão da teórica Fiona Kumari Campbell podemos

O controverso filme Freaks (1932) de Todd Browning aborda de maneira intrigante aquilo que

pensar a atitude da personagem através do conceito de 'ableism': “uma rede de

chamo de 'esquema corporal deficiente' através da personagem Cleópatra: uma bela trapezista

crenças, processos e práticas que produz um tipo particular de self e corpo (o

que se casa com Hans – um simpático anão – por simples interesse em sua fortuna, mas que se

padrão corporal) que é projetado como perfeito, modelo típico da espécie e,

recusa a se tornar parte integrante da comunidade das 'aberrações' circences.

portanto, essencial e plenamente humano. Deficiência, em seguida, é colocada

A personagem traduz uma ansiedade social que se baseia em termos interacionais e estéticos,

como uma forma indigna de ser humano.” (Campbell, pp.4, 2008).

em que, a inimaginável possibilidade de mudança para um corpo que não é desejável devido à sua anormalidade estigmatizável, fixada em seu significante, afeta não somente aqueles que têm sua materialidade corporal alterada, mas também diz respeito aos que se relacionam, ou mantém laços afetivos e sexuais, com corpos outros, vistos como anormais, desviantes. >

Assim podemos refletir que o esquema corporal deficiente existe a partir de uma oposição binária entre o não-deficiente e aquele considerado deficiente. O primeiro forja as condições ideais para se opor ao segundo, que é criado a partir dessa oposição. Muito parecido com a ausência ontológica do corpo negro que nos falava Fanon. O que o ableism faz é apagar as diferenças numa lógica de igualdade funcional dos corpos que necessita fundamentalmente da noção de

deficiência no seu núcleo para construir a noção de normalidade, constituindo correlacionalmente os fenômenos, que se cristalizarão em formas de 'relações habilistas', como salienta Campbell, em que “o rebelde corpo deficiente é necessário para uma constante reiteração da "verdade" essencial do ser humano que é dotado de atributos masculinistas de certeza, sabedoria e autonomia.” (Campbell, pp. 5, 2008).

Conclusão O corpo é o lugar da marca da diferença. Muito menos em um sentido natural do que em um sentido sócio-cultural. Talvez seja pertinente salientar que por mais que o corpo e a corporeidade sejam fundamentais para pensarmos sujeitos, PRINCIPAIS REFERÊNCIAS

a sua localização no mundo faz parte de um jogo que envolve sua carne e aquilo

BHABHA, Homi. A outra questão. In O local da cultura. Editora UFMG. Belo Horizonte, 1998 CAMPBELL, Fiona Kumari. “‘Refreshingly Disabled': Interrogations into the Corporeality of 'Disablised' Bodies.” Australian Feminist Law Journal12 March (1999): 57-80. ______________________. 'Able' - Refusing Able(ness): A Preliminary Conversation about Ableism M/C Journal, Vol. 11, No. 3 (2008) – http://journal.media-culture.org.au/index.php/mcjournal/article/view/46

que ela significa enquanto lócus de experiencias sociais e culturais. Por outro lado é necessário dizer que sujeitos são esses, através de seus corpos, e de como esse eu corporificado reage e resiste a locais culturais opressivos.

FANON, Franz. Pele Negra, Máscaras Brancas. EDUFBA. 2008

Caracterizar esses locais que oprimem determinados sujeitos, os transformam

Freaks (1932). Dir. Tod Browning. MGM. IMAGENS http://www.donlonbooks.co.uk/Westside%20rendezvous.html http://www.officialbound.com/ http://www.advertolog.com/nike/print-outdoor/awkward-2888955/ http://www.imdb.com/title/tt0022913/

em outro e cristalizam nele uma inferioridade vista como natural, é fundamental para compreendermos minimamente os processos de subalternização das diferenças.

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