Confiança legítima – com efeitos ex tunc – referente a valores percebidos em decorrência de sentença rescindida (voto em decisão judicial, TRF2, proc. 2014.51.01.008122-4)

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Nº CNJ RELATOR PARTEA ADVOGADO PARTER REMETENTE ORIGEM

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2014.51.01.008122-4

0008122-42.2014.4.02.5101 DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO ROGERIO ESBERARD CAPANEMA E OUTROS LUCIENE BARBOSA DA SILVA LIMA E OUTRO UNIÃO FEDERAL JUÍZO DA 30ª VARA FEDERAL -RJ 30ª VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (201451010081224)

RELATÓRIO

Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado por ROGERIO ESBERARD CAPANEMA E OUTROS contra ato coator DIRETOR DO SERVIÇO DE INATIVOS E PENSIONISTAS DA MARINHA, objetivando impedir a realização de descontos em seus proventos a título de reposição ao erário. Os impetrantes, por força de sentença transitada em julgado proferida pela 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro nos autos do Mandado de Segurança nº 2001.51.01.014768, obtiveram o direito à percepção de pensão especial de excombatente, com efeitos retroativos a agosto de 2001. No entanto, objetivando desconstituir a mencionada sentença, a União Federal ajuizou a ação rescisória nº 2007.02.01.010564-7, a qual foi julgada procedente pela 3ª Seção Especializada dessa Corte. Diante de tais fatos, procedeu a Administração Pública ao cancelamento do benefício, notificando os impetrantes acerca da obrigatoriedade de restituir ao erário todos os valores recebidos a tal título entre agosto de 2001 e março de 2014. A decisão de fls. 88/89 indeferiu a medida liminar. Irresignados, os demandantes interpuseram o agravo de instrumento nº 2014.00.00.102666-7 (fls. 95111), que ficou prejudicado em razão da superveniência de sentença nos autos da ação originária (fls. 285-286).

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Informações da autoridade coatora prestadas às fls. 119-162. Petição de fls. 251-252 informando a desistência da ação pela impetrante Sandra Correa de Castro. A sentença de fls. 256-259 concedeu a ordem, nos seguintes termos: Ante ao exposto, JULGO EXTINTO o feito sem julgamento de mérito, com base no art.267,VIII, do CPC, em relação à autora Sandra Corrêa de Castro. Outrossim, em relação aos demais impetrantes, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para declarar indevida qualquer restituição ao Erário das verbas já recebidas pelos impetrantes a título de pensão especial de ex-combatente com base na decisão do mandado de segurança nº 2001.5101014768-0.

O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento da remessa necessária (fls. 299-302). É o relatório. Peço dia para julgamento.

RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Consoante relatado, cuida-se de remessa necessária contra sentença proferida em mandado de segurança, que concedeu a ordem para determinar que a autoridade coatora se abstivesse de realizar descontos nos proventos dos impetrantes. Na espécie, trata-se de mandado de segurança impetrado por militares reformados e dependentes de militares já falecidos que, em decorrência de sentença judicial transitada em julgado, passaram a fazer jus à acumulação dos proventos relativos aos postos ocupados no Exército Brasileiro juntamente com a pensão especial de ex-combatente. Ocorre que, em virtude da desconstituição de tal sentença em sede de ação rescisória, pretende a União Federal ressarcir-se dos valores pagos à título de pensão especial de ex-combatente aos impetrantes, mediante a incidência de descontos em seus de proventos aposentadoria e pensão por morte. Com efeito, o caso dos autos suscita inequivocamente do tema da proteção dos cidadãos frente aos atos da Administração, notadamente com fulcro no princípio da confiança legítima. O referido princípio, que surgiu na Alemanha na década de 1950, está intimamente relacionado à ideia de segurança jurídica. Entretanto, para além da simples noção de estabilidade, a proteção da confiança abrange todo um espectro de salvaguarda das relações legitimamente firmadas com a Administração Pública, tangenciando outros preceitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a proibição do retrocesso. No que concerne à legislação brasileira, o art. 55 da Lei nº 9.784/99 dispõe que a convalidação a qualquer tempo de atos ilegais depende da ausência da lesão a interesse público, que, vale dizer, não se confunde com o interesse da Administração.

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Todavia, apesar da lacuna, a convalidação deve limitar-se apenas quando necessária ao atendimento do interesse individual daqueles que dela se aproveitam em razão da confiança manifestada no poder público, evidenciada sempre que existirem sérias razões para acreditar-se na estabilidade do ato administrativo. Então, a regra passa a ter relação direta com o princípio da confiança legítima, nos moldes em que previsto atualmente no §48, número 2 do Código Alemão de Procedimentos Administrativos/ VwVfG. No caso vertente, uma vez que o recebimento da pensão especial de excombatente encontrava-se amparado por decisão judicial transitada em julgado, observa-se que, a despeito de sua posterior desconstituição por meio de ação rescisória, criou-se uma inequívoca atmosfera de segurança e estabilidade para os interessados. Realmente, havendo sentença definitiva concedendo-lhes o benefício, não seria razoável que os impetrantes deixassem de utilizá-lo em razão da possibilidade de tal provimento vir a ser anulado, em até dois anos, por meio de ação rescisória. Nessa dinâmica, mostra-se desnecessária a reposição de quaisquer valores ao erário, impondo-se, por conseguinte, a obrigatoriedade de devolução de todas as parcelas já descontadas dos benefícios dos impetrantes, acrescidas de juros de mora e correção monetária Sobre o tema, confira-se reiterada jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça (STJ):

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE DESCONSTITUÍDA POR MEIO DE AÇÃORESCISÓRIA. RESSARCIMENTOAO ERÁRIO.DES NECESSIDADE. BOA-FÉ DO SERVIDOR. PREQUESTIONAMENTO PARA FINS DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INVIABILIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia acerca da necessidade de ressarcimento ao Erário de valores recebidos indevidamente pelo agravado, por força de decisão judicial posteriormente desconstituída por meio de Ação Rescisória. In casu, o agravado recebeu o pagamento relativo ao índice de 84,32%. 2. O STJ analisa a matéria sob duas óticas: a) o

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pagamento supostamente indevido ocorre por erro da Administração, ou interpretação errônea, ou aplicação inadequada de lei; ou ainda por decisão judicial transitada em julgado; e b) o pagamento decorre de decisão judicial de caráter precário. 3. No primeiro caso, o STJ entende que " eventual utilização dos recursos por parte dos servidores para a satisfação das necessidades materiais e alimentares é plenamente justificada. Objetivamente, a fruição do que foi recebido indevidamente está acobertada pela boa-fé, que, por sua vez, é consequência da legítima confiança de que os valores integravam o patrimônio do beneficiário." (AgRg no RESP 1.263.480/CE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, Dje 9.9.2011). Assim, não é necessária a restituição dos valores recebidos indevidamente ao Erário, desde que comprovada a boa-fé do servidor. 4. Destaco ainda que, no julgamento do Resp 1.244.182/PB, de relatoria do Min. Benedito Gonçalves, submetido ao rito dos recursos repetitivos, consignou-se que o art. 46 da Lei 8.112/1990 deve ser interpretado com temperamentos, em razão dos princípios gerais do direito, como o da boa-fé. 5. Sob pena de invasão da competência do STF, descabe examinar questão referente ao art. 97 (cláusula de reserva de plenário) da CF/88 em Recurso Especial, ainda que para viabilizar a interposição de Recurso Extraordinário. 6. Agravo Regimental não provido. (STJ, 2ª Turma, AGARESP 201201739955, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 09.05.2013)-grifo nosso. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESCONTO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL RESCINDIDA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. SEGURANÇA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. IMPROCEDÊNCIA. TEMA DECISÓRIO PACIFICADO. 1. No presente caso, foi realizado o devido cotejo analítico entre o acórdão recorrido e os acórdãos indicados como paradigmas, atendendo-se o indispensável ao conhecimento. Além de indicadas e transcritas as ementas, foi construída a comparação da fundamentação decisória, evidenciando-se a aplicação divergente do direito em hipóteses fáticas similares. Ademais, a jurisprudência é do Tribunal, no que não procede o argumento de que é inviável o provimento do recurso especial com base na jurisprudência da Terceira Seção. 2. Consoante reiterada jurisprudência do STJ, não é devida a restituição ao erário, pelos servidores públicos, de valores de natureza alimentar recebidos por força de sentença transitada em julgado e posteriormente desconstituída em ação rescisória, por estar evidente a boa-fé do servidor. Precedentes: REsp 828.073/RN, Rel. Celso Limongi (Desembargador

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convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 22.2.2010; AgRg no Ag 1.127.425/RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 8.9.2009; REsp 1.104.749/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 3.8.2009; AgRg nos EDcl no REsp 701.075/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 20.10.2008; REsp 673.598/PB, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 14.5.2007, p. 372. Agravo regimental improvido. (STJ, 2ª Turma, AGRESP 201001147318, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJE 01.12.2010) – grifo nosso.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA.

RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

 

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0008122-42.2014.4.02.5101 DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO ROGERIO ESBERARD CAPANEMA E OUTROS LUCIENE BARBOSA DA SILVA LIMA E OUTRO UNIÃO FEDERAL JUÍZO DA 30ª VARA FEDERAL -RJ 30ª VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (201451010081224) EMENTA

ADMINISTRATIVO. PENSÃO EX-COMBATENTE. CONCESSÃO POR SENTENÇA POSTERIORMENTE RESCINDIDA. CONFIANÇA LEGÍTIMA. DESNECESSIDADE DE REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. 1. Pensão de ex-combatente deferida por sentença judicial transitada em julgado a militares de carreira e seus dependentes. Desconstituição da mencionada sentença por ação rescisória, julgada procedente para consignar a inexistência de direito ao benefício em comento. Determinação administrativa de devolução do montante recebido. 2. Verificação dos pressupostos da confiança legítima. Princípio que permite a manutenção dos efeitos favoráveis oriundos de atos administrativos inválidos quando as condições postas pela Administração Pública tenham levado o interessado a crer na efetiva segurança e na imutabilidade do ato em questão. 3. A despeito da posterior desconstituição da sentença que concedeu a pensão de excombatente aos interessados, é certo que a existência de um provimento judicial definitivo criou inequívoca atmosfera de segurança e estabilidade para os interessados. Ausência de razoabilidade em exigir-se que os beneficiários deixassem de utilizar os respectivos valores em razão da mera possibilidade de que a mencionada sentença viesse a ser rescindida. Consolidada jurisprudência do STJ no sentido da impossibilidade de reposição ao erário de valores recebidos por força de sentença desconstituída por ação rescisória. (STJ, 2ª Turma, AGARESP 201201739955, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 09.05.2013; STJ, 2ª Turma, AGRESP 201001147318, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJE 01.12.2010). 4. Remessa necessária não provida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária, na forma do relatório e do voto, constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Rio de Janeiro, 12 de maio de 2015.

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