Colégio Culto à Ciência. Elementos de sua trajetória histórica

August 18, 2017 | Autor: Mirza Pellicciotta | Categoría: History of Education
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COLÉGIO CULTO À CIÊNCIA: ELEMENTOS DE SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA Mirza Pellicciotta

Os primeiros registros do Colégio Culto à Ciência datam de 6 de fevereiro de 1869, momento em que um grupo de ilustres agricultores e profissionais liberais 1 informa à cidade a criação de uma sociedade destinada a instalar em Campinas uma instituição de ensino primário e secundário de caráter leigo (neutro, frente à questão religiosa), centrado no aperfeiçoamento moral e intelectual dos alunos. Constituída exclusivamente por maçons da Loja Independência (instalada em julho de 1859)2 e da Loja Fraternidade Campineira (instalada em setembro de 1859)3, a Sociedade Culto à Ciência realiza sua primeira assembléia em 19 de maio de 1869, momento em que apresenta numa “reunião no Paço Municipal, com numerosa presença de representantes das famílias mais importantes” o seguinte manifesto:

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Manifesto “assinado pelos maçons Antônio Pompeo de Camargo, Manoel Ferraz de Campos Sales, Jorge de Miranda, Joaquim Quirino dos Santos e Cândido Álvaro de Sousa Camargo”. Francisco Stolf Netto. No Passado, a Maçonaria Campineira e o Ensino. Texto mimeografado, 13/02/1998, p3 2 À Loja Independência pertenciam: Joaquim Quirino dos Santos, Manuel Ferraz de Campos Sales, Jorge de Miranda (irmão de Francisco Glicério), Cândido Álvaro de Sousa Camargo. No curso do tempo, integraram também esta loja: Alberto Sarmento, Irineu Chechia, Álvaro Muller, Joaquim Correa de Melo, Álvaro Ribeiro, Joaquim Quirino dos Santos (Cel. Quirino), Antônio Carlos Moraes Sales, Jorge Henning, Antônio Franco Cardoso, José Gerin, Austero Penteado, José Paulino Nogueira, Bento Quirino dos Santos, José Pedro Santana Gomes, Bernardino de Campos, José Santana Gomes, Campos Salles, Leopoldo do Amaral, Cândido Álvaro de Souza Camargo, Orosimbo Maia, Carlos William Stevenson, Otto Langaard, Christiano Wolkart, Pedro Magalhães, Francisco de Paula Ramos (Ramos de Azevedo), Philemon de Cuvillon, Quintino Bocaiúva, Francisco Quirino dos Santos (Dr. Quirino), Rafael Abreu Sampaio, Francisco Ursaia, Tomas Alves, Gustavo Enge. 3 À Loja Fraternidade Campineira pertenciam: Antônio Pompeo de Camargo, Joaquim Bonifácio do Amaral (depois Visconde de Indaiatuba), Joaquim Egidio de Sousa Aranha (depois Marquês de Três Rios), Jorge Guilherme Henrique Krug,

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Segundo os proponentes do documento: "Convencidos de quanto é sensível nesta cidade a falta de um estabelecimento que se destine ao ensino no primário e secundário, regularmente montado, de modo a poder realizar com o aperfeiçoamento possível a educação moral e intelectual dos alunos; convencidos de que esta falta, dificultando a educação dos filhos deste município, embaraça de modo extraordinário o seu progresso moral, e assim neutraliza os grandes elementos de prosperidade que já possui; convencidos, finalmente, de que já é tempo de providenciar decisivamente sobre uma tão palpitante quanto urgente necessidade, tem os abaixo assinados, para o fim de fazer edificar ou reconstruir um prédio com as acomodações especiais para o referido estabelecimento de ensino, se associado nas condições abaixo descritas..”

Ao final da assembleia, a Sociedade Culto á Sciência elege sua primeira diretoria 4 e a comissão encarregada de redigir os estatutos5, seguindo-se pouco tempo depois a aquisição do terreno destinado à escola.

O processo de constituição do Colégio, por sua vez, exigiu a superação de uma série de dificuldades e, entre o manifesto convocatório de 1869, o lançamento da pedra fundamental do edifício em 1873 e a instalação do colégio, propriamente dita, em 1874, foram necessários diversos movimentos.

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A primeira diretoria seria formada por Joaquim Bonifácio do Amaral (futuro Visconde de Indaiatuba), Joaquim Egidio de Sousa Aranha (futuro Marquês de Três Rios) e Jorge Guilherme Henrique Krug, da Loja Fraternidade Campineira, e por Joaquim Quirino dos Santos, da Loja Independência. Francisco Stolf Netto, op. Cit, p.3 5 A comissão de redação dos estatutos seria composta por Manuel Ferraz de Campos Sales, Jorge de Miranda (irmão de Francisco Glicério) e Cândido Álvaro de Sousa Camargo, todos membros da Comissão de Justiça da Loja Independência. Francisco Stolf Netto, op. Cit, p.3

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A cidade de Campinas já contava na década de 1870 com diversas escolas e colégios; instituições, aliás, em que se formaram parte dos proponentes do Colégio Culto á Sciência. Segundo Francisco Stolf Netto, constavam entre elas a Escola de João Batista Alves de Souza (mais conhecida como Escola do João Coração e na qual estudara Carlos Gomes)6, a Escola de Quirino Amaral Campos7 , o Colégio São João Batista (internato) 8 , o Colégio Florence (para meninas) 9 , a Escola Alemã 10 , o Colégio Internacional11, entre outros. O Colégio São João Batista, um internato instalado no interior da Fazenda Laranjal pelo professor João Batista Pupo de Morais, parece ter despertado de maneira particular o interesse de Antonio Pompeu de Camargo, talvez o principal idealizador do Culto á Sciência, a criar um colégio num formato semelhante (que aproveitasse suas experiências), sem vinculações com o ensino religioso. Este internato, que funcionou por 10 anos (1862/1872), ensinava “leitura, escrita, gramática portuguesa, francesa, latim, geometria, geografia e aritmética além do doutrinário católico”, contando com “bons mestres” 12 . No entender de Adriana Lech Cantuária: “A cidade de Campinas em 1869 era uma cidade em franco desenvolvimento. Como mostra Carmen Moraes (1981), o Almanaque para o ano 1870 (...) estima a população da cidade em cerca de 10.000 pessoas e a do município em 30.000 (entre cidadãos livres, escravos e colonos estrangeiros), acrescentando algumas particularidades: havia 7 irmandades religiosas (sendo que uma delas contava com mais de 860 irmãos e as outras 6 com mais de mil, 8 sociedades de dança, 2 dramáticas, 1 carnavalesca, 2 de caridade, 4 de instrução e leitura (residindo a maioria dos sócios na cidade). O comércio compunha-se de 70 lojas de fazenda e ferragens, 160 molhados e tavernas, 10 comissões, depósitos , etc. Eram 330 os lavradores de café, açúcar e algodão, sendo que a maior parte frequentava a cidade e a maioria nela tinha seus filhos. Nas escolas públicas e particulares da cidade estavam matriculados 570 alunos e 130 nas rurais (é importante lembrar que nesta época, muitos filhos de famílias abastadas estudavam em internatos da capital e da região, principalmente no Colégio São João do Lageado de Sorocaba, bem como outros, principalmente as meninas, eram educados em casa, por preceptores contratados para este fim). Segundo João Lourenço Rodrigues (1952), estes 570 alunos se distribuíam em 4 escolas primárias de instrução pública (as chamadas escolas régias), alguns externatos particulares para ensino elementar (sendo o mais importante o do professor Malaquias Ghirlanda) e instituições 6

Carlos Gomes foi maçon, iniciado em 24/05/1859 na Loja Amizade de São Paulo. Francisco Stolf Netto, op. Cit, p.2 Local em que estudaram os maçons Manuel Ferraz de Campos Sales, Francisco Glicério e Leopoldo Amaral. 8 Colégio criado por João Batista Pupo de Moraes, na fazenda Laranjal (Distrito de Joaquim Egídio) para ensinar a ler, escrever, contar, gramática francesa, latim, geometria, geografia e doutrina cristã. Entre seus alunos estiveram os maçons Bento Quirino, Bernardino José de Campos e Manuel Ferraz de Campos Sales. 9 - O Colégio Florence foi fundado por Dona Carolina Florence, nascida na Alemanha e educada na Suíça, filha do maçom Jorge Guilherme Henrique Krug e esposa de Hércules Florence.. Entre os professores figuravam alguns maçons: Dr. Francisco Rangel Pestana e Júlio Ribeiro. 10 Origem da Escola Rio Branco, nome adotado em 1931e hoje instalada em Barão Geraldo. Foi fundada pela Sociedade Alemã de Instrução e Leitura, da qual participavam os maçons Antônio Exel, Jorge Guilherme Henrique Krug. 11 Foi fundado pelos pastores Presbiterianos, Dr. George Nash Morton e Dr. Edward E. Lane. Entre seus professores constavam os maçons Júlio Ribeiro e Dr. Francisco Rangel Pestana e entre os alunos, futuros maçons: Júlio Mesquita, Paulo de Moraes Barros (irmão Prudente de Moraes com quem fundou a Loja Maçônica “Piracicaba”). 12 Paulo Brilhantes. Campinas. Isto é de insofismável magnitude para uma esperança maior. Obra publicada, sem editora e data, 306p, p103 7

4 particulares que funcionavam também em regime de internato para ensino elementar e 13 preparatório, um destinado ao sexo masculino, dois ao feminino e um misto” .

Nas palavras da autora: “A primeira destas instituições a surgir em Campinas foi o Colégio Perseverança ou "Cesarino", para meninas, criado em 1860 e dirigido por suas fundadoras D. Bernardina e D. Amância Cesarino. Ensinava a ler, escrever, contar, gramática nacional e francesa, geografia, música e todas as prendas domésticas. Aparentemente, a família proprietária do colégio era de origem humilde e desprovida de posses (...) Em 1876, Antônio F. M. Cesarino declara que 14 será “irremediavelmente obrigado a por fim à modesta carreira de seu estabelecimento” .

Segundo Rodrigues: “Em 1862, João Batista Pupo de Moraes cria um internato para meninos na fazenda do Laranjal, onde atualmente é o distrito de Joaquim Egídio. Chamava-se Colégio S. João Batista e seu programa era ler, escrever e contar, gramática francesa, latim, geometria, geografia e doutrina cristã. Possuia duas classes, num total de 30 alunos, e contava com diversos professores. Foi considerado um dos melhores do seu tempo e nele cursaram humanidades Cândido Ferreira de Camargo, Francisco Teixeira, Bento Quirino, Bernardino de Campos, Campos Salles e outros. Este Colégio fechou suas portas quando começou a 15 funcionar o Culto à Ciência”

Para Cantuária: “Durante o ano de 1863, foram criadas outras duas escolas, ambas ligadas de uma forma ou outra à ocorrência de grande imigração de alemães para o município de Campinas, iniciada antes da metade do século XIX, sendo uma parcela significativa com o objetivo principal de substituir a mão de obra escrava na lavoura (Rodrigues, id., ib.). O mesmo autor nota a fundação de outro colégio, o Florence, em 3 de Novembro deste ano, fundado e dirigido por D. Carolina Florence, destinado ao ensino de meninas. Segundo afirmam os historiadores locais, em seu quadro constavam os melhores professores de Campinas na época, que ensinavam a ler, escrever e contar, gramática nacional, francesa, inglesa e alemã, geografia, história pátria, aritmética e geometria, desenho, música, doutrina cristã e prendas domésticas. Em 1889 o Colégio Florence é fechado, criando uma lacuna na educação das meninas pertencente às elites campineiras. A outra instituição de ensino criada em 1863 foi a Escola Alemã (...) Segundo conta João Lourenço Rodrigues (1952), a numerosa colônia alemã radicada em Campinas organizou-se primeiramente em torno de uma associação cultural, a Sociedade Alemã de Instrução e Leitura, fundada pelos seguintes membros da colônia: Antônio Exel, Jorge Krug, Francisco Krug, Cristiano Mayer e outros. A proposta da Sociedade, de propagação da cultura e moral evangélicas acabou derivando na abertura da escola, para ambos os sexos e aberta a alunos de outras nacionalidades, que tinha como programa ensinar a ler, escrever e contar, gramática nacional e alemã, geografia, aritmética, geometria e moral evangélica. A Escola Alemã mudou seu nome para Escola Rio Branco em 1931, quando veio a fundir-se com a Nova Escola Alemã, da família Zink, e funciona até os 16 dias de hoje, localizada atualmente no distrito de Barão Geraldo”

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Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar: O Caso do Colégio Culto à Ciência de Campinas. Mestrado em Educação, Uncamp, 2000, pp 20/25 14 Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar:. Op. Cit, pp 20/25 15 André Luiz Rodrigues Carreira. A marcha do progresso: a república e a educação escolar na cidade de santos. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300626298_ARQUIVO_TextoANPUH.pdf, p 398 16 Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar:. Op. Cit, pp 20/25

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Segundo esta autora, num novo estudo: “As instituições que os imigrantes bem posicionados criaram, diferentemente das tradicionais escolas da colônia, reproduziram dentro do possível os espaços de formação das elites de seus respectivos países, forneceram a seus filhos as credenciais necessárias, aí incluído um montante significativo de capital internacional legítimo, para disputar com as elites brasileiras as posições sociais de prestígio. Utilizadas quase exclusivamente por membros das colônias, essas escolas, posteriormente reconhecidas pelos respectivos governos, forma alvos do ataque implacável de intelectuais e políticos brasileiros e sofreram inúmeras restrições e 17 punições legais, em nome da defesa nacional”

Nas palavras de Luiz Carlos Cappellano: “Além desses, de maior expressão, outras escolas menores e particulares foram criadas como a escola "Malaquias Guirlanda", do "João Bahia", o colégio São João Batista, a escola de "Eufrozina do Amaral", de "Firmo Antonio da Silva", de "Severiano Borges Martins da Cunha" e muitas outras que apareciam nos jornais e almanaques da época como escolas pagas, destinadas a alfabetização ou oferecendo o chamado curso secundário, como o "Collegio de João Batista Pupo de Moraes", do "bacharel João Alves Pinto", de "Joaquim Roberto Alves e Emilio Henking", o "Collegio da Conceição", a "Eschola Fraternidade", o "Collegio para Meninas" de D. Ignacia de A. Camargo, o Externato da família Ferreira Penteado, o "Collegio Liberdade", a "Escola" de Anna Matilde Pinto, o "Collegio da Glória", a "Escola" de D.Maria Benedita Braga", e o "Externato Campineiro". Outras sustentadas pelos imigrantes como as "Escolas Alemãs", as "Escolas Italianas" e a "Escola da Colônia Suíça" também eram freqüentemente citadas”. (Luiz Carlos Cappellano. Breve História da Educação 18 em Campinas)

Ainda para a autora: “Num momento (1872) em que a Sociedade Culto à Ciência começava a se tornar realidade, mas que a criação do seu colégio ainda não se concretizara, surgiu na cidade uma outra escola de elite, o Colégio Internacional, capaz, a princípio de atender às expectativas de uma parte das famílias dirigentes, membros da própria agremiação. Em 1869, chegaram a Campinas dois ministros protestantes com o projeto de fundar um grande colégio, para jovens de ambos os sexos, e um seminário presbiteriano. Eram eles os americanos George Nash Morton e Edward E. Lane. Bem recebidos pelos campineiros, construíram o prédio e iniciaram as atividades do colégio, dirigido pelo Dr. Morton, sendo que o seminário, sob responsabilidade do Dr. Lane, começou a funcionar apenas três anos mais tarde. O Colégio Internacional utilizava uma metodologia de ensino bastante original para a época: tinha, para o secundário, um programa muito parecido com os antigos ginasial e colegial e não se limitava a preparar os alunos para o sucesso nos exames do Curso Anexo à Faculdade de 19 Direito de São Paulo” . 17

Adriana Lech Cantuaria. Escola Internacional, educação nacional: a gênese do espaço de escolas internacionais em São Paulo. Tese de doutorado, Faculdade de Educação Unicamp, 2005 18 Luiz Carlos Cappellano. Breve História da Educação em Campinas. http://www.webartigos.com/artigos/breve-historia-da-educacao-em-campinas/15378/ 19 Adriana Lech Cantuaria. Escola Internacional, educação nacional: a gênese do espaço de escolas internacionais em São Paulo. Op. Cit.

6 Em seu currículo constavam disciplinas como Doutrina Cristã, Matemática, Aritmética, Geometria, Álgebra,Geografia Política e Física, Química Inorgânica, Orgânica e Animal, História Pátria, Universal e Natural, Caligrafia, Ginástica, Retórica, Desenho, Línguas Antigas: leitura e composição (latim e grego), Línguas Modernas: gramática, leitura, composição e conversação (francês, alemão, inglês e português). Entre seus alunos estiveram Júlio Mesquita, Carlos Gomes, Gabriel Prestes, René Barreto e Paulo Morais Barros, fazendo parte de seu corpo docente Francisco Rangel Pestana* (também ex-professor do Colégio Florence), grande admirador da orientação de seu diretor como mostra João Lourenço Rodrigues (1952). Ao que parece, esta admiração, aliás, era compartilhada pelos republicanos da diretoria da Sociedade Culto à Ciência: seu porta voz, Francisco Quirino dos Santos*, redator da Gazeta, em diversas ocasiões, teceu elogios rasgados à performance dos alunos nas festas do Colégio, salientando principalmente o desenvolvimento de suas habilidades de oratória (....) A proposta pedagógica de formação "universal" oferecida pelo Internacional (fechado em 1879), parece, entretanto, não ter logrado grande ressonância entre as famílias da cidade, já que o interesse prioritário das famílias privilegiadas continuava a ser o preparatório para ingresso na Faculdade de Direito, como indicam as listas de alunos submetidos a estes exames apresentadas por Carlos Francisco de Paula (1946) (..) Além de não oferecer uma formação preparatória, o fato de tratar-se de uma escola confessional, presbiteriana, e portanto não condizente com as convicções das elites republicanas pode ter sido decisivo para a debandada de alunos que se verificou a partir da criação do Culto à Ciência (Rodrigues, 1952).

Capa do catálogo do Colégio Internacional de Campinas, Campinas, SP, 1878. Col. Seminário Presbiteriano do Sul.

No caso do Colégio Culto á Sciência, tratava-se de uma instituição de caráter deliberadamente leigo, que carregava em seu corpo de fundamentos, ideários positivistas associados a posicionamentos (nem sempre claros) abolicionistas e republicanos, valendo considerar que no mesmo período em que o colégio se fazia inaugurado, um grupo de maçons vinculados à Loja Maçônica Independência20 também fundava uma 20

Integravam o grupo: Bento Quirino, Francisco Glicério, Francisco Quirino dos Santos, Eloy Cerqueira, Manoel José da Fonseca, entre outros. Francisco Stolf Netto. No Passado, a Maçonaria Campineira e o Ensino. Texto mimeografado, 13/02/1998,p6

7 escola noturna laica para “jovens trabalhadores com mais de 12 anos com ocupação certa, inclusive negros libertos e escravos devidamente autorizados pelos seus senhores”; escola que, no ano seguinte, já se achava oficialmente instalada no interior da Loja Independência na forma de um curso regular “de quatro anos, totalmente gratuito (...) [e onde] jovens trabalhadores, aprendiam linguagem, gramática, aritmética, historia pátria, noções sobre historia natural e, também, as primeiras lições sobre o direito do homem nas suas relações com o indivíduo, com a sociedade e com o estado 21 . Numa perspectiva semelhante, veremos ainda em maio de 1875, as Lojas Maçônicas Independência e Regeneração 3ª reunir, unificar e abrir para uso publico as suas bibliotecas. Na mesma direção, outras iniciativas nos chamam atenção: a criação e sustentação a partir de 1881 da Escola Corrêa de Mello (em homenagem ao botânico e maçon, e destinada a crianças pobres, por Joaquim Quirino dos Santos da Loja Independência); a doação em 1897 por Francisco Glicério (da Loja Independência) de sua chácara para a construção do 1º Grupo Escolar (hoje E.E.P.G. Francisco Glicério, na Av. Moraes Sales); a doação de terras e recursos por Geraldo Ribeiro de Souza Rezende (Barão Geraldo de Rezende, da Loja Fraternidade Campineira) para a criação do Liceu de Artes e Ofícios de Campinas, destinado a crianças e jovens carentes22; a doação avultada de recursos de Bento Quirino dos Santos (Loja Independência) “para o Lyceu de Campinas (...), para o Collegio São Benedicto de Campinas, mantido pelos homens de côr (..), para a Escola Noturna, mantida pela Loja Maçônica Indeendência de Campinas (...), para a construção ou aquisição de um prédio, próprio, para o funcionamento de uma Escola de Comercio de Campinas (...), para a fundação de um Instituto de Ensino Profissional Masculino em Campinas”23

Nas palavras de Carmem Moraes: “De acordo com o ideário liberal maçônico e republicano, só através da educação era possível transformar o indivíduo em cidadão produtivo e consciente de seus direitos e deveres cívicos, capaz – portanto – de exercer a liberdade propiciada pela cidadania. A luta contra o analfabetismo e pela difusão da instrução ao povo obedecia a objetivos políticos precisos: o alargamento das bases de participação política no país, a conformação da cidadania, indispensáveis a legitimação do Estado Republicano. A grande campanha pela instrução do povo foi deflagrada na Província de São Paulo pela maçonaria republicana e, posteriormente, pelos clubes republicanos. As Lojas Maçônicas foram as primeiras a criar, na Província, escolas ou aulas noturnas para alfabetização de adultos, trabalhadores livres ou escravos (...) Os esforços desses homens também estarão reunidos para promover a educação das elites diretoras e dirigentes do Estado Republicano: a organização de novas modalidades de ensino secundário (o ginásio). No entanto, a esses setores não bastou referendar apoio e proteção aos colégios particulares. Associaram-se para criar o seu próprio colégio e o fizeram sem visar fins lucrativos. Uma das peculiaridades de tal iniciativa, que lhe conferia caráter pioneiro, consistia no fato de a sociedade “Culto à Ciência” apresentar-se como associação benemérita, isto é, como empresa que, voltada para a tarefa exclusiva de servir à instrução pública, não reservava para si nenhuma vantagem pecuniária. Outra característica fundamental do Culto a Ciência é a de ser uma escola inteiramente leiga, de 21

Segundo Francisco Stolf Netto, “Alguns anos depois, para aproveitar o espaço e tempo ocioso das salas, foi criada uma escola primaria, diurna, destinadas as crianças pobres com idades inferiores a 12 anos. Após o falecimento de Bento Quirino em dezembro de 1915 em sua homenagem foi denominada escola diurna Bento Quirino. A escola noturna, foi na década de 1920, transformada em escola de desenho com o nome de Escola de Desenho Técnico “Francisco Glicério” a qual mais tarde foi anexada uma Escola de Pintura denominada Bernardino de Campos”. Op. Cit, p6 22 Francisco Stolf Netto, Op. Cit. Ppp 7/8 23 Testamento de Nento Quirino dos Santos, transcrito e citado por Francisco Stolf Netto, Op. Cit., p8

8 não aceitar a intromissão de assuntos religiosos em questão de ensino, o qual deveria ser ministrado, conforme os Estatutos, “sob o ponto de vista leigo, positivo e cientifico”. Para garantir a realização de tais propósitos, a diretoria da Sociedade “Culto à Ciência”, composta apenas por maçons, determinou que os diretores e professores do colégio fossem também 24 maçons professos. E, nesse caso, ser maçon significava ainda ser republicano convicto” .

Para Adriana Lech Cantuária: “Assumindo-se como partidários dos ideais republicanos, os idealizadores do Culto à Ciência buscavam um novo sistema de governo, reivindicavam liberdade individual para alcançar o progresso e demonstravam sua força firmando o poder da iniciativa particular frente ao poder público. Utilizando-se dessas prerrogativas na concretização do projeto de um colégio, um ‘templo do saber’, elemento por si só detentor de uma mística particular, estes homens mais ou menos conscientemente, estavam trabalhando para criar um símbolo. Preocupando-se também com a veiculação e reprodução de sua visão de mundo e, detentores dos recursos materiais e simbólicos necessários esses homens criaram uma escola que formasse as novas gerações da elite dirigente de Campinas, enquanto a maioria dos pais de família tinha e tem que se haver com as escolas existentes, podendo, no máximo, negociar com elas 25 alguns dos elementos que compõem a escolarização efetiva”

E neste caso, segundo a mesma autora: “A analise da composição dos membros da Diretoria da Sociedade “Culto à Ciência” mostra que os fundadores do colégio além de assumirem a direção da Maçonaria, criando ao tempo jornais para difusão do debate político (“Gazeta de Campinas” e “A província de São Paulo”) e, mais tarde, o Partido Republicano, sua feição local, o Clube Republicano de Campinas, foram também os organizadores do Clube da Lavoura (dos seus 45 elementos, 23 pertenciam à sociedade “Culto à Ciência”) (...) A comissão encarregada de elaborar os Estatutos da Sociedade “Culto à Ciência” foi composta por Jorge Miranda, Manuel Ferraz de Campos Salles e Candido Ferreira da silva Camargo, que pertenciam à Comissão de Justiça da Loja Independência de Campinas (Costa, s/d). Os membros da primeira diretoria provincial foram todos escolhidos no seio da Loja Maçônica: Joaquim Bonifácio do Amaral, o Visconde de Indaiatuba – presidente; Joaquim de Souza Aranha, Joaquim Quirino dos Santos, Jorge Guilherme Henrique Krug e Antônio Pompeo de Camargo” (Carmen Moraes. A Sociedade 26 Culto à Ciência..)”

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Carmen Moraes. A Sociedade Culto à Ciência de Campinas e o projeto republicano de educação: uma leitura a partir dos Estatutos, Regulamentos e Programas de ensino da instituição escolar (1869 - 1896). 25 Adriana Lech Cantuária. A escola pública e a competência escolar. Op. Cit 26 Adriana Lech Cantuária. A escola pública e a competência escolar. Op. Cit

9 No período compreendido entre a fundação do Colégio Culto á Sciência em 1874 e a data de dissolução da Sociedade Culto á Sciência, em 24/12/1892, enfim, ambas as instituições se acham constituídas exclusivamente de maçons, e entre eles, inclui-se os diretores e os professores27.

A primeira diretoria da Sociedade Culto á Sciencia adquire, ainda em 1869, um grande terreno por 10 contos de reis apara instalação da escola; a construção do edifício, no entanto, não se faria de imediato, decidindo-se a diretoria a iniciar as atividades da escola em local provisório. Segundo Adriana L. Cantuaria: “Em Dezembro de 1872, foi contratado para dirigir o Colégio (...) um experiente diretor, Fernando Boeschenstein, de reconhecida atuação na cidade de Araraquara, onde era proprietário do Colégio Ipiranga. O funcionamento do colégio propiciaria a entrada de capital de outras fontes (jóias e pensões), facilitando a amortização das contas relativas a execução 28 do projeto”

Segundo Paulo Brilhante, o primeiro diretor do novo colégio também integrava a direção do Colégio Ipiranga de Araraquara e nutria o interesse de incorporar este estabelecimento à nova escola, situação que teria gerado desentendimentos e o cancelamento do contrato de trabalho. Foi neste ínterim, de qualquer forma, que uma segunda diretoria da Sociedade, eleita em 13 de abril de 187329, lançou a pedra fundamental do edifício, conferindo ao maçon Jorge Guilherme Henrique Krug os serviços de empreita. O edifício deveria contar com “um pavimento térreo e outro superior, medindo 23,50 metros de frente por 17 metros de fundo, construído de tijolos aparentes, pelo sistema flamengo, devendo oferecer aspecto elegante” Adriana Lech Cantuaria: 27

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. Para

Vale registrar que o Colégio Culto à Ciência é fechado entre os anos de 1889 e 1891 em razão da epidemia de febre amarela. Podemos ler: “O minucioso sistema de prestação de contas e controle dos gastos exigidos pelo Regulamento, além de inviabilizar esta iniciativa, parece ter também desencorajado o diretor, que desistiu do cargo dois meses após a inauguração do colégio, em 1874. O mesmo quase aconteceu, aliás, com Jorge Krug, que exercendo, sem remuneração, a função de guardalivros, declarou-se incapaz de atender às exigências, que, segundo ele, se equiparavam às de uma grande casa comercial. Nesta ocasião, a própria diretoria se encontrava insatisfeita com a excessiva preocupação com os bens materiais da Sociedade que se depreendia dos estatutos e manifestou o seu repúdio à uma eventual imagem de "Mercadores da educação” na Assembléia Geral de 14/12/1873: Mantendo os dispositivos que garantiam o controle administrativo, e decorrentemente político-pedagógico pela sociedade, foi retirado o artigo que garantia aos acionistas um dividendo de até 6% do rendimento obtido, perdendo os sócios o direito a qualquer ganho de capital. Foi também acrescido um artigo que previa, em caso de dissolução da Sociedade, a doação de seus bens à municipalidade, que seria obrigada a reverter seus rendimentos à instrução” Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar . Op Cit., pp24-28 29 A segunda diretoria da Sociedade contaria com Joaquim Bonifácio do Amaral (presidente), Antônio Pompeo de Camargo, Jorge Guilherme Henrique Krug (da Loja Fraternidade Campineira) e Dr. Joaquim José Vieira de Carvalho (Venerável da Loja Independência a partir de 1867). Francisco Stolf Netto, op. Cit, p.3 30 “A diretoria, após haver realizado diversas reuniões em casa do comendador Joaquim Bonifácio do Amaral, que continuou como presidente, abriu concorrência para a construção do edifício destinado ao colégio. Estudadas as propostas apresentadas, foi aceita a do empreiteiro construtor Guilherme Krug (abstendo-se de votar o diretor dr. Jorge Krug), que se sujeitou às condições exigidas pela diretoria. A 11 de março de 1873 lavrou-se, no cartório do 2.o tabelião José Henrique de Pontes, a escritura do contrato de empreitada para construção do referido edifício, obrigando-se o empreiteiro a entregá-lo concluído no prazo de oito 28

10 “Mesmo com todos os percalços, a 13/04/1873 foi assentada a pedra fundamental do edifício, apenas cinco dias antes da Convenção de Itú, a primeira tentativa concreta de centralizar os dispersos núcleos republicanos sob a direção dos cafeicultores do Oeste Paulista. Construído por Guilherme Krug, o prédio do colégio foi inaugurado em ato solene em 12/01/1874, concretizando as intenções explicitadas no Manifesto da Sociedade” (Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar pp24-28).

Mas para a conclusão das obras em tempo previsto, a sociedade precisaria contar com o apoio e recursos pessoais de seu presidente, Joaquim Bonifácio do Amaral31, a quem coube inaugurar solenemente o Colégio em 12 de janeiro de 1874 e dar início as aulas nas salas instaladas no primeiro pavimento, enquanto situava-se no andar superior os dormitórios e a administração escolar. Por outro lado, passados os primeiros meses de funcionamento, os diretores Fernando Boeschenstein e Daniel Uhlmann são demitidos (março/1874) para dar lugar aos professores Francisco Moretzsohn e João Bentley, que prosseguiriam com os trabalhos mantendo o primeiro corpo docente selecionado e admitido, registrandose em dezembro deste ano os exames de fim de ano ““com a presença da diretoria da Sociedade e do Conselho de Instrução Pública do Distrito, que consideraram o desempenho dos alunos excelente”32. No primeiro ano de funcionamento o Colégio contou com 60 alunos internos, 10 semi-pensionistas e 14 externos33, que pagavam “pensões semestrais que variavam de 250$000 a 60$000 réis, além das jóias no ato da matrícula que variavam de 50$000 a 12$000 réis, para serem habilitados ‘em todas as matérias exigidas para matrícula nas academias do país, para o comércio e para a indústria’, conforme descrito no folheto de propaganda da escola”34. Com relação ao corpo docente: “O diretor Moretzsohn imprimiu sábia e brilhante orientação ao estabelecimento, cuja fama se espalhou logo pela Província. Animada por tão inteligente orientação, a diretoria da Sociedade desenvolveu grande empenho no sentido de dotar o instituto de ensino com um corpo docente constituído por professores competentes, o que foi plenamente conseguido. Eis a relação dos professores: Dr. Francisco Moretzsohn, diretor: Português e alemão. João Bentley, vice-diretor: Aritmética, álgebra, francês, inglês e geografia. Amador Bueno Machado Florence: Latim, francês e desenho. Henrique de Barcelos: Gramática portuguesa. Antônio Martins Teixeira: Primeiras letras, doutrina cristã e sistema métrico. Leon Blazeék: Piano e ginástica. Maria Dias de Melo: Música”. A manutenção do Colégio, por sua vez, exigiu da Sociedade um esforço permanente, variando muito o número de matrículas de ano para ano – “principalmente em função do caráter parcelado dos exames preparatórios” - , além de ser significativa a “porcentagem de alunos gratuitos ou com pensões reduzidas, parentes ou protegidos dos acionistas”. E neste caso, constituía-se de certa forma frequente a doação de dinheiro e produtos agrícolas ou ainda o envolvimento dos diretores e integrantes em “campanhas de levantamento de fundos para o colégio” por meio de 35 “subscrições e de espetáculos beneficentes” . Segundo Adriana Lech Cantuaria: “Paralelamente, alunos, diretoria e imprensa preocupavam-se em construir e divulgar a imagem do Colégio entre a população de Campinas e da região, utilizando estratégias que curiosamente parecem ter sido mantidas por um século (..). Naturalmente a intenção não era a de cooptar mais alunos, já que o alto custo do ensino ali ministrado por si só restringia

meses, a contar dessa data, pela quantia de 45 mil cruzeiros (...) O pagamento seria efetuado em 6 prestações, sendo a primeira prestação paga no ato de assinatura do contrato”. Paulo Brilhante. 31 Num obra orçada em 70 contos, Joaquim Bonifácio do Amaral doa 32 contos de reis. Francisco Stolf Netto, op. Cit, p.3 Sobre o assunto, podemos ler: “Conta Carlos Francisco de Paula (1946) que, ao término do empreendimento de edificação e montagem da escola, os gastos chegaram a 70 contos de réis, bastante superior aos 38 contos de que dispunha a Sociedade. Este déficit teria sido suprido integralmente pelo comendador Joaquim Bonifácio do Amaral, presidente da diretoria, com capital próprio, sem juros e sem prazo de restituição, uma demonstração do poder econômico dos membros fundadores e da importância que atribuíam à sua iniciativa”. (Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar.. pp 33/34) 32 Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar.. pp 33/34 33 Cleide Maria de Luca Afonso; Maria Nivea Pinto. Culto à Ciência, Cento e Treze Anos a Serviço da Cultura. Publicação da Loja Maçonica Independência, 1986, p17 [citada por Francisco Stolf Netto, op. Cit, p.4] 34 Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar.. pp 33/34 35 “.. já em 1875 foi feito um movimento entre os acionistas do Teatro São Carlos de Campinas que resultou na doação, ao Colégio, de ações no valor de quase 3 contos de réis. Um pouco mais tarde, em 1880, a diretoria pediu ao Governo Provincial a extração da loteria em benefício do Culto à Ciência, o que foi concedido e, em 1886, foi criado um imposto municipal de 10 réis sobre os açougues que reverteu ao colégio. Era diretor do Culto à Ciência nesta época, o Dr. Amador Bueno Florence, presidente da Câmara Municipal de Campinas” Moraes, 1981: 304-306, citado por Adriana Lech Cantuária.

11 a clientela. Aparentemente o que se buscava era possibilitar a identificação da totalidade da 36 cidade com o colégio e, portanto, com as elites republicanas” .

Na continuidade dos trabalhos: “Em junho de 1876, a diretoria amplia o corpo docente de 6 para 8 professores e em novembro desse ano a primeira turma de alunos do Culto à Ciência submete-se aos exames em São Paulo. Estes exames preparatórios eram parcelados por disciplinas e somente após concluído o Preparatório, com a aprovação em todas a disciplinas, o aluno podia matricularse na Faculdade de Direito de São Paulo. Os resultados foram bastante satisfatórios, havendo apenas uma reprovação entre os 21 alunos que prestaram o exame de gramática portuguêsa, resultado que foi superado no ano seguinte, quando concluíram o preparatório Júlio César Ferreira de Mesquita e Inácio de Queirós Lacerda (Paula, 1946)” (Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar.. pp 33/34)

O Colégio Culto á Sciência começava, então, a firmar suas características e especificidades acadêmicas, demonstrando que, se por um lado ele se achava afinado com o sistema parcelado oficial de disciplinas preparatórias, procurando organizar os “estudos secundários de forma a compreenderem somente as matérias exigidas, pelo governo do império, nos exames preparatórios das faculdades do país” -, por outro: “....a relação das matérias que compõem o curso secundário indica o caráter predominantemente humanístico e literário do programa de ensino em vigor no “Culto à Ciência”. Os estudos dividiam-se em dois cursos: primário e secundário. O curso primário compreendia: leitura, gramática portuguesa, caligrafia, exercícios ortográficos, doutrina cristã, aritmética elementar, sistema métrico, noções gerais de geografia e história pátria. O curso secundário garantia o “ensino consciencioso e aperfeiçoado das seguintes matérias: francês, inglês, alemão, latim, aritmética, álgebra, geometria, geografia e cosmografia, cronologia e história, filosofia e retórica e ginástica”. Com a autorização dos pais, os alunos podiam 37 estudar música instrumental e desenho, “pagando-se porém estas matérias à parte” .

E na busca de oferecer uma formação dotada de “caráter positivo e científico”, o Colégio experimentaria mudanças, como a de 1883, momento em que: “.....o plano de estudos é ampliado e o curso primário dividido em dois níveis, com a introdução de estudos de francês. desenho linear, topográfico e geográfico, além de educação cívica e história sagrada (...) [Ainda..] o Prof. Carlos F. de Paula afirma que o Prof. João Kopke lecionou história natural, providenciando a montagem, no colégio, de um laboratório de física importado dos EUA (...) , é possível [também] supor uma certa renovação dos métodos de ensino das línguas e, principalmente, no estudo da geografia, da história e da filosofia, na medida em que, compondo o quadro docente do colégio, encontramos pessoas como Júlio Ribeiro, depois substituído por João Alberto Salles nas cadeiras de geometria e filosofia, aritmética e álgebra; Henrique de Barcellos, professor de português e francês, e João Kopke ensinando historia, geografia e inglês. Assim como Sylvio Romero, professor de filosofia do Pedro II a partir de 1880, influi decisivamente na renovação das concepção de ensino, introduzindo, naquela escola, as idéias cientificistas do século, também homens como João Kopke, Júlio Ribeiro e Alberto Salles, de convicção positivista heterodoxa, não poderiam deixar de imprimir uma nova atitude intelectual em suas atividades 38 educativas” .

Nas palavras de Carlos Francisco de Paula , a “seleção rigorosa do corpo docente, obedecendo a critérios políticos e ideológicos, foi a maneira eficaz da Sociedade “Culto à Ciência” garantir o caráter ‘positivo e científico’ da educação de sua clientela escolar”, desfrutando os professores de um destacado reconhecimento, ainda que, segundo Paulo Brilhante, não houvessem indicativos de que eles participassem “da elaboração do programa de ensino de sua própria matéria, que era um encargo pessoal

36

Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar. Op.Cit. pp 33/34 Carlos Francisco Paula. Monografia histórica do colégio culto à ciência, 1946. Disponibilizada por Carlos Francisco Paula Neto, 1946 http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm 38 http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm Op. Cit 37

12 do diretor. A eles cabia apenas seguir as orientações ‘a priori’ determinadas”. Mas vale considerar, neste caso, que o papel ocupado pelos professores no processo educativo ainda estava por se fazer definido39. Entre os docentes, João Köpke, docente das disciplinas de história, geografia e inglês, foi pioneiro na divulgação e implantação do método analítico para o ensino da leitura e dedicou-se a uma profícua produção de livros sobre o tema40. Por outro lado, coube-lhe montar um “gabinete de física (...) em janeiro de 1882, com aparelhos que foram encomendados nos Estados Unidos da América do Norte” (MHCCC, 1946).

Sobre o assunto, vale considerar o artigo escrito pro Alexandre Medeiros: “O jovem Santos Dumont, após fazer a sua educação primária em casa, sob a orientação de sua irmã Virgínia, iniciou os seus estudos secundários em 1883. Naquele ano, o Colégio Culto à Ciência registrou a matrícula de 112 alunos; Santos Dumont foi um deles e ali ficou até o final do ano seguinte. O ano de 1883 foi também um marco especial para aquela instituição de ensino. O ensino de ciências naturais, ministrado pelo emérito professor Dr. João Kopke, ressentia-se até então da falta de aparelhos para a parte experimental. A montagem de um gabinete de Física, que é como se costumava denominar então os laboratórios demonstrativos, fez-se em janeiro de 1882, com aparelhos que foram encomendados nos Estados Unidos da América do Norte e completou-se no ano seguinte. Como Santos Dumont ali estudou nos anos de 1883 e 1884, certamente, ele chegou a usufruir do 41 uso do laboratório” .

Entre os resultados desta trajetória, o Colégio alcançaria já em 1885 excelentes resultados nos exames preparatórios42, merecendo no dia 28/10/1886 a visita de Dom Pedro II que “não ocultou sua admiração por tudo quanto observou, tecendo calorosos elogios ao aproveitamento demonstrado pelos alunos”43. 39

De fato, foi entre as décadas de 1860/1880, que a trajetória de formação de professores começou a ganhar um novo formato. Com base nas experiências da Escola de Niterói (criada em 1835, com base no decreto do ano anterior que institui esta modalidade de formação), foi neste período em que se estabeleceu um modelo profissional de docente, “baseado na separação racional entre conhecimento teórico e prático, alargamento do conteúdo acadêmico, domínio de métodos específicos e aquisição de um ethos condizente com a profissão” (VILLELA, 2002, p. vi). Na província de São Paulo, coube um importante papel, apesar de instável, à “Escola Normal de São Paulo, fundada pela primeira vez em 1846, encerrada e refundada três vezes até 1880” (MONARCHA, 1999, p. 13). Na cidade de Campinas, foi em 15/03/1903 que se criou a Escola Complementar, então instalada no Largo da Matriz. 40 Nas palavras de Kopke: “Direis vós, minhas senhoras, direis vós, meus senhores, que, conhecendo a figura das letras, a voz dos fonemas vos acode a memória ao mesmo tempo que a sua imagem gráfica, e a síntese traduz em harmonia lógica o som isolado de cada uma delas, produzindo a imagem mental de que a figura e o som são expoentes. Estais, porém, bem, bem certos disso? (..) A palavra escrita há de impressionar os nervos óticos; essa impressão há de registrar-se no cérebro; a esse registro se prenderá a imagem, já estampada pelos outros sentidos; e a repetição d’esse relacionamento acabará por fazer coincidir a imagem, que evoca, com a voz que exprime. Ou, por outras palavras: 1º A criança vê a forma gráfica ou o vocábulo escrito, sem que lhe acudam as imagens, que lhe correspondem, isto é, sem entender; 2º entende, conforme o que vê; 3º lê e escreve, porque viu e entendeu, o que viu e entendeu. KÖPKE, João 1896. A leitura analítica. São Paulo: Typ. a vapor de Hennies Irmãos. (Conferência proferida a 1.3.1896), p.5/16 41 Alexandre Medeiros. A busca da liberdade e a educação básica de Santos Dumont, Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006 42 “Obtiveram as melhores notas, pelo seu comportamento e aplicação, os seguintes alunos: Joaquim Floriano de Camargo Junior, Francisco de Campos Barros, José de Campos Novais, Joaquim Franco de Camargo, Rodrigo Monteiro de Barros, Antônio de

13 Em meio aos resultados, começava a se firmar a idéia de que “Dotado de escolhido corpo docente, e pela sua notável orientação pedagógica, o colégio conquistou grande reputação, sendo considerado um dos melhores do País” O Colégio Culto á Scyencia também começaria a passar por uma importante reforma em 1890, baseada no novo plano de ensino; uma reforma que no curso dos anos seguintes se faria denominada “reforma da instrução pública” de 1892. Com ela pretendia-se abandonar “o sistema fragmentário dos estudos preparatórios” para implementar “três séries ou cursos diferentes que deverão manter entre si relações de continuidade”. A reforma se faria marcada pelo enriquecimento dos conteúdos curriculares e por uma ênfase nos exercícios práticos de ensino. O colégio, no entanto, não teve tempo de realizar esta implementação.

Com a dissolução da Sociedade Culto á Sciência em 1892 (com dívidas de 70 contos de réis), tem início o processo de transferência do patrimônio do colégio (por determinação estatutária) para o poder municipal; a Câmara Municipal toma posse e dá início aos trabalhos de aproximação com o Governo do Estado (recém criado pela República) na intenção de pleitear a transformação do colégio num dos ginásios autorizados pela lei 88 (de 8/09/1892, criação de Ginásios pelo Congresso Estadual). A Câmara encaminha a solicitação nos anos de 1892/1893/1894 até conseguir, com apoio do próprio governo estadual44, a aprovação em 14 de março de 189545 da lei 284 que institui em Campinas um “ginásio para o ensino secundário, científico e literário”. O Colégio Culto á Sciência transforma-se num instituto oficial de ensino secundário, o segundo Gynasio do Estado. Data deste período um segundo processo de mudanças que também traria novas marcas ao colégio: o desenvolvimento da chamada “reforma da instrução pública” de 1892, processo que se fez marcado pela Pádua Sales, Antônio Pupo Nogueira, Francisco de Assis Nogueira, Cândido Morais Bueno, Ernesto N. da Luz, Euclides Egídio de Sousa Aranha, João de B. Machado, Lasdilau Leite de Barros, Artur Sampaio, Luís de Campos Salles, Luís Vitorino Moretzsohn, José Francisco Barbosa Aranha Júnior, Pedro Alcântara de Sousa Aranha, Artur Nogueira Ferraz, Francisco Ferreira de Camargo, Artur Leite de Barros, Pérsio Pacheco, Luciano Teixeira Nogueira e Bento José dos Santos. Pelo desembaraço e rapidez com que resolveram as questões de aritmética, os alunos Pérsio Pacheco e Silva e Luciano Teixeira Nogueira mereceram uma referência elogiosa do examinador Joaquim Correia de Melo. Nos exames de latim, foram elogiados pelo mesmo examinador os alunos Francisco de Campos Barros, Luís de Campos Salles e Luís Vitorino Moretzsohn. Dos alunos que estudavam música, cujas aulas eram ministradas pelo professor Azarias Dias de Meio, fizeram jus ao elogio do competente maestro José Pedro Sant’Ana Gomes, os seguintes: Joaquim Álvaro de Sousa Camargo — 1.o pistão, Artur Sampaio — 1.o clarinete, José de Campos Novais — 1.o flautim, Eduardo Pompeu — 1.o saxofone, Antônio de Pádua Sales — 1.o saxofone, Euclides Egídio — trombone e Silvano Pacheco — bombardino”. http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm 43 José de Castro Mendes. Efemérides Campineiras 1739 – 1960. Campinas: Gráfica Palmeira, 1963, p 51 44 “A transferência realizou-se no dia 8 de março [1895], pagando o Governo do Estado aos Bancos de Crédito Real, União e Mercr$ 23.062,18 à Câmara Municipal para pagamento de outros credores avulsos e quirografários, com o compromisso de fundar o ginásio nesta cidade, para cujo custeio já fora votada a verba de 75 mil cruzeiros. http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm 45 José de Castro Mendes. Efemérides Campineiras 1739 – 1960. Op. Cit., p80

14 reforma da “Escola Normal” em 1890, pela instituição do “Ginásio” em 1892 e pela criação do “Grupo Escolar” em 1893, bases de um novo padrão de educação no território paulista que, em pouco tempo, também serviu de modelo de reformulação da instrução pública para os demais estados da República. Nas palavras de Carmem Moraes: “...a reformulação (..) abrangeu todos os níveis de ensino, apesar de enfatizar o primário e o normal. O primário foi dividido em dois ciclos, o preliminar, de 4 anos, que foi implementado, eo complementar, de outros 4, que não chegou a se implementar como fase superior do primário, mas como escola de formação de professores, a partir de 1895. O normal previa, a par do alargamento do conhecimento científico, o treinamento nos mais modernos processos pedagógicos através da Prática de Ensino na Escola-Modelo (REIS FILHO, 1981). O “ensino para as elites”, na expressão de Casemiro dos Reis Filho, se deu com a criação do Ginásio do Estado, que, sem vinculação com a escola preliminar, voltava-se “à preparação específica de uma elite que se destinava ao ensino superior” (id., ibid., p. 185). A lei é de 1892. A implantação do Ginásio do Estado na capital paulista é de 1894 e deveria servir de modelo aos demais ginásios que se implantassem “nas cidades mais prósperas do interior paulista”. A lei nº 284 de 14 de março de 1895 dispunha: “Fica criado um ginásio para o ensino secundário, científico e literário, na cidade de Campinas” (PAULA, 1946, p. 37). Instalado no prédio do antigo Colégio Culto à Ciência, criado, como vimos, pelos “republicanos históricos”, o Ginásio de Campinas foi uma das primeiras realizações dessa elite quando se tornou dirigente. A inauguração da escola deu-se a 4 de dezembro de 1896 (id., ibid., p. 38). Ainda para a educação das elites, a reforma paulista primeiro-republicana logrou instalar a Escola Politécnica. O processo de institucionalização escolar na Primeira República conheceu um momento particularmente significativo com as escolas primárias graduadas, os grupos escolares, considerados “templos de civilização” no estudo de Rosa Fátima de Souza (1998), e teve um novo impulso com as reformas 46 estaduais dos anos de 1920”

No plano pedagógico, a adaptação do colégio Culto á Sciência à função de Gynasio do Estado implicaria em diversas mudanças. Segundo Carmem Moraes: “Abandonando o sistema fragmentário dos estudos preparatórios, o plano de ensino propõe que, no colégio, os estudos sejam organizados de forma a compreender três séries ou cursos diferentes que deverão manter entre si relações de continuidade. Entretanto, “o aluno que tiver concluído qualquer dos três cursos que constituem o Curso Integral, receberá um diploma. O curso primário ou 1ª série de ensino compreende dois graus, com duração de dois anos; o curso intermediário ou secundário especial, a 2ª série do ensino, com durabilidade de quatro anos, destina-se a fornecer “conhecimentos úteis e práticos para aqueles que se destinam ao comércio, agricultura e indústria ou às carreira liberais”; o curso secundário clássico ou 3ª série de ensino, de quatro anos, para aqueles que se destinam às carreiras liberais, para a obtenção dos graus nas ciências e letras. A organização curricular do curso secundário reflete o tradicional conflito a respeito do peso a ser conferido às disciplinas concernentes ao humanismo clássico e àquelas relativas ao ensino científico, mais moderno. Nota-se, entretanto, que Pujol cede grande espaço às disciplinas “científicas” procurando adaptá-las às características locais, às necessidades ditadas pela imprescindível modernização da economia. O curso secundário especial tem por objetivo iniciar os alunos em uma formação especializada no comércio, na indústria e, com ênfase especial, na agricultura, que teria continuidade no Instituto Agronômico de 47 Campinas”.” .

No entendimento de Hipólito Pujol:

certa

46

“O ensino primário é necessário a todos. O ensino intermediário, ou secundário especial, é necessário a um maior número. O curso secundário clássico, não convém senão a 48 classe da sociedade” .

Carmen Moraes. A Sociedade Culto à Ciência de Campinas e o projeto republicano de educação. Op. Cit Carmen Moraes. A Sociedade Culto à Ciência de Campinas e o projeto republicano de educação. Op. Cit 48 Segundo Carmen Moraes: “O programa de estudos de H. Pujol, ao propor a diversificação dos estudos secundários com a introdução de um nível intermediário, de caráter profissionalizante, comum a todos, exprime no plano pedagógico e social a sua tendência democratizadora. Por outro lado, o ensino secundário clássico em continuidade aos estudos intermediários, de cujo programa se eliminam as disciplinas técnicas e se privilegia o ensino das ciências “puras” e das “humanidades”, reafirma a concepção aristocrática e seletiva do conteúdo e da difusão da cultura. Esse ramo de ensino continua elitizado, mera etapa intermediária aos cursos superiores. Hipólito Pujol dirá claramente: “O ensino primário é necessário a todos. O ensino intermediário, ou secundário especial, é necessário a um maior número. O curso secundário clássico, não convém senão a certa 47

15 Vale considerar também o papel que Rui Barbosa exerceu (desde a década de 1880) em todo este processo; originaram-se dele boa parte dos fundamentos teórico-ideológicos que orientaram a institucionalização escolar mantendo-se como “princípio vital” a idéia de que “o sistema de ensino em geral” deveria se definir pela “introdução da ciência desde o jardim da infância até o ensino superior”. Segundo Maria Cristina Gomes Machado, para Rui Barbosa: “1) O ensino secundário deveria deixar o modelo dos preparatórios aos exames do ensino superior e adotar o sistema de liceus nos quais se desenvolvesse um bacharelado em ciências e letras, liceus esses gratuitos quando mantidos pelo Estado; 2) Paralelamente ao ensino secundário, deveria oferecer-se um preparo técnico de natureza profissionalizante, sem visar ao ensino superior; 3) O próprio ensino superior deveria alargar sua abrangência, com novos cursos adequados ao desenvolvimento econômico; 4) Quanto ao ensino elementar, propunha uma completa reestruturação, abrangendo desde a esfera metodológica até à da construção de prédios segundo preceitos higiênicos, passando pelo mobiliário e pelo material didático; 5) Quanto ao sistema de ensino, propunha sua coordenação por um órgão especial, o Ministério da Instrução Pública; 6) Antecipando-se à reforma republicana, indicou as vantagens da escola leiga; 7) Metodologicamente, posicionou-se contrariamente ao catecismo e à memorização, batendo-se por um novo método, o intuitivo, chegando a traduzir e adaptar o livro de Calkins, Lições de coisas; 8) Dividiu o ensino primário em três cursos: escola primária elementar, de 7 a 9 anos, escola primária média, de 9 a 11 anos, e escola primária superior, de 11 a 13 anos; 9) Refletindo as necessidades de uma sociedade que se urbanizava e em que se ampliava a classe que vivia do trabalho, propôs a criação do jardim da infância, como preliminar à escola primária, onde os filhos dos trabalhadores poderiam estar durante o trabalho dos pais; 10) Enfatizou a importância da escola normal a cargo do Estado, com duração de quatro anos, fixando-lhe um programa compatível com o da escola 49 popular” .

Ainda na esfera pedagógica, nas palavras de Ana Carolina Godinho dos Reis: “O parâmetro utilizado era o Ginásio Nacional (antigo Colégio Pedro II), cujos programas, organizados trienalmente pela Congregação e aprovados pelo Ministro dos Negócios Interiores da União, regulavam o ensino aqui ministrado. O material didático a ser utilizado era indicado pelos professores de cada disciplina e avaliados pela Congregação, formada apenas pelos “lentes catedráticos”. O provimento das cadeiras se dava mediante concurso público que envolvia uma prova escrita, com duração de 4 horas, uma prova oral com a 50 argüição recíproca dos candidatos e uma preleção, de no máximo uma hora” .

Em fevereiro de 1896, deu-se o concurso docente: as cadeiras de português, francês e italiano não tiveram candidatos habilitados; para latim e noções de grego o único candidato inscrito foi habilitado, o dr. Eduardo Gê Badaró; nas cadeiras de geografia, cosmografia e história do Brasil foi aprovado o Dr Gustavo Enge, docentes que tomaram posse em novembro, antes da inauguração oficial do Ginásio em 4 de dezembro, e se constituíram nos dois primeiros lentes catedráticos. Em paralelo as mudanças pedagógicas, seriam feitas reformas no edifício, sob responsabilidade do novo diretor. A planta do edifício foi preservada, ao mesmo tempo em que se realizou uma grande reforma do telhado que acabou por alterar em vários aspectos a fisionomia do edifício, além e se realizar embelezamentos. O telhado ganhou uma cimalha com elementos e pinhas de terracota sobre os cunhais; a fachada recebe um balcão com gradil de ferro, pilares e mísulas em terracota, ornatos com vasos e lanternas, além de ser instalada na porta principal uma bandeira de ferro com a data da nova fase do colégio registrada. No Ginásio de Campinas, a seleção de candidatos para os dois primeiros anos se deu em fevereiro de 1897 e aprovou 23 candidatos; as aulas tiveram início em julho; foi aberta também a sala de 3º ano em agosto, com 10 alunos selecionados. O corpo docente passou a contar, além dos aprovados, com os classe da sociedade”. Trata-se, na verdade, de conciliar os ideais democráticos da propaganda republicana e as exigências de uma sociedade fortemente hierarquizada. A Sociedade Culto à Ciência de Campinas e o projeto republicano de educação. Op. Cit 49 Maria Cristina Gomes Machado A BIOGRAFIA DE RUI BARBOSA: DE OLHO NA MODERNIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” Anais do IV Seminário Nacional 50 Ana Carolina Godinho dos Reis. O ensino primário em campinas durante a primeira era vargas. Monografia da faculdade de educação da unicamp, 2011, Pp 37/39

16 professores nomeados interinamente: Manuel Vieira Batista (de inglês e alemão ) e Abílio Álvaro Miller (história universal), Olímpio da Silva Leão (aritmética, álgebra e geometria) – logo substituído por José Ribeiro da Silva Pirajá; José Vilagelin .Jr (desenho), Cornélio Gasperini Vianello (ginástica), permanecendo da gestão anterior os professores Henrique de Barcelos. O diretor, Mario Bulcão respondia pelas cadeiras de francês e italiano. Em 1899, novos docentes assumiram cargos interinos: o dr. José Pinto de Moura (cadeiras de física, química e história natural), Eugênio Bulcão (preparador das mesmas cadeiras), Rodolfo Noronha (francês e italiano). Para a direção do Ginásio, ocupado originalmente pelo Dr Mário Bulcão (que permaneceria no cargo pelo período 1896/1897), assume o cargo o professor Henrique de Barcelos (1898 como interino, efetivado no ano seguinte) e que em 1900 é autorizado pelo Governo a abrir concurso para as cadeiras ocupadas interinamente. Na ocasião, deixam o Ginásio os professores dr. Pinto de Moura (9.a cadeira: física, química e história natural), o dr. Olímpio da Silva Leão e o professor Rodolfo Noronha, seguindo-se a nomeação dos drs. Abílio Alvaro Miller, João Keating e professor Bento Ferraz para as respectivas cadeiras. Novas mudanças se seguem, a começar pela exoneração da 2ª cadeira do prof. Henrique de Barcelos e sua substituição pelo dr. Eduardo Gê Badaró. Em 1900, período no qual se acha matriculados 16 alunos do 1.o ano e somente 9 no 2.o ano, o dr. João Cesar Bueno Bierrenbach toma posse na cadeira de história universal, além de se dar a aprovação do Regulamento dos Ginásios do Estado, que estabeleceria as seguintes regras: “...o ensino era regulado por programas organizados trienalmente pela Congregação do Ginásio Nacional e aprovados pelo Ministro dos Negócios Interiores da União. Os compêndios da classe eram indicados pelos respectivos lentes e aprovados pela Congregação. A. cadeiras sempre providas mediante concurso, cujas principais provas eram: a) prova escrita, com a duração máxima de 4 horas, realizada a portas fechadas; b) prova oral, que constava de argüição recíproca dos candidato, argüindo cada candidato durante 30 51 minutos; c) preleção, durante o prazo fatal de 60 minutos”

Em 1901, assume a cadeira de física e química, o dr. Manuel Agostinho Lourenço; o prof Henrique de Barcelos passa a direção para Jorge de Miranda (janeiro/1901 a outubro/1902) e o Ginásio de Campinas recebe sua equiparação ao Ginásio Nacional em 1901, passando seus diplomas a dar acesso às academias superiores do país. Data deste período uma nova etapa de concursos, inscrevendo-se “51 concorrentes, sendo 3 na cadeira de literatura, 7 em inglês, 6 em italiano, 6 em alemão, 3 em grego, 7 em aritmética e álgebra, 4 em mecânica e astronomia, 7 em história natural e 8 em história do Brasil”. Deste processo redundaria na posse dos professores: José Sttot (inglês), dr. Camilo Vanzolini (italiano), professor João Von Atzingen (alemão), dr. Henrique Augusto Vogel (grego), professor André Perez y Marin (aritmética e álgebra.), dr. Luís Bueno Horta Barbosa (mecânica e astronomia) e Basilio Magalhães (história do Brasil), dr.Henrique Maximiano Coelho Neto (literatura), dr. Francisco de Paula Magalhães Gomes (história natural). Nas palavras de Carlos Francisco de Paula: “Ficou desta forma organizado o corpo docente do Ginásio de Campinas. Uma plêiade ilustre de professores, literatos e cientistas, constituíram o 1.o grupo de lentes catedráticos deste estabelecimento de ensino, cujo nome logo se irradiou por todo o país, no alto conceito de uma instituição modelar, pelo valor de seu corpo docente e pela sólida base que 52 demonstravam seus alunos nos cursos superiores” .

Também no ano de 1901, segundo Ana Carolina Godinho: “A equiparação do Ginásio de Campinas ao Ginásio Nacional, pelo Decreto nº 3928/1901, do Ministério dos Negócios do Interior da União, foi o elemento que faltava na construção da imagem de excelência do colégio. Por este decreto, seus diplomas davam acesso automático a qualquer das Academias do país. Ocupava na época o cargo de fiscal desse Ministério o ex-aluno Antônio Alvares Lobo, coordenador de todo o processo de transferência do colégio para o município e posteriormente para a Província, e agora responsável pelo parecer que possibilitaria a equiparação. O decreto foi assinado pelo Presidente da República Campos 51

http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm Carlos Francisco Paula. Monografia histórica do colégio culto à ciência, 1946. Disponibilizada por Carlos Francisco Paula Neto, 1946 http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm 52

17 Sales. Os republicanos campineiros não haviam se esquecido do símbolo que tanto contribuíra para a divulgação de sua cidade, de sua imagem e de suas idéias. Com a equiparação do Ginásio de Campinas ao Ginásio Nacional, Campos Sales simbólicamente 53 equiparava Campinas à capital da Nação” .

Em 1902, a direção é assumida pelo dr. Francisco de Paula Magalhães Gomes (outubro/1902 a fevereiro/1903). Na ocasião, encontravam-se matriculados 105 alunos nos diferentes anos do curso ginasial; também neste ano assume como docente de ginástica o professor Vicente de Vicq (em lugar do prof. Vianello). Entre os anos de 1903 e 1905 a direção do Ginásio foi ocupada pelo dr. Adolfo Botelho de Abreu Sampaio (ex-deputado republicano), período no qual variou bastante o número de alunos matriculados: 103 alunos em 1903, 27 alunos em 1905. Na esfera docente, continuaram presentes as trocas de professores, podendo-se destacar a entrada em 1904 do “professor Jorge Carlos Guilherme Hennings, que durante 32 anos ministrou com dedicação as aulas de educação física aos alunos do Ginásio. Por Decreto de 26 de agosto de 1936 permutou o cargo com o professor Alberto Krum”; a saída do prof Coelho Neto e sua substituição pelo prof Bento Ferraz em 1906 (que permaneceu na cadeira de literatura até 1934), bem como a entrada do professor Américo Brasiliense Antunes de Moura (português) que permaneceu até 1914. Em 1907 dá-se o falecmento precoce do prestigiado docente de história geral, César Bierrenbach,que é substituído em 1908 pelo dr. José Augusto César; em 1909, em razão do falecimento do professor de física e química, Manuel Agostinho Lourenço, é nomeado o prof Aníbal Freitas para a cadeira de física, na qual permanece até 1937, ocasião em que assume a direção do Gynasio. Em 1910, os professores (entre os primeiros concursados) dr. Eduardo Gê Badaró (latim), José Sttot (inglês) e Ernesto Luís de Oliveira (geometria e trigonometria) deixam o Gynasio para asumir funções em outros estabelecimentos entrando para substituílos, ainda em 1910, o prof.Erasmo Braga (inglês, que permaneceria até 1922) e o prof Carlos Francisco de Paula (geometria e trigonometria); o dr José Bento de Assis assume a cadeira de latim em 1911 (permanecendo até 1933, quando seria transferido para o Ginásio da capital). O dr Luis Bueno Horta Barbosa também se afasta em 1910 deixando por longo período (até 1925) a cadeira de mecânica e atronomia para o prof André Peres y Marin (aritmética e álgebra). No ano de 1912, o prof Basílio de Magalhães se afasta da cadeira de história do Brasil (e por sucessiva licenças se mantem fora do Ginásio até sua aposentadoria em 1938); em 1913 o prof José Vilagelin Júnior (desenho) se efetiva, no mesmoperíodo em que deixa a cadeira de alemão o prof João Von Atzingen (em razão de transferência para o Ginásio da capital), então substituído pelo Dr Ernesto Kuhlmann que nela permaneceria até seu falecimento em 1937; em 1914 assume a cadeira de português o prof Otoniel Mota (procedente do Ginásio de Ribeirão Preto, já autor de diversas obras didáticas; ele permaneceria no Ginásio até 1925). Em 1915, com a exoneração do prof. Mendes Viana da cadeira de história natural, entrou por concurso um ex-aluno do colégio, o porf. Paulo Luís Décourt (diplomado em farmácia, permanecendo no Culto até 1934, ocasião em que foi transferido para o Ginásio da capital). Em 1920 o prof Rui Martins Ferreira assume a cadeira de desenho (na qual é efetivado em 1925, assumindo o mesmo cargo no Ginásio da capital em 1933); entre os anos de 1923 e 1929 (ano de seu falecimento) assume a cadeira de inglês o padre belga Luís Gonzaga van Woesich; em 1925 o dr João Keating (lente de francês) é aposentado (por invalidez, vindo a falecer na França), ano em que o Ginásio recebe o prof Benedito Sampaio na cadeira de portugues então ocupada pelo prof Otoniel Mota (cargos permutados entre os Ginásios de Campinas e Ribeirão Preto); o prof Benedito Sampaio foi autor de diversos livros, entre eles a Gramática Portuguea, obra premiada pela Academia Brasileira de Letras, permanecendo no Ginásio até 1938 (ocasião em que seria permutado pela seu filho, prof Francisco Ribeiro Sampaio, da Escola Normal de Pirassununga), e em que deixa o Ginásio o Dr Luis Bueno Horta Barbosa (mecânica e astronomia), cadeira que desde 1910 vinha sendo ocupada interinamente (por substituição) pelo prof André Perez y Marin; este mesmo professor (autor de diversas obras didáticas de matemática) a assumiria por concurso em 1926 (além de continuar a ocupar em caráter interino a cadeira de aritmética e álgebra) até seu falecimento em 1928. Em 1926, o dr Aristides S de Sousa Lemos assume a nova cadeira de Instrução Moral e Cívica (que perdura por apenas 4 anos). Em 1928, para ocupar a vaga deixada pelo Dr. João Keating (francês) é nomeado o concursado Dr Armando de Sousa Dinis (que permanece no cargo até 1928, ocasiao em que passa para o Ginásio da capital na condição de lente de química), além de assumir a cadeira de mecânica e astronomia o Dr. Vanderico Gonçalves Pereira 53

Ana Carolina Godinho dos Reis. O ensino primário em campinas durante a primeira era Vargas. Op. Cit. Pp 37/39

18 (procedente do Ginásio de Ribeirão Preto), que em razão de sucessivas licenças se faz substituído (até a exoneração em 1930) pelo prof. Carlos F. de Paula. É neste ano também que falece do dr. Abílio Álvaro Miller, lente da cadeira de psicologia e lógica, considerado “um de seus mais destacados elementos”. No ano de 1929, ainda, dr. Ernesto Luís de Oliveira Júnior (filho do antigo lente de geometria e trigonometria) assume a cadeira de aritmética e álgebra deixada pelo prof Perez (permanecendo nela até 1935, quando segue para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Rio de Janeiro) seguindo-se, em 1930, a aposentadoria do dr. Gustavo Enge na cadeira de geografia e cosmografia (atuante desde 1896; de origem sueca), a nomeação do concursado padre Catro Neri para a cadeira de filosofia (até sua transferência para o Ginásio da Capital em 1933) e do concursado dr Carlos de Araujo Pimentel para a cadeira de inglês, então coupada pelo padre Luíz Gonzaga. Na esfera da direção, em 1902 os trabalhos são conduzidos pelo dr. Francisco de Paula Magalhães Gomes (outubro/1902 a fevereiro/1903). Na ocasião, encontravam-se matriculados 105 alunos nos diferentes anos do curso ginasial; também neste ano assume como docente de ginástica o professor Vicente de Vicq (em lugar do prof. Vianello). Entre os anos de 1903 e 1905 a direção do Ginásio foi ocupada pelo dr. Adolfo Botelho de Abreu Sampaio (ex-deputado republicano), período no qual variou bastante o número de alunos matriculados: 103 alunos em 1903, 27 alunos em 1905. Neste ano assumiu o cargo o prof Arnaldo de Oliveira Barreto, seguindo-se Francisco Furtado Mendes Viana, dr. Antônio Rodrigues Alves Pereira54 e dr. Amadeu Mendes55. Em seguida, assume a direção o professor Antônio Firmino de Proença (que ao ser nomeado Inspetor Geral do Ensino em 1928 deixa o cargo) e em seguida o prof Anibal Freitas (fíisica e química) que se mantém no cargo inicialmente como interino (entre janeiro de 1931 e fevereiro de 1932) e em seguida, como efetivo (agosto de 1931), constando um breve período de direção do prof Amadeu Mendes. Nas palavras de Carlos Francisco Paula : “Não obstante achar-se em caráter interino na direção do Ginásio, o professor Anibal Freitas teve atuação decidida no sentido de corrigir diversas falhas existentes neste estabelecimento de ensino, principalmente a deficiência de salas de aulas. Graças a seus desvelos, nesse ano de 1928 foram construídos o anfiteatro de física e duas arejadas salas de aulas, bem como melhorados o gabinete de física e o laboratório de química com a aquisição de novos aparelhos. Além dessa diligência no sentido de melhorar as condições materiais e pedagógicas do estabelecimento, o prof. Anibal Freitas não tinha meças de sacrifício para conservar o bom nome do tradicional “Culto à Ciência”, pautando todos seus atos pelo espírito de justiça, assegurando a ordem e a disciplina, fazendo assim jus à estima de 56 professores, funcionários administrativos e alunos” .

Com relação ao corpo discente, constavam matriculados 200 alunos em 1915; 167 alunos em 1920; 271 alunos em 1925; 459 alunos em 1930 57 , valendo resgistrar uma passagem da obra Enfrentando Preconceitos, de Irene Maria Ferreira Barbosa, na qual a autora afirma: “..O Ginásio seria o palco de experiências inter-raciais muito particulares”

A autora estuda, nesta obra, a trajetória de Antonio Cesarino Junior, aluno negro e pobre que inicia seus estudos no Ginásio em 1918 e consegue chegar à docência na Universidade de São Paulo em 1937. Este jovem brilhante (aprovado em segundo lugar nos exames de admissão) e esforçado (que além dos estudos, dava aula, trabalhava na quitanda e na igreja) obteria nas aulas com os professores “André Pires e Marin e Carlos Francisco de Paula (matemátoca), Otoniel Mota (Português), Camilo Vanzollini (italiano), 54

Entre 1911 e 1917, procedente da direção do Ginásio de Ribeirão Preto e depois enviado para a direção do Ginásio da capital; seu período foi marcado por tensões entre docentes e por novas reformas no prédio, entre elas a construção de uma sala para os docentes, aumento do salão nobre, instalações sanitárias, entre outras, além da ampliação da biblioteca. Nas palavras de ----: “A biblioteca, que se achava localizada na sala da secretaria, continha em 1911 cerca de 1.200 volumes; graças aos desvelos do dr. Pereira, o número de volumes atingiu a 2.503 em 1914 e ficou a biblioteca bem instalada no salão nobre” http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm 55 Procedente do Ginásio de Ribeirão Preto, permaneceria no cargo até 1927, ocasião em que foi nomeado Diretor Geral da instrução pública do Estado. 56 http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm 57 “Por Decreto n.o 19.426 de 24 de novembro de 1930, os alunos aprovados no 5.o ano teriam concluído o curso ginasial. Ficou então eliminado o 6.o ano e extinto o diploma de bacharel em ciências e letras. Entretanto, os alunos que cursavam o 5.o ano tiveram mantido seus direitos ao bacharelato, podendo concluir o curso ginasial em 1931. Em sessão da Congregação realizada a 12 de janeiro de 1932, colaram grau os seguintes bacharelandos que completaram o 6.o ano: José Gomes, Francisco Moretzohn de Arruda Camargo, Renato Schroeder, Roberto Perrier e Paulo Amaral. Foi a última turma de bacharéis em ciências e letras pelo Ginásio do Estado em Campinas”.

19 Jean Keating (Francês), Aíbal de Freitas (Física e Química), Paulo Decourt (História Natural)”, condições essenciais para prestar e passar, inicialmente, nos exames da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Nas lembranças de Antonio Cesarino Júnior, resgatadas pela autora: “..o Ginásio daquela época [era visto] como tendo o melhor corpo de professores intitulados lentes catedráticos que se poderia desejar, sempre admitidos por consursos, os expoentes na matéria que lecionavam, quase todos com livros publicados sobre ela... Em seis anos, com seis horas diárias, seis dias por semana, estudávamos: Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria, Mecânica e Astronomia; Português, Francês, Inglês, Italiano, Alemão, Grego e Latim; Cosmografia, História Universal, História Natural, Botânica e Geologia; Psicologia e Lógica. Nada menos que dezoito matérias. Esse diploma dava direito ao ingresso imediato nas Faculdades de Medicina e Engenharia (Escola Politécnica) sem necessidade de 58 vestibular”

As exigências de trabalho, no entanto, não lhe permite cursar a faculdade e em pouco tempo Cesarino retorna à Campinas para dar aula em vários colégios (Liceu Salesiano, Colégio São Luiz, Colégio São Benedito), prestando concurso em 1928 para a cadeira de História Universal no Ginásio do Estado. que o levaria a retornar ao Ginásio como professor da cadeira de história univesal (1928/1933). E nesta condição de docente do Culto à Ciência: “..o Professor Cesarino Júnior lança-se ao trabalho e continua a incomodar, na medida em que considera o ensino de História desvinculado da realidade do aluno, e propõe algumas iovações, fazendo seminários, propondo pesquisas, criando uma sala-ambiente onde havia uma galeria de mapas e figuras históricas estudadas, acabando por escrever um livro: História da civilização. O trabalho sério e inovador parecia não agradar a alguns (...) Professor rigoroso em sala de aula, enérgico com a cobrança a respeito das aulas dadas, amigo dos alunos fora da escola (...) Cesarino ainda chega a ministrar aulas de Geografia e Cosmografia (...) [e em] seu depoimento declara: ‘Para mim, o Culto à Ciência representa 59 tudo: foi a base de minha carreira, tem valor sentimental e tem valor histórico”

Do Ginásio de Campinas, após 5 anos, o professor segue para o Ginásio do Estado da Capital e retorna à Faculdade de Direito para fazer seu doutorado nos anos 1933/1934, passando a integrar em 1937, por concurso, a própria Faculdade de Direito como docente.

O Gynasio de Campinas, que por uma década dividiu com o Gynasio da capital o papel de instituições de ensino secundário no Estado de São Paulo, cumpriu papel estrutural na remodelação do ensino levada pela República, firmando-se como um lócus de estudos avançados e em parceria com os primeiros Grupos Escolares, “modelo de escola primária graduada, urbana com arquitetura monumental e utilização

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Cesarino Junior, A. F. Memórias de um pajem, original datilografado, 1982. Arquivo Cesarino Júnior, Centro de Memória-Unicamp IN Irene Maria Ferreira Barbosa. Enfrentando Preconceitos, Campinas: Centro de Memória, 1997, p 92 59 Irene Maria Ferreira Barbosa. Enfrentando Preconceitos, Campinas: Centro de Memória, 1997, p 110

20 de novos métodos de ensino, como o ensino intuitivo”60, ou ainda, com a Escola Normal em estruturação (formação dos docentes).

O primeiro Grupo Escolar de Campinas teve sua pedra fundamental lançada em maio de 1895 (em dada próxima à da abertura do Gynasio) em terreno doado por Francisco Glicério; sua inauguração aconteceria em fevereiro de 1897 e levaria o nome de Grupo Escolar Francisco Glicério. No mês seguinte, vale considerar, surgia o Grupo Escolar Municipal Corrêa de Melo originalmente criado por maçons. O segundo Grupo Escolar Dr. Quirino dos Santos, por sua vez, seria inaugurado em julho de 1902 (funcionando num prédio alugado da rua Marechal Deodoro e depois transferido para uma casa da Câmara na rua Dr Costa Aguiar), no mesmo ano de constituição da Escola Complementar, instituição que, em maio de 1903, passava a funcionar no antigo sobrado de Miquelina de Abreu Soares (irmã de um dos criadores do Culto á Sciência, José Bonifácio do Amaral, também conhecido como Visconde de Indaiatuba) e que em janeiro de 1912 fazia-se transformar em Escola Normal Primária. Esta mesma Escola mereceria entre os anos de 1919 e 1924 a construção de um edifício próprio (ao lado da Praça Carlos Gomes), recebendo em 1936 a denominação de Escola Normal Carlos Gomes. O terceiro Grupo Escolar Artur Segurado seria criado em 1910 (rua Barreto Leme); o quarto Grupo Escolar Orosimbo Maia surgiu em abril de 1924 nas proximidades da Estação Paulista. Mas as relações entre o Gynasio e cidade se revelariam intensas e profícuas, cabendo observar que ainda no mês de novembro de 1897 alunos desta instituição criariam o Clube Escolar Cesário Motta61, um grêmio que nascia no interior do Gynasio com o propósito de celebrar a república e seu projeto educacional (Cesário Motta se destacara como uma das principais lideranças republicanas e fora responsável pela implantação da Reforma da Instrução Pública entre os anos de 1893 e 1895); o grêmio lançaria também o jornal Gynasio de Campinas, com contribuições dos professores e alunos. A intenção de promover interações e debates, ou ainda, de “cultivar (...) o estudo de temas e questões científicas”62 na cidade faria nascer no ano de 1901 o Centro de Ciência, Letras e Artes, instituição que contaria entre os seus fundadores com seis professores do Gynasio: César Bierrenbach (professor concursado de História Geral), Manoel Agostinho Lourenço, Gustavo Enge, Camilo Vanzolini, Francisco de Paula Magalhães Gomes e Coelho Neto, além de membros do Instituto Agronômico e de cidadãos como José de Campos Novais, Alexandre Krug, Edmundo Krug, entre outros.

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Fernanda Helena Petrini Marçola. MEMÓRIAS DA REPÚBLICA E DA EDUCAÇÃO: CESÁRIO MOTTA JUNIOR E A CONVENÇÃO DE ITU/SP (1873). http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada10/_files/IAi7ck3i.pdf 61 Sobre Cesário Mota Jr, podemos ler: “apesar do restrito campo de atuação reservado pela monarquia para as Assembléias Provinciais, em 1877 o Partido Republicano Paulista elegeu para a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo o trio de deputados conhecido como o “triunvirato republicano” composto por Cesário Motta Junior, Martinho Prado Júnior e Prudente José de Moraes Barros representantes da causas de defesa da federação, autonomia das províncias e também da educação (..) em fevereiro de 1893 durante o governo de Bernardino de Campos na Província de São Paulo (...) Cesário Motta Junior assume a Secretaria de Negócios do Interior, que reunia as pastas da higiene, saúde e instrução pública”. Permanece à frente da pasta por dois anos, implementando a Reforma da Instrução Pública, vindo a falecer pouco tempo depois, em 1897. Fernanda Helena Petrini Marçola. MEMÓRIAS DA REPÚBLICA E DA EDUCAÇÃO: CESÁRIO MOTTA JUNIOR E A CONVENÇÃO DE ITU/SP (1873). http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada10/_files/IAi7ck3i.pdf 62 Pelágio Alvares Lobo. “O Centro de Ciências, Letras e Artes no quinquagésimo aniversário de sua fundação” IN Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, ano LII, dezembro de 1953, nº58, p55

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O Gynasio contaria, de fato, com a cidade na realização de eventos, celebrações, atividades variadas, vinculando de maneira mais profunda seu cotidiano e propósitos à realidade cotidiana de Campinas, nascendo daí uma identidade compartilhada.

Em 1931, o Ginásio sofreria novas alterações com a entrade em cena do Decreto n. 5.117 de 20 de julho de 1931, na prática, uma nova reforma educacional de caráter federal que começava a ser proposta pelo Ministro da Educação e Saúde, Francisco Campos (1930/1932). Na esfera do Ginásio, esta reforma traduzia-se na criação de duas modalidades de cursos seriados: no curso fundamental e no curso complementar 63 , valendo considerar que a implantação do curso fundamental na instituição traduzia-se numa ampliação do seu corpo docente (inicialmente por nomeação e posteriormente por concurso)64, além de exigir adequações de espaço e instalação do curso prímário 63

O ensino primário passava a contar com um ciclo chamado “fundamental, que tinha duração de quatro anos e um ano de preparação para os exames para entrada no curso ginasial. No currículo, havia princípios escolanovistas e deveria: (...) atender aos interesses naturais da criança, considerar as características do meio ambiente, desenvolver o espírito de cooperação e o sentimento de solidariedade social, revelar tendências e aptidões do educando (CUNHA, 1981, p. 134)” IN Ana Carolina Godinho dos Reis. O ensino primário em campinas durante a primeira era Vargas. Op. Cit 64 Constavam entre eles: o professor interino Jorge Nogueira Ferraz (cadeira de ciências físicas e naturais), diplomado pelo mesmo Ginásio; da professora d. Alice Monteiro Brisola (música); o prof. Rui Martins Ferreira (cadeira geografia e cosmografia, no lugar do dr. Gustavo Enge que havia se aposentado, procedente do ginásio de Ribeirão Preto permanecendo até 1939, data de sua aposentadoria); do professor João Dutra (cadeira de desenho, procedente do Ginásio de Tatuí); o professor Alcindo Muniz de Sousa (cadeira de história da civilização, sem no entanta permanecer); a bacharela formada no Culto, Ester Perez Velasco (filha do prof André Perez y Marin, para o cargo de preparadora da cadeira de física); o farmacêutico Antônio Nogueira Braga (como interino na cadeira de história natural, em função da transferência do emérito professor Paulo Luís Décourt); o professor Jorge do Rego Freitas (interino na cadeira de química, com breve permanência); o professor Miguel Homem Pinto de Carvalho (para a cadeira de francês); o professor Miguel de Carvalho (para a cadeira de latim) e em seguida, em substituição, o professor Benevenuto Figueiredo Tôrres; o professor João Fiorello Reginato (da Escola Normal de Campinas para a cadeira de química); o professor Benjamin de Oliveira e Sousa (em substituição ao dr. Ernesto Luís de Oliveira Júnior, catedrático da cadeira de aritmética e álgebra); o professor Olavo Cintra de Andrade como preparador interino de química; o o professor Cirilo da Silva Ramos, antigo aluno do Ginásio como preparador de história natural; o dr. Duílio Ramos (procedente da Escola Normal de S.

22 num prédio anexo, denominado Colégio "Santos Dumont". Para atender ao curso complementar, por sua vez: “.... foram nomeados por ato de 2 de julho de 1936 os seguintes professores: dr. José Proença Pinto de Moura, para reger a cadeira de biologia geral; cônego dr.. Emílio José Salim, para a cadeira de psicologia e lógica; professor Nelson Omegna, para a cadeira de literatura, e dr. Carlos Lencastre para a cadeira de economia e estatística. No dia 8 desse mês, foram nomeados mais os seguintes professores: dr. Anfilófio de Melo, para a regência da cadeira de higiene; Amélio Guariento, para a cadeira. de filosofia e sociologia; João Dias 65 da Silveira, para a cadeira de geografia” .

Esta instituição que até então contara com um volume próximo a 200 matrículas anuais, a partir de 1930 passaria a receber o dobro de alunos (459 alunos em 1930, 429 alunos em 1935) e em sua maioria, no curso fundamental, integrando-se ao curso complementar um volume bem pequeno de alunos (razão da sua extinção pelo Decreto Estadual n. 8.923 de 19 de janeiro de 1938) Em termos mais amplos, a cidade de Campinas passava a vivenciar nos anos 1930/1931 a chamada municipalização do ensino, processo a partir do qual o município se tornaria responsável por “criar escolas para instrução primária” (e de zelar pelo seu corpo docente), datando do período a constituição de novas escolas primárias (entre elas, de escolas mistas rurais e de escolas de alfabetização) e a adequação de estabelecimentos primários existentes (Grupos Ferreira Penteado e Correia de Melo). Carlos para cadeira de geografia e cosmografia por impedimento do dr. Mário de Assis Moura). Também foi nomeada como bibliotecária em 1935 a professora Lourdes Maria Schreiner Anderson, depois substituída (1938) por d. Otávia Maia de Freitas Guimarães, que se efetivou em 1942. Outras alterações seriam realizadas: “O professor de ginástica da Escola Normal de Casa Branca, Alberto Krum permutou, por Decreto de 26 de agosto de 1936, o seu cargo com o professor Jorge Carlos Guilherme Hennings que desde 1904 vinha ministrando as aulas de ginástica no Ginásio de Campinas. O professor Alberto Krum tomou posse a 2 de setembro do referido ano, e ainda continua no exercício do cargo, em que se tem revelado um grande animador de esporte na mocidade. Por ato do Governo de 16 de outubro de 1937, foi designado o professor Inácio de Carvalho Landell para substituir o professor de desenho João Dutra, que se achava em comissão na Escola Normal de Piracicaba. Por Decreto de 10 de maio de 1944 foi efetivado por concurso, nos termos do art. 34 do Decreto lei 12.932 de 9 de setembro de 1942. Os professores Anibal Freitas, diretor do Ginásio, e João Fiorello Reginato, lente da Escola Normal oficial, que regiam respectivamente as cadeiras de física e de química, deixaram esses cargos no dia 28 de dezembro de 1937, em virtude do Decreto Federal n. 24 de 29 de novembro de 1987, que não permite acumulações. Para a cadeira de química foi nomeado em caráter interino, por ato do Governo de 18 de abril de 1938, o professor Manuel Basílio Moreira de Barros, que tomou posse a 26 desse mês. O professor Basílio de Barros continuou a reger a cadeira com o brilhantismo de seus predecessores e foi efetivado por concurso, nos termos do art. 34 do Decreto-lei n. 12.932, recebendo merecido prêmio de sua inteligência e dedicação. Para reger interinamente a cadeira de física foi designado, por ato do Governo de 25 de junho desse ano, o professor Hermínio de Oliveira e Sousa, que fizera o curso neste ginásio. Por despacho de 12 de julho de .1944 foi dispensado da regência interna da referida cadeira, na qual se houve com muito zelo e critério. Durante o impedimento do catedrático de história da civilização, professor Alcindo Muniz de Sousa, posto em comissão no exercício do cargo de inspetor do ensino normal e secundário, foi nomeada, por ato do Governo de 4 de outubro de 1938, a professora Maria Ferrante para exercer em comissão o cargo da referida cadeira. Por Decreto de 13 de fevereiro de 1940, foi removida, a pedido, para reger a cadeira de idêntica disciplina no Ginásio Estadual de Itapira. Os antigos lentes catedráticos drs. Camilo Vanzolini e Henrique Augusto Vogel, cujas cadeiras já haviam sido suprimidas do curso ginasial, foram aposentados em data de 11 de outubro de 1938. Eram membros da “velha guarda”, pois ingressaram ambos no corpo docente do Ginásio a 14 de agosto de 1901, após brilhantes provas de concurso das respectivas cadeiras — italiano e grego, em que conquistaram a melhor classificação. Pela cultura e devotamento ao ensino, muito concorreram para elevar o bom nome do Ginásio de Campinas, que em certa época era considerado um dos mais notáveis dentre os estabelecimentos de ensino secundário do Brasil. Com a aposentadoria do dr. Vogel, que vinha dando as aulas extraordinárias de português, foi designado por ofício da Superintendência do Ensino Secundário, datado de 14 de outubro de 1938, o professor Adalberto Prado Silva para ficar com o encargo dessas aulas, entrando em exercício a 17 do mês. Por Decreto de 29 de agosto de 1944 do Interventor Federal, foi contratado o professor Adalberto para as referidas aulas extraordinárias, a contar de 15 de março desse mesmo ano, no que continua dando mostras de grande zelo e competência. Assumiu a 12 de abril de 1939 o cargo de professora interina de educação física, a professora Nair Rodrigues, nomeada por ato do Governo em 4 desse mês. Muito esforçada, não obstante ser ainda jovem, foi declarada à disposição do Departamento de Educação Física a contar de 1.o de setembro de 1942, quando foi substituída pela professora Jurema Leme Rodrigues, nomeada como extranumerária até 31 de dezembro desse ano. No ano seguinte foi substituída pela professora Iracema França, por ato da Secretaria da Educação de 26 de abril. Finalmente, por Decreto de 20 de março de 1945 a professora Nair tornou-se efetiva por concurso, nos termos do Decreto-lei 12.932, tomando posse a 4 do mês de abril. Havendo solicitado licença, foi designada a professora Prescila Silveira para substituí-la, a partir de 18 de setembro de 1945. A cadeira de latim, que havia sido posta em concurso, foi após algum lapso de tempo provida com a nomeação do professor Francisco Galvão de Castro, classificado em 1.o lugar. O Decreto de nomeação data de 27 de junho de 1939, realizando-se a posse no cargo a 13 de julho. Espírito lúcido e culto, o professor Galvão logo se impôs à consideração dos colegas e alunos. A 7 de junho de 1940 tomou posse, como lente substituto da cadeira de história da civilização, o dr. Murilo de Campos Castro, durante o afastamento do professor .Alcindo Muniz de Sousa. Por Decreto de 6 de fevereiro de 1942 foi nomeado o dr. Murilo para reger interinamente a referida cadeira, da qual foi exonerado a pedido, por Decreto de 13 de abril de 1944, havendo dado cabal desempenho como membro do corpo docente do estabelecimento, do qual fora aluno”. 65 http://www.francisco.paula.nom.br/Culto/monografia2.htm

23 Mas a adequação do Culto à Ciência respondia a uma reforma mais profunda vivida pelo Estado brasileiro que, na década de 1930, passava a experimentar um profundo fortalecimento de seu governo central (frente às unidades federativas), de fortes consequências para a educação brasileira. Entre as mudanças, constariam a criação do Ministério da Saúde e da Educação e um amplo conjunto de leis – chamadas de Leis Orgânicas do Ensino – que entre os anos de 1930/1946 estabeleceram novos parâmetros para a estruturação e gestão da educação brasileira. As Leis Orgânicas do Ensino66, por sua vez, também contariam com a força de um movimento civil conhecido por Movimento da Escola Nova que, em seu manifesto original (1932) propunha a criação de uma escola laica, pública e igual para todos. As ideias de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho - que se contrapunham aos fundamentos religiosos do ensino tradicional – ganhariam um lugar particular nas discussões da Constituição de 1934 e viriam a influenciar parte das políticas educacionais subsequentes. Data deste período, também, a presença e força de segmentos militares que, interessados em intervir no processo educativo, defenderiam a adoção de fundamentos ligados à segurança nacional nos currículos escolares. No mesmo período, dá-se a disseminação dos materiais didáticos (em particular, para aplicação nos Grupos Escolares), valendo considerar que: “A adaptação do material pedagógico aos princípios da racionalidade cientifica passou a exigir a produção de um material pedagógico diferenciado, baseado no livro do aluno e no livro do professor tendo como foco o planejamento a partir de objetivos operacionais, em conteúdos fragmentados, no ensino programado e na adoção de provas objetivas visando uma maior eficiência do/no ensino tendo como meta final a economia de tempo, esforços e 67 custos.”

O Ginásio de Campinas, enfim, integrava-se às reformulações pretendidas pela União e pelo Estado de São Paulo para a educação brasileira, e por diversas vezes, estas reformulações exigiram da instituição grandes esforços de adaptação68. A remodelação dos cursos seriados em fundamental e complementar, por exemplo, não teria vida longa... em poucos anos, o ministro Gustavo Capanema (1934/1945) passava a trabalhar numa grande reformulação da educação nacional com base nos segmentos industrial, secundário, comercial, primário, normal, agrícola e ensino superior – mudanças que se consolidariam pelas Leis Orgânicas do Ensino. Mudanças, entre outras, que trariam para o municipio - através da Lei Orgânica do Ensino Primário - recursos provenientes do Fundo Nacional de Educação Primária para a instalação e manutenção de novos grupos, nascendo os Grupos Escolares Castorina Cavalheiro (ainda em 1940), Dom Barreto, Antonio Vilela Junior, Dom Néri, João Lourenço Rodrigues e Professor Artur Segurado69.

66

As Leis Orgânicas do Ensino, no período do Estado Novo (1937/1945), definiram modalidades de educação nos segmentos: industrial, secundário, comercial, primário, normal, agrícola e ensino superior. 67 NORONHA, 2010, p. 34 citado por Ana Carolina Godinho dos Reis. O ensino primário em campinas durante a primeira era Vargas. Pp 43/44 68 Nas palavras de Ana Carolina Godinho dos Reis: “No período Capanema, foi aprovado o Decreto-Lei no. 4958, que estabelecia pela primeira vez na história do Brasil, o dever do governo em financiar o ensino primário. Esse Decreto, previa inclusive, a criação do Fundo Nacional de Educação Primária, que deveria atuar como um auxiliar aos estados no financiamento da educação primária, cuja fonte de renda seria proveniente de tributos federais. A Lei Orgânica do Ensino Primário também estabelecia a autonomia dos estados para administrar suas escolas, que atenderiam crianças de 7 a 12 anos, devendo ser divididas em: escolas isoladas (uma turma), escolas reunidas (duas a quatro turmas), grupo escolar (mais de cinco turmas) e escolas supletivas” 69 No começo dos anos 1940, “As escolas de ensino primário eram divididas em escolas isoladas (uma turma), escolas reunidas (duas a quatro turmas), grupo escolar (mais de cinco turmas) e escola supletiva destinada a jovens e adultos analfabetos e sem limite de turmas (...) Quanto ao financiamento, em novembro de 1942 foi assinado o Decreto- Lei no. 4958, que estabelecia o Fundo Nacional de Educação Primária, este fundo funcionaria como um auxílio do Governo Federal aos estados”. Ana Carolina Godinho dos Reis. O ensino primário em campinas durante a primeira era vargas. Op. Cit. pp 43/44

24

“Grupo de lentes catedráticos do Culto à Ciência, em 1930, posando defronte à porta principal do Colégio. Na primeira fila, Major Sarmento, Dr. Carlos Francisco de Paula, Dr. Aníbal Freitas, Camilo Vanzollini e Eugênio Bulcão. Na 2ª fila: Armando de Sousa Diniz, Jorge Hennings, Paulo Decourt, Ruy Ferreira e Ernesto Kuhlmann” (Site de Carlos Francisco Paula Neto )

E então, em 1942, uma outra reforma se impõe ao Ginásio: sua transformação em Colégio Estadual, conforme estabelecia a segunda Lei Orgânica da Educação (ensino secundário). Nas palavras de Ana Carolina Godinho dos Reis: “De acordo com o ministro Capanema, este curso tinha como objetivo oferecer uma cultura ampla, elevar a consciência patriótica e humanística. Além disso, era destinado à formação dos dirigentes da nação, ou seja, era destinado à elite do país. O ensino secundário era dividido em dois ciclos, o primeiro era chamado de ginásio e tinha duração de quatro anos, o segundo era dividido em duas modalidades: clássico e científico. Na prática essa divisão não apresentava grandes diferenças. Este nível de ensino era voltado às classes altas e havia poucos alunos matriculados e de classe menos favorecida, essa alta seletividade também pode ser representada pela quantidade de provas e exames contidos no curso, não restando tempo para que o estudante exercesse outra atividade além do estudo (CUNHA, 1981, ROMANELLI, 1991). A educação feminina era diferente da masculina. As mulheres tinham um ambiente de estudo exclusivo e o ensino levava em conta a “natureza feminina” da época, que

25 era cuidar do lar. Para receber o certificado de conclusão de curso era necessário realizar um 70 exame definido pelo Ministério da Educação”

A nova legislação estabelecia uma distinção entre ginásio e colégio: definia-se como ginásio toda e qualquer instituição de ensino que, até o ano de 1942, oferecesse o curso fundamental; às instituições que na mesma data oferecessem os cursos fundamental e complementar passariam a ser considerados colégios, o caso do Culto a Ciência. Para adequação à condição de Colégio Estadual Culto à Ciência, toda uma série de novas disciplinas fariam-se incorporadas ao currículo, constando entre elas as de instrução pré-militar (para alunos de 12 a 16 anos matriculados no curso ginasial, acompanhadas pela instalação de um centro de instrução prémilitar (vinculado ao comandante da respectiva Região Militar); as de economia doméstica e trabalhos manuais, entre outras direcionadas para a educação feminina71; disciplinas que promoveram a contratação de diversos docentes para aulas extraordinárias72. Data, também, deste período (1943/1944) a realização de uma série de reformas sob encargo do diretor, prof Aníbal de Freitas, na rede elétrica e sanitária do colégio (construção de banheiros, instalações sanitárias separadas, um dependência destinada ao bar) e nos edifícios, realizando-se a construção de um novo pavilhão junto ao corpo principal do colégio (para salas de aulas, também instaladas no interior do salão nobre) e de um pavilhão de educação física, na prática, um grande Ginásio Municipal destinado “à

70

Ana Carolina Godinho dos Reis. O ensino primário em campinas durante a primeira era vargas. Op. Cit. pp 43/44 Vale considerar que o Colégio passou a contar com a presença de diversas mulheres no corpo docente (nas cadeiras de francês, latim, grego, economia doméstica e trabalhos manuais, entre outras). Nesse sentido: “Para ministrar as aulas extraordinárias de francês foi contratada a professora Maria Júlia de Barros Toledo, a partir de 14 de abril de 1943. Por despacho de 29 de fevereiro do ano seguinte, foi nomeada para exercer interinamente o cargo de professora da cadeira, a contar de 21 de setembro de 1943. Aluna distinta que foi do Ginásio, exerceu proficientemente o cargo de professora; foi exonerada a 15 de fevereiro de 1945. A regência da cadeira ficou a cargo da professora Iracema Rosa dos Santos, removida da Escola Normal de Casa Branca, havendo entrado em exercício a 15 de março. As aulas de latim, excedentes do limite permitido ao respectivo catedrático, ficaram a cargo da professora Lucí de Melo Braga, que também fora aluna aplicada do Ginásio. Entrou em exercício a 18 de maio de 1942, havendo dado bom desempenho à missão que recebera, e foi dispensada em 6 de agosto do ano seguinte. Assumiu então a regência dessas aulas o professor Hernani Grimaldi, contratado por Decreto de 7 de outubro, exercendo dedicadamente o cargo até 3 de abril de 1945. Foram contratadas, em junho de 1942, as professoras Jaci Alves Coelho e Ester de Salvo para se encarregarem das aulas respectivamente de economia doméstica e de trabalhos manuais, da secção feminina”. 72 “Com a instalação do 2.o ciclo — curso colegial, foram feitas diversas nomeações para as novas cadeiras. Para reger a cadeira de espanhol foi designado, em data de 17 de maio de 1943, o professor Ernesto Tem de Barros, sem prejuízo de seus vencimentos de professor de francês na Escola Normal de Tatuí. Competente e circunspeto, o professor Barros se manteve em exercício até 24 de outubro do ano seguinte, quando foi removido para a Escola Caetano de Campos, passando as aulas a serem ministradas pela professora Deolinda Vila Nova Soeira, cujo contrato data de 23 de janeiro de 1945. Para reger a cadeira de filosofia, foi contratado o dr. Enéas Ribas de Almeida, que entrou em exercício a 19 de abril de 1943, e ainda continua com reconhecida proficiência a ministrar essas aulas. Nessa mesma data, 19 de abril, ficou à disposição do Colégio Estadual de Campinas, a professora Mercedes Leite Ribeiro, com o encargo da cadeira de grego. Posteriormente foi contratada, por Decreto de 29 de agosto de 1944, para a regência da cadeira a que vem emprestando o fulgor de sua inteligência (...) Em 11 de julho de 1944 foi nomeado por concurso para a cadeira de física, nos termos do art. 34 do Decreto-lei n. 12.932 o professor Moacir Santos de Campos, entrando em exercício a 13 do mês O professor Moacir continua a conservar o bom nome de que goza a cadeira de física deste Colégio, onde fizera com brilhantismo seu curso Secundário. Na mesma data 11 de julho, foi nomeada por concurso, nos termos do referido Decreto, para exercer o cargo de professora de história geral e do Brasil, a professora Maria Aparecida Pantoja que entrou em exercício a 27 do mês. Foram contratados para as aulas extraordinárias os seguintes professores: dr. Alfredo Ribeiro Nogueira, para geografia, no período de 8 de maio a 30 de junho de 1944; professora Maria Afonso Ferreira, para história geral a partir de 1º de julho desse ano; professora Dora Grandinetti para geografia, a partir de 18 de julho; a professora Célia Morais Siqueira, para inglês, a contar de 6 de junho, tomando posse a 3 de outubro. De conformidade com o Decreto-lei n. 12.273 de 28 de outubro de 1941, obteve, sua aposentadoria em data de 18 de abril de 1944, o professor Carlos Francisco de Paula (...) Poucos dias depois, por Decreto de 16 de maio, era também aposentada a inspetora de alunas d. Almeirinda de Toledo Lima, que fora nomeada para o cargo de contínua em 2 de julho de 1915, mantendo-se diligente no exercício de suas atribuições (..)A 22 de maio desse ano, assumiu a regência da cadeira de matemática, do 1.o ciclo, a professoranda Maria Cecília Betim Bicalho, distinta aluna da Faculdade de Filosofia de Campinas, sendo dispensada em 28 de outubro do mesmo ano. Foi então posto à disposição deste colégio, por ato do Interventor Federal em 28 de dezembro, o prof. Lívio Thomás Pereira, do Ginásio Estadual de Araras (...) Nos termos do art. 34 do Decreto-lei nº 12.932, foi nomeada em 17 de outubro para a cadeira de biologia a professora Diva Dinis Correia entrando em exercício a 14 de novembro (..) até as férias de junho de 1945 (...) Veio substituí-la durante seu afastamento o prof. Antônio Nogueira Braga (...) Em 2 de janeiro de 1945 foi nomeado por concurso para a cadeira de ciências físicas e naturais, o prof. João Batista Piovesan, sendo empossado a 11 do mês em precário estado de saúde. Infelizmente veio a falecer poucos dias depois, em 24 do mês (...) Foi então nomeado para essa disciplina, na data de 17 de abril de 1945, o professor José de Toledo Noronha (...) Para exercer as funções de Instrutor pré-militar como extra-numerário, foi admitido em 18 de abril de 1945 o 1º sargento Abílio Ribeiro da Costa. Para encarregar-se do ensino de trabalhos manuais, ficou à disposição deste colégio o prof. Carlos Alberto Erbolato, a partir de 12 de julho desse ano” 71

26 secção de esportes, construído em terreno do Colégio Estadual” que se faria inaugurado “Por ocasião dos jogos do 10º Campeonato Aberto do Interior, realizados em princípio de outubro deste ano”73. A partir de 1946, por sua vez, num momento político marcado pela chamada redemocratização social (fim do Estado Novo) a nova constituição decretava a gratuidade do ensino público ao mesmo tempo em que instituía a União como legisladora das Diretrizes e Bases da Educação, condição para que todos os decretos e leis (estaduais e federais) viessem a se conjugar num mesmo sistema educacional, alcançando-se um desfecho para vinte anos de reformas do segmento educacional. No princípio dos anos 1950, enfim, o Colégio Estadual Culto à Ciência colhia os frutos das mudanças: a instituição se achava estruturada, reformada, equipada e constituía por um corpo docente “composto por pessoas de renome nacional e até internacional (...) reconhecidos pelos arrojados e modernos métodos de ensino que praticavam”; atributos que estimulavam novos professores a continuar inovando... como no caso da educação física, campo educacional no qual o professor Stucchi viu-se motivado a: “...organizar uma programação que desse outra conotação à disciplina, configurando um sentido mais acadêmico ao trabalho com o movimento corporal e multidisciplinar dos discursos técnicos da Educação Física, utilizadas na época, levando-a aos moldes das demais disciplinas. Isto fez com que a matéria ganhasse uma certa ascendência no universo 74 cultural acadêmico pela qual a área de conhecimento disciplinar existia até então”

Com base na constatação de que uma “nova realidade profissional na escola” trouxera para seu interior grupos “heterogêneos de alunos” (faixa etária, biótipos, estágios de conhecimento), o prof. Stucchi adota o “Método Francês” de educação física, fundamentado na “aplicação de temporadas de modalidades esportivas” com o objetivo de levar os alunos a adquirir ensinamentos específicos, ou ainda, adquirir novas práticas físicas, corporais e sociais com cada uma delas, percebendo ao final o lugar destas modalidades na vida de cada um75. As atividades seguiam um rigoroso roteiro: “..A disciplina iniciava na 1º série ginasial, hoje 5º série do ensino fundamental. Nas duas primeiras aulas eram passados conceitos de higiene, tal como constava no manual utilizado, o "Regulamento n° 7" do Método Francês. Nessas aulas eram demonstradas as vantagens da prática da Educação Física e os cuidados que se deveria ter com o corpo antes e depois de qualquer prática esportiva. Eram desenvolvidos, também, ensinamentos sobre hábitos fisiológicos que poderiam levar o organismo a excretar regularmente, em determinados horários do dia, e, também, sobre a vestimenta adequada para cada clima e atividade proposta, além dos cuidados higiênicos e corporais a serem utilizados em locais e ambientes públicos, como chinelos, tamancos, etc. Era ensinado como se conduzir no ambiente escolar e reconhecer a estrutura física e humana da escola. Além disso, nessas aulas era apresentado o organograma da organização escolar que mostrava a situação de hierarquia em sua estrutura, tanto para a escola como para a sociedade, indicando as condições possíveis de respeito e diálogo dentro da escola e no meio social. As aulas traziam sempre informações novas sobre horários de funcionamento, uniformes e seu asseio, o cuidado com o material e o equipamento, a forma de desenvolvimento das aulas, o sistema de avaliação e os objetivos da disciplina e da escola. Na organização das aulas constavam várias etapas a serem seguidas. As primeiras eram de preparação, com movimentos de flexibilidade e abdominais e outros elementos de ação corporal. Esses procedimentos eram utilizados nas duas primeiras aulas iniciais, buscando preparar o aluno para o desenvolvimento de outras ações físicas. Para este planejamento também era utilizado o "Regulamento n° 7", com adaptação para o desenvolvimento das atividades que eram divididas em três sessões a cada aula: - A 1ª sessão chamava-se "preparatória" e era desenvolvida com a prática de exercícios que levassem o aluno a obter o condicionamento adequado para a prática dos exercícios mais complexos. - A 2ª sessão, denominada de "sessão principal" propriamente 73

74 75

“Este Ginásio viria a se chamar mais tarde de Alberto Krum, em memória do saudoso professor de educação física da escola” Sérgio Stucchi. A Cultura do lazer físico esportivo como..., pp 67/68

O prof Stucchi dividia “... o ano letivo em quatro períodos, a saber: 1ª temporada de março a abril; 2ª temporada de maio a junho; em julho, férias escolares; 3ª temporada de agosto a setembro e 4ª temporada de outubro a novembro. Em cada uma dessas etapas era desenvolvido o ensinamento de uma modalidade esportiva, e em algumas ocasiões desenvolvia-se a modalidade de natação, para a qual era utilizada a piscina do Parque Portugal (Lagoa do Taquaral) que pertence à Prefeitura Municipal de Campinas, sendo geralmente utilizados, para as temporadas, os meses quentes do ano, março, abril, outubro e novembro”.

27 dita, era composta por uma atividade com práticas esportivas, nas quais o objetivo do programa era desenvolvido, levando o aluno a obter conhecimentos e habilidades específicas. - A 3ª sessão, denominada de "volta à calma", buscava propiciar ao aluno uma condição de retorno às condições normais de descanso, tanto intelectual quanto físico, preparando-o para que pudesse dirigir-se a outras atividades cotidianas. No programa da Educação Física do Colégio Estadual "Culto à Ciência" de Campinas, constava urna certa divisão do conhecimento junto com o desenvolvimento de habilidades. Este procedimento se dava em temporadas compostas de modalidades esportivas, partindo sempre das modalidades individuais mais simples, adequadas à idade e capacitação dos alunos, para as mais complexas, que dependeriam de um envolvimento mais elaborado, levando o grupo a desenvolver, além das habilidades práticas de cada esporte, o respeito às próprias limitações e às de seus parceiros, bem como, o respeito á hierarquia e ás regras determinadas, como também, outras construções estabelecidas pelo grupo, o que representava sempre o desenvolvimento de mais elementos para colaborar no estabelecimento de uma cultura social. O objetivo declarado nesses programas da disciplina Educação Física da escola analisada era o de levar o aluno a obter conhecimento sobre as diferentes opções de participação esportiva, a reconhecer seus direitos e deveres em grupo, aceitar suas próprias limitações, como também, a respeitar as limitações de seus companheiros, e, assim, poder 76 obter em sociedade um melhor desenvolvimento bio-psico-social” .

Numa perspectiva complementar: “A formação de equipes representativas do colégio nas diferentes modalidades esportivas, visando a participação nos eventos esportivos locais e regionais trouxe outro beneficio nesse processo cultural, criando oportunidades de convivência mais intensa. Para que o aluno pudesse fazer parte do grupo representante do colégio era pré-requisito um bom domínio das habilidades das modalidades em questão; porém, esse procedimento seletivo, logicamente, só acontecia depois que todos já tivessem passado pelo processo de aprendizagem e tivessem adquirido os conceitos da disciplina (...) Todos os alunos do "Culto à Ciência" tiveram oportunidade de passar pelo processo de aprendizagem dos movimentos corporais relativos ás várias modalidades esportivas escolhidas, tanto para sua cultura corporal imediata, entendida como o movimento utilizado para todas as finalidades que a Educação Física desenvolvia em seus objetivos higiênicos, disciplinares, formativos, como também pela oportunidade dos alunos se submeterem a uma experiência de competitividade, representada pelas equipes formadas para participar dos diferentes eventos esportivos, nas diferentes modalidades (...) Deve-se enfatizar o fato da disciplina conseguir formar equipes representativas da escola; oferecer, além das aulas, períodos de treinamento mais intenso que permitisse a participação em eventos especiais comemorativos; que todos saíssem da escola com boas noções de práticas das modalidades esportivas aprendidas na disciplina. Assim, todos poderiam se utilizar, sempre, de algumas delas como vôlei, basquete, futebol, 77 handebol” .

O Colégio Estadual Culto à Ciência, através deste método, acabaria por se constituir no lócus de “uma cultura sócio esportiva” de grande relevância para a escola e para a cidade; cultura que se por um lado “permitia a participação dos alunos em campeonatos esportivos, desfiles comemorativos e outros mais”, por outro, atraia novos alunos, “motivando-os a buscar a condição de aluno daquela instituição educacional”78

76

Sérgio Stucchi. A Cultura do lazer físico esportivo como..., pp 65/66

77

Sérgio Stucchi. A Cultura do lazer físico esportivo como..., pp 67/68 Sérgio Stucchi. A Cultura do lazer físico esportivo como..., p 69)

78

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Desfile do Colégio pela rua 13 de maio. Década de 1960

Alunos e professores do Colégio na despedida dos bondes, em 1968.

No curso das décadas de 1940/1960, a cidade de Campinas ganhou novos padrões e diretrizes de desenvolvimento. De fato, para além do crescimento urbano – que desde então se faria marcado por um forte adensamento e verticalização da malha central - a cidade viu nascer novas modalidades de empreendimentos nos ramos industrial, comercial e de serviços, associados à constituição de novos bairros, agora instalados em porções mais distantes do município e orientados pela passagem de novos eixos viários, como a rodovia Anhaguera, aberta em 1948. No campo educacional, propriamente dito, a cidade também ganhava novos estabelecimentos e as primeiras instituições de ensino superior, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (19--) e a Faculdade de Economia (19 ), embriões da PUC Campinas. As novas dinâmicas, bairros e instituições, associadas à ascensão de novos grupos e segmentos, bem como à perda de prestígio e poder de parte dos segmentos tradicionais da cidade traduziam-se, então, na constituição de um novo quadro urbano em meio ao qual o Culto à Ciência se desenvolvia. Neste sentido, nas palavras de Adriana Lech: “As alterações na estrutura física (...) reflexo das transformações do espaço econômico e social de Campinas (...) acabam por impor uma mudança da clientela do colégio. As famílias que chegam na cidade atraídas pelos novos postos de trabalho buscam no colégio uma escolarização de qualidade para seus filhos. Esses passam a competir com os tradicionais clientes nos rigorosos exames de seleção, muitas vezes em prejuízo desses últimos. Além disso, são admitidos também, mas por transferência simples, filhos de militares, amigos ou familiares de políticos ou personalidades de expressão. Dessa maneira, os alunos ‘de fora’, denominados de ‘extranhos’ nas atas dos anos 30 e 40, passam a constituir uma parcela 79 significativa do alunado”

No curso dos anos 1940/1960, entretanto, o Colégio Estadual permaneceria prestigiado e preservado como instituição capaz de garantir “uma escolarização bem semelhante a dos seus pais e avós”, 79

Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar.. p8

29 constituindo-se forte as representações herdadas da primeira república. O Culto à Ciência mantinha-se importante e atuante no imaginário da cidade.

Boletim de Carlos Zara

Classe do Científico B do Culto à Ciência. Turma mista de 40 pessoas (30 homens e 10 mulheres), em 1958 ou 1959

No curso da década de 1970, período marcado pela militarização do Estado brasileiro - segunda experiência ditatorial em poucas décadas -, o Colégio Estadual Culto a Ciência passava a enfrentar uma nova reforma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; reforma que, à semelhança dos anos 1940, promoveria uma alteração significativa de propósitos e dinâmicas pedagógicas do colégio. Neste caso, no entanto, as alterações interferiam no “espírito” do antigo ginásio (com sua ênfase em ciência) que, agora extinto, deveria responder a um novo currículo técnico-profissionalizante; a adoção de novos critérios de admissão docente e de seleção discente, interrompendo-se o tradicionalíssimo sistema de seleção (orientado para a cidade e definido por critérios de desempenho e normas consolidadas de avaliação) para adoção de critérios de seleção fundados nas necessidades de demanda e de zoneamento. No entender de Adriana Lech Cantuaria: “..o lugar ocupado pelo Culto à Ciência no espaço escolar de Campinas vinha sofrendo alterações há tempos, na medida em que se alterava a estrutura física, social e econômica da cidade (...) [mas a transformação institucional que se seguiu, suas características (composição social dos alunos) e a experiência escolar a que foi submetida (tipo de professores e forma de organização do trabalho pedagógico), evidencia (...) um processo de transformação que testemunhava contundentemente a retirada da escola pública da missão de produzir a competência escolar necessária, já naquele momento, para o acesso às 80 posições superiores num mercado de trabalho que se expandia e se complexificava”

E mais uma vez, num espaço curto de tempo, o Culto à Ciência sofria mudanças voltadas a adequar o colégio a reformas (de maior ou menor profundidade) determinadas pelo Estado, sem qualquer ingerência 80

Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar. Op.Cit, p10

30 de sua direção ou corpo docente; a reforma dos anos 1970, no entanto, modificava de maneira profunda suas características e identidade, desdobrando-se daí uma alteração não menos significativa de suas relações com a cidade. Segundo a pesquisadora, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em seu esforço de fazer cumprir as diretrizes da reforma de ensino, centrava esforços – em 1975 – em : “neutralizar as chamadas escolas de prestígio, principalmente nos municípios do Interior, onde servem de orgulho e motivação política, provocando ao mesmo tempo uma 81 discriminação em detrimento de áreas prioritárias”

Tratava-se de transformar “o colégio em escola de segundo grau, reservada aos moradores da região da cidade onde está situado”, de romper preferências (em nome de uma efetiva “democratização do ensino”...) e de adaptar a rede física escolar as necessidade de demanda da sociedade, cumprindo a reforma do Culto à Ciência um papel exemplar. Os riscos de comprometimento de uma trajetória histórica de competência educacional, por sua vez, geraram reações. Segundo Adriana Lech Cantuaria: “Foram criadas comissões de professores, de pais e de ex-alunos, numa tentativa de sensibilizar as autoridades, os jornais da cidade, e alguns da capital, posicionaram-se em defesa do colégio e a Câmara Municipal emitiu protestos oficiais, numa mobilização aparentemente bem sucedida. A Secretaria da Educação decidiu preservar o caráter unitário do Culto à Ciência, benefício estendido à outras escolas da Rede, mas, em contrapartida, a instituição deveria se organizar para oferecer ensino de 1ª a 4ª séries e disponibilizar as vagas remanescentes (não preenchidas pelos seus alunos de 5ª a 8ª séries e do 2º grau) segundo as diretrizes do remanejamento, isto é, para os moradores do bairro, como aliás já vinha sendo feito desde o ano anterior. Além disso, a escola perderia a capacidade preservada até então de recrutar seus próprios professores, sendo incluída, a partir daí na mesma lógica que regia a contratação de professores da rede pública no estado de São Paulo. Concretamente, essas modificações administrativas significavam, no que diz respeito, por um lado, ao alunado, que a escola passaria por uma possível e provável mudança das características sociais da sua clientela, na medida que seria obrigada a abandonar a prerrogativa da seleção de alunos a partir de uma demanda municipal e mesmo regional ou estadual para se restringir aos filhos das famílias moradoras da região da cidade que 82 circundava o colégio”

Os desdobramentos da Reforma de 1971, de qualquer forma, seriam significativos, firmando-se no curso do tempo “uma alteração na configuração do alunado” e o afastamento efetivo de “famílias dos grupos dirigentes” que deixam de ver no Culto à Ciência como uma “opção interessante para a educação” de seus filhos83. No ano de 1975, em particular, os alunos do ex-ginásio (5ª a 8ª série do primeiro grau) seriam 81 82

83

Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar. Op.Cit, Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar. Op.Cit,

“No início da década de setenta o Culto à Ciência consistia ainda numa opção interessante para a educação dos jovens pertencentes aos grupos mais privilegiados campineiros. Com seu prédio amarelo, sombreado por árvores imensas e patinado por quase cem anos de história, o colégio, cenário da formação de várias gerações das elites campineiras, possuía uma grande força simbólica, sendo considerado destino natural dos filhos de muitas das famílias destes grupos, que viam no colégio um espaço de socialização suficientemente protegido. Além disto, o colégio era percebido como lugar de uma formação eficaz, apoiado na imagem de colégio “forte”, corroborada pelas trajetórias bem sucedidas de vários de seus ex-alunos. Além dos conhecidos Santos Dumont, Júlio Mesquita e Guilherme de Almeida e de inúmeros profissionais liberais e empresários de destaque, saíram dos quadros do Culto à Ciência, durante o século XX, pelo menos sete ex-prefeitos de Campinas, três reitores da PUCCAMP, um vicegovernador, vários secretários de Estado, diplomatas, desembargadores, artistas e cientistas, estes ligados em sua maior parte ao Instituto Agronômico e à USP. Um outro fator que concorria para a manutenção dessa imagem era a rotina de realização de concorridos exames de seleção e de rígidas avaliações ao final de cada ano, conferindo um caráter meritocrático à carreira dos alunos e valorizando os diplomas obtidos. O Colégio Culto à Ciência, no entanto, não seduzia homogeneamente todas as famílias dominantes da cidade. Nessa época, o espaço escolar de Campinas era bastante diversificado e atendia de forma diferenciada os diversos setores desses grupos. A análise do fluxo de alunos entre os vários colégios permite afirmar que apenas uma parcela dos grupos que tradicionalmente vinham se utilizando do Culto à Ciência ainda disputava seu espaço. A formação gratuita ali oferecida, por outro lado, parecia atender às expectativas das famílias de muitos outros grupos sociais, consistindo uma opção viável a partir de investimentos pessoais, independentemente do montante de capital econômico acumulado por essas famílias. Como conseqüência, ocorre uma alteração na configuração do alunado, que passa a ter como característica a diversidade social. A partir desse período, porém, percebe-se que as famílias dos grupos dirigentes passam a se afastar do colégio de forma decisiva. Na memória dos ex-alunos e exprofessores, isso está irremediavelmente ligado

31 transferidos pela Secretaria de Educação para a EE Benedito Sampaio (construída ao lado) e em 1976, o Culto à Ciência realizaria seu último exame de seleção para o colegial nos moldes tradicionais.

à reforma do ensino advinda com a LDB de 1971, cujos efeitos sobre o colégio teriam sido sentidos de forma paulatina ao longo da década”. Adriana Lech Cantuaria. A Escola Pública e a Competência Escolar. Op.cit

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