AS LÍNGUAS CRIOULAS DE BASE PORTUGUESA

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Descripción

As lÍnguas crioulas de base portuguesa
(Stefano Valente)

Introdução
Onde não chegaram os portugueses com as suas caravelas?
Desde Ceuta, em Marrocos, conquistada em 1415, ao Japão, alcançado por
acaso em 1542 (por três mercadores de peles, Francisco Zeimoto, António da
Mota e António Peixoto, que faziam rota para a China mas sofreram naufrágio
até às costas da ilha Tanega Shima – só sete anos depois a Companhia de
Jesus começará a sua obra de conversão por Francisco Xavier), ao longo de
apenas dois séculos e meio Portugal tocou todos os oceanos e correu
verdadeiramente as sete partidas do mundo.
A Época dos Descobrimentos e das Explorações, porém, depois do seu
declínio (marcado pelo surgir das potências holandesa e inglesa) continuou
a sobreviver nos chamados « novos continentes ». Não quero referir-me só
aos vestígios materiais deixados pela presença lusitana nas terras
colonizadas – instalações civis e de marinha, fortalezas, desembarques e
portos, etc. –, mas sim a um imenso património cultural e sonoro: o das
línguas recém-nascidas (com respeito aos séculos dos descobrimentos) de
base portuguesa – os crioulos.
O que é um idioma crioulo? É preciso darmos um olhar para trás e dizermos
uma ou duas coisas…
A evolução que leva a uma língua assim chamada « crioula » prevê
necessariamente mais fases sucessivas. Ao começo, por causa da nova rede de
contactos entre os colonizadores e os colonizados, forma-se – instaura-se,
digamos assim – numa certa área geográfica uma língua franca ou língua
geral.



A língua franca
A palavra língua franca provém do árabe lisān al-faranj, ou seja 'língua
dos francos'. A expressão designava todos os idiomas românicos com que os
muçulmanos tinham tido alguma relação. Depois passou no uso para nomear o
idioma mais ou menos artificial e simplificado que, por muito tempo, foi
utilizado pelos comércios e as trocas entre os europeus e os levantinos
(árabes e turcos) ao longo do litoral mediterrâneo de África e, sobretudo,
em Argel. A língua franca era de base lexical principalmente românica e,
nomeadamente, italiana (com traços dialectais napolitanos e venezianos –
pois eram principalmente Nápoles e Veneza as pátrias dos marinheiros).
A língua franca fica atestada desde o séc. XII e, com certeza, desaparece
por volta do fim do séc. XIX (com a ocupação francesa de Argel, em 1830, em
Marselha imprime-se o primeiro Dictionnaire de la langue franque ou petit
mauresque destinado ao uso das tropas – esse facto coincidirá com o
declinar da língua franca sempre mais substituída pelo prestigiosíssimo
francês dos conquistadores). Os próprios franceses dar-lhe-ão o nome de
sabir, provavelmente tomando-o do começo do entremis en musique do
Bourgeois Gentilhomme de Molière, de 1670. Trata-se da cena da Céremonie
turque – 'cerimónia turca' – com a qual Monsieur Jourdain, o bourgeois
protagonista, deveria ser feito nobre:


LE MUFTI Se ti sabir
Ti respondir,
Se non sabir
Tazir, tazir
Mi star Mufti:
Ti qui star ti?
Non intendir:
Tazir, tazir.

Mahametta per Giourdina
Mi pregar sera é mattina;
Voler far un Paladina
Dé Giourdina, dé Giourdina.
Dar turbanta é dar scarcina
Con galera é brigantina
Per deffender Palestina.

Ti non star furba?
LE TURCS No, no, no.
LE MUFTI Non star furfanta?
LES TURCS No, no, no.
LE MUFTI Donar turbanta, donar turbanta.



O exemplo mostra-nos muito claramente as características de uma língua
franca: quais são? Podem adivinhar? Digamos que muitas dessas
características são as mesmas das dos idiomas crioulos.
Uma língua franca é também dita « pidgin » (termo que deveria derivar da
pronúncia chinesa do inglês business). Um pidgin geralmente tem um
vocabulário pobre e reduzido, falta de distinção entre géneros, ausência de
flexões verbais (o verbo está o mais das vezes ao infinito), pronomes
invariáveis, repetição com função expressiva. O objectivo de um pidgin é o
de ser um idioma veicular, simples, eficaz, com uma utilização restrita às
trocas comerciais e à comunicação básica entre duas o mais comunidades. De
ser, em suma, uma verdadeira língua geral.



A língua geral portuguesa
E eis aqui a língua geral portuguesa que se desenvolveu e se difundiu de
África até Ásia a partir dos meados do séc. XV, desde as primeiras
conquistas lusitanas – e, nomeadamente, das conquistas feitas na Alta Guiné
e no Golfo da Guiné (descoberta do Rio Congo por Diogo Cão – 1484;
cruzamento do Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias – 1488; começo da
colonização das ilhas de São Tomé e Principe por Álvaro de Caminha – 1493).
Trata-se de uma linguagem que se compôs por exigências básicas – para poder
comunicar entre tripulantes, mercadores, escravos e negreiros.


Aliás, a rota dos negócios ligado à escravatura levou muitos termos
das línguas africanas até o Brasil – e não só –, na cuja variedade de
português hoje encontramos correntemente palavras como caçula – 'o
mais novo dos filhos ou dos irmãos'
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