Antropologia e pós modernidade

June 30, 2017 | Autor: Gedeon Lidório Jr | Categoría: Igreja, Antropología, Missiologia, Antropologia da religião
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ANTROPOS – Revista de Antropologia – Volume 2, Ano 1, Maio de 2008 – ISSN 1982-1050

Antropologia e Pós-Modernidade

Gedeon J Lidório Jr Artigo

Revista Antropos – Volume 2, Ano 1, Maio de 2008 ISSN 1982-1050

Analisando o relativismo em nossos dias no contexto social brasileiro A sociedade brasileira, alvo de nossa pesquisa, passa por um processo de urbanização (comum ao mundo inteiro) que de acordo com o IBGE possuía em 2006 81% da população em centros urbanos e 19 % em contexto rural. Inverteu-se, assim, o quadro demográfico apresentado, o que é uma tendência mundial. Neste processo aparentemente incontestável é culturalmente difícil prever o resultado perante as concepções e vivência social nas cidades. O que nitidamente se nota é que o Brasil urbano tem características rural em sua formação cultural, religiosa e social. De acordo com o antropólogo brasileiro Ronaldo Lidório a sociedade brasileira é marcada fortemente pela “presença de simbolismo” e que “dificilmente observam (os brasileiros) um valor a partir dele mesmo, mas sim a partir dos fatos da vida” (LIDÓRIO, 2008) e assim nos dá a percepção de que mesmo urbanos ainda somos uma sociedade com forte tendência a socializações nos moldes mais rurais, segmentos culturais transitam desde os tempos de sua formação. Tudo isso está em processo e com certeza quanto mais instruída a população menos simbólica e simples ela é. Apesar de ser mais evidente em algumas específicas partes do país podemos propor esta como uma realidade geral brasileira.

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Sem analisar por este prisma é comum pensarmos que se faz necessário “acompanhar os tempos” para que o quotidiano se transforme em contemporâneo e assim nos iludimos com a graça que a mudança constante, o “não parâmetro”, traz para nossa vida, onde o que vale é apenas uma mescla do que se aprendeu no passado (referencial teórico) com o que se vive hoje (exigência social) e com o que se idealiza e espera de cada um (despersonificação processual), sem que essa mescla importe em vivenciar os conceitos, mas sim, tudo se torna apenas nebulosamente parecido fazendo com que a verdade não mais exista como conceito absoluto, olhando-a para o todo social como um absurdo, preferindo a parte para que assim cheguemos ao nosso todo. Recentemente ouvi de um estudante de medicina o seguinte: “Quero ouvir a verdade. A sua verdade. A minha verdade. A verdade deles, pois todas elas são diferentes óticas do que acontece e não há uma verdade absoluta”. Perdese no tempo que alguma coisa possa existir por si só – duvidar de tudo é a única maneira de viver nos tempos de hoje. O Referencial teórico (passado) traz sobre o ser humano moderno uma agonia – tudo é muito antigo e ‘démodé’. A geração que experimenta o virtual não quer saber do passado, projeta-se apenas para o futuro, nem o presente é mais real que o futuro. Os marcos e vivência estabelecidos são normas de conduta para serem quebradas, portanto, não tem valor prático, mas apenas são um referencial de como já foram as coisas. A Exigência social (hoje) é tão diversa e difusa como luzes da aurora boreal. O estabelecido é o “não estabelecimento” de nada que se imponha, que se exija, que se espere. Não se deve olhar para o passado, nem para o presente como

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um tempo que tenha a dizer ou ensinar-nos alguma coisa, mas sim apenas deve conscientizar-se que isso faz parte de nossa vida e que, portanto, é um gerado do futuro – a Despersonificação processual, onde inauguramos a era do RFID (Radio Frequency Identification – “Identificação por rádio freqüência”)

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onde um chip implantado poderá fornecer identificação,

localização, monitoramento, nos dando a nítida sensação de que o termo aldeia global faz cada vez mais sentido e o sentimento isolacionista que movimenta o coração do homem em busca de felicidade pessoal tem seus dias contados, sendo substituído pela necessidade corporativa. Paul Tournier, em seu livro Mitos e Neuroses (TOURNIER, 2002) diz: “Quando se pretende por valores entre parênteses, quando se vive como se eles não existissem, o natural é finalmente chegar a negá-los e viver segundo seu próprio gosto e prazer” Essa foi o que eu diria a primeira tentativa humana de mudar a conceituação da verdade, relativizando e movendo-se para um lugar neutro, quando não podendo viver com os paradigmas e marcos do seu referencial teórico, coloca tudo entre parênteses negando que possam realmente ter valia em nossos dias. Mas “assim como se pode por os valores ‘entre parênteses’ e viver como se não existissem, também se pode adotar novos valores, fabricar os próprios valores” (TOURNIER, 2002) e então “a minha liberdade é o único fundamento dos valores e nada, absolutamente nada, justifica que eu adote um determinado valor, esta ou aquela escala de valores... E a minha

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“RFID é uma Poderosa e Versátil Tecnologia para Identificar, Rastrear e Gerenciar uma Enorme Gama de Produtos, Documentos, Animais e Indivíduos, sem Contato e sem a Necessidade de um Campo Visual”. Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/RFID

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liberdade me angustia por ser o fundamento sem fundamento dos valores” (TOURNIER, 2002). Com isso não quero objetar que existe uma descarada pretensão da parte do ser humano em descaracterizar a verdade, mas o conceito absoluto é algo que conhecemos, que não serve pra nós, apesar de não o negarmos frontalmente. Poucos são os seres humanos que frontalmente confrontam a verdade estabelecida, como conceito absoluto, contrapondo com isso um estudo minucioso das partes, numa hermenêutica pós-moderna para que o todo faça sentido e seja inteligível. Hoje a tarde ouvi de um amigo que ele não costuma “negociar princípios”. Fiquei pensando em quão raras são estas palavras hoje em dia, principalmente quando dele também ouvi que nem em sua própria experiência pessoal e particular (quando erra e descaracteriza a verdade que crê ser seu fiel paradigma de vida) há negociação – ou seja, o que esse meu amigo crê, pode, eventualmente, voltar-se contra ele mesmo – e mesmo ele sabendo disso mantém-se firme no seu pensamento e prática de não negociar seus princípios. Dói, mas permanece! Vivemos em meio a uma cultura hedonista onde tudo precisa resultar em ganhos significativos. É preciso construir: fama, conhecimento, riqueza, bem estar pessoal, satisfação de desejos etc. Culturalmente definido é a não perseverança ante situações de risco ou mesmo um desânimo completo a partir da necessidade de perseverar. Encontramos na palavra perseverança uma barreira para a continuidade – no grego a palavra (que é proskartereo) significa “dar continuidade a uma ação após intenso esforço” - não indica uma ação óbvia, mas é uma temática de permanecer (ou perseverar) a todo e

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qualquer custo. A perseverança que gera um desconforto ou mesmo uma necessidade

de

permanência

em

um

determinado

pensamento

ou

posicionamento é rechaçada como antiquada, fora de propósito ou mesmo uma interpretação errônea. O ser humano, conquanto já na sua atitude pós-moderna, inclui-se numa barbárie de pensamentos soltos, desconexos e sem estrutura, que torna difícil a vida daqueles que pretendem instruir seus semelhantes em caminhos que devem ser trilhados, utilizando para isso experiência ou mesmo contos e fábulas. C S Lewis, apesar de não pertencer à pós-modernidade é um dos maiores escritores cristãos e nos leva a um mundo criado por sua imaginação, Nárnia, onde a analogia é a demonstração da verdade como princípio de vida. Gabriele Greggersen, especialista em C S Lewis no Brasil diz em um de seus livros: “...podemos, sim, considerar O Leão, o guarda-roupa e a Feiticeira como uma autêntica parábola filosófico-antropológica que (...) está interessada em discutir não a existência ou não de feiticeiras, animais falantes, elfos, diabos, Baco etc. Esse tipo de especulação, aliás, não é o que interessa aos leitores que realmente compreenderam e estão abertos para “o espírito da coisa” (GREGGERSEN, 2003) E ainda diz: “... o principal objetivo da educação é ensinar as virtudes (especialmente a prudência) a este ser ‘esquecente’, que é o homem, pois as mesmas não são inatas, mas adquiridas pela educação e experiência” (GREGGERSEN, 2003).

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Não importa hoje o aprendizado, mas o para que – somos pragmáticos demais, óbvios demais, charlatões demais. Vezes a fio deveríamos apenas ouvir, sem preocupar com o que vou poder ganhar com esse conhecimento que me advém. A experiência que ensina, o imaterial que reflete e assim traz uma mágica sobre a vida do ser humano parece perdida no tempo ou pelo menos esquecida do viver diário. O conceito sobre pós-modernidade de Ernest Gellner mostra que: "O pós-modernismo é um movimento contemporâneo. É forte e está na moda. E sobretudo, não é completamente claro o que diabo ele é. Na verdade, a claridade não se encontra entre os seus principais atributos. Ele não apenas falha em praticar a claridade mas em ocasiões até a repudia abertamente... A influência do movimento pode ser discernida na Antropologia, nos estudos literários, filosofia... As noções de que tudo é um "texto", que o material básico de textos, sociedades e quase tudo é

significado,

que

significados

estão



para

serem

descodificados ou "desconstruidos", que a noção de realidade objetiva é suspeita - tudo isto parece ser parte da atmosfera, ou nevoeiro, no qual o pós-modernismo floresce, ou que o pósmodernismo ajuda a espalhar. O pós-modernismo parece ser claramente favorável ao relativismo, tanto quanto ele é capaz de claridade alguma, e hostil à idéia de uma verdade única, exclusiva, objetiva, externa ou transcendente. A verdade é ilusiva, polimorfa, íntima, subjetiva... e provavelmente algumas outras coisas também. Simples é que ela não é... Tudo é significado e significado é tudo e a hermenêutica o seu profeta.

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Qualquer coisa que seja, é feita pelo significado conferido a ela... (GELLNER, 1992) O ser humano moderno crê firmemente naquilo que aprendeu desde sua tenra infância, quando criança em casa ou na sua igreja ou mesmo com bons mestres que lhe incutiam a boa moral e ética. Boa é a sua fé. Alentamos o fato de enxergarmos um pouco além do que vemos, na teologia, na Bíblia e até em nossa fala diária. Quando saímos do âmbito da prédica e nos adentramos na razão de ser da vida, no dia-a-dia, de nossas decisões, de nossa vontade, de nossos acertos com a vida, quer seja ela sentimental, profissional, religiosa ou pessoal, enxergamos, porém que esta verdade não é vivida e que mentimos ao afirmá-la. Subjetividade e relativismo cultural A subjetividade tomou conta de nossa vida; retirou dela todo critério objetivo; mais que isso ainda arrancou de nossa vida o sonho, a poesia, a contemplação. Minha esposa tem uma forte necessidade de “ver as árvores balançando”, numa tentativa desesperada de alguém que nesse mundo se acha fora dos padrões, subverte as expectativas e precisa constantemente parar o tempo, sair para a beira do lago, sentar-se numa grama bem verde e olhar para as árvores e vê-las balançando ao vento. Assim sabe que seus princípios continuam os mesmos e que a contemplação faz com a alma um elo com uma realidade quase esquecida, pois a real transparência do dia de hoje é cada dia mais dura, mais crua, mais a-ética e corporativista. O significado, ou o resultado da coisa estabelece uma cortina atemporal que nos leva a redefinir a própria história e vida: resultados são cultuados, mas 65

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os valores que os geraram podem ser mascarados e assim, a produção de bens e serviços (em larga ou pequena escala) passou a ser a tecla que move a comunidade, mesmo que para isso sacrifica-se a simplicidade da vida diária (tudo é muito complexo, desde o acordar com o som de acordes polifônicos do celular até a estrutura financeira dos investimentos na bolsa!); pelos objetivos traçados o ser humano passa hoje mais tempo na produção de sua vida do que no tempo gasto em viver mesmo e por isso o que se perde são os relacionamentos, eles se tornam superficiais – conhecemos mais pessoas menos profundamente. Com tudo isso, há um grande crescimento de ansiedade que gera depressão e várias outras formas de psiquismo. Apesar de entendermos que cultura, principalmente a brasileira, é feita, ou foi formada a partir de muitas fontes, várias influências e grande parte da vivência do povo brasileiro devemos também reconhecer que o relativismo moral (cultural?) tem se fincado por causa das “leis” criadas nesta própria vivência. Não há de se entender a moralidade ou a cultura de forma relativa, ou seja como se o bem ou o mal fossem apenas o socialmente aprovados ou negados em cada cultura, pois assim teremos dificuldade em contestar o que se aprova e jamais poderia se questionar qualquer valor cultural. Algumas atitudes, mesmo que socialmente aprovadas não são práticas desejáveis em qualquer sociedade – o fato do povo brasileiro valorizar os relacionamentos mais que os valores que seguem e mudá-los (os valores) de acordo com as necessidades relacionais que tem infere diretamente neste conceito do relativismo cultural e assim podemos (e devemos!) questionar o fato de que a “vantagem deve estar presente em todos os resultados dos meus atos” – devo levar vantagem em tudo.

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Há uma grande imposição em “aceitarmos” como real, moral e verdadeiro, aquilo que a “maioria” considera. Creio que nisso reside uma força absolutamente letal para nossa sociedade, pois é gerada a partir de uma imposição e não da naturalidade objetiva da análise e re-aprendizado dos fatos. Questões complexas passariam por este viés – intolerância, gênero, sexualidade, racismo... não se deverá então (!) questionar valores que levam por exemplo, ao racismo, pois a sociedade em seu agir, aprovando tal prática ela seria considerada como boa e aceitável. Mesmo que se tente separar o relativismo cultural do relativismo moral é-nos impossível separar as conseqüências de tal subjetividade em nossa cultura. O relativismo e a subjetividade, somados aos padrões hermenêuticos da pósmodernidade causam no presente uma instabilidade cultural, onde a própria coerência social passa a ser difusa. O ser humano, e caminhando na mesma direção geral a passos largos, o ser humano brasileiro, estabelece a cada dia o reinado da sua própria categorização e individualismo, decidindo de forma autônoma e solitária o que aceita como “padrão” ou “norma” ética/moral de conduta cultural e assim vivemos uma época da quebra dos paradigmas, não parra substituí-los de forma analisada, mas para uma desconstrução de qualquer ilusão dogmática da verdade. É o império dos sentidos, das necessidades, do clientelismo, da mordaça em prol do ganho, da negociação com padrões estabelecidos para quebrar regras que me impedem de ganhar, de produzir, de estar no topo, de ser beneficiado. Os desafios sociais que surgem a partir desta realidade são grandes, pois o corporativismo toma conta da vida em sociedade. Não mais nos vemos como

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auxílio para o outro, mas vemos no outro uma oportunidade para alavancarmos nossa subida e permanência. Resta perguntar: que tipo de sociedade se forma ante nossos olhos? E, para onde iremos?

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Bibliografia Consultada BORDIEU, P. Travail ET travailleurs em Algérie. Paris, La Haye, Mouton, 1963. DECOL, René. Imigração internacional e mudança religiosa no Brasil. Comunicação apresentada na Conferência Geral sobre População, Salvador, 2001. FONSECA, A Brasil. O jovem e a religião – em busca de uma nova gramática. Teologia Brasileira http://www.teologiabrasileira.com.br/Materia.asp?MateriaID=309 – acessado em 09/09/2007 GREGGERSEN, Gabriele. A Antropologia Filosófica de C S Lewis. São Paulo: Editora Makenzie, 2003 LIDÓRIO, Ronaldo A. Despersofinificação Processual - não publicado ________ Plantando Igrejas. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2008 NOVAES, Regina, e MELLO, Cecília. Jovens do Rio. Rio de Janeiro: Comunicações do Iser, nº 57, ano 21, 2002. ________ Os jovens “sem religião”. Rio de Janeiro: Estudos Avançados, nº 18, 2004. TOURNIER, Paul. Mitos e Neuroses. Viçosa: Editora Ultimato, 2002

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