Anpad2005 Ideologia

May 23, 2017 | Autor: F. Montenegro | Categoría: Environmental Studies, Ideology
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Ideologia do Movimento Ambientalista: Um Estudo de Casos Múltiplos em Quatro Organizações Não Governamentais de Florianópolis – S.C.

Resumo Este trabalho tem como objetivo principal investigar quais ideologias predominam nas organizações não governamentais que atuam dentro do denominado movimento ambientalista. O termo ideologia pode ser compreendido aqui como um conjunto de crenças e valores existentes dentro do movimento ambientalista, de maneira geral, e nas organizações que o compõem, de maneira particular. Procurou-se determinar, a partir de um referencial teórico que aborda as tipologias do pensamento ambientalista, quais são os valores que predominam nestas organizações. Para responder a esta questão esta pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa do tipo estudos de casos múltiplos com perspectiva longitudinal. Foram selecionadas quatro organizações ambientalistas da cidade de Florianópolis – S.C. que tivessem ao menos quatro anos de atuação nesta área. Os resultados encontrados apontam para a predominância de valores identificados com o biocentrismo, demonstrando que estas organizações acreditam numa postura ecocêntrica para resolução dos problemas ambientais contemporâneos. 1. Introdução O modelo atual de desenvolvimento, com foco predominante na dimensão econômica, é um dos causadores de impactos negativos nas esferas ambiental e social. Estes impactos definem o que é conhecido como crise ambiental contemporânea e que ocasiona o surgimento de novos atores da sociedade civil, preocupados com alternativas que resolvam o dilema atual entre desenvolvimento e meio ambiente (LEIS, 1995). Estes atores são porta vozes da inconformidade em relação aos valores e modelo de desenvolvimento da sociedade contemporânea. Dentre estes atores se destaca o movimento ambientalista que foca sua dinâmica de ação em duas questões principais: a dimensão ambiental e a dimensão social. O movimento ambientalista surgiu com diferentes interesses e propósitos de ação sendo que no decorrer do tempo este conjunto de interesses, ou ideário ambiental, foi se modificando e convergindo para temas como os efeitos da conduta anti-ecológica e predatória da espécie humana. Este movimento age como força social mobilizadora da sociedade civil, buscando sensibilizá-la para a problemática sócio-ambiental num sentido amplo, em diferentes partes do mundo. Neste sentido, compreender como as organizações ambientalistas pensam torna-se um tema de pesquisa relevante e este é o objetivo central deste trabalho: desvendar o conjunto de idéias, de crenças ou a ideologia predominante nas organizações ambientalistas. Para alcançar este objetivo principal foram selecionadas quatro organizações não governamentais que atuam em Florianópolis – S.C. e que têm em comum o fato de se localizarem dentro do que se denomina movimento ambientalista. O artigo foi dividido em três partes principais: a primeira apresenta o referencial teórico utilizado na pesquisa, a segunda os procedimentos metodológicos e a terceira e última parte apresenta os resultados encontrados e as conclusões do estudo. 2. Fundamentação Teórica

Como foi destacado na introdução, o tema do artigo refere-se à ideologia predominante nas organizações não governamentais ambientalistas. Por isto esta seção do artigo aborda primeiramente os movimentos sociais para em seguida discutir, de maneira geral, a ideologia e de maneira particular alguns aspectos teóricos sobre este conceito dentro do movimento ambientalista. Dentro desta discussão uma reflexão sobre as diferentes correntes do pensamento ambientalista e suas tipologias é apresentada. Reconhecer estas correntes é fundamental para conhecer a analisar as organizações que atuam dentro do movimento ambiental. 2.1. Movimentos Sociais e Movimento Ambientalista O termo movimento social sugere a idéia de mudança, variação, evolução de idéias e isto representa que nem todas as pessoas estão satisfeitas com a forma do mundo social ou com suas condições de vida. Estas insatisfações podem se dirigir a um objeto ou a vários, podem ser articuladas ou isoladas, constantes ou ocasionais, de origem antiga ou recente. Quando uma dessas situações vira objeto de questionamento, protesto, contestação e outras ações, tem recebido o nome de “causa”, e a maioria delas deu origem, na sociedade civil, a um fenômeno histórico-social de protesto e mobilização que tem recebido o nome de “movimento social” (SOARES, 2003a ; SOARES 2003b). Durante a primeira metade da década de 1980 o termo movimento social, segundo Scherer-Warren (1993), começa a ser referência central para novas reflexões teóricas e pesquisas realizadas na América Latina na medida em que se buscam elementos inovadores nestas novas organizações. Esta autora, em seu trabalho sobre os movimentos de base, afirma que “a categoria de sujeito popular, (para uns), e de ator social, (para outros), passa a substituir a categoria de classe social, bem como a de movimento popular e/ou de movimento social substitui a de luta de classe, significando que, em lugar da tomada revolucionária do poder poder-se-ia pensar em transformações culturais e políticas substantivas a partir da cotidianidade dos atores envolvidos” (SCHERER-WARREN,1993, p.17). Em outro extremo encontra-se o enfoque que considera o movimento social como um número limitado de ações coletivas de conflito: aquelas que atuam na produção da sociedade ou seguem orientações globais, tendo em vista a passagem de um tipo de sociedade a outro. Para Touraine (1989, apud SCHERER-WARREN, 1993) movimentos sociais seriam aqueles que atuam no interior de um tipo de sociedade, lutando pela direção de seu modelo de investimento, de conhecimento ou cultural. É dentro deste vasto conjunto das causas que conformam os movimentos sociais que se encontra o movimento ambientalista. Suas raízes contemporâneas estão localizadas entre os séculos XVIII e XIX. Os seres humanos cuidam de suas condições de vida, e conseqüentemente de seu entorno, a mais de 2000 anos mas somente a partir dos anos 1850 os ambientalistas vão se organizar e institucionalizar na forma de grupos e associações para promover a apreciação da natureza e dar conta de causas ambientais específicas (LEÓN, 2002). McCormick (1992) observa que as condições sociais urbanas passaram por grandes transformações e na virada do século XVIII ao XIX o ambientalismo nos EUA dividiu-se em dois campos: de um lado os preservacionistas que buscavam resguardar as áreas virgens de qualquer uso que não fosse recreativo ou educacional e do outro os conservacionistas cujo objetivo principal era de explorar os recursos naturais de uma maneira mais racional e sustentável. Nos anos 1970 o tema anti-nuclear foi um dos maiores estímulos para o movimento ambientalista daquele período, cujo interesse fundamental era de promover alternativas à expansão nuclear. Neste período começam a surgir grupos que fazem pressão

para mudanças específicas na prática industrial ou doméstica, como a Sociedade Nacional pelo Ar Limpo da Grã-Bretanha e a World Wildlife Foundation (WWF) (LEON, 2002). Neste momento é importante salientar as diferenças do movimento ambiental nas nações mais desenvolvidas, normalmente chamados de países do Norte, e os países em desenvolvimento, que constituem o Sul. Os movimentos ecologistas do Norte surgem com uma ética e uma estética da natureza, como uma busca de novos valores que surgiriam das condições de “pós-materialidade” que produziria, segundo Inglehart (1991, apud LEFF, 2001), uma sociedade da abundância. São os movimentos de consciência que desejam salvar o planeta do desastre ecológico, recuperar o contato inicial com a natureza mas que não questionam a ordem econômica dominante (LEFF, 2001). Neste sentido os países industrializados do primeiro mundo privilegiam uma perspectiva conservacionista da natureza e uma política de remediar os efeitos contaminantes dos processos de produção; promovendo novas soluções técnicas, a partir de uma distribuição mais eqüitativa das indústrias contaminantes em nível internacional, até a inovação de tecnologias descontaminantes, sujeitas à sua rentabilidade no mercado (LEFF, 2001). Do outro lado, os movimentos ambientalistas nos países pobres do Sul, surgem em resposta à destruição da natureza, ao espólio de suas formas de vida e de seus meios de produção, são movimentos desencadeados por conflitos sobre o acesso e o controle dos recursos, pela reapropriação social da natureza vinculados aos processos de democratização, à defesa de seus territórios, de suas identidades étnicas, de sua autonomia política e sua capacidade de autogerir suas formas de vida e seus estilos de desenvolvimento, de definição às condições materiais de produção e os valores culturais das comunidades locais. Na América Latina a ênfase recai nas mudanças sociais, políticas e institucionais necessárias para aproveitar racionalmente os recursos existentes e o potencial produtivo das regiões subdesenvolvidas a fim de satisfazer as necessidades básicas de suas populações (LEFF, 2001). No Brasil os primeiros antecedentes do ambientalismo são de caráter preservacionista e remontam ao ano de 1958, data de criação da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza. Mas a escassa importância de seu desempenho no espaço público transfere para os anos 1970 o processo de constituição do ambientalismo brasileiro. A emergência deste movimento no Brasil não surge como um fenômeno isolado, senão como parte de um amplo processo de mudanças políticas, econômicas e sociais; que modernizam o país a partir de 1970 (VIOLA e LEIS, 1996). Estas circunstâncias caracterizam a etapa formativa do ambientalismo brasileiro como um movimento bissetorial constituído por: 1) associações ambientalistas e 2) agências estatais de meio ambiente. Esses dois setores são caracterizados por uma relação simultânea de tipo complementar e contraditório, que tem um lado conflitivo e outro cooperativo. Este conflito é dado pelo questionamento recíproco que agências e entidades fazem de suas atuações na dinâmica sócio-ambiental, confluindo ambos na definição da problemática ambiental recortada pelo controle da poluição urbano-industrial e agrária e pela preservação dos ecossistemas naturais (VIOLA e LEIS, 1996). Os anos compreendidos entre 1971 a 1985 são apontados por Viola e Leis (1992) como os da fundação do movimento ambientalista brasileiro, caracterizados principalmente pela atividade de denúncia e criação de consciência pública sobre os problemas de deterioração sócio-ambiental. Na segunda metade da década de 1980, a progressiva disseminação da preocupação pública, interna e externa ao Brasil, com a deterioração ambiental transforma o ambientalismo num movimento multissetorial e complexo (VIOLA e BOEIRA, 1990) com a inclusão de novos atores além das associações ambientalistas e agências estatais do meio ambiente: o sócio ambientalismo, o ambientalismo dos cientistas, o ambientalismo

empresarial, o ambientalismo dos políticos profissionais, o ambientalismo religioso e o ambientalismo dos educadores. 2.2. Ideologia e Tipologia do Pensamento Ambientalista Comte (1983) atribui ao termo ideologia dois significados: 1) atividade filosóficocientífica que estuda a formação das idéias a partir da observação das relações entre o corpo humano e o meio ambiente, tomando como ponto de partida as sensações e 2) conjunto de idéias de uma época, tanto como “opinião geral” quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época. Dentro deste segundo significado Durkheim (1976) afirma que a ideologia é todo conhecimento da sociedade que não respeita o critério da objetividade científica, sendo assim da separação entre sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento, separação que garante a objetividade porque garante a neutralidade do cientista. Já Bunge (1980), classifica a ideologia em dois tipos: religiosa e sócio-política. A do tipo sócio política é definida como uma visão do mundo social. Nesse sentido é um conjunto de crenças referentes à sociedade, ao lugar do indivíduo na sociedade, à organização da comunidade e ao controle político da mesma. É dentro desta concepção, de um conjunto de crenças sobre o indivíduo e a sociedade, sua organização e suas formas de controle, que este trabalho foi desenvolvido. Para isto exploram-se, a seguir, dois quadros teóricos que procuram explicar o pensamento do movimento ambientalista: a tipologia de Hector Leis e José D´Amato, com seu modelo baseado nas relações do Homem com a Natureza e com a Sociedade, e a tipologia de Guillermo Foladori com sua ética ecológica observada a partir dos princípios do ecocentrismo e do antropocentrismo. Leis e D´Amato (1996) desenvolvem seu trabalho a partir de uma tipologia que considera as relações entre as dimensões histórico-social, ética e vivencial-psicológica dos seres humanos com a sociedade e com a natureza. Ao combinar estes dois eixos, que caracterizam a relação Homem - Natureza e a relação Homem – Sociedade, obtém-se os quadrantes que delimitam cinco categorias do pensamento ambientalista. Uma linha contínua, que vai do individualismo ao comunitarismo procura tipificar a relação do Indivíduo com a sociedade. Na relação Homem – Natureza, temos de um continuum que vai do antropocentrismo ao biocentrismo. Nos dois eixos interessa a aproximação e identificação relativa dos valores e das práticas do movimento com as perspectivas definidas por dois princípios gerais: o princípio da inclusão, ou união, e o princípio da exclusão ou separação. Na Figura 1 podem ser visualizados os quadrantes que delimitam diferentes abordagens do pensamento ambientalista. No primeiro quadrante, denominado Alfa, observa-se uma abordagem onde predomina o princípio da exclusão, tanto na relação Homem – Natureza quanto na relação Homem – Sociedade. Neste sentido o pensamento se aproxima de uma posição mais antroponcêntrica e individualista. Nesta posição se introduz o fator ecológico como uma adjetivação branda que lhe permite ser a “porta de entrada” dos atores dominantes do sistema econômico e político que manifestam preocupações ambientais. No segundo quadrante, Beta, continua predominando na relação Homem – Natureza, uma abordagem antropocêntrica regida pelo princípio da exclusão. Entretanto na relação Homem – Sociedade prevalece o princípio da inclusão, com um domínio do coletivismo sobre o individualismo. As tendências que se identificam neste quadrante reivindicam a necessidade de mudar todos os valores associados ao individualismo. O ambientalismo é percebido como incompatível com a lógica de competição inerente ao individualismo e esta crítica atinge principalmente o tecnicismo e a racionalidade instrumental.

O terceiro quadrante, Gama, se caracteriza por uma aproximação com uma abordagem individualista, de exclusão, mas por outro lado, na relação Homem e Natureza, de uma perspectiva biocêntrica. Neste sentido Gama constitui um avanço evolutivo em direção a um maior equilíbrio ético dos vários aspectos envolvidos nas relações Homem – Natureza Sociedade. Esta posição radicaliza o princípio da exclusão questionando-o apenas na natureza, tendência da ecologia profunda. Relação Homem Natureza

Relação Homem - Sociedade

Comunitarismo Princípio da Inclusão

Antropocentrismo Princípio da Exclusão

Biocentrismo Princípio da Inclusão

BETA

DELTA OMEGA

Individualismo Princípio da Exclusão

ALFA

GAMA

Figura 1 – Tipologia do Pensamento Ambientalista segundo a Ética Ecológica Fonte: adaptado de Leis, 1996

O quarto quadrante, Delta, obedece ao princípio da inclusão nas relações do Homem com a Natureza e com a Sociedade. Trata-se de uma posição predominantemente biocêntrica e coletivista inscrevendo-se numa vertente espiritualizada e utópica da ética ecológica, mais próxima de uma cosmovisão pré-moderna, porque define valores e comportamentos próprios de uma concepção finalista. Esta posição necessita da ajuda externa de atores governamentais ou econômicos, para projetar-se na realidade (ECKERSLEY, 1992, apud LEIS e D´AMATO, 1996). Por último existe uma região na intersecção destes eixos, que Leis e D´Amato (1996) denominam Omega, que se apresenta como um núcleo integrador e sinérgico que valoriza o equilíbrio e integração entre todas as vertentes para a cooperação e complementação em relação à oposição e ao conflito. Foladori (2001) apresenta uma outra tipologia que procura explicar o pensamento do movimento ambientalista. Diferentemente da tipologia anterior o pensamento ambientalista, para este autor pode ser visto através de duas vertentes principais: ecocentristas e antropocentristas. No Quadro 1 podem ser observadas as diferentes correntes que compõem a tipologia do pensamento ambientalista deste autor. Neste quadro são apresentados os principais teóricos juntamente com a visão que cada uma das correntes tem das causas da crise ambiental e as possibilidades de sua superação a partir de uma perspectiva “sustentável”. Cada uma destas vertentes apresenta correntes com características diferenciadas que serão descritas a seguir. Dentro da linha de pensamento denominada ecocentrista este autor destaca dois grupos principais: os verdes e neomalthusianos e o movimento conhecido como ecologia profunda (deep ecology). A ecologia profunda é uma eco-filosofia baseada na atribuição de um valor intrínseco a natureza. O cuidado com a natureza não deve derivar-se dos interesses humanos pois a questão central nesta corrente não é, por exemplo, se a biodiversidade significa algum

tipo de vantagem econômica, biológica ou estéticas para a sociedade mas o fato da natureza possuir um valor próprio. Dentro desta linha os mais radicais defendem uma volta ao passado, orientada por comunidades auto suficientes e com uma relação mais estreita com a natureza. Na defesa de uma natureza “virgem” a ecologia profunda concorda com as posições preservacionistas. Segundo Primack (1993, apud FOLADORI, 2001, p.12) esta vertente parte de uma série de suposições não discutíveis, isto é, um fundamentalismo naturalista que atribui às leis naturais um valor positivo e superior as leis e atividades humanas. Os “verdes” abrangem, para Foladori (2001), a corrente principal dos partidos verdes da Grã Bretanha e Alemanha. Também definem esta linha o pensamento da revista “The Ecologist” e os grupos ambientalistas Geenpeace e Friends of the Earth. Foladori (2001, p.14) apresenta uma síntese das principais características desta posição do movimento ambientalista: - o ponto de partida ético, que outorga valor intrínseco à natureza; - a utilização da ecologia como ciência que explica as relações entre a sociedade e a natureza; - a concepção de que existem limites físicos ao desenvolvimento humano e - a confiança no individualismo liberal como instrumento para transformar a sociedade. Dentro desta corrente se destaca uma vertente conhecida como neomalthusiana. Para esta linha o crescimento populacional desenfreado é a principal causa da degradação ambiental. Esta vertente reivindica uma “Lei de Malthus” atualizada: o incremento populacional exerce pressão para uma crescente atividade econômica que provoca escassez de recursos naturais e aumento na geração de resíduos e deterioração ambiental (FOLADORI, 2001). O antropocentrismo define a outra linha principal do pensamento ambientalista. Dentro desta vertente dois grupos principais coexistem: os tecnocentristas, divididos entre cornucopianos e o ambientalismo moderado, e os marxistas. Cada um destes grupos e sub grupos apresentam características que os definem e que são exploradas a seguir. Dentro do pensamento tecnocentrista se destacam dois grandes grupos: os cornucopianos e o ambientalismo moderado. Os cornucopianos consideram que é possível superar os problemas ambientais com soluções técnicas. Trata-se de uma posição antropocentrista já que é o interesse humano quem conduz o critério valorativo da relação entre a sociedade humana e seu ambiente. A posição cornucopiana considera que o livre mercado consegue solucionar os problemas ambientais restringindo o consumo de recursos não renováveis ou em extinção pelo aumento dos preços na medida em que os estoques diminuem. Esta posição também acredita que a substituição de matérias primas, fontes energéticas e a melhoria na tecnologia utilizada nos processos produtivos pode reduzir ou anular o risco de crise ambiental (TURNER, PEARCE e BATEMAN, 1993). Ainda dentro da vertente tecnocêntrica destaca-se o movimento denominado por Foladori (2001) como ambientalismo moderado. Para este autor a política ambientalista levada a cabo pela maioria dos governos insere-se nesta corrente. Os ambientalistas moderados reconhecem a existência de problemas entre o desenvolvimento capitalista e o meio ambiente, mas acreditam na possibilidade de melhorar esta relação com políticas específicas. Esta linha considera que a produção humana é necessariamente contaminante e a produção capitalista a única possível. Dentro desta perspectiva o objetivo principal é atingir níveis razoáveis ou ótimos de contaminação e isto se consegue através de correções técnicas no processo produtivo. A outra linha de pensamento dentro da vertente antropocêntrica, mas distante dos tecnocêntricos, é o marxismo. São duas as principais diferenças desta vertente em relação as anteriores. Primeiramente o fato da natureza englobar a sociedade humana, concepção que não é compartilhada pelos tecnocentristas e ecocentristas. Segundo, por considerar que esta

relação, Sociedade e Natureza, é dialética e histórica - a medida em que a sociedade transforma a natureza ela transforma a si mesma. Ponto de Partida Ético

Tipo

Ecocentristas

Ecologia Profunda

Alternativas para o “Desenvolvimento Sustentável” Igualitarismo Biosférico; Naess, N., 1973. “The Ética Frear crescimento shallow and the deep, long antropocêntrica e populacional e range ecologi movement. desenvolvimento material; A Sumary” Inquiry, Vol. industrial Utilização de 16. tecnologias de pequena escala. Mainstream Communer, B., 1972. Utilização de Frear crescimento “The Closing Circle” recursos não populacional. Knapf, New York. renováveis. Porrit, J., 1986. “Seing Green” Blackwell, Oxford. Autores

Tecnocentristas

Antropocentristas

Verdes e Neomalthusianos Neomalthusianos Ehrlich, P. H., 1971. “Impact of Population Growth” Science, Vol. 171.

Ambientalismo Moderado

Cornucopianos

Marxistas

Causas da Crise Ambiental

Crescimento populacional e produção ilimitada direcionada para bens supérfluos.

Utilização de Tecnologias limpas; Controle Estatal; Orientação energética para utilização de recursos renováveis; Orientação contra o consumo de bens supérfluos.

Pearce, D. e Tuner, R., Políticas públicas Políticas econômicas e 1995. “Economia de los inadequadas, instrumentos para Recursos Naturales y Del desconhecimento, corrigir o Mercado; Médio Ambiente” Celeste ausência do Tecnologias Limpas ou Ediciones, Madrid. Estado. Verdes Simon, J. e Kahn, H. (ed.). 1984. “The Livre mercado sem Resourcefull Earth. A Não existe crise participação estatal; Response to Global 2000” ambiental. Sem restrições a novas BasilBlackwell, New tecnologias. York. Mudança nas relações Enzensberger, H. M., Crise capitalistas de 1974. “A Critique of contemporânea, produção; political Ecology” New relações sociais Meios de produção Left Review. Nr. 84. capitalistas. controlados por trabalhadores.

Quadro 1 – Tipologia do Pensamento Ambientalista de Guillermo Foladori Fonte: adaptado de Foladori, 2001.

Não existe para Marx, a Natureza de um lado e a Sociedade do outro. A natureza é a totalidade do existente e, ao mesmo tempo, um momento da práxis humana (SCHMIDT (1977, apud FOLADORI, 2001 e LEIS, 1999). A natureza só tem sentido para o ser humano enquanto âmbito de sua atividade. Fora desta relação a natureza não tem sentido nenhum, o

que evidencia seu caráter antropocêntrico. Marx afirma que a propriedade do homem sobre a natureza tem sempre como intermediário sua existência como membro de uma comunidade, família, tribo, etc, uma relação com os demais homens que condiciona sua relação com a natureza (DUSSEL, apud FOLADORI, 2001, p.23). Isto é, o ser humano estabelece uma relação histórica com a natureza. A cada período de seu desenvolvimento sócio-econômico surgem novas relações sociais de produção, que criam regularidades que orientam o comportamento para com o meio ambiente. Esta posição, face à relação da sociedade com a natureza, faz que a exposição marxista não seja só antropocêntrica, senão prioritariamente classista e aqui está outra diferença radical com respeito às demais posições ambientalistas. Porque uma característica dos ecocentristas e antropocentristas é o fato de considerar à sociedade humana como um bloco com iguais responsabilidades em face à natureza diferentemente do marxismo que vê a sociedade diferenciada em classes. 3. Metodologia Para atingir o objetivo geral deste trabalho, referente à identificação da ideologia predominante em organizações não governamentais ambientalistas, esta pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa do tipo estudos de casos múltiplos com perspectiva longitudinal. Foram selecionadas, a partir de um levantamento realizado por Flach (2003), as organizações ambientalistas da cidade de Florianópolis – S.C. que tivessem ao menos quatro anos de atuação nesta área. Desta primeira amostragem foram selecionadas quatro organizações que se mostraram dispostas a contribuir para este estudo. As organizações selecionadas foram: 1) Ações para Preservação dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Econômico Racional - APRENDER Entidade Ecológica; 2) Instituto Ambiental Ratones – IAR; 3) Associação Amigos do Parque da Luz e 4) Fundação Lagoa. As unidades de observação escolhidas foram os membros pertencentes a estas organizações que tinham maior representatividade ou conhecimento entre seus pares em relação ao problema de pesquisa. No total foram identificados oito membros, dois de cada organização, que preenchiam estas condições. O objetivo principal deste trabalho foi identificar a ideologia predominante nas organizações ambientalistas estudadas e para isto a variável ideologia foi operacionalizada a partir de duas dimensões principais: a missão e a ética ecológica das organizações. Para identificação da ética ecológica, que define neste estudo a ideologia predominante, foram utilizadas as tipologias do pensamento ambientalista propostas por Leis e D´Amato (1996) e Foladori (2001). No Quadro 2 podem ser observadas, de maneira esquemática, as dimensões desta categoria juntamente com os indicadores utilizados para sua operacionalização. Os dados utilizados neste trabalho foram obtidos de fontes primárias e fontes secundárias. Os dados primários foram gerados pelas entrevistas aplicadas. Foi utilizado um questionário semi-estruturado, com um roteiro pré-estabelecido e pré-testado, de itens relacionados à variável estudada e suas dimensões (LAKATOS e MARCONI, 1991). Os dados obtidos com as entrevistas foram complementados com observação livre, de fundamental importância para confrontar os fatos observados com as informações obtidas por meio das entrevistas aplicadas e com a literatura pesquisada (TRIVIÑOS, 1994).

Os dados secundários foram coletados das publicações das organizações selecionadas para a pesquisa (VERGARA, 1998) e incluem os estatutos das organizações, seus históricos, os relatórios sobre a participação em parcerias e outros documentos pertinentes. Categoria de Análise

Dimensões

Indicadores Contexto de Ação Evolução

Missão / Valores

Independência Trabalho

IDEOLOGIA

Retorno Princípios de Inclusão e ou Exclusão Ética Ecológica

Princípios de Ecocentrismo e/ou Antropocentrismo

Descrição Setor de Atuação Modificações, no tempo, de seus princípios e objetivos Relações com o Mercado e o Estado Voluntário e/ou Assalariado Tipo de retribuição para os membros da organização Relação Homem Natureza e Homem Sociedade Identificação com as alternativas propostas para superar o risco de crise ambiental

Quadro 2 – Definição operacional da categoria Ideologia Fonte: os autores

Os dados foram analisados e interpretados através da análise de conteúdo que “é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens” (BARDIN, 1977, apud TRIVIÑOS, 1994, p.160). A análise dos dados obedeceu três etapas: pré-análise, descrição e interpretação. Na primeira etapa todo o material coletado foi organizado para, na segunda etapa, submeter-se à codificação, classificação e categorização. Estas duas etapas conduzem a interpretação referencial do material, procurando desvendar seu conteúdo. Após a transcrição das entrevistas buscou-se encontrar nos textos os fragmentos relacionados às categorias de análise utilizadas no trabalho. Este procedimento permitiu reunir todas as informações que descrevem a realidade de cada uma das organizações em relação às dimensões trabalhadas, resultando nas conclusões apresentadas neste trabalho. Deve-se salientar que, por se tratar de um estudo de casos múltiplos, a investigação ficou restrita as entidades ambientalistas analisadas e neste sentido suas conclusões limitam-se a estas organizações. 4. Análise dos Resultados Nesta seção são apresentados os resultados encontrados na pesquisa. Este bloco foi dividido em duas partes principais: primeiramente são apresentados, de maneira sintética, alguns dados relativos ao contexto de surgimento e desenvolvimento de cada uma das organizações estudadas. Nesta análise preliminar individual exploram-se os valores e os princípios de ética ecológica que definem a ideologia presente em cada organização. Posteriormente as organizações são analisadas conjuntamente procurando estabelecer as diferenças e semelhanças que emergem desta comparação. 4.1. Análise Individual das Organizações

A APRENDER (Ações para Preservação dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Econômico Racional) foi fundada em 22 de Abril de 2000. Trata-se de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que tem, como projeto mais relevante, o Plano de Manejo da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo. Atualmente conta com nove membros que participam ativamente da organização. A APRENDER trabalha normalmente em parceria com outras entidades sendo que as mais importantes são o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), a Petrobrás, o Fundo Nacional de Meio Ambiente, a Associação Catarinense de Surf Universitário e a Fundação Ford. Nesta organização foram entrevistados o Presidente Executivo e seu Diretor. Para os entrevistados o surgimento da APRENDER está relacionado à preocupação de algumas pessoas com a preservação do meio ambiente e com a melhoria da qualidade de vida da população. Esta idéia foi fortalecida pelo tempo com a perspectiva de conjugar atividades de interesse próprio com atividades profissionais. Percebe-se na origem da organização, através das falas dos entrevistados, a presença forte do ativismo ambiental, ativismo este que se mantém forte até os dias atuais. Não se percebe uma tendência da organização em assumir atividades próprias do Mercado e/ou do Estado mas as entrevistas revelaram um disposição crescente no sentido da profissionalização para melhorar, na percepção dos membros entrevistados, o desempenho das atividades profissionais. Isto é percebido na esfera do trabalho que é exercido pela organização, no início de cunho unicamente voluntário, que passa a ser desempenhado por profissionais em troca de remuneração. Em relação aos princípios da ética ecológica propostos por Leis e D´Amato (1996) se observa nesta organização uma forte tendência ao biocentrismo, que obedece ao princípio de inclusão na relação do Homem com a Natureza. Na relação Homem – Sociedade a APRENDER se caracteriza, na percepção dos entrevistados, por uma visão predominantemente coletivista. Utilizando o quadro teórico sugerido por Foladori (2001) observa-se, na organização APRENDER, as seguintes características: a organização apresenta uma identificação forte com o pensamento da vertente ecocêntrica. Dentro desta vertente se observou, nos fragmentos das entrevistas, elementos da ecologia profunda, do pensamento dos verdes e também dos neomalthusianos. Muito embora exista esta identificação mais forte com a linha ecocêntrica percebe-se, na análise de conteúdo das entrevistas, elementos da vertente antropocêntrica do ambientalismo moderado. Este pensamento é evidenciado pela identificação simultânea com políticas do tipo conservacionista e preservacionista, sem uma clara opção por uma alternativa única de gestão dos recursos naturais. O Instituto Ambiental Ratones, IAR, é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP. Esta organização está envolvida atualmente com dois grandes projetos: a formação do conselho da área de preservação ambiental (APA) da Baleia Franca e o plano de uso do Parque Florestal do Rio Vermelho em Florianópolis – S.C. Seus maiores parceiros na condução de diferentes projetos são o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, a Secretaria de Meio Ambiente de Santa Catarina, a Fundação SOS Mata Atlântica e o Willoughby City Council da Austrália. Nesta organização foram entrevistados o atual presidente e seu secretário geral. O Instituto Ambiental Ratones nasceu em 1998 no norte da Ilha de Santa Catarina, especificamente na bacia hidrográfica do Rio Ratones, de onde provém seu nome. Atualmente conta com trinta e nove colaboradores provenientes das mais diversas áreas. Os entrevistados do Instituto definem a área ambiental como elemento central no seu contexto de ação. Este elemento estava presente no surgimento da organização e aparentemente se mantém.

Seus trabalhos estão diretamente relacionados com a educação e preservação ambiental, ecoturismo e projetos científicos profissionais. Dentro da organização coexistem o trabalho voluntário e o trabalho profissional com remuneração sendo que a satisfação pessoal e profissional ainda é, na percepção dos entrevistados, o principal elemento de manutenção dos membros na organização. Em relação à tipologia de Leis e D´Amato (1996) os entrevistados deste instituto apresentam uma identificação fraca com o quadrante biocêntrico que caracteriza a relação Homem – Natureza. No que se refere à relação Homem – Sociedade a ideologia dos membros se aproxima, com intensidade moderada, do quadrante coletivista dos princípios da ética ecológica. Neste sentido as entrevistas apontam para uma associação fraca ou moderada com os princípios de inclusão propostos pelos autores. Considerando a tipologia de Foladori (2001) observa-se uma forte identificação com a vertente ecocêntrica, destacando-se nas falas elementos presentes no discurso dos verdes, da ecologia profunda e dos neomalthusianos, entretanto, da mesma maneira que a organização APRENDER, encontram-se elementos do discurso dos antropocentristas do ambientalismo moderado e também dos marxistas. Evidencia-se, nas falas dos entrevistados, uma posição conservacionista moderada, central no pensamento antropocêntrico. A Associação Amigos do Parque da Luz (AAPLuz) surgiu em 1986 mas foi formalizada apenas em 1997. Seu principal objetivo é de salvaguardar e preservar uma área de grande valor histórico e paisagístico, o Parque da Luz. Este parque está localizado no perímetro urbano da cidade de Florianópolis e possui uma área aproximada de trinta e sete mil metros quadrados. A associação se transformou recentemente em Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP e conta com a colaboração de vinte e três membros. A AAPLuz não possui parcerias formais no desenvolvimento de projetos mas conta com um convênio com a empresa distribuidora de energia elétrica do Estado de Santa Catarina (CELESC), que auxilia na arrecadação de recursos. Para identificar o contexto e ideologia predominante na AAPLuz foram entrevistados o presidente e um conselheiro da associação. Sua área de atuação, segundo os dois entrevistados, é a sócio-ambiental com preocupação principal com a manutenção do patrimônio histórico e paisagístico da cidade de Florianópolis, especificamente o Parque da Luz. As atividades da associação dentro deste contexto levaram à criação e reconhecimento oficial do parque em 1999. Desde seu início o grupo contou com a colaboração voluntária de seus membros, característica que não se modificou até hoje, sendo que existe apenas um funcionário contratado dentro da organização. A organização, na perspectiva de seus entrevistados, não assume tarefas do Mercado e do Estado, apenas se responsabiliza, na percepção de seus membros, por algo que pertence a sociedade: uma área verde de lazer. Os princípios predominantes da ética ecológica de Leis e D´Amato (1996), presentes neste organização, são o biocentrismo e o coletivismo. Observa-se, a partir de diversos fragmentos das entrevistas e de sua análise, que na relação Homem – Natureza esta identificação é forte e na relação Homem – Sociedade esta identificação é moderada. Na tipologia de Foladori (2001) também se identifica uma predominância de valores relacionados com o ecocentrismo, com elementos de todas as correntes que compõem esta vertente e, da mesma maneira que as organizações anteriores, esta identificação é ofuscada por alguns elementos da corrente antropocêntrica. Como o Instituto Ambiental Ratones os entrevistados da AAPLuz apresentam, através das suas falas, características do ambientalismo moderado e do marxismo, sua posição, entretanto, é predominantemente preservacionista. Por último cabe analisar a organização ambientalista conhecida como Fundação

Lagoa. Nesta organização foram entrevistados o atual presidente e um dos fundadores. Dentre as organizações estudadas a Fundação Lagoa é a que apresenta menor número de membros e conseqüentemente menor grau de formalização. Ela foi criada em 1994 a partir da iniciativa de um grupo de moradores desse bairro de Florianópolis de discutir projetos relacionados com a temática ambiental. Posteriormente este grupo de fundadores foi se desligando da fundação e um novo grupo passou a dirigi-la. Este grupo, que se auto denomina ativista, assume o papel de agente reivindicador dos direitos da comunidade que mora ao redor da Lagoa da Conceição. Os entrevistados afirmam que o foco das atividades da organização se concentra na área ambiental, especificamente na defesa do meio ambiente e luta contra empreendimentos que afetam a qualidade de vida no entorno da Lagoa da Conceição. Todas as atividades que dizem respeito à fundação são conduzidas por voluntários. Seus entrevistados apresentam forte identificação com o princípio da inclusão de Leis e D´Amato (1996). Este princípio está presente tanto na relação Homem – Natureza, através de uma perspectiva fortemente biocêntrica, quanto na relação Homem – Sociedade, onde predomina uma identificação com a vertente coletivista. Analisando a Fundação Lagoa na perspectiva da tipologia do pensamento ambientalista de Foladori observa-se, da mesma maneira que nas outras organizações, uma forte identificação com a vertente ecocentrista. Novamente encontram-se elementos no discurso dos entrevistados que estão relacionados a linha da ecologia profunda, dos verdes e dos neomalthusianos. Mas, da mesma maneira que nas outras organizações estudadas, existe uma coexistência com elementos da vertente antropocêntrica, especificamente com as linhas do ambientalismo moderado e do marxismo. 4.2. Análise Comparativa das Organizações Como foi abordado anteriormente, as organizações estudadas apresentam características que as unem em alguns aspectos e as diferenciam em outros. Para identificar a ideologia predominante nas organizações este estudo utilizou os quadros teóricos sugeridos por Leis e D´Amato (1996) e Foladori (2001). Uma representação esquemática dos resultados encontrados nesta análise comparativa pode ser visualizada na Figura 2 e no Quadro 3. Na Figura 2 as organizações são comparadas a partir do quadro teórico de Leis e D´Amato (1996) e sua ética ecológica baseada na relação do Homem com a Sociedade e com a Natureza. No Quadro 3 estas mesmas organizações são observadas, em termos do pensamento ambientalista, a partir da tipologia construída por Foladori (2001) e as vertentes do antropocentrismo e ecocentrismo. O Quadro 3 foi complementado pelas vertentes do preservacionismo, associada à perspectiva ecocêntrica, e do conservacionismo, ligado basicamente a uma visão mais antropocêntrica. Observa-se, na Figura 2, que todas as organizações analisadas apresentam uma maior identificação com o quadrante DELTA da tipologia do pensamento ambientalista proposta por Leis e D´Amato (1996). Isto representa uma maior identificação com a ética da inclusão destes autores que pressupõe uma aproximação maior do Homem com os ideais do biocentrismo e do coletivismo. Na relação Homem – Sociedade observa-se uma aproximação moderada, e semelhante em todas as organizações, com os princípios do coletivismo. Já na relação Homem – Natureza o grau de identificação com o biocentrismo é diferenciado. O Instituto Ambiental Ratones tem, dentre todas as organizações estudadas, o menor grau de identificação com esta vertente. É importante ressaltar que isto não significa um pensamento antropocêntrico por parte dos entrevistados, entretanto a aproximação destes membros com as linhas da vertente ecocêntrica é fraca. A Associação Amigos do Parque da Luz, no que se refere a esta dimensão, tem uma identificação moderada com esta vertente e a

APRENDER e a Fundação Lagoa são as que mais fortemente se identificam com o pensamento desta linha. A Fundação Lagoa e a APRENDER apresentam uma forte identificação com o pensamento biocêntrico mas percebe-se, a partir dos depoimentos dos entrevistados, um grau mais forte de aproximação por parte da Fundação Lagoa. Coletivismo Fraco

IAR

AAPLuz

APR FLAG

Moderado

Fraco

Forte

Moderado

Biocentrismo Fraco

Antropocentrismo

Individualismo

Figura 2 – Ideologia do Pensamento Ambientalista, segundo a tipologia de Leis e D´Amato, nas organizações estudadas Fonte: os autores

Legenda:  - Instituto Ambiental Ratones (IAR)  - Associação Amigos do Parque da Luz (AAPLuz)  - APRENDER (APR)  - Fundação Lagoa (FLAG) O quadro teórico de Foladori (2001), aplicado à análise da ideologia do pensamento ambientalista, revela algumas características das organizações estudadas (Quadro 3). Primeiramente todas as organização apresentam uma forte identificação com a vertente ecocentrista apresentada pelo autor. Foram encontrados elementos que caracterizam o discurso da ecologia profunda, dos verdes e dos neomalthusianos em todas as organizações analisadas. E percebe-se, a partir desta análise, uma forte identificação com todas as correntes do ecocentrismo. Observa-se, entretanto, que ocorre também uma aproximação branda com o pensamento do ambientalismo moderado e do marxismo, que são vertentes do pensamento antropocêntrico. Não foram encontradas evidências da identificação destas organizações com o pensamento denominado cornucopiano que se caracteriza por apostar na tecnologia e no Mercado como alternativas para superar a crise ambiental. Destaca-se uma diferença de posição entre dois blocos de organizações no que se refere ao modelo de gestão mais adequado dos recursos naturais. Os entrevistados da APRENDER e da Associação Amigos do Parque da Luz revelaram uma aproximação moderada com uma abordagem preservacionista que supõe, no seu extremo, a não intervenção do ser humano nas áreas naturais. Já os membros do Instituto Ambiental Ratones demonstraram uma

aproximação com o pensamento conservacionista, sendo esta identificação de intensidade moderada. Os entrevistados a Fundação Lagoa não apresentaram evidências de aproximação com a abordagem conservacionista. Linha do Pensamento Ambientalista

Fraco

Moderado

Ecologia Profunda



Neomalthusiano



Verdes



Ecocentristas

Antropocentristas

Forte

Preservacionista



Ambientalismo moderado



Cornucopiano Marxista



Conservacionista



Quadro 3 – Ideologia do Pensamento Ambientalista, segundo a tipologia de Foladori, nas organizações estudadas Fonte: os autores

Legenda  - Instituto Ambiental Ratones (IAR)  - Associação Amigos do Parque da Luz (AAPLuz)  - APRENDER (APR)  - Fundação Lagoa (FLAG) 5. Considerações Finais O objetivo do presente trabalho foi identificar a ideologia predominante nas organizações que atuam dentro do chamado movimento ambientalista. Para isto foram selecionadas como amostra quatro organizações não governamentais que atuam na cidade de Florianópolis em Santa Catarina. Foi utilizada uma abordagem qualitativa na qual as categorias de análise foram construídas a partir de dois modelos teóricos que procuram definir a tipologia do pensamento ambientalista. Os resultados encontrados na pesquisa revelaram alguns aspectos, tanto teóricos quanto empíricos, que devem ser ressaltados. Todas as organizações estudadas têm, como elemento comum, a preocupação com a questão ambiental. Elas se aproximam da categoria denominada por Viola (1992) de strictu sensu. A Fundação Lagoa e a Associação Amigos do Parque da Luz têm, desde a sua fundação, características de ativismo ambiental. Estas características estão presentes até hoje. Já a APRENDER e o Instituto Ambiental Ratones demonstram uma identificação maior com a atividade profissional, mesmo existindo ainda atividades de cunho voluntário dentro de seus projetos. Em relação aos quadros teóricos utilizados neste trabalho observa-se, nas organizações pesquisadas, uma identificação, de forte a moderada, com as linhas de pensamento que

aproximam o Homem de seu meio ambiente natural, tanto no quadro teórico de Leis e D´Amato (1996), onde predomina o princípio da inclusão nas relações do ser humano com a Sociedade e a Natureza, quanto no quadro de Foladori (2001), com a presença mais forte de um pensamento ecocêntrico. Dentre as organizações estudadas observou-se uma pequena diferença em relação ao grau de aproximação da ideologia biocentrista destacando-se a Fundação Lagoa e a APRENDER. A Associação Amigos do Parque da Luz demonstrou uma identificação moderada e o Instituto Ambiental Ratones uma identificação fraca com esta linha de pensamento. O quadro teórico de Foladori (2001) reforça, em alguns aspectos, os resultados encontrados a partir da tipologia de Leis e D´Amato (1996). Analisando as organizações a partir do referencial teórico deste autor observa-se que predomina a identificação com a linha de pensamento ecocêntrica. Esta identificação contempla todas as vertentes desta corrente: a ecologia profunda, os verdes e os neomalthusianos . A linha de pensamento ecocêntrica de Foladori se aproxima, em alguns aspectos, da vertente biocêntrica da tipologia de Leis e D´Amato. Mas observa-se nas organizações analisadas algumas aproximações com a vertente antropocêntrica. Na linha tecnocêntrica, de maneira particularmente relevante, com o ambientalismo moderado e fora desta linha com o marxismo. A identificação com o marxismo coaduna, de certa maneira, com a aproximação das organizações com a vertente coletivista da relação Homem – Sociedade de Leis e D´Amato, já a identificação com o ambientalismo moderado, e o que isto representa para o quadro teórico adotado, deve ser foco de um maior aprofundamento em futuros trabalhos. Destaca-se que não foram encontrados, na amostra desta pesquisa, elementos que levassem a uma identificação com a linha de pensamento cornucopiana dentro do movimento ambientalista. Acredita-se que esta linha de pensamento possa ser identificada em outros atores sociais importantes que atuam principalmente no Mercado. De uma maneira resumida os resultados encontrados neste trabalho evidenciam uma identificação com as vertentes que valorizam uma aproximação do ser humano com a esfera ambiental e um predomínio moderado do coletivismo sobre o individualismo. Estes resultados limitam-se as organizações estudadas, mas podem servir como fundamento para futuros trabalhos que procurem compreender um pouco mais as ideologias que definem, em certo grau, a relação entre os atores sociais e seu meio ambiente natural bem como a práxis destes atores. 6. Bibliografia BUNGE, Mario. Epistemologia: curso de atualização. São Paulo: Editora da USP, 1980. COMTE, Augusto. Discurso sobre o espirito positivo. 2a. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. DURKHEIM, Emile. Regras para o Método Sociológico. 7a., ed. São Paulo: Nacional, 1976. FLACH, Leonardo. Organizações Não Governamentais Ambientalistas existentes em Florianópolis. Trabalho de Conclusão de Estágio (Graduação em Administração) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2003. FOLADORI, Guillermo. Una tipologia del pensamiento ambientalista. Sustentabilidad desacuerdos sobre el desarrollo sustentable. Cap. III, p. 81-128. Ed. Pierre, N. & Foladori, G. Montevideo: Trabajo y Capital, mimeo, 2001. LAKATOS, E.V. e MARCONI, M.A. Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1991. LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.

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