ANÁLISE SEMIÓTICA DA TRILHA SONORA DE FORBIDDEN PLANET

July 6, 2017 | Autor: Juliano de Oliveira | Categoría: Semiótica musical, Trilha Sonora, Música Eletroacústica
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Descripción

XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música - Uberlândia - 2011

Para citação: OLIVEIRA, Juliano de; COELHO DE SOUZA, Rodolfo N. Análise semiótica da trilha sonora de Forbidden Planet. In: XXI Congresso da ANPPOM. Música, Complexidade, Diversidade e Multiplicidade: Reflexões e Aplicações Práticas, 2011, Uberlândia. XXI Congresso da Anppom. Música, Complexidade, Diversidade e Multiplicidade: Reflexões e Aplicações Práticas. Uberlândia: Editora da ANPPOM, 2011. v. 21. p. 689-694.

ANÁLISE SEMIÓTICA DA TRILHA SONORA DE FORBIDDEN PLANET Juliano Oliveira Programa de pós-graduação da Universidade de São Paulo – [email protected] Rodolfo Coelho de Souza Universidade de São Paulo – [email protected]

Resumo: Trata-se de uma análise semiótica da trilha sonora do filme de Sci-Fi Forbidden Planet (no Brasil: O Planeta Proibido), de 1956, dirigido por Fred M. Wilcox e com "Electronic Tonalities" criadas pelo casal Louis e Bebe Barron. Palavras-chave: Análise semiótica; design sonoro; música eletrônica. Semiotic analysis of the soundtrack of the film ‘Forbidden Planet’ Abstract: The article deals with a semiotic analysis of the soundtrack of the film Forbidden Planet, released in 1956, and directed by Fred M. Wilcox, with "Electronic Tonalities" created by Louis and Bebe Barron. Keywords: Semiotic analysis; sound design; electronic music.

1. Introdução Forbidden Planet representou um marco na cinematografia de ficção científica. Pelo menos dois motivos atestam sua originalidade: o fato de haver introduzido o primeiro robô baseado nas três leis da robótica idealizadas por Isaac Asimov e por conter a primeira trilha sonora totalmente eletrônica da história, criada pelo casal Louis e Bebe Barron. O equipamento no qual os Barrons produziram seus sons eletrônicos incluía tubos de vácuo, resistores, capacitores, indutores e semicondutores (WIERZBICK, 2005, p.32).

Para processarem os sons antes de gravarem no tape, eles tinham câmaras de reverberação acústica e uma assim chamada “plate reverb unit”, uma placa de metal em uma mola suspensa que vibrava em resposta a um sinal elétrico e então convertia as vibrações em sinais mais complexos. (WIERZBICK, 2005, p.32).

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No filme, as trilhas de ruídos e de efeitos estão interligadas de tal modo aos demais eventos sonoros que impossibilita diferenciar os sons diegéticos e extra-diegéticos, ou separar efeitos sonoros de música propriamente dita. Ted Greenwald observou que “a obra dos Barrons é caracterizada por uma decidida falta de alguma abordagem melódica, harmônica, ou ritmo periódico” (GREENWALD apud WIERZBICK, 2005, p.34). “Eles empregaram circuitos geradores de ondas que funcionavam de forma independentes para a criação de texturas sonoras de efeito dramático” (MARTINO, 2008, p.16). E quase todas as faixas musicais consistem de um material que era gerado por um ou mais circuitos e mantidos relativamente ininterruptos (WIERZBICK, 2005, p.66), e posteriormente passava por sucessivas edições no tape. Dessa forma, cada som de Forbidden Planet foi criado unindo processos de síntese sonora provenientes dos osciladores eletrônicos, tal como se praticava em Colônia, na Alemanha, e técnicas de manipulação de fita magnética, semelhantes às utilizadas por Pierre Schaeffer, em Paris.

2. Relações motívicas Ao longo do filme podemos identificar diversos materiais sonoros bastante recorrentes. Os quatro principais se relacionam, respectivamente, com as seguintes personagens: Altaira, o robô Robby, o monstro do ID e os antigos Krells. Sendo assim, das 23 faixas que constituem o álbum da trilha sonora do filme, o material motívico pode ser organizado da seguinte maneira:  O primeiro e o último tracks constituem o “medley” de abertura do filme, caracterizado por uma verdadeira “bricolagem”, constando de todo o material motívico que será apresentado ao longo do filme - a exemplo de uma sonata beethoveniana, onde os motivos principais são expostos logo nos primeiros compassos, possibilitando, desse modo, que o ouvinte tome contato e se familiarize com os materiais subseqüentes, que serão derivados daqueles;  Os tracks 2, 3, 4, 5, 12, 14 e 15 são efeitos sonoros: sons diegéticos como o ruído do cruzador espacial, os ruídos do veículo de Robby etc;  Os tracks 6, 7, 11, 20 e 22 são constituídos dos materiais musicais ligados à Altaira;  Os tracks 10, 16, 17, 19 e 21 são formados por materiais correspondentes ao monstro do ID;

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 Os tracks 8, 10 e 18 representam as texturas sonoras relacionadas à Robby;  Os tracks 13, 21 e 22 são constituídos do material motívico relacionado aos Krells, sendo o track 13 a própria música composta por esses.

Figura 1: Relação motívica entre os tracks de Forbidden Planet. (WIERZBICK, 2005).

Após observar o gráfico acima, é perfeitamente possível considerar que todo o álbum que contém a trilha sonora de Forbidden Planet tenha sido pensado como uma única e grande obra musical. Os compositores reorganizaram o material para publicação após mais de duas décadas após o filme haver sido lançado. Além disso, algumas trilhas não constam no álbum, outras estão bastante diferentes da versão apresentada em vídeo e o track 23, usado como abertura e fechamento, não é reapresentado no filme.

3. Análise semiótica dos tracks - leitmotivs  Trilha de Altaira: Nos tracks 6 e 7 essa trilha também estará associada à casa de Altaira. Roads destaca que essas duas faixas se diferenciam das demais e chama atenção para sua sonoridade tranquila e líquida, “embelezada com um exótico acompanhamento melódico em eco”

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(ROADS apud apud WIERZBICK, 2005, p.74). A partir do track 11, o material motívico é levemente variado e a trilha toma sua forma definitiva. Esse é o “tema romântico” do filme. Apresenta sons mais contínuos, repletos de trêmolo e vibrato. A trilha é bastante heterogênea e mantém algum nível de unidade através do tratamento similar dado aos diferentes materiais sonoros. Os sons se assemelham ao efeito de envelopes e LFOs1 agindo alternadamente sobre os osciladores, os filtros e os amplificadores, o que faz com que o resultado mantenha uma característica geral de vibrato e trêmolo, enquanto o envelope e os filtros realizam grandes modulações de freqüência e timbre em um maior espaço de tempo. Também possuem uma pequena quantidade de delay, que se torna mais evidente principalmente nos sons percussivos. Em contraste com as demais trilhas do filme, ela possui alguma feminilidade: motivos mais elaborados e consonantes, gestos melódicos longos, mais voltados para o senso de altura e de timbre do que de ritmo, o que nos permite relacioná-lo iconicamente2 às grandes frases musicais românticas, aos longos suspiros, aos temas líricos - leitmotivs de pares românticos em melodramas da década de 50. Embora seja demasiado forçado chamá-la de tema romântico, ela sempre acompanhará as ocasiões que sugerem algum enlace amoroso, principalmente entre Altaira e o comandante J. J. Adams.

Figura 2: Sonograma do tema “romântico” de Altaira.

 Trilha do robô Robby:

De modo geral, a trilha de Robby se caracteriza por pequenas “partículas” sonoras com duração de centésimos de segundo, que possuem um envelope típico de instrumentos de percussão - formado por ataques incisivos e um rápido decaimento. Alguns sons são semelhantes a tambores ou bongôs, outros, a instrumentos de cordas, ambos com as

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freqüências alteradas eletricamente para um registro bastante agudo. Esses “grãos” sonoros são excessivamente carregados de delay, o que possibilita a manutenção dos estalidos de som através da repetição em um intervalo de aproximadamente 54 centésimos de segundo entre uma repetição e outra. As partículas são atacadas em freqüências aparentemente aleatórias, compreendendo todo o espectro sonoro, mas com ênfase nas freqüências altas, o que confere à trilha uma característica “pipocada”, de certo modo jocosa, que combina com o caráter da desengonçada personagem.

Figura 3: Sonograma da trilha de Robby.

Figura 4: Representação gráfica da trilha de Robby.

 Trilha do monstro do ID: Essa trilha é formada por lentos ataques na região grave do espectro harmônico sobrepostos a um som contínuo mantido na região aguda, em freqüência próxima a Sib. Os ataques no registro grave mantêm-se constantes durante toda a faixa, o que proporciona um gradativo aumento de tensão e possibilita a associação metonímica e metafórica com os

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passos do monstro, em uma mistura de sons diegéticos e extra-diegéticos. Em certo momento do filme podemos ouvir essa trilha associada às suas pegadas como sendo criadas no solo. A partir disso podemos criar uma relação indicial tanto com o som, quanto com a imagem, já que estas sugerem a presença do monstro.

Motivo básico da trilha do monstro do ID. Duração: 2,6 s

Figura 4: Sonograma da trilha do monstro do ID.

Figura 5: Representação gráfica da trilha do monstro do ID.

 Música dos Krells: A música dos Krells utiliza sons com timbre muito próximos ao dos theremins, que formam pequenos gestos melódicos com um “longo delay de 1,7 segundos” (WIERZBICKI, 2005, p.87) e alguns sons com timbre, ataque e decaimento muito semelhantes aos de um contrabaixo acústico tocado em pizzicato. Além do longo delay recorrente, a trilha apresenta uma intrincada textura contrapontística. Leydon observa que aos 8 segundos de música, ouvimos vagamente uma melodia mantida em segundo plano. Esta ganha ênfase aos 17 segundos e, 7 segundos depois, é repetida uma oitava acima, como uma resposta imitativa de fuga. Em seguida o motivo exposto passa por uma espécie de desenvolvimento episódico, e tanto o “sujeito” quanto a “resposta transposta” são retomados

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periodicamente ao longo da faixa, com constantes variações. Dessa forma, podemos dizer que a música evoca, em certo sentido, um ricercare arcaico (LAYDON apud WIERZBICK, 2005, p.82). Em termos de significação, o tratamento contrapontístico dado à música dos Krells assume um caráter especialmente simbólico. Se considerarmos que o procedimento imitativo do ricercare, desenvolvido de modo sistemático na fuga, é um dos processos de estruturação musicais mais antigos da história da música, com uma origem que remonta a meados da Renascença, podemos associá-lo simbolicamente, por contraste ou antítese, com a civilização Krell do contexto fílmico, que se encontraria em um nível de evolução milhões de anos à frente do planeta Terra. Essa associação simbólica entre passado remoto e futuro imaginado, que encontra, no contexto da música de cinema, talvez sua primeira representação nesta trilha sonora, estabelece um paradigma que será reciclado infinitas vezes nos anos subseqüentes na música de cinema e na música de jogos computadorizados.

Figura 5: Motivo principal da música dos Krell. (WIERZBICK, 2005, p.83).

Referências BARTKOWIAK, Mathew J. Sounds of the Future: Essays on Music in Science Fiction Film. Jefferson: McFarland. 2010. FRITSCH, Eloy F. Música Eletrônica: uma introdução ilustrada. Porto Alegre: Ed. UFRGS. 2008.

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HOLMES, Thom. Electronic and Experimental Music: Technology, Music, and Culture. Londres: Routledge. 2008. MARTINO, Guilherme.Trilhas Sonoras: de Nosferatu a O Senhor dos Anéis-80 anos de música no cinema. Londrina: Eduel. 2008. PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva. 2010. 4ª ed. WIERZBICKI, James Eugene. Louis and Bebe Barron's Forbidden planet: a film score guide. Lanham: Scarecrow. 2005. LFO: “Low Frequency Ocillator” (oscilador de baixa freqüência). O LFO gera uma forma de onda abaixo da capacidade de audição humana (até 20Hz) que, sobreposta a outra onda, consegue modulá-la. Nos sintetizadores analógicos é usada apenas para o controle de voltagem (FRITSCH, 2008, p. 162). O LFO pode atuar diretamente sobre o oscilador, como na trilha referida, gerando um efeito de vibrato, sobre os filtros, gerando alterações de timbre (semelhante ao que chamamos popularmente como “wah-wah”), ou sobre o amplificador, gerando o efeito de trêmolo. Também podem ser acrescentados mais de um LFO sobre uma mesma onda. 1

A primeira categoria da segunda tricotomia dos signos proposta por C.S. Peirce. Um ícone é “qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual ou uma lei, que seja semelhante a qualquer coisa e utilizada como um signo seu” (PEIRCE, 2010, p. 52). 2

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