Análise: Epístola de Tiago

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SUMMÁRIO
1. Esboço da Epístola de Tiago 2
2. Tema Teológico Dominante 4
3. Temas teológicos secundários 6
A doutrina do pecado junto à moralidade cristã (Hamartiologia) 6
O posicionamento cristão como certeza de salvação (Soteriologia) 7
A acepção de pessoas como saída do Reino (Eclesiologia) 7
A paciência nas perseguições (Escatologia) 8
4. Controvérsias teológicas na epístola de Tiago 8
5. Diferenças encontradas entre o Goppelt, Ladd e Marshall. 12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 15










Esboço da Epístola de Tiago
Introdução - saudação (1.1)

Perseverança e fé diante das dificuldades (1.2 – 4)
Nesta perícope o autor deixa claro que a prova da fé produz perseverança em meio as dificuldades e que esta perseverança seja completa para que tenha-se a oportunidade amadurecer na fé.

Pedindo sabedoria para Deus (1.5 – 8)
Tiago diz que ao sentir que há falta de sabedoria, devemos pedi-la para Deus e ele dará, porém, devemos pedir com fé.

Aprendizado com as situações socioeconômicas (1.9 – 12)
Tanto o rico quanto o pobre devem ficar felizes, pois é Deus que ocasiona tudo.

Tentações não provém de Deus (1.13 – 15)
Somos tentados pelas nossas próprias vontades e essas vontades dão origem ao pecado.

Tudo o que é bom vem de Deus (1.16 – 18)
O texto explica que Deus é imutável e que decidiu nos criar por meio da sua palavra.

Importância de não apenas ouvir, mas, praticar a Palavra (1.19 – 27)
Nossa conduta ética e moral devem ser conduzidas à luz da Palavra de Deus e no versículo 27 Tiago afirma que a verdadeira religião é cuidar daqueles que precisam (órfãos e viúvas).

Importância de não agir com parcialidade para com as pessoas que possuem uma condição financeira elevada e, necessidade de se importar com os mais pobres. (2.1 – 13)
O texto faz distinção entre ricos e pobres e, afirma que não podemos nos enganar e julgar o outro de acordo com padrões estéticos, afinal de contas, Deus escolheu os pobres de acordo com os padrões do mundo, para que estes se tornassem ricos em fé.

A fé sem obras é inútil (2.14 – 26)
O texto explica que explicitamos e evidenciamos a nossa fé, quando produzimos resultados por meio das obras (que são impelidas pela nossa própria fé).

Necessidade de controlamos nossas palavras (língua) (3.1 – 12)
Toda a perícope fala sobre a importância de controlarmos a língua, pois ela pode causar estragos irreparáveis.

A verdadeira sabedoria produz boas atitudes (3.13 – 17)
Faz um contraponto entre sabedoria divina e terrena, e explica que a verdadeira sabedoria produz bons frutos.

Os conflitos inerentes ao homem são provocados pelos seus próprios desejos (4.1 – 3)
Diz que as lutas e as brigas vem dos maus desejos que estão dentro do próprio homem.

Não podemos ser amigos do mundo e amigos de Deus (4.4 – 6)
A amizade com o mundo é a inimizade com Deus

Necessidade do homem se submeter e se aproximar de Deus (4.7 – 10)
Deixa claro que a partir do momento que nos submetermos a Deus e resistirmos ao diabo teremos mais proximidade de Deus e aproveitaremos de suas bênçãos.

Não devemos falar mal do outro, só Deus é juiz. (4.11 – 12)
O texto deixa mais que evidente que só um existe um único juiz, Deus. E que não podemos fazer esse papel, por mais que tenhamos vontade.

Todo planejamento deve ser submetido a vontade de Deus (4.13 – 17)
Não sabemos o que acontecerá amanhã, portanto, devemos submeter nossos planos á Deus somente.

Promessa de julgamento para os "empresários" avarentos (5.1 – 6)
Sobre a opressão do rico sobre o pobre.

Paciência para suportar as adversidades da vida (5.7 – 11)
O autor diz que a vinda de Cristo está próxima e, por isso, deve-se ter paciências diante das situações adversas.

Não podemos jurar por nada. A palavra deve ser é sim ou não (5.12)

A importância e os resultados da oração (5.13 – 18)
A importância da oração e confissão dos nossos pecados para os nossos irmãos.

O valor de trazer um pecador para Cristo (5.19 – 20)

Tema Teológico Dominante
Para entendermos a verdadeira natureza do tema teológico dominante no livro de Tiago, é preciso realizar uma breve análise sobre o contexto em que os destinatários de sua carta estavam inseridos, a forma, bem como a intenção do autor ao escrever esta carta e o conteúdo da mesma.
Em primeiro lugar, podemos observar que a carta foi escrita para uma Igreja que estava sob pressão. Os cristãos daquela época não estavam sendo mortos por sua fé, mas estavam sofrendo perseguição e opressão econômica. Infelizmente, em meio a essas grandes dificuldades, os cristãos estavam sucumbindo em sua fé e mundanizando a igreja por uma série de concessões para que pudessem sobreviver. A intenção de Thiago ao escrever esta carta era de poder dar ferramentas para que tais dificuldades fossem vencidas pela ótica da vida cristã.
A carta de Thiago foi incluída entre as chamadas cartas gerais porque não se dirige a uma igreja especifica. A carta , ao invés disso, foi escrita para um publico bem especifico: os cristão judeus que viviam fora da palestina. Podemos afirmar isto pela referencia especifica as "doze tribos dispersas entre as nações" (1.1), uso do vocábulo grego que significa sinagoga (2.2), as inúmeras alusões ao antigo testamento e expressões idiomáticas hebraicas como "Senhor do exército" (5.4), a forte ênfase em diversos princípios da Lei judaica (2.8-13;4.11,12), ao monoteísmo (2.19) e a não citação de nenhum problema referente a idolatria, pois vê-se que a idolatria não era característica do povo judeu do primeiro século cristão, mas era algo comum entre os gentios.
Sobre o conteúdo da carta podemos definir cinco seções gerais que definem os assuntos que são tratados no texto. Vemos em primeiro lugar uma seção que trata sobre provações e a maturidade cristã (1.1-18), em segundo lugar o cristianismo verdadeiro e suas obras (1.19-2.26), em terceiro lugar divisões dentro da comunidade cristã (3.1-4.12), em quarto lugar as consequência de ter uma visão ou entendimento cristão sobre a vida (4.13-5.11) e em quinto e ultimo lugar as exortações finais (5.12-20). Sobre o conteúdo da carta podemos afirmar que ela está repleta de ensinos de Jesus. Nenhuma outra carta do Novo Testamento possui em seu texto tantas referencias ao ensinos de Jesus como a carta de Thiago. A grande maioria das expressões e frases vem do ensino de Jesus no Sermão do Monte (Mt 5-7). Isso é tão latente, que vemos uma citação direta dos ensinos de Jesus em Thiago 5.12 referentes a passagem de Mateus 5.33-37:
"Vocês também ouviram o que foi dito aos seus antepassados: 'Não jure falsamente, mas cumpra os juramentos que você fez diante do Senhor'. Mas eu lhes digo: Não jurem de forma alguma: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; nem pela terra, porque é o estrado de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei. E não jure pela sua cabeça, pois você não pode tornar branco ou preto nem um fio de cabelo. Seja o seu 'sim', 'sim', e o seu 'não', 'não'; o que passar disso vem do Maligno." Mateus 5:33-37

"Sobretudo, meus irmãos, não jurem nem pelo céu, nem pela terra, nem por qualquer outra coisa. Seja o sim de vocês, sim, e o não, não, para que não caiam em condenação." Tiago 5:12
Sobre a forma podemos dizer que esta carta não é uma carta semelhante as outra encontradas no Novo Testamento. Não traz em seu texto nenhuma referencia pessoal, como saudações planos de viajem e pedidos de oração. Tudo isso nos mostra que é melhor vermos a carta de Thiago como uma carta literária. Ao se analisar o texto da carta de Thiago podemos dizer também, que esta carta foi um conjunto de homilias realizadas por Thiago e que foram compiladas em forma de carta, para que o maior numero de cristãos a recebesse.
Por fim, pelas característica do texto citadas a cima, ou seja, a grande preocupação em tratar problemas inerentes a vida, as fortes características judaicas encontradas no texto e a forma pela qual o texto foi concebido, podemos dizer que o tema teológico dominante da carta de Thiago é a fé Cristã em prática, frente as provações da vida.
Temas teológicos secundários
Grande parte da carta está tratando das práticas morais cristã, diferente de romanos, por exemplo, onde procura esclarecer bastantes temas teológicos, o autor procura citar advertências e conselhos aos judeus cristãos que estão fora de Israel v.1.1.
A doutrina do pecado junto à moralidade cristã (Hamartiologia)
Tiago começa falando da provação e da tentação de cada cristão, porém, ele enfatiza a perseverança como régua do nosso coração, quando medido com o coração de Deus, e que precisamos amadurecer, para que como o vento, não venha ser tomado por dúvidas ou circunstâncias que a vida nos empoe. Observe o v.4 "A perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma".
Em seguida, encontramos Tiago falando da tentação concebida como pecado para a morte. V.14-15 "Cada um, porém, é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido. Então esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ter se consumado, gera a morte". Há então, uma relação entre as circunstâncias morais da vida com o pecado, que quando consumado, ou seja, concebido não mais como desejo, mas, produzido de forma prática, este, leva a morte.
O posicionamento cristão como certeza de salvação (Soteriologia)
Novamente Tiago faz outra ligação, agora com a salvação e o praticar a palavra. V.21-22 "Portanto, livrem-se de toda impureza moral (novamente a moralidade) e da maldade que prevalece (novamente o pecado), e aceitem humildemente a palavra implantada em vocês, a qual é poderosa para salvá-los. Sejam praticantes da palavra, e não apenas ouvintes, enganando-se a si mesmos".
Ele enfatiza que todo o ensino absorvido pela palavra, deverá ser colocado em prática, uma vez que fora salvo, ele quer que os crentes entendam que uma pessoa salva tem que buscar ter um caráter aprovado diante de Deus, e isso ele vem trabalhando desde o versículo 12. "Feliz é o homem que persevera na provação, porque depois de aprovado receberá a coroa da vida, que Deus prometeu aos que o amam". Por naquela época os cristão estarem espalhados pelo Império Romano, podemos dizer que ele estava preocupado com o testemunho destes cristãos, conhecemos a árvore pelo fruto, somente poderemos dizer que alguém é salvo, se este tem o temor de buscar constantemente uma vida segundo a Palavra de Deus.
A acepção de pessoas como saída do Reino (Eclesiologia)
Cap.2:8-9 "Se vocês de fato obedecerem à lei do Reino encontrada na Escritura que diz: Ame o seu próximo como a si mesmo, estarão agindo corretamente. Mas se tratarem os outros com parcialidade, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores".
Tiago agora trata da prática da comunidade, e usa uma reunião como exemplo, quando supõem que um judeu rico que entra na reunião recebe atenção especial e é colocado nos melhores lugares, enquanto o pobre fica em pé ou longe dos outros. Através deste exemplo ele lembra de um mandamento, e chama a atenção para a condenação de quem quebra-lo ao tratar as pessoas com parcialidade.
Tiago também lembra da Lei, e de como ela é severa, por isso nos versos seguintes ele faz um apelo à misericórdia no lugar da arrogância. V.10 "Pois quem obedece a toda Lei, mas tropeça em apenas um ponto, torna-se culpado de quebrá-la inteiramente", v.13 "Porque será exercido juízo sem misericórdia sobre quem não foi misericordioso. A misericórdia triunfa sobre o juízo".
Após falar do mal da língua e da sabedoria que vem do alto no capítulo três, no capítulo quatro ele ainda se opõem aos orgulhosos, e alerta novamente do pré-julgamento (condenatório) sobre o próximo. Tg.4:12 "Irmãos, não falem mal uns dos outros. Quem fala contra seu irmão ou julga o seu irmão, fala contra a Lei e a julga. Quando você julga a Lei, não a está cumprindo, mas está se colocando como juiz".
A paciência nas perseguições (Escatologia)
Aqui vemos o ponto escatológico da carta onde Tiago enfatiza a vinda breve, iminente do Senhor (parousia), ele pede paciência, para que não desanimem com o passar do tempo, nem fiquem se queixando. Tg.5:7-9 "Portanto, irmãos, sejam pacientes até a vinda do Senhor. Vejam como o agricultor aguarda que a terra produza a preciosa colheita e como espera com paciência até virem as chuvas do outono e da primavera. Sejam também pacientes e fortaleçam o seu coração, pois a vinda do Senhor está próxima . Irmãos, não se queixem uns dos outros, para que não sejam julgados. O Juiz já está às portas!".
Controvérsias teológicas na epístola de Tiago
A epístola de Tiago por ser presumivelmente um tratado parenético não enfatiza grandes temas teológicos. Dibelius (1976, p.21), em seu comentário da epístola de Tiago referiu-se a epístola de Tiago como não possuindo qualquer tipo de teologia. O fato é que a epístola de Tiago possui uma teologia, mas não muito desenvolvida. Por ter um conteúdo teológico muito exíguo, não há muitas controvérsias em torno desta epístola. As poucas controvérsias teológicas relativas a Tiago, por sua vez são muito importantes dentro de um espectro maior da Teologia do Novo Testamento. No presente trabalho nos ateremos àquelas que são consideradas as maiores controvérsias teológicas que orbitam sobre epístola de Tiago.
O prefácio da epístola já suscita uma grande controvérsia. Tiago se dirige (cf. Tg 1.1), "às doze tribos dispersas entre as nações". Seriam as doze tribos dispersas entre as nações, uma alusão figurativa a todos os cristãos de todos os locais, conforme encontramos no inicio da primeira epístola do apóstolo Pedro (cf. 1 Pe 1.1) ou tal express o seria uma referência literal aos judeus que moravam fora da terra de Israel? A favor dos dois pontos da controvérsia se posicionam muitos teólogos do Novo Testamento. Thielman (2007, p.596), em sua extensa Teologia do Novo Testamento, afirma que às doze tribos dispersas entre as nações é uma referência direta e literal aos judeus cristãos que estavam radicados em terras além Palestina. Segundo Thielman (2007, p.596) "Tiago compreendeu seu próprio papel com respeito ao cristianismo judaico de uma forma que é análoga à responsabilidade que Paulo sentia pelos cristãos gentios. [...] Talvez Tiago, embora estivesse em Jerusalém, tenha sentido uma responsabilidade semelhante em relação aos cristãos judeus no exterior". Thielman (2007, p.596), prossegue dizendo que "havia, certamente, um bom precedente para as cartas das autoridades judaicas em Jerusalém para os judeus da diáspora, sobre práticas religiosas (Jr.29.1-23; 2Mc 1.1-2.18, por exemplo)". Em defesa da mesma tese, se posicionam os autores Carson, Moo e Morris (1992, p.461), "identificar os leitores de Tiago com esses primeiros cristãos judeus iria harmonizar-se com a data da carta e proporcionar uma explicação para as circunstâncias que lhe deram ensejo: Tiago, o líder da igreja em Jerusalém, precisou ministrar por meio de carta a seu rebanho disperso". Em sua Teologia do Novo Testamento, diz Ladd (2001, p.544), "Podemos concluir que a epístola foi escrita por Tiago, o irmão de Jesus, de Jerusalém, a judeus cristãos que estavam sendo oprimidos por seus compatriotas judeus". O teólogo luterano Leonhard Goppelt, se enquadra do outro lado da controvérsia. A referência inicial da epístola de Tiago, segundo Golppelt (2002, p.432), "não se refere nem à diáspora judaica, nem ao judaico-cristianismo, mas à igreja como sendo o novo povo das doze tribos. Assim o prefácio é universalmente ecumênico: Tiago, o irmão do Senhor, escreve a todo o novo povo das doze tribos". Deste lado da controvérsia também fica o teólogo Marshall. Para Marshal (2001, p.539), "essa é uma epístola cristã para crentes cristãos, sendo assim dirigidas aos cristãos, onde quer que porventura possam estar, e implicitamente os identifica como o novo Israel, exatamente como encontramos em outros escritos do NT". A controvérsia em torno do prefácio da epístola de Tiago é de grande relevância, pois dependendo da posição que se defenda em relação ao significado da expressão "às doze tribos dispersas entre as nações", haverá divergências na interpretação de outros conteúdos expostos na epístola. A meu ver, a expressão "às doze tribos dispersas entre as nações" se refere aos judeus cristãos que se estabeleceram em terras distantes da Palestina. Esta posição melhor se coaduna com o contexto social e econômico pressuposto na carta que possui uma procedência palestina.
Outro tema teológico de controvérsia em Tiago, e que tradicionalmente na Academia é considerado como o maior tema teológico controverso na epístola, encontra-se na passagem de 2.14-26, onde Tiago discorre sobre fé e obras. A controvérsia gira em torno da suposta contestação que Tiago faz do ensino paulino da justificação somente pela fé sem as obras da lei. Tiago diz que a fé "por si só, se não for acompanhada de obras, está morta" (2.17) e também menciona Abraão para ilustrar seu ponto. Tiago chega até mesmo a questionar o poder salvífico da fé (2.14), "De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-lo?". Este conteúdo exposta na epístola de Tiago é um tema atual em vários sentidos, pois como já mencionado, supostamente coloca em dúvida a doutrina paulina da justificação somente pela fé.
Muitos teólogos se manifestaram com uma atitude negativa em relação a epístola de Tiago, por interpretarem a sua homilia sobre fé e obras como um tipo de heresia. Lutero e grande parte da tradição reformatória atacaram a epístola por este motivo. No prefácio da Bíblia de Setembro, em edição de 1522, Lutero sentencia "por isso a Epístola de São Tiago é uma epístola de palha [...] visto que não possui qualidades evangélicas. Ela está em total oposição a São Paulo e toda a Escritura, porque atribui a justificação às obras e porque afirma que Abraão foi justificado por suas obras" (LUTERO apud GOPPELT, 2002, p.433). Ao abordarmos a epístola de Tiago, sobretudo o trecho de 2.14-26, temos de consentir que uma leitura superficial, sem a utilização de uma exegese e hermenêutica adequadas, leva-nos a um grande questionamento lógico. Estaria Tiago atacando o ensino paulino da justificação pela fé? O que nos leva a este questionamento em relação ao sentido do conteúdo exposto na epístola não é somente a equivalência que Tiago faz entre obras e fé no que concerne a salvação, mas o fato de que Tiago desenvolve sua tese fazendo uma exegese de Gn 15.6, mesmo texto utilizado por Paulo no desenvolvimento de sua teologia da justificação pela fé em Rm 4 e Gl 3.
Para solucionar essa controvérsia é necessário um entendimento contextual adequado da epístola de Tiago e do ministério do próprio Tiago. Há no Novo Testamento embasamento escriturístico que comprova a relação amigável e teologicamente compatível entre Tiago e Paulo, o que torna improvável a teoria de que Tiago tenha compreendido, de forma equivocada, a posição de Paulo ou que discorde dela. No concílio de Jerusalém (At 15.12-19), perante Tiago, Paulo apresenta seu evangelho e Tiago responde ao estender sua mão direita para Paulo em sinal de comunhão (Gl 2.2, 9). Quando Paulo visita Jerusalém (At 21.18-20), junto com outros presbíteros e relata a abrangência de seu ministério entre os gentios, Tiago consente com uma resposta positiva, o que é coerente com o relato de Paulo (Gl 2.2, 9). Segundo Thielman (2002, p.441), "a venerável tradição acadêmica que acha que Paulo e Tiago discordam um do outro quanto à essência do evangelho não é correta".
Provavelmente a epístola de Tiago tenha sido escrita em meados da década de 40 d.C, nesta época o ensino de Paulo sobre a justificação possivelmente estaria gerando um impacto na igreja e isto teria se dado antes de ambos terem se conhecido pessoalmente.
Há de se concluir que Tiago ao discorrer sobre a nulidade da fé sem as obras, não estava fazendo oposição ao ensino paulino da justificação pela fé sem as obras da lei. Tiago tinha em vista um comportamento prático: um cristianismo que estava se tornando apenas uma filosofia. Segundo Goppelt (2002, p.441), "um tal cristianismo de convicções pode estabelecer-se em vários contextos. Pode ser um ortodoxismo morto que se afoga no intelectualismo; pode, de igual modo, ser um liberalismo cristão muito burguês, que vive de conformidade com o mundo e transforma a graça em graça barata". Sobre o assunto também se pronunciou neste sentido o teólogo Ladd (2001, p.547), "é provável que Tiago esteja refutando perversões da doutrina paulina, quer as epístolas paulinas fossem conhecidas ou não". Em sua Teologia do Novo Testamento disse Marshall (2001, p.548), "Tiago está atacando uma falsa visão da fé, que a entende como pouco mais que uma crença ortodoxa que não muda o estilo de vida de uma pessoa. Ele deixa bastante claro que a vida cristã pode ser resumida em termos de fé (Tg 1.3; 2.1, 5) e que a fé é essencial para a nossa relação continua com Deus". Para o teólogo Fanning (2008, p.472), "em Tiago 2.14-26 deve-se entender as alusões a fé (fé sem obras, fé em si mesmo ou sozinha, fé que é inútil, sem benefícios e morta), à luz dessa premissa inicial. Essa não é a verdadeira fé cristã, a despeito do que a pessoa afirme".
Como podemos constatar a epístola de Tiago não se contrapõe ao ensino paulino da justificação somente pela fé; ao contrário, ela o complementa. Como disse Goppelt (2002, p.443), "por essa razão é justo que essa epístola integre o cânone do NT, apesar de sua característica empírica"
A última controvérsia teológica a ser abordada no presente trabalho está relacionada com a natureza da salvação mencionada em Tiago 2.14. Historicamente essa passagem tem sido entendida como uma referência à salvação eterna, libertação a condenação ao pecado. Em tempos hodiernos uma nova percepção dessa passagem tem gerado calorosos debates. Essa nova abordagem entende que a salvação na epístola de Tiago está relacionada a preservação da vida física e foca a vida temporal e a preservação dela. Teólogos como Hodges e R.T. Kendall defendem essa posição. Tais autores argumentam que esse sentido de salvação se encontra em todas as referências à salvação em Tiago (1.21; 2.14; 4.12; 5.15,20) e também comparam Tiago com alguns livros de sabedoria do AT na apresentação ao lidar com questões de efeitos da maldade e efeitos salvadores de vida da justiça.
Para avaliar essa percepção de salvação em Tiago, há de se fazer uma analise das várias linhas de evidência. O verbo traduzido por "salvar" em Tiago 2.14 (sõzõ), dependendo do contexto em que ocorre, pode se referir à libertação física ou espiritual. Em Tiago 5.15 usa-se a palavra para salvação ou cura, mas em contextos em que doenças físicas, ou perigo natural não estão expostos, o termo em todo o Novo Testamento se refere de forma predominante a libertação da condenação do inferno.
Uma abordagem exegética dos textos onde se encontram o termo "salvação" no Novo Testamento nos leva a entender que a concepção tradicional de Tiago 2.14 é a mais plausível dentre as outras.
Diferenças encontradas entre o Goppelt, Ladd e Marshall.
Notamos na leitura que grande parte da teologia de Tiago abordado pelos autores são as mesmas, e complementam entre si, portanto aconselhamos que leiam os três autores no estudo de Tiago para poder ter um panorama teológico mais completo.
Umas das primeiras diferenças que encontramos foi na questão da Cristologia. Para Ladd, existe uma Cristologia explicita encontrada na carta de Tiago. A base da argumentação dele é comprovado com as referencias como
"o Senhor Jesus Cristo" (1:1) e "Senhor da Glória"(2:1). Estas referências expressam de forma clara a fé na glorificação – ou seja, na ressurreição e ascensão de Jesus, assim como em sua divindade. O retorno dele (parousia) é uma esperança viva (5:8) e na parousia a salvação estará completa ("coroa da vida" – 1:12). Vemos, além destes textos, outros lugares que Tiago aborda a questão escatológico como na salvação da alma da morte (5:20) e a herança do Reino de Deus (2:5). Para Marshall não há de forma explicita uma Cristologia em Tiago. Os textos que encontramos representam uma base doutrinaria que são usados para praticidade, porém são de teor teológico. Na construção da imagem de Deus à partir de um respeito pelo próximo (Tg 3:9), como as pessoas são salvas (Tg. 1:21; 2:14; 4:12) e justificadas (Tg 2:21-25), vemos elementos da teologia e da ética que são abordados aqui porém ignoradas no resto do NT e trazendo correção para algumas conclusões práticas que, para Marshall, vieram da corrente da teologia paulina. Quanto as alusões e referencias a Jesus, Goppelt aborda não como uma cristologia, ou a ausência de cristologia na carta, mas usa para discutir questões introdutórias, como por exemplo autoria, datação e etc,.
Como já citamos, para Ladd existe uma ênfase no tema de praticidade na carta de Tiago. A partir da praticidade é desenvolvido as questões sobre a Igreja, a tentação e depois a vida cristã. Para Marshall a ênfase é no desenvolvimento da perfeição cristã. A partir disso, a carta aborda como a fé é ativa e que há uma luta contra as tentações que surgem por causa do amor pelo dinheiro e o uso abusivo da língua. Para o autor, o livro é desenvolvido de forma sapêncial. Para Goppelt, a ênfase é no nomos. Ele diz que a parênese da carta é a Lei e sua interpretação da carta é a partir do nomos. Por Goppelt acreditar nessa interpretação, ele define e tenta explicar o pensamento de Tiago quanto o que é a Lei, o por que da Lei da liberdade e o sentido da perfeição da Lei, assuntos que os outros autores não desenvolvem com tanta profundidade. Por outro lado tanto o Ladd quanto o Goppelt não abordam a questão da estrutura de Tiago como Marshall, que afirma que a tradição de sabedoria judaica moldou o conteúdo do pensamento da carta e sua forma.
Os três autores tentam aborda a controversa da fé e obras da carta em relação a teologia Paulina. Ladd afirma que a fé para Paulo é definido pela aceitação do evangelho e o compromisso pessoal ao evangelho. Por outro lado Fé para Tiago é uma afirmação rabínica de monoteísmo (Tg. 2:9 – um só Deus). As obras para Paulo são os feitos judaicos de obediência a Lei, que trazem ao homem ostentação nas suas realizações pessoais. Para Tiago, obras são atos que são baseados no amor cristão, atos que cumprem a "lei real" do amor. Para Ladd, Tiago não está dirigindo se a teologia Paulina, mas estão tratando de questões distintas – Paulo com a auto-justiça da piedade legal judaica e Tiago com uma ortodoxia morta. Marshall acredita que Paulo pode estar se dirigindo a Paulo e seguidores com a intenção de corrigir algumas questões da corrente paulina. Marshall explica que fé para Tiago é a verdadeira demonstração de obras que expressão a fé, ou seja, está atacando uma ortodoxia de que a fé não muda o estilo de vida de uma pessoa. Por outro lado Goppelt entende que Tiago não está se dirigindo especificamente a Paulo mas um pensamento derivado da teologia paulina – correção). Para Goppelt, a fé para Tiago é comprovada na obra, muito parecido com Marshall, e é a base da existência cristã. As obras para Paulo é aquilo que a Lei exige, e para Tiago as obras é aquilo que é entendido por Paulo de "frutos da fé", portanto ambos usam os mesmos termos porém com definições diferentes.










REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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