Análise da política externa brasileira ante a independência de Angola

July 5, 2017 | Autor: João Marcon | Categoría: Political Science, direito Internacional público, Foregin Affairs
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ANÁLISE DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA ANTE A INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA O presente artigo tem, como objetivo, constituir-se na elaboração de um ensaio concernente à Política Externa Brasileira ante a Independência de Angola. Para tanto, serão trazidos elementos empíricos e teóricos acerca da temática eleita, qual seja, abordar o problema da Guerra de Independência Angolana sob o ponto de vista da Política Externa Brasileira correspondente àquele período, dentro do qual se inclui o Regime Ditatorial Militar Brasileiro. Essa questão pode ser lida, explicitamente, em um documento oficial expedido pelo governo do país latino-americano quando de sua manifestação por conta da realização da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, no ano de 1962. Paralelamente, utilizar-se-á da literatura que disseca o estudo da PEB referente ao momento de elaboração do referido documento, bem como às décadas subsequentes, nas quais se instaurou, no Brasil, o Regime Didatorial Militar. A importância de se tratar o tema escolhido deve-se às seguintes razões: 1) a despeito de existirem muitos estudos acerca do recorte temporal concernente ao Regime Ditatorial Militar Brasileiro e a sua Política Externa, pouco se produziu, em termos de publicação, quanto à análise entre eles e a questão específica do conflito de independência angolano; 2) não se encontrou nenhuma leitura que cotejasse estudos sobre o período e o mencionado conflito, e o documento oficial expedido pelo governo brasileiro a ele relativo, o qual será analisado doravante, qual seja: “Discurso do senador Afonso Arinos sobre o Brasil e a questão de Angola na ONU” (anexado); 3) Considerados todos esses elementos, o ensaio trará um novo foco de abordagem sobre o tema, contribuindo, assim, para a complementação das pesquisas acerca dele. Far-se-á essa discussão da seguinte maneira: em um primeiro momento, apresentar-se-á a natureza do conflito de Independência de Angola, com vistas a situar o leitor quanto as suas características; após, expor-se-ão as diversas abordagens presentes na literatura relativas à Política Externa Brasileira do período em que se produziu o documento acima citado (1962), bem como quanto aos anos subsequentes, encerrando a análise com o fim do Regime Didatorial Militar. Aqui serão feitas as devidas menções à relação entre a citada política e a questão africana, incluindo-se a análise documental; por fim, trar-se-ão as conclusões da pesquisa.

1.

Breve resumo da Guerra de Independência de Angola (1961-1974)

A Guerra de Independência de Angola foi um conflito político e bélico que se prolongou por mais de dez anos (1961-1974), tendo, como partes diretamente envolvidas: A Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA∕UPA), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), a Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), Portugal e África do Sul. Tal combate deixou o saldo negativo de, aproximadamente, 3.258 mortos e 4.684 deficientes. O embate, que também é chamado de “Luta Armada de Libertação Nacional”, foi um conflito armado entre as forças independentistas de Angola (FNLA, MPLA, UNITA) e as de Portugal, que possuía o monopólio colonial da região. Há divergências quanto à definição do termo inicial do conflito: para o MPLA, seria a data de 4 de fevereiro de 1961, quando cerca de 200 dos seus membros atacaram a Casa de Reclusão Militar (em Luanda), a Cadeia da 7ª Esquadra da Polícia, a sede dos Correios de Portugal (CTT) e a Emissora Nacional de Angola. Todavia, para Portugal e para a FNLA, o estopim do conflito se dera em 15 de março, com o primeiro ataque da UPA na região Norte de Angola. Para a UNITA, o cessar-fogo ocorreu em junho de 1974, ao passo que, para o FNLA e o MPLA, em outubro daquele ano, estabelecendo-se, em 15 de janeiro de 1975, a independência da região, mediante assinatura do Acordo de Alvor entre os quatro intervenientes do conflito: Governo Português, UNITA, FNLA e MPLA. Ademais, estipulou-se a data da passagem da soberania, ao povo angolano, para 11 de novembro de 1975.

As três organizações independentistas acima nomeadas, influenciadas pelos movimentos de autodeterminação africanos do pós-guerra, visavam à libertar Angola do colonialismo, escravatura e exploração que lhe eram impostos por Portugal. Para este, a despeito de Angola ser um região produtora de diversos e valiosos recursos naturais, tais como café, petróleo, diamantes, minério de ferro e algodão, o importante era defender o regime, não a economia. Nesse sentido, muitas vezes influenciados pelo Governo Ibérico, milhares de imigrantes portugueses mudaram-se para colônias no território africano, notadamente Angola (cerca de 120.000 pessoas). Militarmente, as tropas portuguesas depararam-se com uma guerrilha atípica e para a qual não se encontravam, devidamente, preparados, recaindo, os esforços, particularmente sobre o Exército, com apoio naval e aéreo. Inicialmente, o equipamento de defesa era obsoleto (datando da Segunda Guerra) e, o contigente da tropa, baixo (6.500 homens), sendo que, ao final do conflito, este número havia aumentado para 65.000. Quanto aos guerrilheiros, estes tinham, a seu favor, o fato de estarem completamente bem adaptados ao terreno e clima angolanos, moviam-se sem dificuldade em pequenos grupos (10-40 homens) e possuíam apoio logístico e operacional das populações locais. Na Metrópole, há muito se contestavam as guerras coloniais, por diversas razões: a população via seus familiares, constante e crescentemente, morrerem ou se tornarem deficientes; os recursos finaceiros nacionais beiravam o esgotamento, enquanto a produção caía e a inflação subia; disseminavam-se, cada vez mais, movimentos contrários ao regime, tanto pela esquerda, como pela direita, passando pela Igreja Católica, movimentos estudantis e associações sindicais. Paralelamente, ocorria forte pressão internacional sobre o modo como se conduzia a Guerra Colonial Portuguesa, bem como, os militares do país recebiam gradativa influência comunista. Ante à gravidade da disputa, os Estados Unidos, por meio de seu Embaixador em Portugal, Charles Burke Elbrick, encontrou-se com o Ministro da Defesa deste, Botelho Moniz, a fim de tentar convencê-lo a fazer com que Salazar alterasse sua política colonial, promovendo, assim, a autodeterminação das respectivas colônias africanas. Em 10 de março, a Questão Angolana é introduzidas nas discussões da ONU. Portugal ingressou como Estado-Membro desta em 1955 e, a partir de 1960, a questão de seus territórios coloniais na África se fez bastante presente na agenda internacional. As primeiras críticas à resistência do governo colonial datam de 10 de março de 1961, quando a questão é, formalmente, apresentada na Organização das Nações Unidas.

Durante a Assembléia-Geral, a delegação portuguesa se retira e, aquela, no mês seguinte, manifesta-se favoravelmente à autodeterminação angolana. No ano subsequente, a OUA (Organização de Unidade Africana) rompe vínculos com Portugal. Em Lisboa, a partir da segunda metade do século XX, começaram a se espraiar diversas organizações voltadas à contestação da Guerra Colonial, dentre as quais se incluiu a Ação Revolucionária Armada (ARA), que também possuia, como objetivos, lutar contra a ditadura fascista e as Brigadas Revolucionárias (esquerdistas). Ademais, a falta de popularidade da Guerra entre muitos portugueses, especialmente dos componentes da camada universitária, levou à criação de diversos jornais e revistas representativos da esquerda radical, os quais pleiteavam soluções políticas para o problema colonial. No último ano do conflito (1974), a opinião generalizada entre os militares portugueses era de que a guerra se encontrava em uma situação insustentável. Na capital da metrópole, por seu turno, ante às constantes e crescentes movimentações públicas, determinou-se o fim das ações militares em Angola. E, em decorrência de todos esses elementos (e outros), a 25 de abril de 1974, a esquerda militar lisboeta promoveu um golpe de Estado, episódio que foi chamado de “Revolução dos Cravos”. No início de 1975, os três movimentos angolanos independentistas reuniram-se e firmaram um acordo no qual se estabeleceu que se uniriam a fim de formar uma coalizão indepedente para negociar com Portugal e manter a paz no território. Por derradeiro, a independência de Angola foi estabelecida em 15 de janeiro de 1975, com a assinatura do “Acordo de Alvor”.

2.

Política Externa Brasileira e a Guerra de Independência de Angola Relativamente à Luta de Libertação Colonial do povo angolano, conforme acima

exposto e, um dos objetos de análise desta pesquisa, assim manifestou-se o Senador Afonso Arinos, representante da delegação brasileira, na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em 15 de janeiro de 1962 (ementário), conforme relata FRANCO (2007, p. 266): O senador Afonso Arinos fixou a posição do governo brasileiro, falando nas Nações Unidas – Gestões do governo brasileiro para encontrar a fórmula conciliatória – o Brasil condena a anexação de territórios pela força e se pronuncia pela preservação dos valores culturais portugueses na África e na Ásia – Apelo do Brasil a Portugal – Defesa da comunidade luso-brasileira

Da simples leitura do texto, é possível inferir, minimamente, qual foi a posição do governo brasileiro quanto ao pedido de reconhecimento de independência de Angola. Porém, para melhor se compreender o porquê deste posicionamento, bem assim o que ele representa enquanto manifestação da política externa do país naquele período, faz-se necessário trazer elementos que a explicam, o que se passa a expender. SALGADO (2011, p. 18) destaca que “a autonomia (...) veio a ser um dos vetores nas formulações de política externa durante a década de 1960, no âmbito da Política Externa Independente (PEI)”, o que possibilitou que o país, diplomaticamente, atuasse pragmaticamente quanto às opções na arena externa que melhor atendiam aos interesses nacionais, habilmente para articular e negociar consensos, bem como elegesse a via legislativa e de respeito a acordos e normas internacionais para embasar decisões. O Presidente Jânio Quadros encarava a África como sendo uma nova dimensão a ser trabalhada pela política externa brasileira, visto ver frutos na parceria entre as duas regiões em decorrência da afinidade, entre ambos, de aspirações na esfera político-social, na busca por liberdade, bem-estar e desenvolvimento, e na econômica, porquanto pertencentes ao “bloco subdesenvolvido”. Tal posicionamento encontrava convergência na esfera internacional, conforme destaca LEITE (2010, p. 18): A década de 1960 possui um grande significado para a África, pois representa a liberdade para diversos países do continente. As pressões internacionais contrárias à colonização foram determinantes para o desmantelamento do império britânico e francês. Possibilitando, portanto, o surgimento de dezenas de Estados africanos ainda na primeira metade dos anos sessenta. (sem grifos no original)

Ainda, citando VIZENTINI (1999, p. 134): “Desde o início dos anos 60, na esteira do desenvolvimento industrial, a política exterior brasileira voltou-se para a busca de novos espaços, através da mundialização e da multilateralização”. Assim, firmar parcerias com o continente africano e, especificamente, com Angola, enquadrava-se nesse objetivo: A política exterior envolve aspectos mais determinados dentro do conjunto das relações internacionais. Ela enfoca a orientação govenamental de determinado Estado a propósito de determinados governos e∕ou estados ou, ainda, regiões, situações e estruturas, em conjunturas específicas. (...) Apesar da manutenção de um eixo vertical norte-sul, em particular, as relações com os EUA, a diplomacia brasileira passou a atuar num eixo horizontal sul-sul e num eixo diagonal sul-leste (relações com o Terceiro Mundo e com os países socialistas respectivamente). (VIZENTINI, 1999, p. 136, sem grifos no original)

Dentro desse contexto, em 1961 – ou seja, um ano antes do Comunicado brasileiro na ONU, citado acima – Jânio Quadros e seu Chanceler, Afonso Arinos (representante oficial naquele momento), inauguraram a Política Externa Independente (PEI), a qual tinha como nortes: incremento das exportações brasileiras (inclusive para países socialistas); defesa do Direito Internacional, da autodeterminação dos povos e a não-intervenção nos assuntos internos de outras nações; uma política de paz, desarmamento e coexistência pacífica; apoio à descolonização completa de todos os territórios ainda dependentes; formulação autônoma de planos nacionais de desenvolvimento e de encaminhamento da ajuda externa. No que respeita à defesa do anticolonialismo, assim se manifestou o Chanceler Afonso Arinos no discurso que se traz para análise no presente ensaio (FRANCO, 2007, p. 266): O segundo fator é o anticolonialismo brasileiro, traço marcante da nossa fisionomia nacional, imposto pela fraternidade racial, pela posição geográfica, pelos interesses econômicos e pela sincera convicção, firmada tanto nos círculos dirigentes quanto nas massas populares do meu país, de que o anticolonialismo e o desarmamento são as duas grandes causas deste século, os dois problemas básicos da vida internacional contemporânea, de cujas soluções dependem, em grande parte, o progresso e a paz da humanidade. O Brasil, assim, proclama sua inalterável amizade a Portugal, que nos vem da história do passado; mas afirma nitidamente a sua posição anticolonialista, que lhe é imposta pelo que um grande escritor português do século XVII, o padre jesuíta Antônio Vieira, chamou a “História do Futuro”. (sem grifos no original)

Feitas tais considerações, é possível a compreensão do posicionamento brasileiro no documento que se traz para análise, uma vez sendo considerado manifestação da Política Externa do país à época, o qual fixou cinco pontos “que lhe parecem de importância capital” naquela Assembléia Internacional (FRANCO, 2007, p. 267): 1) A situação em Angola oferece aspectos críticos e tende a se agravar cada dia; a prolongação da luta armada, por sua vez, torna cada vez mais difícil um entendimento entre as partes; 2) As tentativas de solução militar, além de serem contrárias às recomendações e decisões da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança, não resolveram, até agora, o problema angolano e, seguramente, não o resolverão. 3) Os acontecimentos de Angola constituem, como o reconheceu o Conselho de Segurança (S∕4.835), uma causa atual e potencial de atritos internacionais, não somente no continente africano, mas ainda em outras partes do mundo, e são de natureza a pôr em perigo a manutenção da paz e da segurança internacionais. 4) Ainda é possível, entretanto, na opinião da delegação do Brasil, encontrar uma solução pacífica, a única capaz de não destruir os elementos positivos que a presença portuguesa trouxe ao país e de salvaguardar relações proveitos entre Portugal e Angola, análogas às que

se verificam, hoje em dia, entre antigas metrópoles e territórios de alémmar recém-emancipados. Tal solução seria certamente a melhor, para os interesses de Portugal e de Angola. 5) Em tal sentido, o reconhecimento, por Portugal, do direito do povo angolano à autodeterminação, facilitaria enormemente a cessação imediata da luta e do derramamento de sangue, bem como a preparação das profundas reformas legislativas e administrativas, necessárias à evolução pacífica do território para a autonomia. (sem grifos no original)

Outras palavras utilizadas pela delegação brasileira quando de sua manifestação, acabaram por ser continuadas nos governos militares, como se verá adiante (FRANCO, 2007, p. 269): Por isso mesmo, o Brasil, caso se apresente oportunidade, não hesitará em prestar toda a cooperação e toda assistência no encaminhamento da questão de Angola e aguarda com ansiedade o momento em que Portugal aceite a aplicabilidade do princípio da autodeterminação e se mostre disposto a acelerar as reformas que se tornam indispensáveis. O Brasil se julga no dever de fazer um apelo a Portugal para que aceite a marcha natural da história e, com sua larga experiência e reconhecida sabedoria política, encontre a inspiração que há de transformar Angola em núcleo criador de idéias e sentimentos e não cadinho de ódio e ressentimentos. O Brasil exorta Portugal a assumir a direção do movimento pela liberdade de Angola e pela sua transformação em um país independente, tão amigo de Portugal quanto o é o Brasil. Porque, no presente estágio da história, as convivências internacionais profícuas à humanidade somente vingam e prosperam entre povos livres e soberanos. Disso é exemplo vivo a comunidade luso-brasileira. (sem grifos no original)

E, finalizando seu discurso naquela solenidade, o Brasil assim se pronunciou (FRANCO, 2007, p. 271): Esta será a orientação do Brasil, que, neste caso, deve preservar a sua inalterável amizade para com o povo português. O Brasil, por outro lado, não pode fugir ao seu dever, indeclinável, de dar todo o apoio à marcha de Angola para a autodeterminação no quadro geral do anticolonialismo. Só assim o Brasil se manterá dentro da sua tradição de país soberano, pacifista e desejoso da paz e do progresso para todos os povos do mundo. Sustentando o princípio da autodeterminação de Angola, o Brasil não só se mantém fiel à sua história de antiga colônia e aos seus ideais de nação livre e democrática, como cumpre o compromisso sagrado que assumiu ao assinar a Carta de São Francisco e ao votar a favor das resoluções das Nações Unidas relativas à eliminação do colonialismo em todo o mundo. (sem grifos no original)

Subsequentemente a este momento, a política externa brasileira, durante os governos militares, nas palavras de ROSI (2011, p. 33), “sofreu uma guinada da ideologia ao pragmatismo”, o que, consequentemente, refletiu nas relações do país com o continente

africano. O autor, ademais, destaca que, no citado interregno, dois momentos distintos podem ser percebidos relativamente ao intercâmbio Brasil-África: primeiramente, de Castelo Branco ao final do governo Médici, em seguida, deste até a redemocratização, especialmente durante a governança de Geisel e Figueiredo. Demais, colacionando VIZENTINI (1999, p. 146): “Com o golpe de 1964, tem início o regime militar e uma nova fase da política externa brasileira, a qual, todavia, será marcada por traços de continuidade”. E isso pode ser vislumbrado no trato das questões voltadas à defesa do anticolonialismo, situação em que se inseriu a luta de independência angolana, daí a razão do apoio a ela recebida pelo governo brasileiro. (sem grifos no original) Em linhas gerais, a política externa do país latinoamericano, ao longo do primeiro governo militar, caracterizou-se pela aplicação do binômio segurança e desenvolvimento, ou, ainda, “por um realinhamento fugaz ao bloco ocidental” – caracterizado pelo alinhamento automático aos Estados Unidos (ROSI, 2011, p. 34). A justificativa centrava-se na percepção, à época, de que o mundo encontrava-se dividido em dois blocos antagônicos (por decorrência da Guerra Fria), logo, o país tinha, necessarimente, que se alinhar a uma destas posições. Assim, a postura brasileira referentemente à África inseriu-se nesse contexto. O autor também ressalva, mencionando VIZENTINI, que tal política assentavase em três pilares: suporte ao colonialismo português, apoio ao regime de segregação racial sul-africano (Apartheid) e combate ao comunismo. Exemplos da defesa do segundo tópico podiam ser percebidos na medida em que este país criou uma linha aérea conectando Rio de Janeiro e Johanesburgo (South African Airways), diversos encontros entre os chancelres dos dois países e assinatura de um acordo finaceiro de 1969. Isso denota o apoio brasileiro ao sistema político sulafricano, mesmo nunca o tendo declarado, formalmente. A política externa do governo Médici, uma vez fulcrada na diplomacia do interesse nacional, como refere ROSI (2011, p. 35), retomando o norte-americanismo e, destarte, fortalecendo a posição do país ante ao bloco ocidental, fê-lo de forma pragmática, posto que visava ao projeto desenvolvimentista de Brasil Potência. E, a despeito da concordância com o colonialismo português e o Apartheid, aquele passou a reconsiderar seus interesses econômicos e estratégicos na África. Logo: É dentro dessa nova realidade que devemos entender o amplo programa ministeriral de visitas, que entre 1972 e 1973 levou Mário Gibson Barbosa a dez países africanos: Senegal, Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Nigéria, Camarões, Gabão, Zaire e Quênia. Dentro da mesma lógica pode ser colocada a expansão do mar territorial brasileiro para 200 milhas náuticas. Embora questões petrolíferas e pesqueiras fossem

apresentadas como justificativa à época, era claro que interesses estratégicos estavam por trás da empreitada de aproximar o Brasil da África pelo mar. Essa aproximação, no entanto, enxergava o continente como ameaça, ameaça de um possível ataque comunista pelo Atlântico Sul. (ROSI, 2011, p. 35)

Para melhor compreender esta afirmação, é válido reproduzir as palavras de Mário Gibson Barbosa, Chanceler durante o governo Médici, acerca da Diplomacia do Interesse Nacional (LEITE, 2011, p. 35): 1) O Brasil defende a mudança das regras de convivência internacional, contra a cristalização de posições de poder e se recusa a crer que a história se desenrole necessariamente em benefício de uns e prejuízo de outros países; 2) Consideramos que, à medida que um país cresce, cabe-lhe uma parcela de decisão cada vez maior dentro da comunidade internacional, e não devemos deixar de usá-la em favor dos povos que, como o nosso, aspiram ao progresso; 3) A verdadeira paz não pode ser identificada como a simples manutenção do status quo, como resultado do equilíbrio de poder, nem ser instrumento de ampliação da distância que separa as nações ricas das nações pobres; implica, ao contrário, a mudança das regras do comércio internacional e a alteração do mecanismo de distribuição mundial do progresso científico e tecnológico, pois não há verdadeira paz sem desenvolvimento; 4) Nossa posição é, portanto, de ativa solidariedade com os países em desenvolvimento, competindo à nossa diplomacia estreitar o entendimento com os povos que travam conosco a dura batalha do progresso; 5) Nossa política externa deve ser global, de íntima cooperação com os países desenvolvidos. (sem grifos no original)

Considerado esse contexto, somente com o assunção de Ernesto Geisel ao governo, por meio da sua Doutrina de pragmatismo responsável e ecumênico, é que, efetivamente, ocorrem mudanças significativas na política externa brasileira em relação à África, tornando a aproximação com esta algo fundamental. Exemplo cristalino disso resta no fato do Presidente haver se manifestado, explicitamente, contra o regime segregacionista sul africano que, outrora, era apoiado tacitamente. Seguindo nessa esteira, o Brasil muda sua postura referentemente a Portugal, discordando, assim, do regime colonialista – o que, destaque-se, vai diretamente ao encontro do conteúdo do documento acima citado e que serve de base para esse estudo – em conjunto com a maneira de tratar a questão do comunismo em território africano. Citando ROSI (2011, p. 36): Talvez nada seja mais representativo desse novo momento do que o reconhecimento da independência de Angola, em 1975. Angola era uma ex-colônia portuguesa, o que por si só já representava o rompimento com o apoio ao colonialismo de Portugal. Mas essa não

era uma situação inédita, o Brasil já havia reconhecido a independência de Guiné-Bissau, outra ex-colônia portuguesa. O que realmente chama a atenção é o fato de reconhecer a independência de um novo Estado sob um governo socialista, no caso o MPLA. Mais ainda, o fato desse reconhecimento ser feito em oposição à política norte-americana, que manteve apoio à FNLA. (sem grifos no original)

O movimento inicial de afastamento das doutrinas e posições ditadas pelos EUA, com a PEI, representou a possibilidade brasileira de desenvolver plataformas comuns de reivindicações entre os países subdesenvolvidos, dentre os quais, os africanos. Ademais, o país pode defender o multilateralismo em diversos foros internacionais, ao lado da defesa do vértice da autonomia, materializado pelo gradativo afastamento das posições estadunidenses e consequente aproximação aos pleitos terceiro-mundistas, os quais melhor retratavam os verdadeiros interesses nacionais. A PEB visava à pluralidade e diversidade de condutas, refletindo, assim, a identidade do país, seus interesses e o desejo de autonomia pela via participativa: O nacionalismo, como um fim, reivindicava uma maior participação do Brasil nos mercados mundiais e uma parcela maior de influência nas decisões multilaterais; revestiu a política exterior de legitimidade, posto que esta atuou a serviço do desenvolvimento. Foi através de tal padrão de conduta, pragmáticos nos meios, nacionalista nos fins, que a PEB adquiriu coerência, consistência e confiabilidade nos anos 60. Através da articulação das políticas externa e interna, buscando oprtunidades e parcerias múltiplas para promover um desenvolvimento auto-sustentado, o Itamaraty reformulou o modelo de inserção internacional do Brasil, neste momento voltado para o multilateralismo. (SALGADO, 2011, p. 23)

Relativamente ao período do Governo Geisel, no sistema de sua política externa, tratou-se a questão das lutas africanas contra o colonialismo, dentre as quais se incluiu a Guerra de Independência Angolana, assim destacando LEITE (2011, p. 39): Com efeito, independentemente da matriz ideológica que passavam a soldar a sociedade angolana e as demais ex-colônias portuguesas, os fatores que pesaram na decisão governamental brasileira, de estabelecer relações diplomáticas tão prontamente, foram a oportunidade de se recuperar um passado de alienação em face da questão colonial e a primazia dada pelo binômio “desenvolvimento e segurança” à defesa da fronteira leste. Numa conjuntura em que Portugal finalmente perdia o controle sobre seu império ultramarino, surgia a oportunidade do Brasil, na condição de maior país de expressão portuguesa, tornar-se o mais credenciado porta-voz das aspirações desses povos de atingir o desenvolvimento e a autonomia. (sem grifos no original)

Ademais, uma vez tendo decidido por se posicionar a favor ao pedido de independência angolano, assim se manifestou, expressamente, o Presidente brasileiro Ernesto Geisel: Na data estabelecida para a proclamação da independência de Angola – 11 de novembro de 1975 – o governo brasileiro manifesta reconhecer o Governo instalado em Luanda, em observância às regras que presidem à convivência internacional. Desde a criação, em 31 de janeiro último, do Governo de Transição de Angola, o Governo brasileiro, com absoluta isenção e deliberação de não intervir nos assuntos internos de Angola, manteve na capital angolana uma Representação Especial, que será convertida em Embaixada, com o estabelecimento de relações diplomáticas (...). (sem grifos no original)

Figueiredo, sucessor de Geisel no governo, por sua vez, continua e aprofunda a política de seu antecessor para com o continente africano, dentro de uma visão universalista. Todavia, isso se deve, precipuamente, a interesses econômicos (“um dos vetores da Política Externa Independente (...) desenvolvimento e autonomia formam, então, a dupla de vetores da Política Externa Independente, se inserindo num âmbito maior, que é o processo de formulação da PEB”, conforme menciona SALGADO, citando CERVO, 2011, p. 19) e estratégicos, e não ideológicos (ROSI, p. 36). Sob a nova chefia, realizaram-se diversas visitas ministeriais e, paralelamente, inaugurou-se a prática de visitas presidenciais àquela região, na medida em que Figueiredo visitou Nigéria, Senegal, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Argélia. A importância deste fato reside no mérito do governante brasileiro ter sido o primeiro líder sul-americano a visitar aquele continente. O saldo dos dois últimos governos militares trouxe, positivamente: aumento do número de embaixadas na região (12-21) e do comércio bilateral (US$130 milhões-US$3,3 bilhões). Outro elemento explicativo do apoio brasileiro à independência angolana foi sua opção pelo pacifismo, conforme lembrado por SALGADO (2011, p. 24), aliado à primazia da negociação, respeito aos princípios e normas internacionais (seguindo, assim, as resoluções da ONU acerca do fim do colonialismo, presente no documento referido no início deste módulo), não-intervencionismo e defesa da igualdade soberana das Nações, afirmação da auto-determinação dos povos, anticolonialismo e busca por independência∕autonomia nas relações internacionais: Durante a PEI, houve um posicionamento mais forte contra o colonialismo, e a independência de 17 ex-colônias ao longo de 1960 fez com que a hipótese de uma “aliança terceiro-mundista” se tornasse mais tangível, já que cada país representava votos na ONU. (SALGADO, 2011, p. 120, sem grifos no original)

Ainda nessa linha e, convergente ao documento que se trouxe para a presente análise, mister destacar a mensagem ao Congresso que fora enviada pelo Presidente João Goulart, em 1963, intitulada “Política Externa”, como bem lembra SALGADO (2011, p. 122): (...) a delegação do Brasil procurou destacar os aspectos promissores e construtivos dos contatos entrementes havidos entre Portugal e os Estados africanos, afirmando sua certeza de que uma solução acabará por ser encontrada, através de negociações e por meios pacíficos. (...) A posição do Brasil em relação a esse problema dos territórios portugueses é guiada, de um lado, pela nossa tradicional amizade com Portugal, e pelo desejo de manter e estreitar as boas relações que temos com esse país; de outro, pelo dever de sustentar o princípio básico da autodeterminação dos povos, afirmado na Carta das Nações Unidas, uma das pedras angulares de nossa política exterior. O Brasil tem boas razões para esperar que se chegue a uma solução negociada e pacífica, que possa satisfazer a todos os interessados. (sem grifos no original)

Desse trecho do documento, fica claro entender as razões do conteúdo do discurso do Senador Afonso Arinos, na ONU, em 1962, haja vista a contemporaneidade dos dois (o do Presidente Goulart data de 1963). E, uma vez expostas acima algumas das características da Política Externa Brasileira deste período, bem como dos anos subsequentes (governos militares), percebe-se que tais manifestações representaram, efetivamente, materializações dela, em seus respectivos períodos, o que se enquadra no objetivo do presente ensaio. Considerados todos esses elementos, vislumbra-se que, quando da manifestação por parte do governo brasileiro na Assembléia Geral da ONU, em 1962, o país defendeu o reconhecimento da autonomia de Angola, por parte de Portugal, haja vista um dos princípios norteadores da política externa do país latino-americano ser o repúdio ao anticolonialismo, ao lado da autonomia, mundialização, multilateralização, defesa do Direito Internacional, autodeterminação dos povos, paz e desarmamento, dentre outros, como acima visto. Viu-se que os governos militares, que sucederam o período em que tal manifestação ocorrera, foram, praticamente, caracterizados pela continuidade dos princípios retro elencados. A despeito de, em um primeiro momento, na Presidência de Médici, ter ocorrido realinhamento automático às posições norte-americanas, reconsiderouse a aproximação com o continente africano em razão de interesses estratégicos (evitar a

disseminação do comunismo) e econômicos (aumentar as parceiras pois a quase exclusividade com os EUA e a Europa não estavam rendendo os frutos esperados). Já no Governo Geisel, por sua vez, ocorreram mudanças realmente significativas em relação às diretrizes da Política Externa Brasileira, as quais muito se assemelharam às dos Presidentes Jânio Quadros e João Goulart: defesa do anticolonialismo (e aqui se insere o apoio à Luta de Libertação Angolana), multilateralismo, autonomia, nacionalismo, pacifismo, primazia do Direito Internacional e autodeterminação dos povos. 3.

Considerações Finais A proposta deste ensaio, conforme explicitado na parte exordial do trabalho,

consistia, basicamente, em correlacionar o conteúdo do documento expedido pelo Presidente Jânio Quadros, denominado “Discurso do senador Afonso Arinos e a questão de Angola na ONU”, e a Política Externa deste governo, bem como a dos Militares, que o sucederam, com a questão da Guerra de Libertação Angolana. Neste ponto do trabalho, pode-se afirmar que o fundo do documento acima referido traduzia os vértices da Política Externa Brasileira daquele momento (1962), a qual convergia para as orientações das políticas de demais países, dentre elas, a contestação veemente ao colonialismo, daí o apoio à luta angolana. Dialogando, inlcuem-se os seguintes princípios: autonomia, mundialização, multilateralização, defesa do Direito Internacional, autodeterminação dos povos, paz e desarmamento, dentre outros. Também se concluiu que, com o Golpe Militar, em 1964, e a ascenção dos militares ao poder, houve mudanças na Política Externa do país e, consequentemente, no trato da questão angolana. Todavia, de um modo geral, pode-se afirmar que a PEB do Regime Didatorial Militar Brasileiro, durante sua duração, foi caracterizada pela continuidade de orientaçãoes. Em um primeiro momento, houve realinhamento com os Estados Unidos e se deixou de repudiar o colonialismo, porém, reavaliaram-se os interesses estratégicos no continente africano, haja vista o desejo de impedir que o comunismo espraiasse-se lá e atingisse o Brasil pelo Atlântico Sul, e econômicos, com fins a diversificar as parcerias comerciais e financeiras. Sucessivamente, com a posse de Ernesto Geisel, houve significativas mudanças na Política Externa Brasileira, o que influiu na forma como este país tratou o pleito de independência angolano. O Presidente, através da sua Doutrina de pragmatismo responsável e ecumênico, buscou tomar as medidas que, em seu entendimento, melhor atenderiam aos

interesses nacionais, bem como o desenvolveriam. Neste sentido, as orientações de sua PEB, em muito, assemelharam-se à dos governos Jânio Quadros e João Goulart, o que resultou na defesa expressa do fim do colonialismo em Angola, tal qual no Discurso de senador Arinos, em 1962, senão veja-se: repúdio ao colonialismo, multilateralismo, autonomia, nacionalismo, pacifismo, primazia do Direito Internacional e autodeterminação dos povos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FRANCO, Alvaro da Costa. Documentos da Política Externa Independente. Volume 1. Rio de Janeiro: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007. GONÇALVES, Williams da Silva e MIYAMOTO, Shiguenoli. A Política Externa Brasileira e o Regime Militar. Disponível em: http://www.academia.edu/1758485/A_politica_externa_brasileira_e_o_regime_militar; Acesso em 21∕12∕2012. LEITE, João Henrique Fernandes. O Brasil e a Independência de Angola. Disponível em: http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/O_BRASIL_E_A_INDEPENDENCIA_DE_ ANGOLA_protegido.pdf; Acesso em 27∕11∕2012. ROSI, Bruno Gonçalves. As Relações Brasil-África no Regime Militar e na Atualidade. Disponível em: ISSN 2178-8839; Acesso em 19∕12∕2012. SALGADO, Carolina de Oliveira. A política externa independente na questão da descolonização da África lusófona (1958-1964). Disponível em: http://www.ppgri.uerj.br/form/CAROLINA_SALGADO.pdf; Acesso em 23∕12∕2012. SANTORO, Maurício. Democracia e Política Externa No Brasil. Disponível em: http://revistaestudospoliticos.com/democracia-e-politica-externa-no-brasil-por-mauricio-santoro/; Acesso em 19∕12∕2012. SANTOS, Luiz Cláudio Machado dos. A Política Externa Brasileira para a África Negra: da “Interdependência” ao “Pragmatismo Responsável” (1964-1979). Disponível em: http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/face/article/viewFile/597/393; Acesso em 22∕12∕2012. VIANA, Suhayla Mohamed Khalil. A posição brasileira diante da independência angolana: antecedentes e desdobramentos. Disponível em: http://www.africaeafricanidades.com/documentos/A_posicao_brasileira_diante_daindependencia_angolana.pdf; Acesso em 27∕11∕2012. VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. O Nacionalismo Desenvolvimentista e a Política Externa Independente (1951-1964). Disponível em: http://www.cprepmauss.com.br/documentos/politicaexternaindependente52434.pdf; Acesso em 21∕12∕2012.

VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Política Externa e Desenvolvimento no Regime Militar. Disponível em: http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_02.htm; Acesso em 21∕12∕2012.

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