Amarelos

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Descripción

Na fruteira prata, de prata escurecida, há três frutas de vidro. São cachos de uva. Um é amarelo, outro verde, outro violeta. O leitor poderá visualizá-los, mentalmente. O cacho amarelo parece " mais leve " , mas este não é o termo. Ainda não é o termo. Ele parece mais leve porque o amarelo transparente parece uma cor mais aguda, ascensional. O amarelo parece " pedir para vir à superfície ". Como os três cachos de uva de vidro estão sobre uma mesma superfície cinza-esmaecida [a prata envelhecida], a fruta amarela parece querer " pairar acima ". O que será isso, ou dito de outro modo: por que será? Será o amarelo " agudo " , como o imaginou Kandinsky? Seria ele análogo ao " triângulo " em sua valência-cor como o último se apresenta entre os polígonos, com um vértice nos olhando ou emergindo do plano como periscópio? Será o amarelo uma cor ascensional ou " mais leve " por nossa memória atávica do " sol a pino " ? O fato é que, dentre as três frutas de vidro no recipiente prata, a uva amarela aparece a única a pedir para estar fora ou para nos chegar à vista, antes. Por que antes? Trabalhamos a cor como o pintor trabalha a tela, em suas valências correlativas [cor-diante-de-cor], ou trabalhamos com os neurossensores e com as captações ótico-neuronais, com a propalada " faixa do espectrômetro " ? Nesta faixa, onde " reside " o amarelo? Eu falei em espectrômetro como poderia ter falado de espectroscópio ou espectrógrafo. Seria o caso de analisarmos o espectro visível-luminoso em seus comprimentos de onda? Voltaríamos, assim, ao prisma de Newton? Temos o amarelo quase numa ponta do espectro, o que aqui não quer dizer mais do que isso: numa das pontas, sendo o verde mais central e o violeta na outra ponta. Isso nos diz alguma coisa? Pensaríamos nas cores do prisma de Newton ou trabalharíamos com a " teoria das cores " de Goethe? Em que essa teoria nos aclararia algo do amarelo já tão sobressalente e claro na fruteira? Acharia Goethe um lugar mais orgânico para a " luz " no amarelo? Ou deveríamos brincar com os jogos de linguagem e, consequentemente, com uma " gramática das cores " tais como inscritas em nossa linguagem, ao modo oblíquo e sofisticado de Wittgenstein? Por enquanto, temos as três frutas e nossas impressões iniciais que, talvez, sejam impressões sensoriais. Mas não sabemos em que grau. E se " as cores são atos e padeceres da luz " [Goethe], as três uvas disso nada sabem. Esse amarelo vivo não é " ouro " , é mais claro e vítreo, não tendo nada de metálico. Mas eu consigo aproximar algum ouro da fruta: um objeto que me é caro, de metal. E percebo algo nisso: o ouro parece mesmo querer aflorar da mesa onde estão postos ambos os amarelos. A madeira da mesa é de que tom? Quando alguém anda no deserto e avista um riacho ao longe, com suas pedras sob a água, faiscando, o brilho tem valor de sobrevivência. Os biólogos evolucionistas explicam assim o alto apreço que temos pelas pedras preciosas, como resíduo atávico dessa valência biológica. O ouro que se destaca em meio ao cascalho também " ousa " alçar-se à vista e sua utilidade por sua alta condutividade elétrica parece-nos clara desde a Arca da Aliança. Como dessa valência em meio aos minérios ele possa ter se tornado em " reserva de valor " para os mercados, isso demanda uma historiografia que inclua economia, sociologia, algo bem distante [mas quanto?!] do valor geológico do mineral. Mas estamos ainda na fruta falsa, de vidro, artificial. Em meio aos seus pares igualmente falsos, ela surge. Irrompe um pouco " estridente " , se levarmos em conta suscetibilidades de alguns. Ou, no mínimo, " insinuante " : uma fruta que parece pedir a mão, ou pedir para ser tirada dali – pedir-para-que-saia. Isso é um pouco o " agudo " de Kandinsky. Ou isso será a forma como " eu recebo o amarelo " ? Posso testar minha hipótese: pergunto para vários visitantes qual é a fruta " mais leve " ou " mais estridente " , segundo o jargão que defina ou escolha. Mas aqui, já não estaríamos entrando em " jogos de língua " ? Fosse eu um pintor...
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