Agua para ciudades sedientas: La desecación de la zona lacustre en la cuenca alta del río Lerma (México) y la conformación de nuevos paisajes.

Share Embed


Descripción

ISSN: 2176-5804 - Vol. 3 - N.1 - Dez/2010

REVISTA ELETRÔNICA

3

UFMT

Edição Especial Rios e História

ANOS 1970 - 2010 Educação e Cidadania

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

EXPEDIENTE

Fernando Haddad Ministério da Educação

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Reitora

Maria Lúcia Cavalli Neder Vice-Reitor

Francisco José Dutra Souto Pró-Reitora Administrativa

Valéria Calmon Cerisara Pró-Reitora de Ensino de Graduação

Myrian Threza de Moura Serra Pró-Reitor de Pesquisa

Adnauer Tarquínio Daltro Pró-Reitora de Planejamento

Elisabeth Aparecida F. de Mendonça Pró-Reitora de Pós-Graduação

Leny Caselli Anzai Pró-Reitor de Vivência Acadêmica e Social

Luís Fabrício Cirillo de Carvalho Diretora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais

Imar Domingos Queiroz

CONSELHO EDITORIAL Fernando Tadeu de Miranda Borges (FE/UFMT) José Serafim Bertoloto (MACP/UFMT) Maria Adenir Peraro (ICHS/UFMT) Otávio Canavarros (ICHS/UFMT) CONSELHO CONSULTIVO Acildo Leite da Silva (UFMA) Ana Maria de Almeida Camargo (USP/FFLCH) Anna Maria Ribeiro F. Moreira da Costa (FUNAI/MT) Cândido Moreira Rodrigues (ICHS/UFMT) Carlos Edinei de Oliveira(UNEMAT) Leny Caselli Anzai (ICHS/UFMT) Joana A. Fernandes Silva(UFG) João Carlos Barrozo (ICHS/UFMT) Jerri Roberto Marin (UFMS) Maria de Fátima Costa (ICHS/UFMT) Mário Cezar Silva Leite (IL/UFMT) Marcos Prado de Albuquerque (FD/UFMT) Michèle Sato (IE/UFMT) Sandra Cristina Moura Bonjour (FE/UFMT) Suíse Monteiro Leon Bordest (IHGMT) Tiago C. P. dos Reis Miranda (CHAM/UNL/PORTUGAL) Vitale Joanoni Neto (ICHS/UFMT) Vitor Manoel M. da Fonseca (ARQUIVO NACIONAL) EDITORES Nileide Souza Dourado Paulo Silva Ribeiro Elizabeth Madureira Siqueira

APRESENTAÇÃO

Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

Ao pensarmos no rio como objeto de estudo do historiador, necessariamente a nossa primeira referência é o grande clássico de Lucien Febvre, O Reno, publicado em primeira edição em 1935. Com ele nos perguntamos o que faz o historiador diante de um rio; e acompanhamos curiosos sua resposta: “Ele lê, ele escuta as vozes retumbantes do presente que cobrem ou reforçam as vozes discordantes do passado. Corajosamente, tentando elevar-se acima da massa contraditória de fatos e das interpretações, tenta discernir alguns planos gerais do papel, do valor e, por assim dizer, do significado do Reno nas diversas épocas do passado europeu” (FEBVRE 2000, p. 65). Mesmo que o nosso objeto não seja especificamente o Reno, e sim os rios de forma geral, com especial atenção aos rios do continente americano, seguimos os passos sugeridos por aquele grande historiador, procurando apreender os papeis, os valores e os significados que têm sido atribuídos aos rios. Com o auxílio de autores da mais diversa procedência, pesquisadores do Brasil, Argentina, Chile e México, assim como de Áustria, Alemanha, Espanha, Itália e Suíça, tentamos oferecer aqui um leque amplo de temas nos quais os rios se entrelaçam com o devir dos homens. Constatamos, com Marc Bloch, que quem quiser escrever sobre os rios (Bloch se refere especificamente ao Reno) “deve, antes de mais nada, exorcizar fantasmas” (apud FEBVRE 2000, p. 9). Assim, verificamos que os nossos fantasmas são múltiplos; eles pertencem às majestosas águas do Amazonas e do Orenoco, à bacia do Prata ou aos rios do México. Às vezes se manifestam em forma de mitos criados ou re-criados pela literatura, como os descreve Yvette Sánchez no seu artigo. Outras vezes os fantasmas aparecem em forma de miragens de uma geografia fabulosa, como as que se identificam nos estudos de Flora Salazar e Alejandra Vega. No empenho por desvendar os segredos misteriosos que oferecia a natureza, os exploradores naturalistas, por sua vez, se encontraram com inúmeras surpresas. Sobre isto tratam os trabalhos de Rafael Sagredo, Artur Barcelos e de nossa autoria; e com o propósito de oferecer uma idéia da experiência sensível que viveram alguns destes viajantes ao levar a cabo as suas empreitadas científicas, trazemos também dois exemplos de textos históricos que registram a exploração do interior do continente americano: um relato monçoeiro do início do século XVIII, de autoria de Francisco Palacio, e republicamos um primoroso artigo de Virgílio Correia Filho sobre o rio Cuiabá.

2 Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO UNIVERSIDADE HISTÓRICA REGIONAL FEDERAL DE NDIHR

MATO GROSSO

NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

Na luta pela ocupação dos territórios americanos ao longo da colônia e até o nosso presente, os espaços fluviais tornaram-se cenário de dramáticas transformações sociais. Os fantasmas são neste caso de índole humana, demônios que destroem povos inteiros ao desvinculá-los com violência dos seus eixos de vida: os seus rios. Sobre isto escrevem Chiara Vangelista e Carlos Paz. Na mesma vertente, mas em tom de depoimento, se situa o trabalho de Werner Steinbeiss, que observa como, contemporaneamente, a numerosos grupos sociais lhes são amputadas suas fontes de existência, forçando-os a migrar ou condenando-os a sucumbir. A ação dos homens sobre os cursos fluviais tem tido às vezes conotações muito similares às da estória do “aprendiz de feiticeiro”; acredita-se poder transformar o desempenho dos rios com a expectativa de benefícios para uma vida moderna, mas as variáveis que a natureza oferece parecem ser quase sempre maiores do que o engenho humano é capaz de conceber. Sobre algumas empreitadas deste tipo – umas mais, outras menos exitosas – escrevem Alba González Jâcome, Patricia Dussel, Francisco Rubio e Martin Coy. Concluímos, pois, com Simon Schama que “ver um rio equivale a mergulhar numa grande corrente de mitos e lembranças, forte o bastante para nos levar ao primeiro elemento aquático de nossa experiência intra-uterina. E, com essa torrente, nasceram algumas de nossas paixões sociais e animais mais intensas [...]” (Schama 1996, p. 253). Este dossiê está dedicado a mergulhar nessas lembranças e paixões tão profundamente vinculadas com a nossa existência. “Rios e História”, que ora trazemos à luz pública, a especial da revista Documento/Monumento (NDIHR/UFMT), é fruto de vários anos de trabalho, nos quais se foi configurando um olhar plural sobre esta rica temática. Somos muito gratos à direção do NDIHR e ao Conselho Editorial desta revista, que prontamente acolheu a nossa proposta e abriu a possibilidade de publicar em parceria este conjunto de trabalhos. E, claro, agradecemos a colaboração dos autores, a sua dedicação e paciente espera, até que, finalmente, esta compilação de estudos adquirisse a forma adequada e encontrasse o espaço editorial almejado. Pablo Diener / Maria de Fátima Costa, Cuiabá, Novembro de 2010 CRÉDITOS: Organização do Dossiê: Pablo Diener & Maria de Fátima Costa Tradução: Pablo Diener, Alice Monsell Revisão: Jefferson Rodrigues da Silva Transcrição do relato monçoeiro: Flávia Kurunczi Domingues / Atualização: Maria de Fátima Costa Digitação do artigo de Virgílio Alves Corria Filho: Junio Cézar Arcanjo Dias / Atualização: Jefferson Rodrigues da Silva.

EDITORIAL

2 UNIVERSIDADEEdição Especial FEDERAL DE Rios e História MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO UNIVERSIDADE HISTÓRICA REGIONAL NDIHR FEDERAL DE

MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

A Revista Eletrônica Documento/Monumento, promovida pelo Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDIHR, apresenta sua Edição Especial de dezembro de 2010, com a temática “Rios e História”, integrando os festejos comemorativos dos 40 anos da Universidade Federal de Mato Grosso - momento especial para dar prosseguimento ao percurso do periódico. Nesta ocasião festiva, a edição especial da revista, sob a organização de Pablo Diener e Maria de Fátima Costa, ultrapassando fronteiras espaciais e temporais, reúne pesquisadores não só brasileiros como estrangeiros, disponibilizando ao web-leitor o conhecimento produzido pelos autores que homenageiam os rios, com especial atenção àqueles do continente americano. Nesta Edição Especial da Revista Eletrônica Documento/Monumento – “Rios e História” - são apresentados artigos, resenhas de artigos republicados e transcrição, de autoria de professores de instituições de ensino superior do Brasil e de outros países, a partir de um leque amplo de temas nos quais os rios se entrecruzam com o cotidiano dos humanos. Virgílio Corrêa Filho (18871973) descreve como o Cuiabá passou a despejar suas águas diretamente sobre o corpo do Paraguai, abordando, com luxo de detalhes, um episódio marcante da mutável vida de um rio. O texto de autoria de Alejandra Vega Palma discute de que maneira as representações de espaços do “Novo Mundo” foram construídas com base num jogo de diferenças e similitudes, nas quais a Europa se auto-representava, almejando, assim, contribuir para a legitimação das ações de conquista; Chiara Evangelista analisa a política posta em prática pelos indígenas do Pantanal durante o século XVIII, a reorganização dos espaços tribais e a redefinição das fronteiras étnicas frente ao avanço dos conquistadores ibéricos na região banhada pelo Alto Rio Paraguai; Werner Steinbeiss apresenta, na forma de uma narrativa de viagem pela corrente dos rios Paraná/Paraguai, diversos momentos das observações realizadas in situ, recolhendo depoimentos dos habitantes dos espaços ribeirinhos e de personalidades da vida política e acadêmica da região; Yvette Sánchez discute a conexão da predominante capacidade de criação discursiva do rio, com seu caudal de metáforas sob a ótica de uma configuração antropomorfa, centrando a análise numa série de textos amazonenses que evocam este exuberante sistema fluvial; Flora L. I. Salazar Ledesma revela os momentos mais relevantes da história da transformação da parte inferior da bacia do rio Mazapa (no Estado de Tabasco, México), que atualmente é conhecido como rio Grijalva Mexcalapa. Junto com o rio Usumacinta e o Grijalva, o Mazapa foi formador da planície aluvial do Golfo de México, na qual se sustenta a maior parte do Estado de Tabasco, no sudeste do México; Rafael Sagredo Baeza analisa com base nas comissões hidrográficas do piloto José Moraleda na Patagônia ocidental, no estremo sul ocidental da América, entre 1793 e 1796, as condições geográficas deste espaço foram identificadas com

2

Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

as de canais e rios; Carlos D. Paz busca investigar e explicar a relação entre os indígenas e seu meio-ambiente, mediante a análise das formas econômicas alcançadas, buscando compreender os processos sociopolíticos ocorridos na franja do espaço que corre entre aqueles rios; Francisco Palacio descreve o roteiro de viagem produzido na primeira metade do século XVIII. Nele, o autor, com raro senso de humor e com gracejos pessimistas, descreve os inumeráveis perigos que esperavam aqueles que se aventurassem a sair de São Paulo na busca de riquezas nas Minas do Cuiabá; Alba González Jácome analisa a bacia do Alto Rio Lerma, atualmente uma planície onde se entrecruzam lugares cuja densidade populacional se expressa na abundância de zonas densamente urbanizadas, com construções habitacionais, lugares com comércio de todo tipo e escala, assim como também fábricas. Estes elementos do cenário atual estão conectados mediante numerosas estradas e caminhos que cruzam a planície formadora da bacia de três sistemas lacustres; Patrícia Dussel e Francisco A. Rubio Durán discutem a viabilidade de reconstrução dos fatores ambientais mais visíveis, mediante o tratamento das fontes documentais adequadas e utilizando dados não tradicionais, tais como os que são oferecidos pelos jornais. A análise se atém à história do Estado de Hidalgo, México, no final do século XIX, estudando o comportamento anômalo do curso do Rio das Avenidas; Martin Coy identifica e analisa alguns dos campos de interação e as formas através das quais o planejamento urbano contemporâneo vem enfrentado os desafios em cidades com crescimento explosivo, cujos rios se encontram, na maioria deles, em situação cada vez mais degradada. Paris é tomado como um caso paradigmático e se traçam as linhas reitoras para analisar a situação latino-americana; Maria de Fátima Costa, Pablo Diener e Jefferson Rodrigues da Silva observam, entre 1783 e 1792, a viagem filosófica que o Império português organizou à sua colônia sul-americana, percorreu os vastos territórios da Amazônia e do Pantanal. Comandada pelo naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, esta empresa tinha como objetivos fazer estudos de etnografia e observações filosóficas e políticas acerca das regiões percorridas, além de preparar materiais para o Real Museu de Lisboa; Artur H. F. Barcelos estuda de que maneira a ordem dos inacianos interveio como agente central nos rearranjos espaciais ocasionados pela conquista e colonização ibérica desses territórios, atuando não só através da evangelização das diversas nações indígenas, mas, e sobretudo, mediante a sua participação na construção do conhecimento cartográfico. Como podem observar, este número está quase exclusivamente, dedicado a estudos embasados em fontes documentais, contando com a rica colaboração de investigadores de diversas instituições de ensino e pesquisa do Brasil e, atravessando rios, canais e mares,

2

Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

acolhemos as de canais ecom rios;imensa Carlos D. alegria Paz busca e satisfação, investigarase explicar colaborações a relação deentre autores os indígenas de Gênova e seu(Itália), meio-ambiente, Muniquemediante (Alemanha), a análise Sankt das formas Gallen/Basileia econômicas (Suíça), alcançadas, Cidadebuscando do México compreender e Villahermosa os processos (México), sociopolíticos Santiago do ocorridos Chile, Buenos na franjaAires do espaço (Argentina), que corre Sevilha entre aqueles (Espanha), rios;Innsbruck Francisco(Áustria). Palacio descreve Portanto,ooroteiro caminho de viagem e os espaços produzido estãona abertos primeira para metade receber docontribuições século XVIII. de Nele, todos o autor, os campos com raro do senso conhecimento, de humor sintonizando e com gracejos ainda pessimistas, mais o descreve NDIHR com os inumeráveis a diversidade perigos de áreas que esperavam científicasaqueles que timbra que seaaventurassem UFMT e quea sair foram de São constituídas Paulo naaobusca longodedos riquezas seus 40nas anos Minas de existência. do Cuiabá; Alba González Jácome analisa a bacia do Alto Rio Lerma, atualmente uma planície onde se entrecruzam lugares cuja densidade populacional se expressa na abundância de zonas densamente urbanizadas, com Editores. construções habitacionais, lugares com comércio de todo tipo e escala, assim como também fábricas. Estes elementos do cenário atual estão conectados mediante numerosas estradas e caminhos que cruzam a planície formadora da bacia de três sistemas lacustres; Patrícia Dussel e Francisco A. Rubio Durán discutem a viabilidade de reconstrução dos fatores ambientais mais visíveis, mediante o tratamento das fontes documentais adequadas e utilizando dados não tradicionais, tais como os que são oferecidos pelos jornais. A análise se atém à história do Estado de Hidalgo, México, no final do século XIX, estudando o comportamento anômalo do curso do Rio das Avenidas; Martin Coy identifica e analisa alguns dos campos de interação e as formas através das quais o planejamento urbano contemporâneo vem enfrentado os desafios em cidades com crescimento explosivo, cujos rios se encontram, na maioria deles, em situação cada vez mais degradada. Paris é tomado como um caso paradigmático e se traçam as linhas reitoras para analisar a situação latino-americana; Maria de Fátima Costa, Pablo Diener e Jefferson Rodrigues da Silva observam, entre 1783 e 1792, a viagem filosófica que o Império português organizou à sua colônia sul-americana, percorreu os vastos territórios da Amazônia e do Pantanal. Comandada pelo naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, esta empresa tinha como objetivos fazer estudos de etnografia e observações filosóficas e políticas acerca das regiões percorridas, além de preparar materiais para o Real Museu de Lisboa; Artur H. F. Barcelos estuda de que maneira a ordem dos inacianos interveio como agente central nos rearranjos espaciais ocasionados pela conquista e colonização ibérica desses territórios, atuando não só através da evangelização das diversas nações indígenas, mas, e sobretudo, mediante a sua participação na construção do conhecimento cartográfico. Como podem observar, este número está quase exclusivamente, dedicado a estudos embasados em fontes documentais, contando com a rica colaboração de investigadores de diversas instituições de ensino e pesquisa do Brasil e, atravessando rios, canais e mares,

SUMÁRIO O rio como figura de pensamento poético-cultural

1 0 Yvette Sánchez Ríos y montes en la prefiguración del continente americano (1492-1548) 21 Alejandra Vega Palma El Gran Mazapa: de señor a tributario 35 Flora L. I. Salazar Ledesma Navegando entre ríos de nieve. piloto Moraleda en la costa patagónica 51 ElRafael Sagredo Baeza Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

74 89 102 128

Jesuítas no Amazonas e no Orenoco: Explorações e polêmicas geográficas Artur H. F. Barcelos A Viagem Filosófica à América Portuguesa: desventuras através dos rios Maria de Fátima Costa / Pablo Diener / Jefferson Rodrigues da Silva Roteiro da viagem para as minas do Cuiabá que fez Francisco Palacio no ano de 1726. Francisco Palacio Cuiabá, afluente do Paraguai Virgílio Correia Filho

138

Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

Os Payaguá e o rio Paraguai: uma fronteira étnica aos limites dos impérios ibéricos Chiara Vangelista

152

Entre el Pilcomayo y el Bermejo. La vida de los indígenas chaqueños a mediados del siglo XVIII Carlos D. Paz

167

Rio Paraná – entre sussurros e estrondo de trovões Werner Steinbeiss

177

Agua para ciudades sedientas: La desecación de la zona lacustre en la cuenca alta del río Lerma (México) y la conformación de nuevos paisajes Alba González Jácome

193

El Río de las Avenidas, Pachuca (México). Retos ambientales para un joven Estado. Patricia Dussel / Francisco A. Rubio Durán

205

A interação rio-cidade e a revitalização urbana: Experiências européias e perspectivas para a América Latina Martin Coy

REVISTA ELETRÔNICA

O RIO COMO FIGURA DE PENSAMENTO POÉTICO-CULTURAL Yvette Sánchez Professora da Universidade de Sankt Gallen e da Universidade da Basiléia, Suíça. e-mail: [email protected]

RESUMO O motivo do rio inspira um rico tecido de valores (e ambivalências) simbólicos, metafóricos e alegóricos, e, com independência do gênero da fonte que se examine, freqüentemente impõe uma expressão lírica. O estado líquido fomenta o lirismo, acrescentando da maneira mais natural padrões sonoros e rítmicos, inclusive aos textos em prosa. Para ilustrar a conexão da predominante capacidade de criação discursiva do rio, com seu caudal de metáforas com uma configuração antropomorfa, se analisará uma série de textos amazonenses que evocam este exuberante sistema fluvial. Entre estes se incluem os ensaios de Peregrino Júnior entregados à "marcha viscosa e tarda de cobra-grande sem pressa" do Amazonas, e também os rios pequenos e insignificantes, até miseráveis, de curso sujo e seco, de um João Cabral de Melo Neto. Paralelamente se considerarão também as variantes peninsulares, soberanas e apassiveis, do Douro (Miguel Torga) e do Tejo (Fernando Namora). Palavras-chave: rios na literatura, literatura brasileira, literatura portuguesa. Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

ABSTRACT The river as a subject inspires a rich texture of symbolic, metaphorical and allegorical values (and ambivalences), and, apart from the genre of the source examined, frequently imposes lyrical expression. Its liquid state foments a tendency toward lyricism, adding sound patterns and rhythms in a most natural way, even in prose texts. A series of Amazonian texts evoking this exuberant fluvial system are analysed to illustrate the connection between the powerful capacity for discursive creation about the river and its torrent of metaphors having an anthropomorphic configuration, Peregrino Júnior's essays are among these, including those devoted to the Amazon's "viscous and sluggish march of the great-snake without haste", mentioning also small, insignificant, and even miserable rivers, with

10

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

a dirty dry course, referring to João Cabral de Melo Neto. Parallel to this, the Douro River's (Miguel Torga) and the Tejo's (Fernando Namora) sovereign and calm peninsular variants are considered.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

também para a escritura, que é ditada pelas águas que fluem, à qual nos propomos dedicar aqui especial atenção. O fenômeno natural incide na respectiva expressão literária da correnteza descontrolada e impaciente, produzindo um ecoar de palavras que nos arrasta até águas calmas, as quais inspiram uma lírica pausada, mais devagar e mais meditada. Essa analogia de tipo hidrográfico-literária, do rio como forjador dominante do discurso, certamente corre o perigo de puxar o motivo a um âmbito estereotípico4 . Há muito tempo que o motivo do rio, junto com sua longa tradição simbólica, traz consigo também imagens verbais cifradas, por exemplo, o advérbio “mansamente” em relação com a correnteza tranqüila ou a “corrente caudalosa”, que vai incorporando todo tipo de componentes da flora e da fauna circundante5 . Um verso como “as águas do rio corriam mansamente” (SOUZA 2000, p. 147 e 151) pode ser encontrado em numerosos textos sobre rios, por exemplo, também nos famosos poemas sobre o Douro do espanhol Antonio Machado. E na “incomparável festa dos sentidos”, no idílico ambiente6 colorido do rio Pequeno (MACHADO apud HERMANNS/ SCHARF 1994, p. 152)7, que Ana Maria Machado põe em cena no último capítulo do seu romance Tropical sol da liberdade, faz-se acúmulo de uma massa de substância orgânica flutuante, que freqüentemente é relacionada com a paisagem fluvial da floresta virgem e cuja descrição ocupa mais ou menos duas páginas do livro8.

Keywords: Rivers in literature, Brazilian literature, Portuguese literature. INTRODUÇÃO

E

m tempos de transformações que nos levam mais e mais a um mundo virtual e global, se impõe uma discussão sobre a percepção modificada do espaço, inclusive do espaço literário. Neste sentido, Poétique de l'espace de Gastón Bachelard (2000), de fato, deveria ser re-escrita. Em particular, o movimento no espaço é um tema que nos impulsiona rumo a novos territórios da teoria da cultura e da literatura1 . O rio como motivo literário – um assunto já bem estabelecido - interessa pelas suas bifurcações, pela presença dos meandros, pelos redemoinhos e pelas suas correntezas de profundidade. Foi um colóquio latino-americanista em Poitiers, com o título de Mémoire des fleuves, fleuves de mémoire2, que me induziu a pensar não tanto no conteúdo simbólico, mas sim nos tipos de discurso tecidos em torno dos rios e como motivam o escritor3 . Já nos primeiros passos dessa pesquisa fica claro que – independentemente do gênero literário – sempre predomina a expressão literária: o conteúdo lírico essencial. Em L'eau et les rêves, Bachelard (1942¹; 1985) fala de uma 'poética da água'. O líquido e o rio incorporam de forma natural modelos sonoros e rítmicos, também ao campo da prosa. O rio, uma das grandes metáforas gerais da história da cultura – com similar validade universal à que possuem caminho, mar, navio, árvore, rede, espelho ou labirinto -, representa um motivo de caráter unificador com um efeito dominante: tanto para os valores metafóricos e simbólicos de tempo e memória, como

SIMBOLISMO Antecipemos alguns importantes aspectos simbólicometafóricos de caráter tópico, que o complexo de motivos do rio deve sustentar; estes têm sido utilizados - e também analisados - até a saciedade, inclusive de modo inflacionário, na literatura. A observação contemplativa do rio possui inicialmente um efeito incitante sobre a imaginação. Muito é o que deve simbolizar; segundo Jorge Manrique, a própria vida: “Nuestras vidas son los ríos

11

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

/ que van a dar a la mar, / que es morir: [...]”9 ; com isto, Manrique se coloca na tradição do pantha rei, 'tudo flui', de Heráclito10. O movimento implica o rio como cronótopo, que existe em espaço e tempo (em oposição às montanhas estáticas). Apesar de simbolizar tempo (fluxus temporis), paralelamente ele é também uma metáfora de dissolução e atemporalidade, tal como foi modelada na filosofia do tempo de Bergson, com sua divisão dicotômica de temps e durée. Essa ambivalência fundamental naturalmente tem a ver com o polifacetismo protéico do rio: de uma consistência notável, contínuo, mas também – em cachoeiras ou bifurcações nas correntes profundas - descontínuo, o rio conota lembrança11 e esquecimento (Lete), nascimento (fonte) e efemeridade (desembocadura), contenção (leito do rio) e ultrapassagem (inundação). Fora isso, representa fronteiras (geográfico-políticas), espelho da Natureza (Narcísio), mistério, inconsciência, sonho, fonte de inspiração, viagem12 , refúgio, sensualidade e nostalgia, tristeza, como também catarse de iniciação. O rio também toma sua sabedoria de um mundo da lógica causal, desde que representa consciência, fluxo de pensamento, fluxo da fala e sistemas de ramificações complexas. Em síntese: o rio, na sua figuração, proporciona um modelo explicativo perfeito e uma densa rede de associações; inclusive a cibernética e a inteligência artificial se apóiam com freqüência em diagramas de rios, que imitam os processos da clássica administração de dados (fluxogramas). A energia que parte dele se reflete, ademais, em todas as línguas que conheço, na metáfora do fluxo da corrente e da energia elétrica. E, finalmente, o rio também não se detém diante do discurso literário, como no stream of consciousness ou no roman fleuve. O observador se identifica intensamente com o rio e projeta nele traços antropomorfos. Já a mitologia antiga o concebia como encarnação dos deuses. Essas divindades físicas (Rhenus, Rodanus, Danubius, Iberus)13 geralmente foram representadas com corpos de homens nus e com barba. Conseqüentemente, o sexo dos rios identifica-se, por regra geral, inequivocamente como o masculino.

Poucas vezes se apresenta de forma feminina14 (como a água (BACHELARD 1985, p. 7 e 20)) ou andrógina; muitas imagens da virilidade, da potência, inclusive da penetração da paisagem confirmam esta clara atribuição15. Diversos pontos de vista determinam – também num tríplice passo semiótico – o contato humano com o rio: ele é observado com atitude digna desde a margem; medita-se sobre o rio, o sujeito se entrega e é absorvido por ele16 como numa simbiose espiritual, ou se dissolve nele. Mais imediato é o contato numa viagem de navio pelo rio, levado e protegido por uma envoltura. Ou deixamo-nos molhar, tomando banho nele. Mário de Andrade descreve o contato sensual do homem com o rio na primeira página de seu romance–rapsódia Macunaíma: nu, num banho coletivo, o 'herói sem nenhum caráter' mergulhava para se deliciar beliscando as mulheres; os responsáveis seriam os guaiamuns. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiamuns diz-que habitando a água-doce por lá (ANDRADE 1984, p. 6.).

No romance de Ana Maria Machado, a percepção do entorno tropical é conduzida através dos sentidos, em primeiro lugar no contato tátil da protagonista com a água do rio: [...] salpicando o rosto com gotas do rio, vendo, ouvindo, cheirando e sentindo na pele tudo o que conseguia perceber (MACHADO 1988, p. 153).

Pela freqüência do contato corporal representado na literatura e em outras artes, como o mergulho do homem no elemento líquido, não surpreende que Bachelard chegue inclusive a falar de uma 'poesia do nadar' (BACHELARD 1985, p. 49).

12

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

CORPUS

Rosa. “A terceira margem do rio” (em Primeiras Estórias, 2001, pp. 79-85) põe em cena o rio como refúgio. Um pai abandona sua numerosa família para passar a viver numa pequena canoa e jamais volta a pôr o pé na terra ou retorna à sua casa. Não pretende ir a lugar nenhum; simplesmente se propõe a ficar nesse rio quieto e largo – “[...] por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre17 . Apenas come, e também não fala com ninguém. Porém, ninguém consegue esquecê-lo. O eu-narrador, o filho solitário, gostaria de imitar o pai ausente e estabelecer a mesma simbiose com o rio, simbiose que é evocada de forma quase ritual através da constante repetição ou chamamento do rio onipresente.

A seleção e organização do corpus de textos sobre os rios são de um volume tal que – inclusive estabelecendo o século XX como limite – só pode ser realizada de forma pontual. Aqui foi levada a cabo parcialmente com base em critérios geográficos, salvo, é claro, quando se trata de rios arquetípicos não designados nominalmente, em relação aos quais uma longa lista de poetas dedica a sua meditação de tipo predominantemente filosófica, como é o caso do brasileiro João Guimarães Rosa ou do poeta português Eugênio de Andrade. A maioria dos escritores dedica sua atenção a paisagens concretas e seus rios são identificados com nomes. Os brasileiros Inglês de Sousa, Peregrino Júnior, Márcio Souza, Milton Hatoum, Raul Bopp ou João de Jesus Paes Loureiro se encontram em torno do predominante sistema fluvial do Amazonas. Mas também paisagens fluviais mais modestas, como a do Capibaribe de João Cabral de Melo Neto, são tomadas como cenários da ação e como fonte de inspiração. Na península ibérica, poetas como António Ramos Rosa e Casimiro de Brito, ou o romance O rio triste de Fernando Namora, cantam o estuário lisboeta do grande Tejo ou do Vindimia de Miguel Torgas, o corpulento Douro. Nesse contexto, descartamos conscientemente o critério genérico, em função das características trans-genéricas do discurso, geralmente de tipo lírico, de todos os textos sobre os rios.

Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio – pondo perpétuo. (p. 84) [...] nessa água, que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro – o rio. (p. 85)

Desde que os textos recriem o rio, tendem na sua maioria a criar longas unidades de sentido e a utilizar medidas de versos e figuras retóricas mais simples, tal como as reiterações de palavras que foram citadas. Na sua correspondência com a correnteza e com o seu dócil fundo arenoso, se apresenta o ritmo ondulado da passagem do romance de Ana Maria Machado transcrita a seguir. A areia clara do leito do rio copia num desenho o movimento das ondas na superfície da água; aos cumes das vagas correspondem os acentos regulares da ênfase (MACHADO 1988, p. 336):

CARACTERÍSTICAS LÍRICAS

A limpidez de suas águas revelava as areias claras do fundo, onde às vezes dava até para ver os desenhos ondulados, que a própria correnteza fazia.

Claramente diferençável é, por sua vez, a imponente - em parte também exuberante - escritura de um poema de tema fluvial amazonense da lírica sóbria, com um fundo de compromisso sócio-político, de João Cabral de Melo Neto. Por outra parte, encontra-se uma expressão lírica intimista em outro texto em prosa do Brasil, no conto de trama extraordinária de João Guimarães

As duplicações marcam de modo recorrente a imagem retórica dos textos dos rios, por exemplo, no pequeno volume de poemas Cobra Norato, que Raul Bopp escreveu depois de longas

13

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

viagens à região do Amazonas em 193118 . Nas duas estrofes citadas à continuação, se repete um gerúndio que sublinha a notável qualidade acústica dos versos, que fluem quase sem signos de pontuação, enfatizando com um tom base de nasalação (BOPP 1998, p. 149 e 163).

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

Vulto crescido nos sonhos sumindo em curvas do rio. Oh! Monarca de menarcas em arcas de amor guardado. Mentira dita e redita que quem mentiu acredita (ibidem, p. 48).

Agora são os rios afogados bebendo o caminho A água resvala pelos atoleiros afundando afundando [...]

A segunda parte da estrofe está determinada pela paronomásia (em parte uma derivatio), a qual contribui para o tom básico do poema, geralmente brincalhão, de ironia distante, refletindo os meandros, as “curvas do rio”, de forma retórica, sobretudo nos dois últimos versos que resolvem a dicotomia de mentira e verdade. O poema de Paes Loureiro conclui com a agonia do rio, ao longo da qual o herói havia viajado e em cujo espelho se havia mirado (“Quebrou-se o espelho das águas”). Foi acossado pela poluição ambiental, “Os rios morrendo de sede”; as poluentes substâncias químicas, respectivamente, a proparoxitonia, desenvolvem o ritmo do poema até torná-lo pesado:

Rios escondidos sem filiação certa vão de muda nadando nadando Entram resmungando mato adentro [...]

A construção aliterada da segunda estrofe brinca não só com as nasalações, mas também com o fonema 'd'. Os pequenos afluentes sem filiação certa se perdem no último verso, no mato, numa enfática aliteração do 'm' e um 'resmungar' onomatopéico. A cuidadosa elaboração da sonoridade foi herdada por João de Jesus Paes Loureiro, quando retoma o mito do Cobra Norato (sessenta anos depois de Bopp) no poema “A história luminosa e triste do Cobra Norato”19 . É, sobretudo, o próprio rio, um poeta e mestre autodidata, que ensinou o eu lírico a compor poemas e canções:

[...] dióxidos na vazante. Florente de sílica, ondas de ácido fosfórico corroem a alma dos rios (ibidem, p. 58).

Também em outros poemas, Paes Loureiro volta uma e outra vez a confrontar os mitos de origem de uma floresta virgem intata (“Sentada a beira do rio, / a Lara cortava escamas / na lua, para pregá-las / nos peixes, como espelhinhos”; presente em “Romance das três flautas”; ibidem, p. 32.) com preocupações ecológicas referentes à poluição das águas (“Deslenda rural VI” (ibidem, p. 30)). Nesse mesmo sentido, o homem do “Cântico XLIII” (ibidem, p. 68) aparece deprimido e preocupado ao olhar o rio, a floresta e o mito (mediante paronomásia e assonância):

Pesco meus versos boiando nas águas em preamar, pois tudo o que eu sei cantar, quem me ensinou foi o rio, que, sem ouvir, aprendeu e soube, sem estudar (LOUREIRO 1991, p. 42).

E seguidamente oferece uma amostra das suas capacidades, quando fala do seu herói Cobra Norato, cuja figura onírica e 'Monarca das menarcas' desaparece nos meandros do rio (ou 'arcas de amor').

O homem face ao rio à mata Ao mito...

14

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

A natureza acústica dos poemas dedicados ao Amazonas de Bopp e Paes Loureiro apenas se diferencia daquela dos textos em prosa, que trabalham com os mesmos meios poético-retóricos. Dois proparoxítonos enfatizam, junto com um 'r' líqüido, a potência da água no conto “Causas de beira do rio” de Peregrino Júnior (JÚNIOR 1998, p. 143):

atribuições devem ser tomadas com cautela, resulta surpreendente a predominância do fonema 'r' (rio) em textos sobre os rios. Em outro trecho com força lírica, de Torga, no qual a consoante oclusiva 'p' se associa ao 'r', trata-se da identidade do rio: O Douro margina apenas a provocação. Cansado do esforço erosivo das Cadavadas e do salto da valeira, alaparda-se debaixo da ponte, espreguiça-se depois, e afasta-se a passo de anjo da balbúrdia. A sua missão é outra. Único rio que entra e sai de Portugal a roer pedra, o destino encarregou-o dessa exemplaridade viril e tenaz e também de dar nome às léguas abruptas de xisto que nele se refletem [...] (TORGA 2000, p. 133).

Pensava ela, olhando o rio túrgido, tão largo na luz mansa do entardecer. As águas túmidas corriam vagarosas debaixo da ponte.

A aliteração com evidente predominância do fonema líqüido 'r' – tal como existe na “phonétique imaginaire de l'eau” (BACHELARD 1985, p. 257)20 – está onipresente nos textos dos rios, assim também em O grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, onde

O volume de poemas de João Cabral de Melo Neto (O cão sem plumas (1950) / O rio (1954) / Morte e vida Severina (1956). Em Der Fluss, 1993) segue o modelo de uma poesia simples, sóbria e popular, que parece desmascarar outros rios e discursos saturados, às vezes excessivos21. Nos anos 50, o brasileiro toma como motivo de um trítico lírico, com caráter de balada, o rio Capibaribe da sua terra Pernambuco. O eu e o rio compõem uma unidade, uma expressão madura, lúcida e aprazível. A antropomorfização geral do rio que se encontra em textos líricos é aqui aplicada também aos animais e às plantas: o Capibaribe é um “cão sem plumas”, como um pássaro que não pode voar. A metáfora do título se explica a partir de um desvio dos atributos do cão, do pássaro e da árvore (MELO NETO 1993, p. 15):

[...] se escuta barulho de fortes águas, que vão rolando debaixo de terra. O senhor dorme sobre um rio... (GUIMARÃES ROSA 1986, p. 222).

E nem sequer se detém diante do majestoso Douro, que é dominado pela força de uma tormenta. Por todo o Douro a trovoada passara como um furacão. A bradar por montes e vales, fulminou, primeiro, e alagou e arrasou, depois. À voz dos trovões, desciam dos altos torrentes tumultuosas, que escavavam socalcos, aluíam paredes, arrancavam cepas, e deixavam atrás, escancaradas, as entranhas da terra. (TORGA 2000, p. 224).

Um cão sem plumas é quando uma árvore sem voz. É quando de um pássaro suas raízes no ar. É quando a alguma coisa roem tão fundo até o que não tem.

Nos seus estudos sobre os elementos, Gaston Bachelard dedica especial atenção à água e o seu modelado acústico-lingüístico. Assim, no já citado L'eau et les rêves (1985, p. 250, 253, 255) atribui à água a vogal 'a': água, aqua, apa, Wasser. Do mesmo modo, as consoantes líqüidas devem compor paisagens aquáticas. A pesar de que estas

O ambiente é triste. Lama, escombros, homens ossudos, pobreza, carências, plantações e engenhos de açúcar e uma

15

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

decadência geral domina a paisagem seca e pedregosa que percorre o rio triste e silencioso. Primeiro a secura - areia e pedras -, depois o pântano do sertão, contrastam com a exuberante vegetação da floresta virgem nos outros textos. O Capibaribe acompanha um “rio de gente” (ibidem, p. 69), migrantes fugindo do campo rumo ao mar e à grande cidade Recife, ou melhor, rumo à sua metade em decomposição, a “capital mendiga” (ibidem, p. 80), da aglomeração sem nome, da “vila de lama”. A dimensão social do texto é evidente23. Com o mesmo caráter seco e elemental do leito do rio, se configura a retórica da limitação e da coesão, sem ornamentos (“sem plumas”). Os poemas de João Cabral de Melo Neto obedecem a uma clara forma métrica: sessenta estrofes com sessenta versos, quatro vezes o modelo de rima abcb, com maior freqüência assonante que consonante, para que, mesmo assim, não se desenvolva um excesso de musicalidade, obstruindo a cômoda leitura dos versos. O rio serve à população pobre como espaço de projeção dos seus desejos. Sua dinâmica admite que uma criança veja nele um filme, ou que um grupo de migrantes compelidos a ir a pé a Recife veja nele o meio de transporte anelado, trem ou carro.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

e misterioso passa a primeiro plano. Além disto, se assinala a sua desordem, o seu caráter inacabado, e até sua decomposição (“pútrido hálito das águas” e “águas paludiais”); entretanto, de repente o seu “caudal” volta a ser “reluzente” e “majestoso”. É persistente a ênfase na ambivalência do rio: “o rio que os nutre e os mata” é pia batismal e tumba ao mesmo tempo, amigo (“eles só têm um companheiro, um consolo, um amparo: o rio” (Peregrino Júnior, “Hidrofilia amazônica”; em JÚNIOR 1998, p. 221)) e inimigo. A água, para os caboclos da Amazônia, é Poesia e é Terror, é Alegria e Mistério, - é a Vida em suma (ibidem, pp. 221-222).

Nos ensaios acentuadamente líricos de Peregrino Júnior, o Amazonas, ao qual todo o Brasil deve sua existência (“O Brasil é uma dádiva do rio Amazonas”), leva “águas fundas de óleo negro e pesado” e avança numa “marcha viscosa e tarda de cobragrande sem pressa” (Peregrino Júnior, “Imaginação do homem da Amazônia”; em ibidem, pp. 217 e 214), que repentinamente volta a ser “bravia”; segundo Milton Hatoum, ele é de uma cor pretoverdosa e brilhante (“lâmina”; em HATOUM 1989, p. 128.); ou, segundo Inglês de Sousa, na sua superfície rutilam à luz do dia – com efeito metálico – “cintilações de cobre polido”; ou também é pálido e cinza escuro, “manchado de pingos pardacentos” ou inclusive preto e, mesmo assim, transparente (“águas negras, duma admirável transparência” (SOUSA 2000, pp. 123, 155 e 190)). Márcio Souza, por sua vez, desfigura a paleta das cores24 e, no seu Galvez, imperador do Acre (1977) vê o Amazonas de cor amarelada. Neste sentido, os textos portugueses quase não se diferenciam dos brasileiros. Primeiro é o estuário do Tejo que repousa na sua imobilidade cinza escura, cheia de expectativas, depois o rio flui majestático, porém, é também inconstante, provoca desassossego e é imprevisível, e pode engolir ou “cuspir cadáveres”25 . Em concordância com isto, o Tejo de Fernando

CAUDAL DE METÁFORAS Se tomarmos no seu conjunto um bom número de textos sobre os rios com o intuito de modelar um protótipo sobre as águas que fluem, fica evidente a ambivalência das suas características, segundo já mencionamos no início. Inclusive no caso dos rios aludidos nos textos citados: aos rios imponentes, desbordantes de força, os escritores sempre contrapõem a sua letargia (“preguiçoso”, “meio adormecido”), monotonia, melancolia, solidão e silêncio. Mas também essa “mansidão” e só “aparente”. O rio deve suportar epítetos como “insidioso”, “mudável”, “inconstante”, “duvidoso”, “indômito”, “bravio”, “soturno”, “viscoso e tardo”, e também “traiçoeiro”; vale dizer, o imprevisível

16

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Namora irradia uma tristeza fosca26 . Só numa ocasião sai da sua contenção habitual e reflete a paixão amorosa do protagonista, salpicando as margens da cidade embriagada com seu resplendor fogoso (NAMORA 1982, p. 46). Igualmente lábil é o Douro da cor dos tijolos de Miguel Torga, num momento “morno” e “pesado” e no instante seguinte, novamente “risonho e alegre”, “esplendoroso”. Somos alertados sobre o motivo do ser / parecer – “ocultava por debaixo do sorriso turístico um calvário de lágrimas e fome” (TORGA 2000, p. 52) – e, para concluir, sobre o dom da transfiguração: “O Douro tem essa estranha mão transfiguradora” (ibidem, p. 259)27 . Certamente seria interessante averiguar qual é o efeito discursivo que o cenário do meandro tem em uma obra. Entretanto, até agora encontrei só ocasionalmente textos em português que abordassem esse tema tão relevante da relação de sistemas fluviais, bifurcações, ramificações e labirintos aquáticos (que também diz relação com uma perspectiva geográfica); esse assunto já chamou a atenção de Alexander von Humboldt nos seus comentários sobre o rio Negro (apud SEIDERER 1999, pp. 232-234). Contudo, Milton Hatoum, no final do seu romance publicado em 1989, Relato de um certo Oriente, faz referência à relação entre meandros e estrutura textual (HATOUM 1989, p. 165).

comparações com o processo de pôr ordem no seu caótico material de texto, tentando escrever de uma forma compreensível para o leitor. Capítulos e parágrafos encontram uma correspondência nos “afluentes” e “braços dos afluentes”. O discurso pretende se deitar num curso fluvial claro. Quantas vezes recomecei a ordenação de episódios, e quantas vezes me surpreendi ao esbarrar no mesmo início, ou no vaivém vertiginoso de capítulos entrelaçados, formados de páginas numeradas de forma caótica.

Por cima de tudo, a correspondência é apoiada numa metáfora textual da rede fluvial (“tei” e “malha”) (ibidem, pp. 62 e 70). CORPOREIDADE As metáforas ambivalentes e os paradoxos mencionados acima estão marcados pela humanização e pelo paradigma de uma forte corporeidade do rio; nesse sentido, por exemplo, o grande número de analogias permite confirmar a riqueza desse repertório, em crescimento permanente: fortes chuvas tropicais “engravidam o ventre do rio”, “lento e grosso”, “farto” (Peregrino Júnior, “A mata submersa”, em JÚNIOR 1998, Pp. 161 e 166). Em outro conto já citado, “Causas de beira do rio”, o mesmo autor utiliza pela segunda vez a comparação com o ventre, mas nesse caso para se referir ao “ventre estéril daquele rio”. No sentido da metáfora do ventre, Inglês de Sousa acusa os rios Canumã e Amazonas de querer “devorar as margens” (SOUSA 2000, p. 146) numa cobiça voraz. No âmbito desse isótopo da boca se compreende também a metáfora consolidada na utilização geral da língua, sobre o rio banhando suas margens, aplicando o verbo 'lamber': “[...] terra de pântanos desbeiçados, que as águas crispadas de enchentes lambem e afogam” (JÚNIOR 1998, p. 166). Com suas línguas, os rios lambem e falam e cantam. Raul Bopp

Pensava (ao olhar para a imensidão do rio que traga a floresta) num navegante perdido em seus meandros, remando em busca de um afluente que o conduzisse ao leito maior, ou ao vislumbre de algum porto. Senti-me como esse remador, sempre em movimento, mas perdido no movimento, aguilhoado pela tenacidade de querer escapar: movimento que conduz a outras águas ainda mais confusas, correndo por rumos incertos.

A imagem do remador confuso, perdido nos meandros e nos cursos dos rios procurando o reto rio principal ou o porto seguro, induz o narrador em primeira pessoa a estabelecer

17

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

destaca repetidamente suas capacidades onomatopéicas para gemer, numa espécie de balão idiomático, “Ai, glu-glu-glu”, ou na estância a seguir do poema Cobra Norato (BOPP 1998, p. 167 e 160):

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

pelas imagens corporais nos chega, não por acaso, numa era na qual a virtualização ameaça com a desaparição do tangível; porém, observa-se também uma tendência oposta na fotografia, na arte do vídeo e na performance, que contrapõe à perfeição idealizada de um corpo imaculado, exercitado, sim, malhado, a representação da multiplicidade anatômica até a decadência das criaturas. O rio nos põe diante dos olhos como topos consolidado, finalmente, a nossa própria mortalidade; ele desemboca e se dissolve no oceano. Cabe só se perguntar se com isto chegamos ao final da via fluvial de uma “direção única” (SEIDERER 1999, p. 284) ou se nos desmarcamos da linearidade do circuito das águas.

[...] que me faça ouvir de novo a conversa dos rios que trazem queixas do caminho e vozes que vêm de longe surradas de ai ai ai [...].

À capacidade de dormir – ao menos às vezes o rio dá a impressão de dormir (ANDRADE 1985, p. 16) - se somam características dérmicas e musculares do corpo humano, que os escritores associam a águas que fluem e lhes outorgam uma dimensão de sensibilidade tátil. Assim, em Macunaíma, se fala repetidamente da “pele do rio” (ANDRADE 1984, p. 36). Obviamente não só se atribui corporeidade ao rio, mas também espiritualidade (ele pode, por exemplo, experimentar sobressalto, “silêncio das águas assustadas” (BOPP 1998, p. 185)), inclusive de tipo extra-sensorial28, e igualmente pode desempenhar o papel de palco de acontecimentos transcendentais, sobretudo nas correntezas profundas, onde se deixam ouvir vozes misteriosas, geradoras de mitos: “Escutando, [...] a mata e as estrelas conversando em voz baixa com o rio, foi que os caboclos criaram a sua mitologia [...]”29 . Ao seu retorno da grande cidade à floresta virgem, Macunaíma regozija-se no espetáculo das luzes dos afogados que dançam samba no fundo do rio: “Noite chegada, enxergando as luzinhas dos afogados sambando manso nas ipueiras da cheia [...].” (ANDRADE 1984, p. 136). Tanto a identificação metafísica como a física homem-rio é onipresente nos textos analisados, mas com uma corporeidade que rejeita o sublime, que sofre as fadigas da existência, as depressões e os quebrantos, os mesmos que experimenta todo ser vivente, situando-se mais e mais no foco da atenção30. O constante interesse das disciplinas das artes, dos meios e da cultura

Tradução do alemão para o português: Pablo Diener

NOTAS 1

Essa questão foi exposta recentemente pelo romanista Ottmar Ette num livro cuja leitura é particularmente recomendável: Literatur in Bewegung. Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika (2001). Ver também Aurel Schmidt, Von Raum zu Raum. Versuch über das Reisen (1998).

18

2

5-7 de junho de 2002. As atas do colóquio serão publicadas proximamente.

3

Trata-se, por outra parte, de enriquecer as fontes latino-americanas com material europeu procedente da península ibérica, permitindo que se estabeleça um entrelaçamento 'transatlântico' de rios.

4

Particularmente quando o motivo do rio permanece no campo dos bastidores, p. ex., como um lócus amoenus idílico-bucólico.

5

Num trecho do romance de Márcio Souza, Galvez, imperador do Acre (1983), a massa deste lastro / desta carga (de partículas e outras substâncias que se encontram na água) é avaliada estatisticamente – o que constitui um procedimento freqüente nas descrições do Amazonas -, chegando a volumes superlativos de “aproximadamente 620 milhões de toneladas no ano” (cit. de Galvez, Kaiser Von Amazonien. Colônia: Kiepenheuer & Wietsch, 1983, p. 97).

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

6

A idealização da paisagem provavelmente seja resultado das lembranças de infância da protagonista.

7

diferença do rio Grande, que leva “[...] águas mais lentas no seu leito preguiçoso, mas raso e bem estreito, cheio de curvas manhosas” (MACHADO, Tropical sol da liberdade (1988), apud HERMANNS/ SCHARF 1994, p. 152).

8

fluviais alegóricas, um tanto anêmicas, ganham um aspecto mais corpóreo, humanizado e carnal, e nesse sentido também mortal, em síntese, tem mais physis.

"Mas seus mistérios -e encantos- estavam [...]. Nos troncos leves que passavam arrastados [...]. Nas plantas aquáticas que se fechavam em colônias tão compactas que, apesar de toda a sua beleza florida, davam medo, como se fossem uma falsa terra que se apartava em volta da canoa até paralisá-la. No lugar onde pacas e capivaras vinham beber água e onde um dia se viram rastros de onça. [...] Em um outro veado galheiro que nadava e fugia assustado com a aproximação da canoa. [...] Nos ninhos dependurados em precário equilíbrio sobre a correnteza. Em todos os cipós que pendiam das árvores como se fossem cobras, pelo meio de barbas-de-velho." (ibidem, pp. 335-336).

9

A citação se encontra na célebre terceira estrofe das "Coplas por la muerte de su padre" (1477) de MANRIQUE 1989, p. 121.

10

A fórmula, que não aparece literalmente em Heráclito, refere-se ao "movimento eterno e sem regras de todo o perceptível" (SEIDERER, Ute (ed.). Pantha rhei. Der Fluss und seine Bilder, 1999, p. 282).

11

Por sua vez, o rio impõe ao narrador em primeira pessoa no romance bestseller de Paulo Coelho, Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei (1994), a lembrança de uma história de amor, apesar de cultivar também o desejo de jogá-la no rio e desse modo esquecê-la. O título do romance utiliza o início antológico do salmo: “Junto aos rios de Babilônia, ali nos assentamos e nos pusemos a chorar.” (Salmo 137, 1).

16

Nesse contexto apoiamos apenas parcialmente a afirmação que Ute Seiderer (1999), p. 300, deriva da proposta de Bachelard, segundo a qual “[...] a crescente densidade do texto literário, que conduz à forma lírica, só se consegue na distância da água. A proximidade do rio seduz à narratividade”.

17

Só para dormir amarra a canoa, mas não à beira do rio e sim em uma “ponta-de-ilha”. Observa-se a construção rítmica em três dos epítetos.

18

O seu contemporâneo Gustvo Cruls (Rio de Janeiro, 1888-1959) também escreveu, por sua vez, o romance Amazônia misteriosa (1925) depois de uma viagem à região do Amazonas.

19

Na edição bilíngüe Cantares Amazônicos / Gesänge Amazoniens, 1991, pp. 42-61

20

As consoante líqüidas não só são uma metáfora dos fonéticos. A isto caberia acrescentar a água de Tristan Tzara, como 'espelho da voz', que reproduz tons miméticos da natureza. A qualidade de líqüido como princípio da língua: “Le langage doit être gnflé d'eaux”. “Une nuée de fleuves impétueux emplit la bouche aride” (apud BACHELARD 1985, p. 258).

21

Desconstrói também os desenhos do Capibaribe nos mapas oficiais: Os “olhos” do rio são tingidos de azul (ibidem, p. 14) numa passagem do poema que evoca também a idealização de pessoas de pele clara, de cabelo loiro e de olhos azuis.

22

A metáfora amazonense da cobra de Peregrino Júnior segue também o modelo da zoomorfização.

23

Na terceira parte da trilogia, o autor sente uma simpatia silenciosa com respeito a essas pessoas (MELO NETO 1993, p. 82).

24

Vai do avermelhado, verde e azul até cinza, marrom escuro e preto.

25

Mais de um rio exige a sua Ofélia”. NAMORA 1982. Cf. NAMORA 1989, pp. 228, 265 e 297.

26

Namora trata no seu romance do desaparecimento de um indivíduo, sem deixar nenhum rastro - um acontecimento amplamente difundido através da imprensa -, cujo cadáver foi encontrado no rio (foi visto pela

12

Também com a “nostalgia do retorno” e o passeio rio acima, às fontes. SEIDERER 1999, p. 299. 13

Tiber, Nilus, Eridanus (Pó) etc., também pertencem a este Olimpo fluvial.

14

Com a exceção de Cobra Narato de Raul Bopp (em Poesia completa (1998)), no qual o Amazonas, em relação com os mitos da criação, é descrito como entidade feminina, como ventre materno onde a vida vegetal pode se desenvolver.

15

Nos poemas de épocas posteriores, por exemplo na sátira barroca espanhola (Quevedo, Góngora, Lope e Castillo Solórzano), as divindades

19

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

última vez no transbordador no qual havia conhecido a sua mulher há muitos anos); não foi possível esclarecer se cometeu suicídio ou se foi assassinado por motivos políticos. 27

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Weilerswist, Velbrück Wissenschaft, 2001. GUIMARÃES ROSA, João. O grande sertão: Veredas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986 (1956¹).

Com a dinâmica das águas que fluem se desenvolve sua multiplicidade ótica: quebram, rutilam, refletem, refratam, serpeiam. Jamais têm uma superfície plana, mas sim uma ruptura constante (apoiada em complexos fenômenos eletrostáticos) altera a sua superfície. Com freqüência equivalente trabalham os escritores com chaves óticas, com efeitos de luz e sombra (lua e rio conformam uma conjunção provada), e com um amplo espectro das cores dos rios.

__________. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2001. HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.

28

Para esta dimensão metafísica veja-se: BACHELARD 1939.

HERMANNS, Ute / SCHARF, Kurt (eds.). Nachdenken über eine Reise ohne Ende: Brasilien literarisch. Berlin, Babel, 1994.

29

Peregrino Júnior, “Hidrofilia amazônica”; em JÚNIOR 1998, p. 222. “São as vozes secretas das florestas e dos rios, que cantam nas vozes subterrâneas do seu mundo interior [...]” (ibidem).

JÚNIOR, Peregrino. Peregrino Júnior e as histórias da Amazônia. Ed. de Arnaldo Niskier. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1998.

30

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cantares Amazônicos / Gesänge Amazoniens. Sankt Gallen/ Berlin/São Paulo, Edition diá, 1991.

A muita distância da dimensão das divindades fluviais, mencionadas anteriormente, carregadas de dignidade e com caráter alegórico, no campo da antigüidade e da Idade Média ocidental.

MACHADO, Ana Maria. Tropical sol da liberdade. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 988.

REFERÊNCIAS

MANRIQUE, Jorge. Poesía completa. Barcelona, Ediciones 29, 1989. MELO NETO, João Cabral de. Der Fluss. Berlim / Sankt Gallen / São Paulo, Edition dia, 1993.

ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter [edição crítica de Telê Porto Ancona Lopez], Buenos Aires, Colección Archivos, 1984.

NAMORA, Fernando. O rio triste. Rio de Janeiro, Editorial Nórdica, 1982. SCHMIDT, Aurel. Von Raum zu Raum. Versuch über das Reisen. Berlim, Merwe Verlag, 1998.

BACHELARD, Gaston. L'eau et les rêves. Paris, José Corti, 1985 (1942¹); trad. em português: A água e os sonhos. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

SEIDERER, Ute (ed.). Pantha rhei. Der Fluss und seine Bilder. Leipzig, Reclam, 1999.

__________. Poétique de l'espace. Paris, PUF, 1957; trad. em português: A poética do espaço. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

SOUSA, Herculano Inglês de. O missionário. São Paulo, Editora Ática, 2000 (1891¹).

BOPP, Raul. Poesia completa de Raul Bopp. Rio de Janeiro, José Olympo / São Paulo: Edusp, 1998.

SOUZA, Márcio. Galvez, imperador do Acre, Rio de Janeiro, Editora MarcoZero, 1983.

COELHO, Paulo. Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1994.

TORGA, Miguel. Vindimia. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000 (1945¹).

ETTE, Ottmar. Literatur in Bewegung. Raum und Dynamik

20

RÍOS Y MONTES EN LA PREFIGURACIÓN DEL CONTINENTE AMERICANO (1492-1548) Alejandra Vega P. Centro de Estudios Culturales Latinoamericanos. Facultad de Filosofía y Humanidades. Universidad de Chile. e-mail: [email protected]

RESUMO Partindo do pressuposto de que a América foi inventada no contexto da expansão colonial européia, este artigo tem por objetivo discutir de que maneira as representações de espaços do denominado “Novo Mundo” foram construídas com base num jogo de diferenças e similitudes, no qual a Europa se auto-representava, almejando assim contribuir à legitimação das ações de conquista. Um papel de suma importância na configuração prévia do continente americano feita pelos conquistadores coube à idéia de que os montes são a origem dos rios, bastante difundida entre os pensadores clássicos e medievais. Palavras-Chave: geografia histórica, representações do espaço americano, conquista da América.

RESUMEN Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

A partir del presupuesto que América fue inventada en el contexto de la expansión colonial europea, este artículo tiene por objetivo discutir de qué manera las representaciones del así llamado “Nuevo Mundo” fueron construidas con base en un juego de diferencias y semejanzas, en el que Europa se representaba a sí misma, procurando de esta manera contribuir a legitimar las acciones de la conquista. Un papel de enorme importancia en la configuración previa del continente americano llevada a cabo por los conquistadores cupo a la idea de que los montes son el origen de los ríos, la cual se hallaba bastante difundida entre los pensadores clásicos y medievales. Palabras-llave: geografía histórica, representaciones del espacio americano, conquista de América.

21

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Q

ue el continente americano fue inventado en el contexto de la expansión colonial europea es un aserto que le debemos al filósofo e historiador mexicano Edmundo O'Gorman desde hace ya casi medio siglo (O'GORMAN 1984 [primera edición 1957]). Aunque criticado por su eurocentrismo, la riqueza interpretativa de este planteamiento - que puso el acento en el peso de los a priori y la voluntad de dominio - sigue guiando numerosas reflexiones e investigaciones acerca del periodo fundacional de los imperios hispano y lusitano en América (ver RODRÍGUEZ 2004, p. xv). El presente artículo se inscribe en esta orientación general. Inventar el espacio americano implicaba nombrarlo y otorgarle legibilidad, actos fundamentales para el despliegue de un programa de conquista: ¿para qué tomar un rumbo o un determinado curso de acción si no es en relación con un entorno prefigurado? La suma de expectativas, ideas y representaciones que constituían el espacio imaginado ponía en tensión la unidad de lo conocido y el juego de las diferencias, fijando similitudes, contrastes y oposiciones entre el mundo en el cual se autorrepresentaba la Europa cristiana premoderna con los territorios transatlánticos hacia donde se dispuso a extender sus dominios. Fue así como se abrió el orbis terrarum para hacer caber un cuarto continente, reducido a la figura de Indias y Nuevo Mundo, nombres que enfatizaban la condición de espacio dispuesto para la acción colonial (O'GORMAN op. cit., p. 124 y MIGNOLO 1995, capítulo V). La cristalización de saberes e imágenes acerca de los territorios americanos se expresó en textos y en mapas, en una época en que estas prácticas de representación se transformaban con la rapidez que exigía el contexto cultural y político de la primera modernidad1 . Esta rica práctica textual nos muestra una visión a la vez fragmentada y unitaria del espacio. La imagen es fragmentada, entre otras causas, porque la exploración europea de América es paulatina y, en sus inicios, las huestes de conquista desconocen la extensión y características del territorio. Pero al mismo tiempo, este carácter parcial está tensionado por la expectativa de totalidad. Cuando pilotos, cartógrafos y cosmógrafos conciben que las costas recorridas por las expediciones hispanas en su camino a Oriente

constituyen una "Quarta Parte" del orbe, se les dota de una unidad conceptual y se les atribuyen características determinadas. Desde los primeros momentos de la presencia de Colón en las Antillas se elaboraron imágenes de las tierras recorridas, capaces de orientar y organizar la actividad conquistadora. En los textos colombinos, tal cual los conocemos, y sus ecos continentales - como las Décadas del humanista Pedro Mártir de Anglería -, las islas habitadas por hombres desnudos y bondadosos o por temibles caníbales son representadas como fértiles y prodigiosas en frutos, colores y cantos de aves, a imagen del Oriente buscado2. Las exploraciones llevan a sucesivos pilotos hacia las tierras de Paria - la costa de las perlas - y desde allí, al reconocimiento de la costa atlántica, que parece prolongarse hacia el sur, hasta las regiones tempestuosas vecinas al círculo antártico. Las imágenes constituidas a la luz de estas nuevas expediciones cuestionan y complementan la construcción del ser americano en la lengua de los conquistadores. Pensar la totalidad implicaba rellenar con imágenes los espacios vacíos. En este proceso, la referencia a los ríos americanos resultó central ya que éstos permitieron construir proyecciones del interior continental desconocido, a partir de la asociación entre las montañas y los cursos de las aguas. Esta relación es una idea reiterada en los textos y mapas del periodo. Allí donde hay un río, se presume que hay un monte del cual procede. E inversamente, cuando se observan montes elevados, se espera encontrar ríos que nazcan de ellos. Así como la copa de agua que almacena y permite regar los sembradíos y aprovisionar las ciudades, la cordillera apela, en la cultura cristiana europea, a la provisión permanente de agua dispuesta por Dios para beneficio de los hombres. La certeza que los montes son el origen de los ríos es, en realidad, una opinión geográfica compartida por los autores clásicos y ya difundida en el pensamiento cristiano medieval3. Esta idea, proyectada sobre América, permitió construir algunas de las primeras imágenes del Nuevo Mundo, marcando con impronta duradera la visión europea del continente. El propio Cristóbal Colón se había hecho eco de esta asunción, al sugerir que el enorme delta que encontró en su tercer viaje a América - la

22

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

costas de Tierra Firme6:

desembocadura del Orinoco – podía ser, dada su inmensidad, la desembocadura de uno de los cuatro ríos del Paraíso:

Después de recorrer cerca de 40 leguas [por la costa del actual Brasil] llegaron a un mar de agua dulce que les permitió rellenar sus toneles. Al buscar el motivo de este fenómeno, descubrieron que desde montes muy altos bajaban con gran fuerza varios ríos de corrientes impetuosas (ANGLERÍA 2004, p. 205).

Grandes indiçios son estos del Paraiso terrenal, porqu'el sitio es conforme a la opinión d'estos sanctos e sacros theólogos. Y asimismo las señales son muy conformes, que yo jamás leí ni oí que tanta cantidad de agua dulçe fuese así adentro e vezina de la salada; y en ello ayuda asimismo la suavíssima temperancia. Y si de allí del Paraíso no sale, pareçe aún mayor maravilla, porque no creo que se sepa en el mundo de río tan grande y tan fondo4.

Dos lustros después, la Suma de Geographia del bachiller Martín Fernández de Enciso, cosmógrafo y experimentado conquistador del Nuevo Mundo, reitera esta visión de la costa de las Indias Occidentales jalonada por grandes desembocaduras fluviales7. En su texto publicado en Sevilla en 1519, se mencionan sucesivos ríos desde el cabo de San Agustín hacia el sur, para luego referirse a los ríos Marañón y al que dicen la Mar Dulce, como un confuso eco metropolitano de las noticias acerca de los grandes torrentes que las expediciones observaban desde la costa8:

La idea que el Paraíso terrenal se encontraba en Oriente, en el punto más alto del orbe, está presente en numerosos textos y 5 mappaemundi medievales . Como tal, se expresa en el Ymago mundi de Pierre D'Ailly (1410), especie de repertorio de saberes clásicos y árabes organizados desde una matriz cristiana, que tiene la particularidad ser una de las lecturas conocidas de Cristóbal Colón (Verger, “Introducción”, en VERGER 1992, pp. xiv-xv). En este tratado, leemos que el Ganges, el Nilo, el Tigris y el Eufrates – identificados como los cuatro mayores ríos del mundo - fluyen del Paraíso. La altura del Paraíso es tal, que no le alcanzó el diluvio y se encuentra en atmósfera calma, por sobre el aire, las exhalaciones y los vapores húmedos, que caracterizan el cielo que nos cubre. Esta condición elevada explica asimismo que de allí nazcan los ríos más caudalosos que recorren la tierra (D' AILLY en VERGER 1992, “Capítulo Quincuagésimo Quinto. Los ríos y en primer lugar el Nilo”, p. 123). En los relatos difundidos de boca en boca entre los puertos y los círculos cortesanos europeos en las primeras décadas de la conquista hispana, son recurrentes las referencias a los monumentales ríos que desembocan en el Atlántico, aunque ya desprovistas de la asociación colombina con el Paraíso terrenal. Esta visión se expresa en el relato de Pedro Mártir de Anglería, en particular en la Década IX del De Orbe Novo escrito hacia 1501, al referirse a la expedición organizada por Vicente Yáñez Pinzón y Arias Pinzón a las

Y digo que desde el cabo de Sancto Agostín hasta al río Marañón hay trescientas leguas. Está Marañón al oeste en siete grados y medio. Es grande río que tiene más de quince leguas de ancho. Y ocho leguas dentro de la tierra tiene muchas islas [...]. Desde este río Marañón hasta el río a que dicen la Mar Dulce hay veinte y cinco leguas [navegando hacia el Ecuador]. Este río tiene sesenta leguas de ancho en la boca, y trae tanta agua que entra más de veinte leguas en la mar, que no se vuelve con la salada. Entra veinticinco leguas en la tierra esta anchura, y después se aparta en dos partes: la una va al sureste y la otra al sudoeste (ENCISO 1987, pp. 214215).

En el Sumario de la natural historia de las Indias de Gonzalo Fernández de Oviedo, primera y pequeña enciclopedia de la historia natural y de la geografía americanas, impresa en 1525 (BARRENECHEA 1986, p. 178), también se describe la costa atlántica

23

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

y sus ríos al referir a la expedición de Yáñez Pinzón:

representación de las montañas en las otras porciones del orbe, que también hacen de origen de los ríos trazados, aunque su tamaño es significativamente menor.

Pero éste [río de San Juan en el golfo de Urabá] ni otro de los que yo haya visto ni oído ni leído hasta ahora, no se iguala con el río Marañón, que es a la parte del levante, en la misma costa; el cual tiene en la boca, cuando entra en la mar, cuarenta leguas, y más de otras tantas dentro en ella se coge agua dulce del dicho río. Esto oí yo muchas veces decir al piloto Vicente Yáñez Pinzón, que fué el primero de los cristianos que vido este río Marañón y entró en él con una carabela más de veinte leguas, y halló en él muchas islas y gentes [...] y bien cuarenta leguas dentro en mar cogió agua dulce del dicho río (OVIEDO 1950 [primera edición 1525], p. 112).

¿Dónde nacen el Orinoco, el Amazonas y el río de la Plata, cuyas monumentales desembocaduras hacia el Atlántico impresionaron por sus dimensiones, llevando a reiterar una y otra vez que "nunca se ha visto, ni oído ni leído" acerca de algo semejante9? A imagen del prejuicio geográfico que condujo a inventar los Montes de la Luna como origen del río Nilo10, la observación de la desembocadura de estos grandes cursos de agua llevó a suponer la existencia de montañas monumentales en las tierras orientales del continente americano. La cartografía manuscrita originada en el contexto de la Casa de Contratación en las primeras décadas del siglo XVI así lo revela. Quizás el ejemplo más elocuente sea una carta anónima asociada al padrón real y conocida como la Carta Universal de 1506 de la Biblioteca Olivariana de Pessaro (figura 1)11. En la porción bautizada como Mundus Novus del orbe, se representa el litoral con algunos topónimos, así como una serie de ríos que desembocan en el mar, dos de ellos con gigantescos estuarios salpicados de islas. De manera inequívoca, el mapa da cuenta del origen de todos estos cursos fluviales en tres enormes cordilleras interiores. A modo de comparación, en el mismo mapa puede observarse la

Figura 1 – Anónimo, Carta Universal, ca. 1506, Biblioteca Olivariana de Pessaro.

Tal como en la cartografía medieval y renacentista precedente, los maestros de la Casa de Contratación parecen dar cuenta del vínculo que establecía la cultura de su época entre monte y río. Esta asociación nutre la elaboración de imágenes sobre el territorio americano y es uno de los fundamentos de la prefiguración del interior continental. Antes que se inicie la penetración hispana hacia el Tawantinsuyu a fines de la década de 1520, el territorio desconocido se imagina a partir del borde o límite constituido por la costa atlántica del continente. Y desde esta posición, sea a través de la observación, la suposición o la interpretación en clave hispana de los informantes indígenas "de la tierra", se conciben grandes cordilleras imaginarias ubicadas en los territorios de América oriental que permiten comprender y dar legibilidad a los ríos atravesados con dificultad, ya sea por lo ancho de su lecho o por su fuerte torrente, que

24

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

cubren con su agua dulce gr a n d e s e x t e n s i o n e s del mar litoral. Estas ideas se plasman de manera ejemplar en la cartografía. Conocida es la historia de la lectura de la carta de Vespucio por el geógrafo alemán Martín Waldseemüller, que dio origen al bautizo del continente como América, relatada por el propio Waldeemüller en las páginas introductorias de su Cosmographiae Introductio, impresa en St. Die en 1507. De los dos mapas realizados por el geógrafo alemán para Figura 2 – Martín Waldseemüller, Universalis acompañar esta edición, cosmographia... (detalle), Estrasburgo, 1507, Library of Congress, Geography and Map Division. nos interesa en particular el enorme mapamundi titulado Universalis cosmographia [...] (figura 2) (VORSEY JR. 1992, pp. 155-156; imagen tomada de ibidem, p. 159). Allí se representa a America como un continente fragmentado en dos, aunque claramente separado de Asia, y que se extiende de norte a sur. Se dibujan las islas de las Antillas y el perfil atlántico del continente junto con numerosos ríos, sin jerarquía evidente, que desembocan en el mar. Hacia el interior y a modo de límite de la tierra cartografiada, se dispone una cadena irregular de montañas. Estos montes hacen las veces de horizonte imaginario, tal como podría extenderse el paisaje ante los ojos de un espectador que se ubicara en la costa y mirara en dirección al oeste. Constituyen, además, una frontera o un límite conceptual, más allá del cual se extiende la tierra aún no explorada

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

por los europeos, aspecto reforzado por la inscripción "terra ultra incognita" que corona este territorio. La solución gráfica ideada permitió, al mismo tiempo, situar un territorio y explicitar el desconocimiento acerca de su fisonomía. Apelaba asimismo a la idea ya expresada en la carta anónima de Pessaro, que si se observaban ríos monumentales en la costa, era porque en el interior del continente existían cordilleras igualmente monumentales. La difusión que tuvo el mapa de Waldseemüller permitió la circulación en el contexto europeo de una imagen americana que recurría a la vinculación monte/río: el globo Lenox (1503-1507), el mapamundi llamado de Leonardo da Vinci (1514) y, casi sin variaciones respecto de la obra de Waldseemüller, el Typus Orbis Universalis [...] de Pedro Apiano, en sus diversas ediciones a partir de 1520, son ejemplo de lo anterior12. De hecho, el avance de la hueste de conquista en las décadas de 1510 y 1520 y, en particular, el reconocimiento del estuario del río de la Plata por las expediciones de Juan Díaz de Solís y Sebastián Caboto, no introdujo variaciones en este aspecto, de modo que se sigue prefigurando el interior continental a partir de las asociaciones que despiertan los ríos en el imaginario europeo acerca del territorio. La carta universal manuscrita conocida como Carta de Salviatti es muestra de lo anterior (figura 3). Este mapa ha sido atribuido a Nuño García de Toreno, cartógrafo de la Casa de Contratación, y fechado entre 1525 y 1526 (MERAS op. cit., pp. 92-93; LÓPEZ 2001, p. 128. Figura reproducida de MERAS op. cit., pp. 83-84). En ella, el borde costero atlántico ha alcanzado gran precisión. Gracias al caudal de noticias provenientes del Nuevo Mundo, en este mapa se representan asimismo fragmentos de las costas de la mar del Sur, tanto en Panamá como en el extremo austral de América. Sin embargo, siguiendo la cartografía anterior, el interior del continente se dibuja adoptando como perspectiva el litoral atlántico, delineando un perfil continuo de montes y sierras que corre paralelo a esa costa. Se trata de una cadena de relieve irregular, con dos elevaciones superiores: una ubicada a la altura del círculo ecuatorial y la otra al interior del río de la Plata, coincidiendo aproximadamente

25

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

con los dos grandes deltas dibujados en la costa. Con gran sentido estético, el conjunto se decora con flora y fauna americana, donde pueden distinguirse aves y mamíferos superiores.

sino que se opta por una decoración continua que termina por transformar la geografía americana en una tierra de suaves lomajes o en un interior boscoso. En otros mapas conservados de este periodo, esa inmensidad continental se sigue cubriendo y domesticando visualmente a partir de la relación que se establece entre montes y ríos, pues aún no aparecen los Andes en la representación cartográfica. Lo mismo puede decirse de los mapas impresos. En 1534 se publica en Venecia un mapa grabado en madera titulado Carta Universale della Terra Ferma & Isole delle Indie Occidentali, ciò è del Mondo Nuovo. De autor anónimo, fue editado por Giovanni Battista Ramusio para acompañar su edición de De Orbe Novo Decades Octo de Pedro Mártir de Anglería (figura 4) (LISTER 1979, p. 198; reproducida de MERAS op. cit., 121). Desde nuestro punto de vista, se trata de una carta de gran interés por la persistencia de la asociación monte/río como fundamento para la imaginación del interior continental expresada, en este caso, por un semicírculo Figura 4 – Anónimo, Carta Universale de sierras al sur del trópico de della Terra Ferma & Isole delle Indie Capricornio que hace las Occidentali, ciò è del Mondo Nuovo en veces de fuente del río de la De Orbe Novo Decades Octo de Pedro Plata. Esta cadena de Mártir de Anglería, edición de Giovanni montañas en el área sur Battista Ramusio, Venecia, 1534. oriental del continente será reproducida en numerosos

Figura 3 - Nuño García de Toreno (atribuida), Carta universal de Salviatti, manuscrito sobre pergamino, ca. 1525-1526, Biblioteca Laurenciana de Florencia.

Los mapas realizados al alero de la Casa de Contratación hacia 1530 que han llegado hasta nosotros, como las obras firmadas o atribuidas a Diego Ribero, revelan cómo se va cerrando el perfil costero del continente a medida que se extiende la conquista por el Pacífico. Como resultado, en el plano cartográfico se expone y visibiliza lo extenso del interior continental americano. En lo que parece una reacción al horror vacui, ese rechazo del cartógrafo a dejar el plano cartográfico en blanco allí donde no poseía antecedentes, en algunos de los mapas conocidos no se da mayor realce a la representación hidrográfica y orográfica del continente,

26

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

mapas posteriores, aunque no siempre siguiendo la forma geométrica que esta obra anónima le adjudica. Aunque no se señala explícitamente, es posible que esta cartografía recoja las ideas que circulaban entre los conquistadores acerca de una cordillera bautizada la Sierra de la Plata, suerte de eco atlántico de la riqueza minera de los Andes13. Lo interesante es constatar que, a pesar del caudal de noticias que seguía cruzando el Atlántico, la cartografía producida al alero de la Corona española siguió apegada a los modelos ya instaurados para representar el Nuevo Mundo, visión replicada por los centros editores más activos del periodo. En efecto, las obras conocidas de los maestros que trabajaron produciendo el Padrón Real en la Casa de Contratación en el periodo anterior tienen, en este aspecto particular, una sorprendente continuidad en la cartografía de Alonso Santa Cruz, reconocido, con justa razón, como una figura maestra de la cartografía hispana. Autor de una obra vasta y de calidad, parte de la cual ha llegado hasta nosotros, Santa Cruz trabajó en la Casa de Contratación de Sevilla entre 1535 y 1554, instalándose luego en Valladolid, en la corte de Carlos V. Su posición en la corte lo dejaba en situación inmejorable para recopilar noticias del conjunto del continente americano. Además, su participación como veedor designado por los armadores en la expedición de Sebastián Caboto hacia la especiería le daría una visión de primera mano de la costa atlántica del Nuevo Mundo. En palabras del propio Santa Cruz:

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

particular el mapa que representa el corazón de América del Sur, entre la Nueva Andalucía y la provincia del Estrecho (figura 5, reproducida de MERAS op. cit., pp. 121-122). En este mapa el cartógrafo decora homogéneamente el interior del continente con representaciones figurativas de suaves lomajes aislados, rodeados de vegetación baja. Esta homogeneidad sólo se ve interrumpida por una mayor concentración de relieve ubicada en la sección oriental del continente. Vinculadas a los ríos Marañón y Amazonas y sobre todo al río de la Plata, vemos dos cadenas montañosas más extensas, que corren norte/sur y este/oeste respectivamente. De estas montañas imaginarias nacen inequívocamente los ríos representados. En particular el río de la Plata, que aparece dibujado con una gran cantidad de afluentes que manan de estas cordilleras. Sin embargo, hacía ya dos lustros que los europeos habían tomado contacto con el territorio de los Andes. Entre los años 1528 y 1533, fechas que separan la expedición de Bartolomé Ruiz hacia el Pacífico Sur y la toma del Cuzco por Francisco Pizarro, la hueste conquistadora había recorrido una parte del Tawantinsuyu y el mundo de los Andes centrales. Sabemos de Figura 5 - Alonso de Santa Cruz, Tabla Segunda la afluencia de noticias del mapa en Siete Tablas en Yslario de todas las en la forma de cartas y relaciones hacia las islas del mundo, ca. 1542, Biblioteca Nacional instituciones hispanas encargadas de las tierras de ultramar. Con distinto énfasis y variaciones en los detalles, éstos dan cuenta de los acontecimientos que van desde el desembarco en la costa peruana hasta la llegada al Cuzco. Y también dan cuenta de la

He servido a Su Majestad en el descubrimiento del rio de la Plata y toda aquella tierra hasta la provincia de Charcas en la tierra del Perú [...] en el cual descubrimiento estuvimos en la tierra cinco años14.

Pese a su vasta experiencia cartográfica y en terreno, Santa Cruz siguió fiel a la prefiguración del interior del continente elaborada a partir del reconocimiento de los cursos de agua atlánticos, tal como se revela en su Yslario general de todas las yslas del mundo, extraordinario compendio de la geografía de su tiempo (ALBA 1951, p. 67). De la cartografía del Yslario, nos interesa en

27

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

orografía que recorre la hueste conquistadora. La idea de la existencia de una gran cadena montañosa que corre en sentido norte sur y que posee dos brazos diferentes ya está claramente enunciada en una relación escrita por Pero Sancho de la Hoz, quien se desempeña como secretario de Francisco Pizarro entre 1533 y 1534. En su escrito se da cuenta de las actividades de los españoles desde su salida de Cajamarca hasta el establecimiento en el Cuzco (AROCENA 1986, p. 58). Luego de concluida la narración cronológica, Sancho de la Hoz se propone dar cuenta de las “calidades de la tierra”, sección en la que encontramos el siguiente pasaje sobre la orografía del territorio peruano:

también termina por volcarse en la cartografía sobre el Nuevo Mundo. Elocuentes son, a este respecto, los portulanos manuscritos de Battista Agnese. De este personaje se sabe apenas lo que su prolífica producción nos dice: cartógrafo de origen genovés, que trabajó en Venecia aproximadamente entre 1530 y 1564. Sus portulanos dibujados sobre pergamino, iluminados con tinta y acuarela, no siempre fechados ni firmados, son hojas sueltas o reunidas en atlas de un número variable de cartas. A diferencia de otros portulanos destinados a la navegación, se considera que las obras de Agnese tenían ante todo una función representativa y diplomática, obsequio para príncipes y altos dignatarios (Wagner en Papers of the Bibliographical Society of America, XXV, 1931, p. 1-110; Martin en RISTOW 1972, p. 37). En razón de su vasta producción, algunos autores prefieren hablar de taller de Battista Agnese para dar cuenta del carácter artesanal de su quehacer cartográfico, en el que participaban manos de muchos aprendices. También en razón de la cantidad de mapas que se le han atribuido, se considera que su imagen del Nuevo Mundo fue hasta la publicación del Theatrum Orbis Terrarum de Ortelius, en 1570 - una de las más difundidas en su tiempo: “conocidos por mucha más gente que cualquier otro mapa de aquel siglo, tuvieron importancia relevante en la divulgación de los descubrimientos de ultramar” (NEBENZAHL 1990, pp. 100-101). Tal como lo muestra uno de sus numerosos mapamundi, el ejemplar fechado en torno a 1543-1545 y conservado en la John Carter Brown Library (figura 6, reproducida de The Archive of Early American Images, http://www.brown.edu/Facilities/ John_Carter_Brown_Library/pages/ea_hmpg.html (consultado en marzo 2005), en la representación de las tierras americanas se echa mano tanto de la tradición que asocia monte y río, como de las noticias que circulan sobre el Perú en el Viejo Mundo17. De modo que se representa una cadena de montes vinculada con los topónimos que dan cuenta de la conquista de Pizarro y otras dos, en las tierras de Brazil, asociadas a los cursos de agua atlánticos.

Toda la zona próxima al mar hasta Chinca y aún cincuenta leguas más adelante tiene este aspecto [...] Al pie de los llanos llamados Ingres [sic] encuentra una cadena de montañas altísimas que se extienden desde la ciudad de San Miguel hasta Xauxa [...] es ésta una región alta, con escarpados montes y muchos ríos. No es zona de vegetación boscosa y los árboles que se encuentran en ella crecen a la orilla de los ríos, donde puede verse siempre espesa niebla. Es tierra muy fría ya que hay allí una sierra nevada que se extiende casi desde Caxamarca hasta Xauxa en la que la nieve dura todo el año. La gente que vive allí es más racional que la de las otras partes [...] Las gentes que viven tierra adentro, a espaldas de la sierra, son como salvajes [...] Las montañas son altísimas y los ríos torrentosos15.

La extensión de las conquistas hispanas hacia Quito por el norte (1534) y Chile por el sur (1536), permitirán reconocer la monumental extensión de la cordillera andina, confirmando y complementando esta imagen del relieve del Perú que, a partir de estas fechas, tiene numerosas manifestaciones16. De hecho,

28

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

cartografía de esta época. También se representa el río de la Plata con la monumentalidad ya comentada. Y en cuanto al relieve, se dibuja simultáneamente un cordón cordillerano que corre en sentido norte-sur, paralelo a la costa del Pacífico y que se extiende prácticamente hasta el estrecho de Magallanes; y un semicírculo de montes asociado al nacimiento del río de la Plata. Por último, en el occidente del continente un pequeño monte hace las veces de nacimiento del río Amazonas, señalando su origen andino, probablemente en reconocimiento del Figura 7 - Sebastián Caboto, mapamundi descenso fluvial practicado (detalle), impreso en Amberes, 1544, por Francisco de Orellana, Biblioteca Nacional de Francia. lugarteniente de Pizarro, en 1540. Como consecuencia, el origen del Amazonas se desvincula de la formación cordillerana oriental con que se le relacionaba en la cartografía precedente. Dos años después, Giacomo Gastaldi - uno de los editores de mapas venecianos más influyentes del siglo XVI - publica un mapa del mundo en proyección oval que lleva por título Universale. En esta obra grabada en cobre, Gastaldi nos presenta una imagen del Nuevo Mundo que será reiterada en sus mapas posteriores (figura 8)18, donde una cadena de montes ubicada en La governacion de Francesco Piçarro, El Peru comparte el espacio

Figura 6 - Battista Agnese, mapamundi (detalle), manuscrito sobre pergamino en atlas portulano, ca. 1543-1545, tabla IV, John Carter Brown Library.

Por los mismos años, el mapa impreso de Sebastián Caboto consolida esta visión del continente, en la que confluyen la geografía imaginaria y la información geográfica fruto de la observación y la indagación en el territorio de las expediciones hacia el Pacífico Sur. En efecto, en 1544 se publica un mapamundi firmado por este conocido y experimentado piloto y cartógrafo italiano, quien se desempeñaba en ese entonces como piloto mayor de la Casa de Contratación y que había encabezado una expedición al Nuevo Mundo, que lo llevó hasta el río de la Plata entre 1526 y 1530. Grabado en cobre en la ciudad de Amberes, será reimpreso en Londres en 1549 (figura 7) (LISTER op. cit., p. 137; reproducida de MERAS op. cit., 121). La representación de los rasgos orográficos e hidrográficos del continente americano resulta particularmente interesante. Se delinea el trazado serpenteante del Amazonas característico la

29

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

cartografiado con otra zona montuosa vinculada tanto al río de la Plata como al Amazonas, que adopta un recorrido sur/ noreste, tal como en la cartografía de Agnese.

representación dejara de ser identificable. En este caso, la legibilidad de América está dada en el mapa por unos pocos elementos, varios de los cuales ya se habían consolidado en el lenguaje cartográfico de esos años. En primer lugar, la forma general del continente y su ubicación con respecto a Africa y España. Luego, sus características hidrográficas, con el río Amazonas que presenta un curso Figura 9 - Jerónimo de Chaves, Demostracion serpenteante en dirección del sitio y forma que tiene la tierra con el agua este/oeste, un lago interior en Comentarios al Tractado de la Sphera de imaginario en el corazón Joannes Sacrobosco, Sevilla, 1548. de América y el curso poniente y norte del río de la Plata, sobredimensionado. Pero en lugar de situar un relieve imaginario en la porción oriental del continente, se dibuja una gran franja cordillerana que corre de norte a sur, prácticamente tal cual existe en la geografía americana, partiendo en el mar Caribe y descendiendo por la franja occidental del continente hacia el estrecho de Magallanes. Con la edición de este pequeño mapa parece llegar a un cierre el recorrido que va de la geografía prefigurada de América con base en la observación de la desembocadura de los ríos atlánticos, a la representación del relieve y la orografía en concordancia con el territorio conquistado. Pero esto es sólo parcialmente cierto. En primer lugar, pues por efecto de la copia y las reimpresiones, las supuestas cordilleras orientales de América de las cuales se asumía que nacían los ríos atlánticos siguieron existiendo en los mapas europeos durante aún

Figura 8 – Giacomo Gastaldi, Universale [sic] (detalle), impreso en Venecia, 1546, John Carter Brown Library .

En 1548, apareció en Sevilla una obra que nos permite situar un hito temporal en la representación de la naturaleza americana. Ese año salió a luz un pequeño mapa realizado por Jerónimo de Chaves, cartógrafo de la Casa de Contratación. No era propiamente un mapa de América, pues llevaba por título Demostracion del sitio y forma que tiene la tierra con el agua (figura 9, reproducida de MERAS op. cit., p. 130.), y la imagen estaba destinada a ilustrar la reedición de un conocido tratado cosmográfico19. Se trata de un pequeño grabado en madera, razón por la cual presenta unas formas muy esquemáticas y sencillas. Para asegurar su eficacia, la técnica del grabado en madera exigía manejar un delicado balance: debía incluir la menor cantidad de líneas posibles para evitar abarrotar la imagen, sin que por ello la

30

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

NOTAS

bastante tiempo. Pero quizá, y mucho más importante, porque la fisura entre lo imaginario y la geografía real no tiene un lugar definitivo donde asentarse. Se ha polemizado sobre el carácter premoderno o moderno, medieval o renacentista de las empresas europeas de expansión y conquista del territorio americano, destacando, según el caso, la orientación simbólica y fantasiosa de los relatos e imágenes del Nuevo Mundo, o bien su condición empirista y vinculada al ejercicio del poder. Esta discusión deja de lado el hecho de que toda cartografía es simbólica y que una lectura atenta permite identificar una clara vocación empirista en numerosas prácticas sociales de la premodernidad. Más que hablar de una geografía imaginaria y una geografía empirista, conviene dar cuenta de la confluencia de miradas sobre el territorio, que expresan la diversidad de prácticas discursivas de la cultura de la primera modernidad. En este caso, unos ríos considerados monumentales, de dimensiones nunca vistas, dieron lugar a la creación de montes imaginarios en un interior continental que debía ser domesticado por medio de la representación en textos y mapas. Una vez que se comenzó a recorrer y reconocer la orografía del continente y desaparecieron las cordilleras orientales monumentales, permanecieron los ríos en el imaginario europeo como uno de los primeros emblemas de la inmensidad de lo americano. El tamaño descomunal, trasvertido en lo desproporcionado, la desmesura y el exceso fueron símbolos del Nuevo Mundo, encarnando al mismo tiempo el atractivo de su riqueza y la urgencia que aquello que en su desborde merecía ser conquistado, controlado, vuelto al orden y a la proporción. Y por lo mismo, esa naturaleza excesiva, indómita, expresada en los ríos atlánticos, permaneció como uno de los tempranos ejemplos de lo irreductible, de lo definitivamente no domesticable, de ese borde siempre desafiante que fue la naturaleza americana como sinécdoque de lo americano en su totalidad en el discurso europeo.

1

Un buen punto de partida para la problematización de este concepto en DUSSEL 1992.

31

2

El diario del primer viaje es elocuente a este respecto. Ver COLÓN 1982, pp. 15-138. Ver asimismo, ANGLERÍA 2004, en particular, Libros 1, 2 y 3, pp. 117-155..

3

DAINVILLE 1940, p. 547; en GLACKEN 1996 se encuentra un extenso análisis de la idea europea de la naturaleza dispuesta por Dios o los Dioses para la morada del hombre.

4

“La historia del tercer viaje qu'e[l] Almirante don Cristóval Colón hizo de la terçera vez que vino a las Indias cuando descubr[i]ó la tierra firme, como lo embió a los Reyes desde la isla Española”, texto de Bartolomé de Las Casas a partir de carta de Cristóbal Colón fechada en 31 de agosto de 1498, en COLÓN op. cit., p. 218.

5

Ver, a modo de ejemplo, el análisis del conocido mapamundi de Hereford en KLINE 2001.

6

Sobre las fechas de escritura, ediciones plagiadas y primeras ediciones de esta obra, ver Stelio Cro en ANGLERÍA 2004, pp. 7-13.

7

También en la carta de relación de Pero Vaz de Caminha, escribano de la expedición de Pedro Alvares Cabral dirigida al rey Don Manuel y fechada en 1500, son numerosas las referencias a las aguas y ríos que desembocan en la costa. El párrafo que clausura el texto señala: “Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”. CAMINHA 1963, en Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, http://www.cervantesvirtual.com (consultado en septiembre 2006).

8

Gonzalo Menéndez-Pidal resume esquemáticamente el curso que los diversos tratadistas y cartógrafos atribuyen a los ríos que desembocan en el Atlántico, identificados según los casos como Guiana, Marañón, Amazonas, Orellana, Solis, Paraná, Paraguay y La Plata. MENÉNDEZ-PIDAL 1944, pp. 28-31.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

9

Para una reseña de la exploración de los ríos, ver PARRY 1979, capítulo 8.

10

Los llamados Montes de la Luna están representados en la mayor parte de la cartografía ptolomeica del siglo XV y se encuentran referencias a ellos como origen del Nilo, en los principales tratados cosmográficos del periodo. Ver, a modo de ejemplo, Anónimo en HERRERA y SÁNCHEZ 2000, fol. 18v y 35r, en Real Academia Española, Banco de datos en línea, Corpus diacrónico del español (CORDE), http://www.rae.es, (consultado en mayo 2005).

VINDEL 1955, pp. 19 y 27, indica 1545 como fecha de primera edición. Preferimos atenernos a la fecha más conservadora de 1548.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ALBA, Duque de (ed.). Mapas españoles de América, siglos XV-XVII. Madrid, Academia Real de la Historia, 1951.

11 MERAS 1993, pp. 82 y 87, de donde reproducimos la imagen; ver asimismo, DILKE y BRANCATI en Imago Mundi (Amsterdam) vol. XXXI, 1979, pp. 78-79.

ANGLERÍA, Pedro Mártir de. De Orbe Novo. Córdoba, Alción Editora, 2004.

12

Ver NORDENSKIÖLD 1961, donde se reproducen éstos y otros ejemplos tempranos de esta situación.

ANÓNIMO. Libro de Astrología [c. 1500]. In: HERRERA, María Teresa y SÁNCHEZ, María Nieves (eds.). Salamanca, Universidad de Salamanca, 2000, fol. 18v y 35r, en Real Academia Española, Banco de datos en línea, Corpus diacrónico del español (CORDE), http://www.rae.es, (consultado en mayo 2005).

13

Sobre el mito de la Sierra de la Plata y sus diversas expresiones documentales vinculadas a las expediciones de Juan Díaz de Solís y Sebastián Caboto ver GANDÍA 1946, pp. 157-162. 14

15

“Borrador i apuntaciones para el prólogo del libro intitulado Islario general que escribió Alonso de Santa Cruz”, AGI, Patronato, 260, 2° 6, en DOMINGO 2004, Vol. 30, 11.

AROCENA, Luis. “Estudio Preliminar” en Pero Sancho. In: AROCENA, Luis (ed.). La relación de Pero Sancho, Buenos Aires, Plus Ultra, 1986.

Sancho en AROCENA op. cit., pp. 131-132. El escrito original de Pero Sancho, hoy extraviado, se conoce solamente por medio de su traducción al italiano publicada por Ramusio en 1556. Ver PEASE 1995, p. 21.

BARRENECHEA, Raúl Porras. Los cronistas del Perú (1528 –1650) y otros ensayos. Edición, prólogo y notas de Franklin Pease, Lima, Biblioteca Peruana, 1986.

16

Contrariamente a lo sugerido por ORLOVE en Social Reseach, vol. 60, n° 2, 1993, p. 332, la visión tripartita del territorio del Perú como llanos, Sierra y Andes no es propia de la geografía republicana, sino que hunde sus raíces en las primeras representaciones hispanas del territorio. Ver VEGA 2005.

CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a El Rei D. Manuel. Dominus, São Paulo, 1963, en Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, http://www.cervantesvirtual.com (consultado en septiembre 2006).

17

En esta amplia producción, existen ejemplares en los que se retoma asimismo la relación monte/bosque como origen de los ríos. Para una revisión detallada de este problema, ver VEGA op. cit., Parte II, capítulo 4.

18

Un ejemplar de este mapa se encuentra en la John Carter Brown Library, ver información de catálogo e imagen en The Archive of Early American I m a g e s , http://www.brown.edu/Facilities/ John_Carter_Brown_Library/pages/ea_hmpg.html (consultado en marzo 2005).

19

COLÓN, Cristóbal. Textos y documentos completos. Relaciones de viajes, cartas y memoriales. Edición, prólogo y notas de Consuelo Varela, Madrid, Alianza Editorial, 1982. D' AILLY, Pierre. Ymago Mundi y otros opúsculos. In: VERGER, Antonio Ramírez de (ed.). Madrid, Alianza, 1992. DAINVILLE, François de. La géographie des humanistes. París, Beauschène et fils, 1940. DILKE, Margaret y BRANCATI, Antonio. “The New World in the Pesaro

MERAS op. cit., p. 130 y SANZ 1960, vol. II, 1344, lo fechan en 1548, mientras

32

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

map”. In: Imago Mundi (Amsterdam), vol. XXXI, 1979.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

MIGNOLO, Walter. The darker side of Renaissance. Literacy, territoriality and colonization. Ann Arbor, The University of Michigan Press, 1995.

DOMINGO, Mariano Cuesta. “Alonso de Santa Cruz cartógrafo y fabricante de instrumentos náuticos de la Casa de Contratación”. In: Revista Complutense de Historia de América. (Madrid), 2004, Vol. 30, 11.

NEBENZAHL, Kenneth. Atlas de Colón y los grandes descubrimientos. Madrid, Magisterio, 1990.

DUSSEL, Enrique. 1492, el encubrimiento del otro. Hacia el origen del 'mito de la modernidad'. Madrid, Nueva Utopía, 1992.

NORDENSKIÖLD, A. E. Facsimile Atlas to the early history of cartography with reproductions of the most important maps printed in the XV and XVI centuries [Estocolmo, 1889]. Traducción y edición de Johan Adolf Ekelöf y Clements Markham, Nueva York, H. P. Kraus Reprint Corporation, 1961.

ENCISO, Martín Fernández de. Suma de geographia (1519). Edición y estudio de Mariano Cuesta Domingo, Madrid, Museo Naval, 1987. GANDÍA, Enrique de. Historia crítica de los mitos y leyendas de la conquista americana. Buenos Aires, Centro Difusor del Libro, 1946.

O'GORMAN, Edmundo. La invención de América. Investigación acerca de la estructura histórica del Nuevo Mundo y del sentido de su devenir. México, FCE, 1984 [primera edición 1957].

GLACKEN, Clarence. Huellas en la playa de Rodas. Naturaleza y cultura en el pensamiento occidental desde la Antigüedad hasta finales del siglo XVIII. Barcelona, Ediciones del Serbal, 1996.

ORLOVE, Benjamin. “Putting race in its place: orden in colonial and postcolonial peruvian geography”. In: Social Reseach, vol. 60, n° 2, 1993.

KLINE, Naomi Reed. Maps of Medieval Thought: The Hereford Paradigm. Woodbridge, The Boydell Press, 2001.

OVIEDO, Gonzalo Fernández de. Sumario de la natural historia de las Indias [primera edición 1525]. Edición, introducción y notas de José Miranda, México, Fondo de Cultura Económica, 1950.

LISTER, Raymond. Old maps and globes: with a list of cartographers, engravers, publishers and printers concerned with printed maps and globes from c.1500 to c.1850. Londres, Bell, 1979.

PARRY, J. H. The Discovery of South America. Londres, Paul Elek, 1979.

LÓPEZ, José Martín. Cartógrafos españoles. Madrid, Ministerio de Fomento, Centro Nacional de Información Geográfica, 2001.

PEASE, Franklin. Las crónicas y los Andes. México, FCE, 1995. RODRÍGUEZ, Ileana. Transatlantic topographies. Islands, highlands, jungles. Minneapolis, University of Minnesota Press, 2004.

MARTIN, Lawrence. “A manuscript atlas by Battista Agnese” [1944]. In: RISTOW, Walter (ed.). A la carte. Selected papers on maps and atlases. Geography and map division Library of Congress, Washington, 1972.

SANZ, Carlos. Bibliotheca Americana Vetustissima. Ultimas adiciones. Madrid, Librería General Victoriano Suarez, 1960, vol. II.

MENÉNDEZ-PIDAL, Gonzalo. La imagen del mundo hacia 1570 según noticias del Consejo de Indias y de los tratadistas españoles. Madrid, Consejo de la Hispanidad, 1944.

The Archive of Early American Images, http://www.brown.edu/Facilities/ John_Carter_Brown_Library/pages/ea_hmpg.html (consultado en marzo 2005).

MERAS, Martín. Cartografía marítima hispana. La imagen de América. Barcelona, Lunwerg Editores, 1993.

VEGA, Alejandra. Descripción geográfica e identidad territorial: representaciones hispanas de la cordillera de los Andes del reino de Chile en el siglo XVI. Tesis para optar al grado de Doctor en Historia,

33

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Pontificia Universidad Católica de Chile, 2005. VINDEL, Francisco. Mapas de América en los libros españoles de los siglos XVI al XVIII (1503-1798). Madrid, s.n. (Góngora Impresores), 1955. VORSEY JR., Louis de. Keys to the encounter. A Library of Congress Resource Guide for the Study of the Age of Discovery. Washington, Library of Congress, 1992. WAGNER, Henry. “Manuscript Atlases of Battista Agnese”. In: Papers of the Bibliographical Society of America, XXV, 1931.

34

EL GRAN MAZAPA: DE SEÑOR A TRIBUTARIO Flora L. I. Salazar Ledesma Investigadora del Instituto Nacional de Antropología e Historia - Centro Tabasco. e-mail: [email protected]

RESUMO Nesse artigo se narram os momentos mais relevantes da história da transformação da parte inferior da bacia do rio Mazapa (no Estado de Tabasco, México), que atualmente é conhecido como rio Grijalva Mexcalapa. Junto com o rio Usumacinta e o Grijalva, o Mazapa foi formador da planície aluvial do Golfo de México, na qual se sustenta a maior parte do Estado de Tabasco, no sudeste do México. Acompanhando os diversos nomes que foram dados a este rio desde a conquista até o século XX, são revisados brevemente os fatos que marcaram a história humana e hidrológica, chamando-se a atenção sobre o desvio do seu leito principal no século XVII e os conseqüentes transtornos hidrológicos e da memória histórica. Palavras-chave: mudança do leito fluvial, rio Mazapa, toponímia de rios

ABSTRACT

Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

In this paper, historic moments are narrated relevant to the transformation of the Mazapa River Basin lowlands (in the state of Tabasco, Mexico), currently known as the Mexcalapa-Grijalva River Basin. Along with the Usumacinta and Grijalva Rivers, the Mazapa formed the Gulf of México's alluvial plain and has sustained a large part of the Mexican southwestern state of Tabasco. While tracing the many names given this river since the Spanish Conquest up to the XX century, we briefly review the facts that marked human and hydrologic history, calling attention to the diversion of its principal riverbed in the XVII century and consequential adverse effects on hydrologic and human memory. Keywords: riverbed change, Mazapa River, toponyms of rivers 1

1. EL MAZAPA. EL INGENIERO CONSTRUCTOR DE LA CHONTALPA

E

n 1579, cuando el encomendero de "yndios de Guaviçalco”2 y Tabasquillo, Melchor de Alfaro Santa Cruz, realizó su "pintura de la provincia de Tabasco en la gobernación de iucatan" para el rey Felipe II, el río Mazapa hacía cientos de años que había emigrado del poniente al oriente, dejando la huella de su delta primitivo muy clara para los

35

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

hombres del siglo XXI, que la observamos a través de las imágenes satelitales.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

río Grijalva nacía en la Sierra Norte de Chiapas y seguía un curso surnorte hasta su desembocadura en la barra principal o del Grijalva en el golfo de México, mientras el Mazapa venía de la sierra guatemalteca de los Cuchumatanes, atravesando todo el estado de Chiapas, de sureste a noroeste, y viraba hacia el norte penetrando la llanura, en la Chontalpa, para desembocar, también en el golfo, en la barra de Dos Bocas.

Fig. 1. Ubicación geográfica de la República Mexicana y del estado de Tabasco con sus colindantes. Fuente: Image © 2007 NASA/ Image © 2007 TerraMetrics/ © 2007 Europa Technologies/ 2006 © Google.

Cuando el encomendero realizó su "pintura" para el rey de las Españas, el Mazapa ya había formado un nuevo delta, cuyas corrientes depositaban continuamente el aluvión acarreado en sus aguas, enriqueciendo la tierra de la pródiga provincia. Al tiempo de la conquista, ese delta lo habitaban pueblos de filiación mayence llamados chontales3 , por lo cual lo españoles llamaron a este complejo de organización humana y formación geohidrológica: Chontalpa4 . El río Mazapa, el Grijalva y el Usumacinta5 formaron conjuntamente la llanura aluvial o llanura costera del golfo (de México), y la Chontalpa ocupa actualmente 1/3 de esa llanura en el territorio del estado de Tabasco en el sureste de la República Mexicana. En tiempos del encomendero de indios, lo tres ríos constituían sus propias cuencas hidrológicas, diferentes, pero vinculadas entre sí. El

Fig. 2 Fragmento del plano de SCHOLES y ROYS 1968, que muestra el río Mazapa desde su nacimiento en Guatemala hasta su desembocadura en Tabasco durante el siglo XVI. Actualmente la corriente se nombra Grijalva Mexcalapa y el cauce principal antiguo, en la cuenca baja, Río Seco. Después del siglo XVII varios distributarios han sufrido una recomposición hidrológica o bien desaparecido.

36

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

El delta del Mazapa o cuenca baja del río, se constituía por una profusa red de cuerpos de agua: ríos anastomosados, canales, lagunas, ciénegas y sistemas conformados por la combinación de todos ellos: los sistemas limnológicos, además de las albúferas o penilagunas y barras del litoral, trabajo conjunto del encuentro entre el río, el mar y el viento. Sin embargo, Melchor de Alfaro Santa Cruz sólo dibujó y coloreó de azul, para el rey Felipe, los cuerpos "más señalados" de la cuenca baja: el cauce principal, dos grandes sistemas limnológicos, por Santa Cruz llamados "lagunas de Cimatanes grandes y laguna(s) de Taxagual"; y los distributarios desprendiéndose de la margen derecha del cauce principal: el "río llamado Acachapa", el "río llamado Sucalapa", dos ríos sin nombre, uno de los cuales se muestra desembocando en una penilaguna (identificada como Mecoacán (SALAZAR 2004, pp. 400-417) y el otro desembocando en Taxagual; un río "llamado de Guimango" entre los dos sistemas de Cimatanes Grandes y Taxagual; tres corrientes derivadas de dicho sistema: el "río de Sultepeque" (hoy González) que "nace de lagunas" y dos desagües sin nombre que junto con el Acachapa o Ayacachapan (hoy Carrizal6 ) establecían comunicación entre las cuencas del Mazapa y del Grijalva, este último de mayor importancia social y económica de la provincia tabascana.

II

Fig. 3 Esquema del plano de la provincia de Tabasco de 1579 que muestra: I) los cauces principales: el río Grijalva, el Usumacinta y el Mazapa o Dos Bocas (con su delta y cuenca baja sombreados). II) Ríos: 1) "Grixalva", 2) "Sultepec" (González), 3) "Dos Bocas" (Mazapa, Río Seco), 4) "Cupilco" (Santa Ana), 5) "Sucalapa" (Chacalapa), 6) "de Guimango" (Cunduacán), 7) "Acachapa" (Carrizal), 8) "Mexcalapa" original, 9) "Ixtacomitán", 10) "de Grixalva" (de La Sierra), 11) "Oçumacinta" (Usumacinta). Albúferas: A) "Términos", B) sin nombre (Mecoacán). Sistemas limnológicos: C) Taxagual, D) "Cimatanes grandes". Fuente: "Pintura de la provincia de Tabasco en la gobernación de iucatán", de Melchor de Alfaro Santa Cruz, 1579 (original del Archivo General de Indias —AGI).

2. EL SAN BERNABÉ Y EL DOS BOCAS 2.1. Las fronteras de agua de los Ahualulcos, Cupilcón y los Cimatanes. Sesenta años antes de que Melchor de Alfaro junto con su "pintura", respondiera el cuestionario elaborado por la administración del rey Felipe II sobre los recursos humanos y naturales de sus colonias americanas7 , el español Juan de Grijalva

I

37

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

penetró por primera vez el territorio de la provincia prehispánica de Potonchán — "la mejor tierra que el sol alumbra" —, a través del caudaloso río que venía "de unas sierras muy altas" (Juan Díaz, apud CABRERA BERNAT 1987, p. 25) y que, se dice, llevaba el nombre del señor principal de aquella provincia: Tabasco. Grijalva lo renombró como "río de Grixalva", y desde entonces se señaló así en las "cartas de marear" (cartas de navegación). Su capellán, Juan Díaz, escribió que, después de pasar ese río, se fueron costeando hasta encontrar un río con dos bocas, del que salía agua dulce y al cual se le nombró "de San Bernabé", porque llegaron a aquel lugar el día de esto santo (ibidem). Un año después, en 1519, el conquistador, natural de Extremadura, Hernán Cortés, comandando la siguiente expedición proveniente de Cuba, entró por el recién nombrado Grijalva (aunque él siempre se refirió a la corriente como "río de Tabasco") hasta el asiento mismo de los señores principales de Potonchán, y pasados unos días, en los llanos de Centla, se enfrentó militarmente con sus guerreros y con los de nueve provincias más, convocados por Potonchán. Después de esa batalla conocida como "de Centla", Cortés, en un acto de dominio, renombró al asentamiento indígena como "Santa María de la Victoria". El conquistador marcó con su espada la corteza de una ceiba (ceiba pentandra)8 y el capellán de la expedición celebró el Sacrificio Eucarístico. De allí, el extremeño partió al corazón del imperio mexica9 : México-Tenochtitlan, al cual también venció militarmente en 1523 y en octubre de 1524 regresó a Tabasco con el propósito de alcanzar Honduras y castigar a su infiel capitán Cristóbal de Olid. Contra toda lógica indígena, Cortés planeó atravesar Tabasco por tierra, aun cuando la "figura de la tierra", hecha en un paño que le entregaron los sometidos señores de Potonchán y Xicalango10 , era de carácter hidrográfico11 , pues la movilización de los nativos era preferentemente fluvial y lacustre. El conquistador precisó al emperador Carlos I de España y V de Alemania: "[…] los caminos de tierra no los sabían, (pues) ellos no se sirven sino por agua" (CORTÉS 1993, p. 223).

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

Tanto el capitán como su alférez, "el soldado cronista" Bernal Díaz del Castillo, narraron el viaje a través de Tabasco: Cortés en sus cartas al emperador (CORTÉS 1993) y Díaz en un escrito que, entre otras, tenía la intención de probar sus méritos y derechos a las encomiendas y desautorizar al capellán de Cortés, Francisco López de Gómara (DÍAZ 2002). De ambos escritos se sabe que, estando Díaz en la recién fundada Espíritu Santo, provincia de Coatzacoalcos, llegó Cortés de México y obligó a irse con él, con destino a Honduras, a más de 250 hombres entre caballeros, escopeteros y ballesteros, y otros venidos recientemente de Castilla así como una "manada" grande de indios mexicanos. Mientras proseguía su camino a través de Tabasco, Cortés envió, por un lado, a Bernal como capitán de 30 españoles y 3000 mexicanos a unos pueblos que estaban en guerra y se denominaban Zimatanes (también llamados Cimatanes o Cimatecos); y, por otro, a un "fulano" Vallecillo a fundar una villa de españoles: Santa María de la Victoria, a orillas del Trapiche, una corriente tributaria del Grijalva muy cercana a su desembocadura, y en el área donde muy probablemente hayan estado los llanos en los cuales, seis años antes, los españoles había derrotado a los chontales en la histórica batalla de Centla. Melchor de Alfaro Santa Cruz en 1579 retrató pues, al norte de la banda izquierda del río Acachapan, a los "tres pueblos llamados los Cimatanes" que solo hasta 1562 fueron definitivamente pacificados ya que después que Bernal Díaz los sometió en 1524-25, se volvieron a alzar (DÍAZ 2002, p. 461). Al tiempo de la llegada de los hispanos, los Cimatanes (Cunduacán, Cuacuilteupa y Cimatán), pueblos de filiación náhuatl, constituían uno de los tres centros mercantiles de Tabasco, junto con Potonchán y Xicalango. A través de ellos, los mexicas tenían presencia y control de algunos circuitos comerciales al interior de las provincias prehispánicas de filiación mayense del sureste, pero también parecen haber tenido relación con los pueblos zoques12 asentados en la Sierra Norte de Chiapas, contigua a la llanura del golfo, particularmente aquellos ubicados en la cuenca media del

38

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

gran Mazapa. Los Cimatanes constituían entonces una provincia diferente de las de chontales. Bajo su jurisdicción estaban las poblaciones hablantes de náhuatl en Tabasco: Pechucalco, Anta, Huimango y Cúlico, asentadas sobre los bordos13 del río de Guimango (hoy río Cunduacán) que nacía del sistema limnológico llamado por Alfaro Santa Cruz de "lagunas de Cimatanes grandes". Cortés, su ejército, los indios mexicanos y los cautivos Cuauhtémoc — último emperador mexica — y el señor de Tacuba, su primo Tetepanquetzal, partieron de Coatzacoalcos hacia Tabasco por la costa cruzando muchas ciénegas y ríos pequeños pero también tres muy grandes. El primero fue el "Tumalán" (hoy Tonalá), antiguo distributario del río Mazapa14 a pero ya desvinculado de éste cuando Cortés decidió cruzar Tabasco en aquel temprano siglo XVI. Después, el conquistador y sus huestes atravesaron un segundo gran río: el "Agualulco", que posiblemente sea el mismo río Cupilco15 de la "pintura" de Melchor de Alfaro y que Cortés dice que fue necesario pasarlo en embarcación con los caballos a nado llevándolos "del diestro de las canoas". Finalmente el tercer gran y "postrero" río, el mismo que Juan Díaz y la Armada de Juan de Grijalva en 1518 habían llamado "de San Bernabé", es decir, el Mazapa que:

Cimatanes con su compañía, por un pueblo llamado Iquinuapa o "Ycnoapa" (DÍAZ 2002, p. 462) que junto con "Gueimanguillo" y "Copilco Çacualco" eran las tres poblaciones chontales ubicadas en la frontera con los Ahualulcos. Estos tres pueblos estaban bajo jurisdicción de Cupilco o "Cupilcón", pues "desde allí comienza la provincia que llaman la Chontalpa" — a decir de Bernal Díaz — "o Cupilcón" — a decir de Hernán Cortés19 — y que era abundosa en fruta que llaman cacao y otros mantenimientos de la tierra y mucha pesquería; hay en ella diez o doce pueblos buenos, digo cabeceras, sin las aldeas, es tierra muy baja y de muchas ciénegas; tanto que en tiempo de invierno no se puede andar, ni se sirven sino en canoas, y con pasarla yo en tiempo de seca, desde la entrada hasta la salida de ella, puede haber veinte leguas, se hicieron más de cincuenta puentes, que sin se hacer fuera imposible pasar la gente, que estaba algo pacífica aunque temerosa […] (CORTÉS 1993, p. 223).

La expedición continuó hasta el "postrer" pueblo de la provincia de Cupilcón: "Anaxuxuca" (hoy Nacajuca) situada en la banda derecha del río "de Sucalapa" (hoy río Chacalapa20) para después alcanzar la siguiente provincia prehispánica de Zahuatán — que señalaba la "figura" del paño —, a la cual llegó después de cruzar el caudaloso río "Guezalapa" que vertía sus aguas al Grijalva. Así, Hernán Cortés, para adentrarse en la cuenca del Grijalva, dejó atrás la cuenca baja del gran río Mazapa el que, desde entonces, empezó a conocerse con su nuevo nombre español: Dos Bocas, "como le llamaron los marineros" (DÍAZ 2002, p. 461). De esta manera, en la profundidad de ese Tiempo que concluía con la presencia hispana, quedó hundido para siempre el nombre indígena, Mazapa, el que evocaba a los abundantes "habitadores" de sus riberas, es decir, los venados tamazates ("mazama") y los cola blanca (odocoileus virginianus).

por ser muy ancho, que no bastaban fuerzas de los caballos para los pasar a nado, hubo necesidad de buscar remedio, media legua arriba de la mar se hizo una puente de madera por donde pasaron los caballos y gente, que tenía novecientos y treinta y cuatro pasos16. Fue una cosa bien maravillosa de ver (CORTÉS 1993, p. 223)17.

Entre el Tonalá y el río de Copilco se encontraba la provincia de los Ahualulcos cuyos habitantes eran hablantes de náhuatl y popoluca18. Cortés y Díaz se reencontraron en el camino: el capitán habiendo cruzado el río Agualulco y Díaz, que venía de los

39

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

2.2. Las fronteras de agua de la Chontalpa española

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

3. EL RÍO SECO 3.1. Una desviación de envergadura

Para 1579, cuando Melchor de Alfaro Santa Cruz, encomedero de indios, realizó la "pintura" de Tabasco para el rey Felipe II, la provincia estaba organizada y administrada bajo la municipalidad española de Santa María de la Victoria, situada en la "boca y garganta" de Tabasco: la desembocadura del río Grijalva. La población indígena había disminuido más del 90% en relación a 1519 (GERHARD 1991, pp. 20, 21) y la que había logrado sobrevivir estaba, junto con la tierra, repartida en encomiendas, tributando a los españoles y a la Corona. Los españoles habían explorado y sometido gran parte del territorio provincial y definido sus límites aproximados con la provincia de Guazacoalco, "dos leguas más adelante del río Copilco" al poniente, con la provincia de Chiapa al norte, "en la cual cae una cordillera de sierras que dividen" (las provincias; RHG 1983, p. 419). Al oriente partía términos con la jurisdicción de Campeche, que al igual que Tabasco, pertenecía a Yucatán. Aquí sus límites llegaban hasta el Puerto Real y el Puerto Escondido en la gran albúfera de Términos y por el suroriente existía la densa masa forestal desconocida, habitada por los "lacandones infieles", de donde provenía — y proviene — el otro gran río constructor de la llanura: el Usumacinta. La administración del territorio provincial desde Santa María de la Victoria, villa de "Tavasco" o la Victoria, se daba ya de una manera regionalizada (SALAZAR 2006), de la cual la Chontalpa constituía una parte. Ésta, que era la mayor productora de cacao para el tributo y la venta, la conformaron los españoles a partir de la antigua provincia prehispánica de Cupilcón, descrita por Cortés, con su límite poniente en el río Cupilco, e incluyó la antigua provincia de los Cimatanes hasta el río Acachapan por el sur. Por el oriente, el río Grijalva y el sistema limnológico de Taxagual eran sus fronteras con la región que conformaban el mismo Grijalva y los pueblos de la Sierra. Los Ahualulcos habían permanecido aparte de Tabasco, quedado bajo la jurisdicción de Coatzacoalcos y hacia el sur del Acachapan, en tierras deshabitadas, se iniciaba un proceso de población española basado en la ganadería, fundamentalmente con mano de obra esclava y asalariada (SALAZAR, 2004).

Para asentar sus reales en Tabasco durante el siglo XVII, los corsarios ingleses se tardaron varias décadas. Los franceses, aunque con su patente de corso se movilizaban por las Antillas desde el temprano siglo XVI (1520-22), hicieron algunas visitas non gratas a Campeche y Yucatán entre 1550 y 1570, y los ingleses empezaron a merodear por Términos, Veracruz y Tampico con los barcos del comerciante John Hawkins en la década de 1560 hasta que la derrota de la Invencible Armada española en 1588 les dio paso franco a los puertos del golfo de México (CASAS 2002). Melchor de Alfaro Santa Cruz informó al rey Felipe II que, hacia 1570, se había visto a los ingleses abasteciéndose de leña y agua dulce en el río Dos Bocas. En el siglo XIX el naturalista tabasqueño José N. Rovirosa recogió en su Ensayo histórico sobre el río Grijalva (1946), la tradición que existía entre los habitantes de la capital de Tabasco (entonces llamada San Juan Bautista), que en 1596 los ingleses habían asaltado a La Victoria. Por esta razón los habitantes de Santa María de la Victoria se habían visto obligados a trasladarse al sitio de San Juan de Villa Hermosa, 20 leguas tierra adentro a orillas del río de Grijalva, llevándose con ellos la imagen de la Patrona: la Virgen Santa María de la Victoria, “La Conquistadora”, representada en el escusón del escudo actual del estado de Tabasco. Hoy se sabe que el proceso de traslado de las autoridades y habitantes de Santa María a San Juan duró cuarenta o más años21, hasta que el virrey Marqués de Guadalcázar — después del asalto en que los holandeses quemaron y devastaron La Victoria en 1641 — ordenó el traslado oficial de la población y sus autoridades a San Juan y ésta se constituyó en la nueva capital de la provincia, sede de la municipalidad (IZQUIERDO 1995). El registro del inicio de una presencia pirática constante en Tabasco se ubica hacia mediados del siglo XVII con ese asalto holandés a la villa de españoles. Esta presencia signó profundamente la historia de la provincia durante esa centuria, aciaga tanto para la metrópoli española como para sus colonias americanas. Para Tabasco

40

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

el siglo XVII fue tiempo de declinamiento de su producción principal: el cacao, de abatimiento económico general, de grandes movilizaciones demográficas, de dos cambios de asientos primados (de Santa María de la Victoria a San Juan de Villa Hermosa y de aquí a Tacotalpa), de organización de la defensa del territorio, de competencia entre Audiencias por mantener bajo su jurisdicción a los indios tributarios y por agrandar o defender límites jurisdiccionales. Fue un tiempo de desaparición de unos pueblos y la reubicación de otros y de un cambio trascendente, fundamental para la cuenca baja del antiguo Mazapa y la historia hidrológica de Tabasco. Gracias a la presencia pirática, los pueblos de la Chontalpa, del Grijalva y del Usumacinta más próximos a las costas debieron reubicarse en lo profundo del territorio provincial o de otras jurisdicciones como los Ahualulcos y Chiapas; otros desaparecieron, y los pobladores de algunos que los abandonaron fueron animados por las autoridades a regresar bajo el incentivo de la exención del tributo por dos o cuatro años (RUZ 2002). Las autoridades gobernantes provinciales clamaron a las virreinales por una armada que defendiera las costas y las muchas entradas fluviales de la provincia. Sin embargo la respuesta de las autoridades fue lenta. Aún así, los tabasqueños accedieron a gravar su producción (cacao, cueros, tintales, los indios y sus tributos, etc.), así como algunos productos de importación (plomo, hachas, machetes, ropa, vino, tela, loza, cera, etc.), para sostener durante cuatro meses22 a 25 infantes enviados por le virrey, además de continuar con su organización y recursos propios para defenderse ellos mismos con sus esclavos e indios (EUGENIO MARTÍNEZ 1971). Sin embargo los piratas23, cuyo centro de operaciones fue la isla del Carmen en la penilaguna de Términos en Campeche, asolaron Tabasco, llegando a remontar tan adentro el Grijalva que alcanzaron San Juan de Villa Hermosa, incendiándola, y penetraron hasta los pueblos de la sierra y la capital de la provincia: Tacotalpa (Dampier apud CABRERA BERNAT 1987, pp. 235274). Noticias varias se tienen del robo de maíz, cacao, animales, y personas que fueron vendidas como esclavas en las Antillas. Las autoridades, entre otras disposiciones para la defensa, ordenaron a los pobladores de los Partidos de la

Chontalpa y de La Sierra que hicieran […] trincheras, fosos y fortificaciones que tenemos ofrecido por la junta de 19 de marzo del año de 76, y que el vecino que no bajare se le admita persona [sustituta]. Y asimismo bajen de cada pueblo los indios que fueren necesarios, con sus hachas y machetes para el trabajo y corten palos. Éste es nuestro parecer y sentir y lo firmamos (rúbricas; apud RUZ 2002, p. 14).

Es probable entonces que este haya sido el contexto en el cual se llevó a cabo la desviación del Dos Bocas, el río más caudaloso de la provincia. Se considera que fue hacia 1675, aprovechando un "rompido”24, que el cauce principal del gran río fue desviado al oriente por acción de la voluntad y trabajo humanos, con lo cual la corriente empezó a verter la mayor parte de su caudal al río Grijalva (Luis Echegaray Bablot apud FALCÓN DE GYVES 1965, p. 13). Así fue cómo el gran Mazapa cambió su condición de señor a la de tributario. La alteración hidrológica del delta antiguo, la que empezó a suscitarse después de la desviación del cauce principal, se dejó sentir prontamente según se puede apreciar en las descripciones que hiciera el privateer galés, William Dampier, quien tuvo oportunidad de conocer Tabasco. Es probable que la siguiente la haya realizado durante su segunda estancia en el sureste de México entre 1679 y 1688. Acerca del río Chiltepec, el "llamado Sultepec" por Melchor de Alfaro, proveniente de las lagunas de Taxagual en 1579, Dampier dice: El Checapeque es más un arroyo salado que un río, porque su boca no es más de veinte pasos de ancho y de cerca de ocho a nueve pies de agua sobre el dique [se refiere a la barra] [aunque] dentro hay doce o trece pies en lo bajo y buena navegación para la barcas, media milla desembocadura adentro (Dampier apud CABRERA BERNAT 1987, p. 271).

41

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

como un registro oficial25 la fecha precisa ni el detalle de las circunstancias de una desviación fluvial de tal envergadura, salvo el hecho de su desvío y los nombres con los cuales — no se sabe cuándo, quizás a principios del siglo XVIII — el antiguo cauce principal de la cuenca baja trocó su segundo nombre español "Dos Bocas" por el de "Río Seco" y el cauce desviado tomó el nombre de "Mexcalapa”26. La memoria parece haberse conservado de forma muy aislada, en pedazos, y bajo el manto de una leyenda de piratas, quizás gracias a esos pocos testigos atribulados que permanecieron o a aquellos que pudieron regresar a repoblar sus pueblos, habiendo huido de asaltos, incendios, violaciones y profanaciones. En 1880-81 el francés Désire Charnay viajó del puerto de Guadalupe de la Frontera por la costa tabasqueña hacia el oeste; penetró por el río Chiltepec, ya conocido entonces como Río González, prosiguió hacia la penilaguna de Mecoacán para pasar a Paraíso, una villa que, como Comalcalco, había sido fundada a principios del siglo XIX sobre antiguas islas del Río Seco. El explorador y fotógrafo hizo la siguiente descripción:

Respecto al Dos Bocas agregó: Una legua al oeste del Checapeque hay otro río pequeño llamado Dos Bocas al que solo pueden acceder las canoas; tiene un dique en su desembocadura y por lo tanto es algo peligroso […]. Este río no hace flotar una canoa más de una legua desembocadura adentro, hasta donde es salado; pero allí se encuentra con una corriente de agua dulce, cerca de una legua hacia arriba por la comarca; y más allá de ésta hay despejadas sabanas de pastizales altos, bordeadas por montes [se refiere al bosque tropical perennifolio] de tierra tan rica como la que más en el mundo (ibidem, p. 272).

La espina dorsal que De Alfaro Santa Cruz describió como una corriente grande y caudalosa, que venía "con gran furia" y entraba "la mar dos o tres leguas de agua dulce" (RHG 1983, p. 369) había sido cegada. Al cancelar el cauce principal del río se dio inició al trastorno hidrológico del delta en su conjunto y se inició la desecación progresiva de la cuenca baja del antiguo gran Mazapa. Por las noticias que se tienen, para entonces la Chontalpa parece haber estado completamente despoblada en su franja costera y bastante despoblada en su parte centro-sur como consecuencia de la presencia pirática. Pero si hubieron algunos que, a pesar de todo, pudieron permanecer en la región durante el último cuarto del siglo XVII y ser testigos de la desecación del majestuoso río, de más de 1.000 metros de anchura (GONZÁLEZ 1946. p. 66), que penetró la mar con su agua dulce entre 8 y 12 kilómetros. Ello debió causar a estos habitantes una profunda e imborrable impresión, tal como debió hacerlo en el espíritu de los pueblos marinos y pescadores del Aral, la desecación de su mar en el siglo XX, fuente de su cultura y sobrevivencia. Ninguna comunidad, sin embargo, parece haber registrado para la posteridad como historia y tradición propias de su pueblo ni

[…] el río Seco, por el cual navegamos a todo remo, nos ofrece a cada paso nuevas perspectivas, asuntos deliciosos y grandes cuadros capaces de causar pasmo a un artista. La corriente rápida arrastra bonitas plantas redondeadas parecidas a lechugas de un color amarillo o verde claro; navegan solas o en grandes grupos formando pequeñas y lindas balsas que recuerdan las chinampas27 de los lagos de México […] pero al remontar el río Seco, observamos que esta corriente, pequeña hoy, fue en otro tiempo un gran río, cuyo curso debieron cambiar la naturaleza o el hombre en época indeterminada. Y en efecto, este riachuelo corre por el fondo de una ancha barranca de orillas muy altas, que representa el lecho de una poderosa corriente […] (Désire Charnay apud CABRERA BERNAT 1987, p. 579).

42

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

3.2. Buscando la memoria de sí mismos Para los estudiosos mexicanos del siglo XIX que buscaron una identidad nacional después del movimiento de Independencia (1810-1821) y entre las luchas político-militares por definir un Estado y una nación (1821-1867), el conocimiento y comprensión del pasado indígena y colonial se les hizo indispensable. En particular, para los estudiosos tabasqueños del nuevo estado libre y soberano de Tabasco, el pasado de la provincia colonial de los siglos XVI, XVII y gran parte del XVIII se les apareció velado gracias a las consecuencias devastadora que la presencia pirática tuvo en la demografía y la economía, los asentamientos, los archivos, las tradiciones, la memoria, los ríos, etc. Para los tabasqueños decimonónicos, la identidad de sus propios ríos — venas entrañables y principalísimas de su vida — se encontraba sumergida también en una oscuridad espesa. Esta situación debieron enfrentarla los pensadores que asumieron la empresa de búsqueda del pasado propio. En su Compendio histórico, geográfico, y estadístico del estado de Tabasco (1869), el presbítero Manuel Gil y Sáenz recogió en la Chontalpa, lo que, vagamente, había permanecido en la memoria acerca de la desviación del Dos Bocas. Planteó, asimismo, que el original río Grijalva era, en realidad, el río Dos Bocas conocido como Río Seco. Más tarde, el sabio José Narciso Rovirosa (1946, p. 18 ó 396)28 aunque no estaba de acuerdo, reconocía que la primera historia escrita de Tabasco de Gil y Sáenz, había tenido, entre otros méritos, el de sacar a la luz "hechos que se consideraban envueltos en las tinieblas de la tradición perdida". En el último cuarto del XIX los estudiosos tabasqueños contaban además del Compendio de Gil, con una historia oral hecha de retazos cosidos con ficciones y grandes lagunas, con los escritos de los conquistadores y cronistas del siglo XVI; con algunos escritos oficiales coloniales (mercedes reales, cédulas, etc.) en manos de las familias así como unos cuantos conservados por los Cabildos, además de ciertos documentos cartográficos

Fig. 4 Cuenca baja del antiguo Mazapa. Los cuerpos de agua señalados con “b” (penilaguna de Mecoacán), “c” (último tramo del río González – "Sultepec" - que nacía en el sistema de Taxagual) y “g” (antiguo Acachapa hoy Carrizal) han permanecido. Los cuerpos casi o completamente desecados son: “a” cauce principal del Mazapa en la cuenca baja, desviado en el siglo XVII, “E” sistema de Cimatanes grandes, “D” sistema de Taxagual. Los cuerpos que constituyen una recomposición hidrológica son los señalados con “F”. Los cuerpos “g” (Acachapan hoy Carrizal) y “h” (Río Viejo Mexcalapa) se involucran directamente en el desvío del río en el siglo XVII. El Río Viejo Mexcalapa no es el mismo que el Mexcalapa original del siglo XVI. Fuente: Mapa 2a de SALAZAR 2004.

43

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

conjuntados y dados a conocer por los estudiosos, varios de ellos miembros de sociedades científicas como la Sociedad Mexicana de Geografía y Estadística. La "pintura" del encomendero de "yndios" Melchor de Alfaro Santa Cruz había quedado olvidada entre los archivos coloniales de España así como las complementarias Relaciones HistóricoGeográficas, que sólo fueron dadas a conocer en Madrid hasta 1898, y después de 1917 en Tabasco. Asimismo, tomaban en cuenta las aportaciones de los viajeros extranjeros, cuyas exploraciones y comisiones tenían entre sus objetivos políticos, económicos y militares, también el de dar a conocer al mundo europeo las antigüedades mexicanas, contribuyendo con ello a la discusión sobre los hechos históricos pasados y la filiación de los restos materiales. Se hicieron variadas especulaciones sobre los caminos que el río desviado pudo haber tomado para unirse al Grijalva y sobre el origen de algunas corrientes de la Chontalpa; sin embargo la atención principal de los pensadores decimonónicos estuvo dedicada a esclarecer si el tramo del río que iba de San Juan Bautista (hoy Villahermosa) a la desembocadura al golfo de México en la barra de Frontera era el mismo río "de Grixalva" que Juan de Grijalba había bautizado con su apellido en 1518 o era el Dos Bocas como lo planteaba Gil y Sáenz29. La necesidad perentoria de saber si el Grijalva del siglo XVI era el mismo Grijalva del siglo XIX abrió la discusión. Algunos otros pensadores disertaron al respecto, como Justo Cecilio Santa Ana y Rómulo Becerra Fabre, pero correspondió al Ensayo de Rovirosa (1946) aclarar varias dudas y sentar las bases para estudios posteriores. Rovirosa demostró que el río descubierto por Juan de Grijalva el 8 de junio de 1518 era el mismo que en 1897 llevaba el nombre de Grijalva y que el Río Seco había sido el cauce principal del río "Mezcalapa" que salía al mar por la barra de Dos Bocas. Al Río Seco lo identificó también como la misma corriente que en el temprano siglo XVI los marineros de Juan de Grijalva habían nombrado San Bernabé. El sabio naturalista afirmó que las ruinas de Comalcalco30 pertenecían a una civilización anterior a los

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

tabasqueños del siglo XVI, por lo que no podían identificarse como las ruinas de Centla, donde Cortés y sus capitanes habían sostenido la batalla derrotando a los guerreros chontales de Potonchán y ocho provincias más. Rovirosa sugirió que el sitio de Centla podría haber estado en las inmediaciones de una hacienda ubicada en el área de la ciudad-puerto de Frontera (ROVIROSA 1946, pp. 49, 50)31. El autor no pudo determinar la fecha del desvío del gran Mazapa, pues primero lo situó entre el último tercio del siglo XVI y principios del siglo XVII (ibidem, p. 8 ó 386) y páginas adelante, aludiendo a la Exposición del gobernador José Víctor Jiménez32, la ubicó en el siglo XVIII (ROVIROSA 1946, pp. 11, 12 ó 389, 390), como Gil y Sáenz, que pensaba que había sido en 1765, de manera que, junto con el periodo de la presencia pirática en la provincia, el periodo de la desviación del gran río habría de permanecer en la oscuridad todavía largo tiempo. Pocos años más tarde, para otro estudioso destacado, el ingeniero Pedro González (1946), las cosas tampoco pudieron precisarse con positiva certeza. En 1904 González situaba el hecho antes del siglo XVII o seguramente antes del siglo XVIII (GONZÁLEZ 1946, p. 47). 4. EL RÍO GRIJALVA-MEXCALAPA 4.1. En busca de un río perdido Se sabe hoy que, por lo menos desde el último cuarto del siglo XVIII, la cartografía borbónica registraba ya en la provincia, una corriente llamada "Mescalapa" que iba "desde la entrada de Villa hermosa asta la jurisdicción de Guathemala" y otra llamada "Río Seco" en la "Raya de Tavasco" (Representación del rio Mescalapa desde la entrada de Villahermosa asta la jurisdicción de Guatemala con los nombres de los pueblos, ranchos, Aciendas de ganado […] 12 de sepmre de 1776. Plano del Archivo General de la Nación — AGN — México), pero a finales del siglo XIX, aunque las identidades del Grijalva y el Río Seco habían quedado claramente establecidas mediante el trabajo de Rovirosa, nadie se preguntó cuándo, ni cómo, ni por qué, el tramo de la corriente que entraba a Tabasco proveniente de Chiapas lo había empezado a hacer con

44

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

el nombre de "Mexcalapa". Ninguno de los que reflexionaron sobre estos fenómenos en el siglo XIX pareció reparar en las palabras de Cortés, que mencionan el cruce peligroso por "un muy poderoso río" llamado "Guezalapa" (fig. 3 II) anterior a los pueblos de la Sierra de Tabasco y "que es uno de los brazos que entran en el Tabasco" (CORTÉS 1993, p. 224), mientras Bernal Díaz identifica "otro gran río que se dice Mazapa, que es el que viene de Chiapa, que los marineros llaman Río de Dos Bocas" (DÍAZ 2002, p. 462). En la primera mitad del siglo XX, los pensadores tabasqueños Marcos Becerra y Diógenes López Reyes, ya conociendo la "pintura" de Alfaro Santa Cruz, aunque disertaron sobre los caminos que habrían podido tomar, por un lado, el río grande de Chiapas en su desviación hacia el oriente y, por otro, Cortés en su ruta por Tabasco a las Hibueras, los nombres "Guezalpa", "Mazapa" y "Mexcalapa" no parecieron señalarles la posibilidad de que se tratara de entidades fluviales distintas. Los ríos mencionados en el siglo XVI por los conquistadores constituían, en su pensamiento, un solo y único río: el Mexcalapa de siempre, el que corría al sur de San Juan Bautista y tributaba sus aguas al Grijalva y que después de 1881 había tomado el nombre de "Río Viejo Mexcalapa", en contraposición con otro flujo paralelo, al norte, que el gran río empezó a verter desde 1875 por el rompido de Manga de Clavo y que se llamó "Río Nuevo" (Carrizal-González), metiendo en problemas a la navegación en el Viejo Mexcalapa. Entre los primeros investigadores del siglo XX que recuperaron de Bernal Díaz el nombre indígena original del río del siglo XVI, antes de su desviación, estuvieron France V. Scholes y Ralph L. Roys (1968). Posteriormente Robert C. West, Norbert P. Psuty y B. G. Thom (1969) continuaron llamando Mazapa al cauce principal del río en Tabasco. Estos autores, tomando en cuenta la "pintura" de Santa Cruz intentaron identificar de qué manera el gran río había tomado cauce al oriente en el siglo XVII y pensaron que el Mazapa, al ser desviado al oriente, había corrido por el cauce del que ahora se llamaba Río Viejo Mexcalapa, al cual identificaron con el "Acachapa" del plano de Santa Cruz, y no con el Carrizal, ya que éste había “nacido” en 1881 como "Río Nuevo". Por lo tanto el

curso del río pintado y claramente identificado en el siglo XVI como "Mexcalapa" solo podía ser una invención por ignorancia o un error del cartógrafo, dada la singular forma circular de su plano que deforma la representación física. Con la interpretación de West, Psuty y Thom, respetados autores y clásicos de la historiografía tabasqueña, se canceló la posibilidad de utilizar la cartografía de Alfaro Santa Cruz como una fuente confiable del siglo XVI en lo que respecta a la hidrografía del Mazapa y del Grijalva de esa centuria. De esta manera resultó imposible ubicar en ese mapa, por ejemplo, el lugar donde habría podido estar el asentamiento primario de lo que fue después la ciudad capital, puesto que las corrientes actuales y las de entonces no parecían tener relación alguna. Fue necesario repensar nuevamente el problema. En 2002 quien suscribe (SALAZAR 2002) planteó la posibilidad de que el río "llamado Mexcalapa" del siglo XVI hubiera existido tal cual lo pintó Santa Cruz: proveniente de las montañas de la Sierra Norte de Chiapas e independiente del río Mazapa. Que efectivamente fuera el "Guezalapa" de Cortés, tributario del Grijalva. Pero, si así hubiera sido, ¿dónde estaba ahora ese río? Se lanzó entonces la hipótesis de que a la altura de los 17° 52´ 18” Lat. N y los 92° 58´ Long. W, el tramo del curso del Río Viejo Mexcalapa ya próximo a la actual ciudad de Villahermosa, constituyera el único resto del curso del original y verdadero Mexcalapa, proveniente de las montañas del Pantepec donde se encuentra el volcán Chichonal y al cual el Mazapa unió sus aguas bordeando las laderas norte de una isla del Pleistoceno, como actualmente corre el Río Viejo Mexcalapa. El mismo Rovirosa proporcionó en su Ensayo (1946, p. 436) un dato precioso sobre una merced de tierras en 1613, es decir, antes de la desviación del Mazapa, cuya ubicación habría estado actualmente al sur de Villahermosa. La merced tenía como linderos: al río Ixtacomitán, al Teapa y al Mexcalapa, los mismos ríos y la misma relación entre ellos que Santa Cruz señala en su dibujo. Gil y Sáenz, por otro lado, menciona que en 1648 hubo “una gran niebla y humo muy condensado que oscureció por muchos días, llenándose de espanto y pavor los habitantes de estas comarcas” (GIL Y SÁENZ

45

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

1979, p. 123), lo cual plantea un posible evento geológico relacionado al volcán y permite especular sobre la posibilidad de que esto pudiera haber influido en el cambio de las corrientes fluviales provenientes del macizo montañoso del noroeste de Chiapas. Quizás esta fue la manera en que la memoria del vero Mexcalapa permaneció en el siglo XVII hasta que el Mazapa unió sus aguas a él después del rompido de 1675, robándole entonces su nuevo nombre: Mexcalapa.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

(Angostura, Chicoasén, Malpaso o Netzahualcóyotl y Peñitas), la Secretaría de Recursos Hidráulicos uniformizó todo el sistema e identificó a esta corriente, de más de 500 kilómetros de largo, como "Río Grijalva" (HELBIG, 1964), tal como Pedro González lo había sugerido cincuenta años antes. Aún así, todavía hoy, en el estado de Chiapas, al antiguo gran Mazapa se le reconoce como "Río Grande” o “Río Grande de Chiapas" y en Tabasco, al que fue señor y padre de la Chontalpa y cambió su condición a tributario del más principal río de la provincia tabascana, como río "GrijalvaMexcalapa".

4.2. Una nueva concepción hidrológica Mediante observaciones y conclusiones propias, el ingeniero Pedro González coincidió con Rovirosa que el Grijalva y el Río Seco del siglo de la conquista constituían dos ríos muy diferentes, sin embargo González fue el primer estudioso en tener conciencia plena de que la llanura aluvial había constituido un gran delta y que se encontraba ante una recomposición hidrológica con respecto a la hidrología de la Chontalpa del siglo XVI. González enunció sus conclusiones, aunque tampoco cuestionó el nombre de Mexcalapa. Al explicar su hipótesis sobre el desvío del río, dijo que éste se había unido al San Juan Mexcalapa33 para después reunirse con el Limón, el Ixtacomitán y el Río de la Sierra, “que por traer menos caudal se convirtieron en sus afluentes” (GONZÁLEZ 1946, p. 81). Para este agudo observador, el Mexcalapa (y para él también Mazapa) se había desviado como consecuencia de las corrientes divagantes en el terreno aluvial y como parte del proceso evolutivo del mismo delta, es decir, la actual situación significaba un momento hidrológico diferente al que existía en la época colonial, por lo cual propuso que todo el río, desde su entrada a México hasta su desembocadura en la barra de Frontera, llevara el nombre de Grijalva, "pues así estaremos de acuerdo con la naturaleza en el estado actual de los fenómenos" (ibídem, p. 49). Después de la construcción de las presas que se realizaron en las cuencas alta y media del río entre 1950 y 1960

Cuando el encomendero de "yndios" Melchor de Alfaro Santa Cruz realizó su pintura para el rey de las Españas no imaginó siquiera que en los días nuestros su obra habría de ser la única fuente cartográfica mediante la cual es posible apreciar la envergadura del trastorno hidrológico que significó la desviación del viejo Mazapa en el siglo XVII. Mediante la "pintura" de Alfaro Santa Cruz, coloreada de hermosos azules, se atisba la complejidad y profusión de la hidrografía de la cuenca baja del río en el siglo de la conquista, y por ello es posible apreciar que esta historia sucinta trata de una historia de guerra contra el río. Su desviación dio paso a la desecación progresiva de la cuenca baja que, en los siglos XX e inicios del XXI, se ha consolidado mediante las obras de infraestructura hidroagrícola, carretera, relleno de cuerpos de agua, la deforestación feroz, el proceso de urbanización creciente, aunados a la inconsciencia de la grandeza, riqueza y fragilidad del agua y la pérdida de la memoria histórica. COLOFÓN. TODA ELAGUA34 DEL RÍO No había terminado aún de escribir este artículo, cuando la tarde apacible de un domingo fuimos a visitar a la familia de un viejo y entrañable vecino del municipio de Cunduacán: don Vidal Pérez, de oficio campesino, cultivador de cacao. Llegamos a su casa de jahuacte (Bactris baculifera), techada con palma de

46

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

guano (Sabal sp.), la última de la ranchería35, entre las haciendas de cacao. Nos recibieron unos guajolotes (pavos) adultos muy hermosos y agresivos que paseaban en el patio, amplio, de piso de tierra que antecede a la casa y donde crecen tres árboles grandes de mango bajo los cuales los vecinos solíamos sentarnos antes, en los días de fiesta. Saludamos y entramos. Las mujeres de la familia platicaban en una hamaca mientras don Vidal descansaba en la suya al lado de la puerta trasera de la casa. Don Vidal me ofreció sentarme junto a él, extendiendo una parte del tejido hacia mí, pero su hija me ofreció una silla. — No quiere usted oler a viejo, que se le pegue lo viejo – me dijo. Y nos reímos. Quedé sentada a su lado con cara al exterior. La luminosidad de la tarde resaltaba desde la penumbra. Podíase contemplar un amplio potrero, un cielo con nubes grandes, la línea horizontal de un humo negro proveniente de un mechón donde se quema el gas del yacimiento petrolero Iride y las gallinas a las cuales, una de las nietas, había arrojado maíz quebrado para su cena vespertina. Platicábamos nuestros recuerdos cuando recordé lo que entonces escribía y quise saber lo que la gente del campo sabía y pensaba acerca del viejo río Mazapa: — Don Vidal, ¿cuándo se secó el río que pasaba por Comalcalco? — Ese lo secó Moctezuma36 cuando era presidente allá en México. Dicen que tenía una carretera debajo de la tierra, desde México hasta cá37. — ¿Para qué? — Porque venía huyendo de los españoles. Porque al que querían matar era a él. — Pero si Hernán Cortés se trajo a Cuauhtémoc. — Sí, pero no. Era Moctezuma al que de verdad querían matar. Entonces se vino por esa carretera y cuando llegó aquí salió y como vio que ya venían los españoles volvió a meterse debajo de la tierra y entonces secó el río para que ya no lo pudieran alcanzar, porque todo antes era por el río. Los españoles se vinieron por el

mar, de México. Lo iban a perseguir por el río y por eso lo secó. — ¿Pero cómo lo secó? — Jaló toda el agua para dentro. — ¿Y cómo es que sabe usted todo esto? — Porque cuando era presidente López Mateos38 mandó que vieran qué había en esas ruinas que están allá en Comalcalco y entonces empezaron a escarbar y encontraron a Moctezuma que estaba abajo, así sentado (y don Vidal se levantó de la hamaca y se sentó en cuclillas, agachó la cabeza y cruzó los brazos sobre las rodillas), y al lado tenía una paila grande, grandísima donde estaba elagua del río. ¿Para qué la querría tan grande entonces? Y así, enfrente, una serpiente grande enroscada ques39 el demonio que la cuida. — ¿Y hasta cuándo va a estar así? — No se sabe, pero si suelta toda esagua de esa paila se inunda Comalcalco, Paraíso, Cunduacán, todos nosotros, porque es grandísima esa paila. Tiene toda elagua del río.

NOTAS

47

1

De la lengua náhuatl: mázatl = venado.

2

En adelante, las grafías propias de los documentos originales se señalan entre comillas.

3

Del náhuatl en el cual significa “extranjero”. Los chontales, en su propia lengua se llama a sí mismos yokot´anob: “hombres verdaderos”. La lengua yokot´an pertenece a la familia lingüística mayence.

4

La actual Chontalpa se constituye por los territorios que ocuparon la Chontalpa española y los Ahualulcos, ambas, unidades regionales del siglo XVI y que hoy son los municipios de Huimanguillo, Cárdenas, Comalcalco, Paraíso, Nacajuca, Jalpa y Cunduacán. Huimanguillo y Cárdenas ocupan el territorio de los antiguos Ahualulcos donde estuvo el primer y más antiguo delta del río, hacia el poniente del estado, colindantes con el estado de Veracruz.

5

Del náhualt: ozomatli- mono. Entre los etimologistas existen diferencias de

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

interpretación sobre el significado de los sufijos de manera que el nombre del río no es preciso. Se le dan varios significados: río “de los monitos”, “del mono sagrado”, “donde comienzan los monos” o “donde abundan los monos sagrados”. 6

Sobre la identidad histórica de este río véase SALAZAR 2003, pp. 524-546.

7

Compendiados y hoy conocidos como Relaciones Histórico Geográficas de la gobernación de Yucatán (Mérida, Valladolid y Tabasco) 1983; passim: RHG.

8

Árbol de gran altura y frondosidad, de carácter sagrado para los pueblos prehispánicos mayenses. Representaba el orden del universo.

9

Mexicas o aztecas, y en el siglo XVI también llamados mexicanos, forjadores del imperio mexica hacia el siglo XIII, habitantes del centro de México y hablantes de náhuatl, lengua de la familia yuto-azteca, según clasificación de Swadesh y Arana.

10

Geográficamente es la punta occidental de la penilaguna de Términos, hoy en estado de Campeche. A la llegada de los españoles había un asentamiento prehispánico y constituía un centro mercantil de gran importancia.

15

Sobre la identidad de este río hay dos posiciones entre los especialistas: unos piensan que se trata del actual río Santa Ana que desemboca en la penilaguna La Machona y fue distributario también muy antiguo del río Mazapa, pero ya desvinculado de éste en el siglo XVI. Otros consideran que se trata del río Tortuguero, de cauce corto que desemboca en la penilaguna de Tupilco. El Santa Ana es un río más largo y caudaloso que el Tortuguero. Quien suscribe opina que se trata del Santa Ana.

16

Aproximadamente 467 m. Considérese que el paso de Cortés pudo haber sido por la parte menos ancha que pudieron encontrar y con la presencia de islas por ser tiempo de secas, según el conquistador.

17

Evidentemente todas "las puentes" — que solo en la Chontalpa fueron 50 — que el capitán extremeño construyó para proseguir su camino atravesando los caudalosos ríos y ciénegas de Tabasco, sugieren la gran cantidad de madera disponible que tenía la provincia. Cortés mismo señala que “era todo montañas muy cerradas (y) había muchas ciénegas trabajosas” (CORTÉS 1993, p. 224). Sólo en los actuales municipios de Cárdenas y Huimanguillo (antigua provincia de los Ahualulcos) entre 1966 y 1968 fueron taladas tanto mecánicamente como a machete 2 aproximadamente 40, 000 hectáreas (400 km ) de bosque tropical perennifolio y otras comunidades vegetales propias del trópico húmedo para implementar el plan hidroagrícola más ambicioso del gobierno federal de ese tiempo: el “Plan Chontalpa” (ELORRIAGA 1979); situación que dio lugar, entre otros fenómenos, a un acelerado proceso de población y urbanización, y forma parte de la sistemática y profunda deforestación del estado de Tabasco.

18

El popoluca o popoloca pertenece a la familia mixeana al igual que el zoque, según la clasificación de Arana y Swadesh.

19

Téngase en cuenta que Bernal Díaz escribió su libro ya anciano, es decir varias décadas después de que se llevaron a cabo los acontecimientos narrados, mientras el escrito de Cortés estaba muy cercano al momento de conquista. Cortés recogió los topónimos prehispánicos, mientras Bernal presentó éstos con los que posteriormente dieron los españoles a los pueblos, accidentes geográficos y a la reorganización territorial que ellos impusieron.

20

Este es una de los distributarios que sufrieron desecamiento en algunos tramos y recomposición hidrológica en otros después del siglo XVII. Actualmente diferentes tramos llevan el nombre de Chacalapa, Cunduacán y Nacajuca.

11

Ralph Roys, investigador norteamericano del siglo XX, pensó que la pintura de Melchor de Alfaro, pudo haber tenido un modelo cartográfico prehispánico o bien haber sido realizada por un cartógrafo indígena, tanto por su forma circular — al parecer una convención cartográfica indígena — como por ser un mapa fundamentalmente hidrográfico, como el que muy probablemente le fue entregado a Cortés. 12

Cuya lengua — el zoque — pertenece a la familia mixeana, según clasificación de Arana y Swadesh. Arqueológicamente aún no se da respuesta si dicha relación con los mexicas era de carácter comercial o también política-militar. 13 Bordos: acumulaciones de tierra al lado del cauce y depositadas por los mismos ríos; de dos o más metros de altura y que, en ocasiones, alcanzan varios kilómetros de extensión. Durante la época prehispánica y la colonia se consideraron aptos para el asentamiento humano al igual que las islas del Terciario que se levantan en la planicie costera del Reciente (cf. WEST e.a. 1969). 14

Cabe la posibilidad que el Tonalá haya sido el mismo cauce principal del río en tiempo muy antiguo.

48

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO 21

22

23

24

25

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Los documentos conocidos que dan fe de este proceso inician en 1602 y terminan en 1640 (IZQUIERDO 1995). Documentos dados a conocer recientemente sugieren que La Victoria pudo permanecer como asiento primado de la provincia, incluso hacia 1671.

CABRERA BERNAT 1987, p. 581).

En teoría, la corona debía sostener la fuerza militar, de modo que los tabasqueños accedieron a pagarla provisionalmente, sin embargo este gravamen, llamado “nuevo impuesto”, permaneció cobrándose aún después que los ingleses fueron desalojados de las costas de Tabasco y Campeche en 1717. Asimismo fue motivo de corrupción en algunas administraciones provinciales. Durante el siglo XVII; según la actividad que desarrollaran estacionalmente en un año (corte de tintales — haematoxylum campechianum —, caza de ganado cimarrón, preparación de pieles, salado y ahumado de la carne, asaltos a poblaciones, robo de personas, animales y cosechas o venta de esclavos), los piratas se denominaban según esas actividades: privateers, piratas, bucaneros o filibusteros (RUZ 2002; William Dampier apud CABRERA BERNAT 1987, pp. 235-274) Voz popular en Tabasco con la cual se denota la apertura de un nuevo cauce (principal o distributario) que el mismo río realiza debido a la acumulación de aluvión en una de sus márgenes. Téngase en cuenta que los piratas contribuyeron con lo suyo a la pérdida de archivos oficiales. Se sabe que el de La Victoria y el de Tacotalpa en el siglo XVII fueron saqueados e incendiados.

26

También escrito Mescalapa y Mezcalapa.

27

Sistema de agricultura hidráulica implementado por los mexicas y demás pueblos prehispánicos asentados en los lagos del centro de México. El sistema de chinampa es vigente aún en el reducto del lago de Xochimilco, al sur de la ciudad de México.

28

La publicación tiene ambas numeraciones.

29

El viajero Désire Charnay tenía una opinión semejante. El dinamismo de la hidráulica en el litoral apoyó sus interpretaciones.

30

Según la narración de Charnay en 1880-81, las ruinas de Comalcalco (noreste de la actual ciudad cabecera municipal de Comalcalco) se conocían entonces como “La Cordillera” (Désire Charnay apud

31

V. también 427, 428 de la segunda numeración.

32

Exposición que hizo el gobernador José Víctor Jiménez al Soberano Congreso Constituyente el 4 de junio de 1856 para argumentar la justicia de la ampliación de los límites de Tabasco con respecto a los estados circunvecinos (Apéndice de Becerra y Santa Anna apud GIL Y SÁENZ 1979, p. LXXXVII).

33

Este río que corre de suroeste a noreste, desagua en la laguna de La Ceiba que es un lago de contacto entre la formación del Pleistoceno y la llanura aluvial. Estos fenómenos son clara y ampliamente explicados por WEST e.a. 1969.

34

Habla popular que junta el artículo “el” con el sustantivo “agua”.

35

Nombre que se le da en Tabasco a los asentamientos antiguos rurales que generalmente se ubicaron en los bordos de los ríos.

36

Moctezuma Xocoyotzin (1466-1520), penúltimo emperador mexica. Reinaba en Tenochtitlan a la llegada Hernán Cortés. Le sucedió Cuauhtémoc a quien Cortés ahorcó en las Hibueras, después de su paso por Tabasco, rumbo a Honduras entre 1524 y 1525.

37

Apócope de “acá”.

38

Adolfo López Mateos, presidente de México de 1958 a 1964.

39

“Que es”.

REFERENCIAS CABRERA BERNAT, Ciprián Aurelio. Viajeros en Tabasco: textos. Villahermosa, Biblioteca Básica Tabasqueña, núm. 15. Gobierno del Estado de Tabasco, 1987. CASAS, Benigno. "Piratas y corsarios en el golfo de México (siglo XVI)". El golfo de México: historia y cultura. ANTROPOLOGÍA, Boletín oficial del Instituto Nacional de Antropología e Historia, Nueva época, México, abril-junio de 2002, pp. 53-69. CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación. Nota preliminar de Manuel Alcalá. México, Editorial Porrúa, Colección “Sepan cuántos [...]”, núm. 7, 1993.

49

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. introducción y notas de Joaquín Ramírez Cabañas. México, Editorial Porrúa, Colección “Sepan cuantos […]”, núm. 5, 2002.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

maya, Universidad Nacional Autónoma de México, 1983 [passim: RHG]. REPRESENTACIÓN del rio Mescalapa desde la entrada de Villahermosa asta la jurisdicción de Guatemala con los nombres de los pueblos, ranchos, Aciendas de ganado… 12 de sepmre de 1776. Plano del Archivo General de la Nación —AGN— México.

ELORRIAGA B., Vicente. El Plan Chontalpa. Un programa de desarrollo integral en el sureste de México. Tesis de la Escuela Nacional de Antropología, México 1979.

ROVIROSA, José Narciso. Ensayo Histórico sobre el río Grijalva. Examen crítico de las obras antiguas y modernas que tratan de los descubrimientos de Juan de Grijalva y de los primeros establecimientos de los conquistadores españoles en Tabasco. Serie: Contribución de Tabasco a la cultura nacional, núm. 7, Gobierno Constitucional de Tabasco, 1946.

EUGENIO MARTÍNEZ, María Ángeles. La defensa de Tabasco, 1600-1717. Sevilla, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Escuela de Estudios Hispano Americanos de Sevilla, 1971. FALCÓN DE GYVES, Zaída. Análisis de los mapas de distribución de la población del estado de Tabasco. México, Instituto de Geografía, Universidad Nacional Autónoma de México, 1965.

RUZ, Mario Humberto. "De piratas y bucaneros en el Tabasco colonial". ANTROPOLOGÍA, Boletín oficial del Instituto Nacional de Antropología e Historia, Nueva época, México, abril-junio de 2002, pp. 3-20.

GERHARD, Peter. La frontera sureste de la Nueva España. México, Instituto de Investigaciones Históricas/Instituto de Geografía, Universidad Nacional Autónoma de México, 1991.

SALAZAR LEDESMA, Flora. "De la provincia y sus regiones al estado y sus municipios. Discusión sobre las ciudades cabecera de los territorios municipales en Tabasco. 1519-1883". Versión mecanoescrita. Villahermosa, Centro INAH Tabasco, 2006.

GIL Y SÁENZ, Manuel. Compendio histórico, geográfico, y estadístico del estado de Tabasco. Apéndice de Rómulo Becerra Fabre y Justo Cecilio Santa Anna. México, Consejo editorial del gobierno del estado de Tabasco (edición facsimilar), 1979.

__________. "Rasgos significativos de la hidrografía y del proceso de poblamiento español de la cuenca baja del Mazapa en Tabasco en 1579". Los Investigadores de la Cultura Maya, núm. 12, tomo II, Universidad Autónoma de Campeche, Campeche, 2004, Pp. 400-417.

GONZÁLEZ, Pedro A. Los ríos de Tabasco. México, Gobierno Constitucional de Tabasco, Serie: Contribución de Tabasco a la cultura nacional, núm. 8, 1946.

__________. "Los ríos perdidos. Río Grijalva Mexcalapa, problemática de su nomenclatura". Los Investigadores de la Cultura Maya, núm. 11, tomo II, Universidad Autónoma de Campeche, Campeche, 2003, p. 524-546.

HELBIG, Karl. La cuenca superior del río Grijalva. Tuxtla Gutiérrez, Instituto de Ciencias y Artes de Chiapas, traducción de Felipe Heyne, 1964. IZQUIERDO, Ana Luisa. El abandono de Santa María de la Victoria y la fundación de San Juan Bautista de Villahermosa. Estudio introductorio, versión paleográfica y notas de Ana Luisa Izquierdo. México, Fuentes para el Estudio de la Cultura Maya, núm. 11. Instituto de Investigaciones Filológicas, Centro de Estudios Mayas, Universidad Nacional Autónoma de México, 1995.

__________. "Ubicación cartográfica de Villahermosa en 1579". ANTROPOLOGÍA, Boletín oficial del Instituto Nacional de Antropología e Historia, Nueva época, México, abril-junio de 2002, pp. 32-40. SCHOLES, France V. y Ralph L. ROYS. The Maya Chontal Indians of Acalan Tixchel. A Contribution to the History and Ethnography of the Yucatan Peninsula. Oklahoma, University of Oklahoma Press, 1968.

RELACIONES Histórico Geográficas de la gobernación de Yucatán (Mérida, Valladolid y Tabasco). Tomo II. Coordinado por Mercedes de la Garza; paleografía de Carmen León Cázares. México, Instituto de Investigaciones Filológicas; Centro de Estudios Mayas. Serie: Fuentes para el estudio de la cultura

WEST, Robert C., Norbert Psuty y G. Thom. The Tabasco Lowlands of Southeastern Mexico. Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1969.

50

NAVEGANDO ENTRE RÍOS DE NIEVE. EL PILOTO MORALEDA EN LA COSTA PATAGÓNICA1 Rafael Sagredo Baeza Acadêmico del Instituto de Historia da Pontificia Universidad Católica de Chile. Conservador da Sala Medina da Biblioteca Nacional do Chile. e-mail: [email protected]

RESUMO Com base nas comissões hidrográficas do piloto José Moraleda na Patagônia ocidental, no estremo sul ocidental da América, entre 1793 e 1796, as condições geográficas deste espaço foram identificadas com as de canais e rios. Essa transformação radical se explica como produto da aplicação dos parâmetros da ciência ilustrada à realidade natural. Avaliar a influência dos fenômenos sensíveis sobre a racionalidade dos sujeitos que os apreendem, mostrar como no reconhecimento geográfico da América, seus protagonistas em ocasiões passaram do material e concreto ao subjetivo e abstrato, constitui um de nossos propósitos; e pretendemos também demonstrar que, para a coroa espanhola, a dimensão político-estratégica da Patagônia ocidental dependeu, entre outros fatores, das suas condições naturais. Este é um exemplo eloqüente de que os rios não são mares. Palavras-Chave: Costa patagônica, José Moraleda, comissões hidrográficas. Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

RESUMEN Con base en las comisiones hidrográficas del piloto José Moraleda en la Patagonia occidental, en el extremo sur occidental de América entre 1793 y 1796, las condiciones geográficas de este espacio fueron asimiladas con las de canales y ríos. Esta radical transformación se explica como producto de la aplicación de los parámetros de la ciencia ilustrada a la realidad natural. Apreciar la influencia de los fenómenos sensibles sobre la racionalidad de los sujetos que los aprehenden, mostrar cómo en el reconocimiento geográfico de América sus protagonistas en ocasiones pasaron de lo material y concreto, a lo subjetivo y abstracto, constituye uno de nuestros propósitos; y pretendemos también demostrar que, para la corona española, la dimensión político-estratégica de la Patagonia occidental dependió, entre otros factores, de sus condiciones naturales. Es este un elocuente ejemplo de que los

51

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

ríos no son mares.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

de nuestro trabajo. Sólo así se podrá entender que en un determinado momento histórico, un océano, un mar, sea percibido y descrito como un río, y que un marino y científico cabal sea capaz de navegar entre “ríos de nieve”2 . No se trata aquí de descubrir y contar historias, echar a volar la imaginación para generar un conocimiento histórico curioso y placentero, pero en ocasiones estéril historiográficamente hablando, aunque tal vez de estilo elegante y erudito y sofisticado en lo formal; por el contrario, es un esfuerzo por demostrar que en su afán por conocer, describir y en definitiva apropiarse de la naturaleza americana, los europeos, incluso los científicos ilustrados, ante lo visto, apreciado y experimentado, en su obsesión por ser “objetivos” al dar cuenta de la realidad que se desplegaba ante sus ojos, terminaron transformándola radicalmente al intentar configurarla, darle forma y divulgarla a través del uso de conceptos familiares para todos. José Moraleda no recurrió a la imaginación, considerada en sentido estricto, para describir y representar lo desconocido, pues ciertamente reconoció, vio, apreció in situ el paisaje que comenzaría a nombrar y describir en el momento mismo que accedió a él. Frente a una realidad que no coincidía exactamente con las concepciones que sobre el océano circulaban, y en las cuales se presentaban condiciones de navegación ajenas a las propiamente marítimas, más que de la imaginación y la analogía, hizo uso de la metáfora; trasladando el significado otorgado a los cursos fluviales a la descripción de las aguas y formas del relieve propias de la Patagonia que le tocó conocer; transformando retóricamente el mar en ríos. En su afán por articular la nueva realidad que se presentaba ante sus ojos, de ser fiel a ella al trasladarla al texto que conocerían sus contemporáneos, la cambia; por lo menos en la percepción de quienes accederían a su diario y respecto de lo que ellos, luego de la lectura, imaginarían era la costa patagónica. Así, no pretendemos hacer la historia de un río, o mostrar la influencia de los ríos en la historia, sólo explicar cómo un marino ilustrado, en su ansia por ser “objetivo”, hizo ríos del mar; alejándose

Palabras-llave: Costa patagónica, José Moraleda, comisiones hidrográficas. PRESENTACIÓN

E

l año 1792, el Alférez de Fragata y primer piloto de la Real Armada, José de Moraleda, cuya dedicación, competencia, habilidad y experiencia habían sido objeto de múltiples reconocimientos, fue destinado por el Virrey del Perú a la provincia de Chiloé para que procediera a la exploración del archipiélago de Chonos y costa occidental patagónica, en el Pacífico Sur. Marino de trayectoria, tripulante de múltiples y variadas embarcaciones, navegante del Mar del Sur, escenario en el que se desempeñaba desde 1773, con experiencia en mares del Asia y del Caribe, hombre prolijo en las actividades propias de su oficio, conocido por la rigurosidad de sus cálculos, la exactitud de sus descripciones y la calidad de sus representaciones, fue elegido para la comisión por las sobresalientes condiciones que reunía. José de Moraleda se desempeñó con mérito en su misión entre 1793 y 1796, y los diarios con las derrotas de sus travesías y la cartografía que elaboró de las zonas reconocidas así lo acreditan. Sin embargo, a lo menos en la primera parte de su comisión, no navegó por el mar, como razonablemente se puede creer a partir de las instrucciones recibidas, sino que por canales, esteros y ríos, incluso “ríos de nieve”, como el mismo piloto asentó luego después de recorrer la Patagonia occidental. Explicar esta radical transformación de un espacio natural que todos sabemos es parte del océano, del mar; mostrar cómo los marinos ilustrados mudaron la geografía y naturaleza americana con sus trabajos, métodos y descripciones; apreciar la influencia de los fenómenos sensibles sobre la racionalidad de los sujetos que los aprehenden; en definitiva mostrar cómo en el reconocimiento geográfico de América sus protagonistas pasaron de lo material, concreto y real, a lo subjetivo, impreciso y abstracto, es el propósito

52

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

completamente de su propósito original, a lo menos a través del lenguaje. Con sus palabras José de Moraleda canceló, realmente cerró, el espacio y la región que describió a la exploración española, en realidad europea, por un largo tiempo. Sus descripciones de los que llamó “intrincados laberintos” desalentaron el acceso a una zona que se apreció desolada, imposible e inútil para los navegantes; pero que tampoco ofrecía el ansiado acceso al litoral atlántico pues, como concluyó, “no hay en toda la costa río alguno navegable”. De este modo, la descripción del piloto, su representación del lugar como canales, esteros y ríos, en vez de promover su apropiación, significó su olvido, una condena a la marginalidad geográfica y política que todavía no concluye. Una elocuente manifestación de que los ríos no son mares. José de Moraleda. Un piloto ilustrado3

campaña marino-científica española del siglo XVIII, en la cual deben insertarse las exploraciones y trabajos de que dan cuenta los diarios de Moraleda5 . En especial en lo relativo a la necesidad de una mayor precisión cartográfica en los levantamientos costeros y, como consecuencia de ello, la organización de importantes comisiones hidrográficas para cartografiar las costas del imperio como lo son las del piloto Moraleda en Chiloé y los canales australes y en la costa del Pacífico en América Central6 . La carrera del piloto José de Moraleda muestra claramente que desde temprano comenzó a acumular experiencia práctica. Habiendo egresado de la Escuela Náutica de Cádiz en 1764, el mismo año se embarcó por primera vez en una nave que se dirigió desde Cádiz a Veracruz y La Habana como parte del convoy anual, cumpliendo así con el bautismo práctico que implicaba una travesía transatlántica en su época. Luego de nuevas travesías a América, promociones en 1769 y de un viaje a Achem, Malaca, Batavia, Manila y Fayal en Asia, fue ascendido a segundo piloto. En esa condición se embarcó en 1770 en la urca Santa Ana con dirección a La Guaira, Cartagena de Indias y La Habana, para regresar a Cádiz en 1771. Fue en esta ocasión que se desempeñó por primera vez “con cargo”, o sea, en condición de piloto. El año 1772 fue destinado a la Mar del Sur, escenario de, prácticamente, toda su carrera profesional. Desde entonces navegó por toda la costa occidental de América del Sur y Central, entre Guatemala y los canales australes, familiarizándose con sitios como Guayaquil, el Callao, Juan Fernández, Valdivia, Concepción, Chiloé, Valparaíso, Arica, Ilo y, en general, toda la costa del virreinato peruano. Aunque son muy escasos los datos sobre Moraleda, los testimonios existentes lo señalan como un marino de “buena conducta, idoneidad y acreditada suficiencia en matemática, pilotaje y maniobra, con sobresaliente habilidad en el dibujo”; en palabras de unos de sus comandantes en la época, “un oficial completo con el cual el Rey puede contar” por sus méritos y destreza. Los estudiosos que lo conocen lo caracterizan como un

José de Moraleda nació en 1747 y era natural de los Pasajes, provincia de Guipúzcoa. Hijo de un piloto de le Real Armada, por su lado materno tanto su abuelo como un tío formaron parte del cuerpo de mando de la Marina. Moraleda ingresó a la Real Escuela de Navegación de Cádiz, muy probablemente en 1760, beneficiándose entonces de las reformas implementadas en orden a mejorar la formación de los pilotos. El ejemplo que representaron sus destacados antepasados fue reconocido por el marino años después, en Chiloé, cuando escribió que desde su “niñez había procurado servir al rey, sin otro estímulo que el de la imitación de todos mis mayores que tuvieron el mismo honor”4 . En 1748 las Ordenanzas de la Armada española crearon el Cuerpo de Pilotos, decretando que “serán considerados como Oficiales de Mar, y preferirán a todos los que tengan otro ejercicio de esta naturaleza”, asumiendo la Armada el control absoluto del pilotaje y de la formación de éstos a través de la enseñanza de la navegación. Efecto de estas reformas será la formación de una generación de marinos-científicos que harán posible la gran

53

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

hombre de “salud robusta o buena”, de buen juicio y con conocimientos técnicos, “uno de los mejores pilotos de su época” (O'DONNELL y ESTRADA 1990, pp. 73-74). Como primera prueba de su competencia se esgrime uno de sus diarios, el que el marino inició al salir de Cádiz en 1772, y concluyó en 1779. Entre 1772 y 1786 el piloto español realizó numerosas travesías que sucesivamente lo llevaron desde el Callao a Guayaquil, Juan Fernández, Chiloé, Valdivia y Concepción, además de otros puertos intermedios. El transporte de cargamentos diversos, necesidades militares, el traslado del Real Situado de Lima a Valdivia, campañas de corso en las costas chilenas y el movimiento de tropas entre diversos puntos del virreinato peruano son algunas de las comisiones que desempeñó en numerosas naves y bajo las órdenes de varios comandantes. En virtud de sus méritos en 1780 fue propuesto por su Comandante para cubrir la vacante de primer piloto, sin tener que pasar por un examen en razón de su aprovechamiento y conducta. Tres años después, en 1783, su petición de graduación de oficial, como primer piloto de alférez de fragata, fue aprobada y Moraleda cumplió con su aspiración de pertenecer a los oficiales de guerra. En 1786 el Virrey de Perú, Teodoro de Croix, lo comisionó a Chiloé para asistir al nuevo gobernador de la isla, Francisco Hurtado, en la tarea de levantar un plano grande y general de la isla principal y de las adyacentes, entre otras obligaciones que lo mantendrían en el extremo meridional de América hasta 1795 por lo menos. La comisión de Moraleda tuvo más de una etapa. La primera, dedicada al reconocimiento de Chiloé, se desenvolvió entre 1787 y 1790. La segunda, destinada al reconocimiento de la costa occidental patagónica, entre los 41 y 46 grados de latitud sur, se desarrolló entre 1792 y 1795. En el lapso intermedio, estuvo encargado en Lima de la instrucción y examen de todos los pilotos mercantes y militares de la Mar del Sur. Un cargo de gran responsabilidad, pues se esperaba que su experiencia permitiera corregir sus diarios y auxiliarles con cartas e informaciones, evitando así “los funestos naufragios habituales”7 . En 1797 se embarcó para llevar adelante actividades de

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

corso en las costas de Perú y Tierra Firme. El mismo año obtuvo del virrey Ambrosio 0'Higgins su primer mando, el de la fragata Castor. Entonces fue destinado a Chiloé para el transporte de tropas, dinero y víveres para ésta y las plazas de Valdivia y Valparaíso. Al año siguiente se le encuentra en Juan Fernández, Valparaíso y Chiloé. En Lima, en 1798, fue nombrado ayudante del Cuerpo de Pilotos. Entre 1800 y 1808, José de Moraleda se desenvolvió en el Mar del Sur en tareas de corso, entre Lima y Guayaquil; misiones hidrográficas, en las costas de Veragua, Nicaragua, Guatemala y los puertos existentes entre Panamá y el de Sonsonete; persecución de buques extranjeros en las costas chilenas para evitar el comercio clandestino; acciones militares en contra de Inglaterra, en la isla de Juan Fernández de Afuera; protegiendo convoyes de mercadería a Paita; y conduciendo mercaderías, tropas y valores a puertos como Valparaíso, Chiloé, Juan Fernández, Valdivia y Concepción. Durante su trayectoria, y como sus comisiones y cargos lo muestran, Moraleda llegó a forjarse una merecida fama como piloto. Ello explica sus comisiones hidrográficas en Chiloé, la Patagonia occidental y América Central, pero también su dedicación a la enseñanza en Lima. Como es sabido, además, participó en acciones militares, como ocurrió en 1800 frente a la corsaria inglesa Enrique, cuando el desalojo de los ingleses de Juan Fernández en 1805, o para el combate frente al bergantín inglés Antílope en 1807 cerca de Papudo. Sin duda algunas de estas acciones debieron contar para su ascenso a teniente de navío en 1804, llegando así a la cúspide de su carrera militar (ibídem, pp. 7281). José de Moraleda murió en 1810 en el Callao, dedicado a la enseñanza de pilotos, en una situación modesta y sin dejar fortuna después de 46 años de servicios a la corona española. Su trayectoria, en el ámbito geográfico en que le correspondió actuar, y al igual que la de muchos otros marinos españoles de la segunda mitad del siglo XVIII, forma parte del proceso en virtud del cual España reaccionó para contrarrestar la creciente presencia de otras potencias europeas en sus dominios. Entre las medidas

54

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

implementadas, el reconocimiento del litoral occidental de América meridional, en particular de Chiloé, la Patagonia y Centroamérica, fueron de las más eficaces.

cursos de agua que, más adelante, la experiencia en terreno de Moraleda mostraría como esenciales. Así se desprende de las instrucciones que recibió para su segunda comisión de reconocimiento del litoral austral en 1792. Entonces se le encargó la exploración del archipiélago de Chonos y la costa occidental patagónica entre los 41 y 46 grados de latitud meridional. Para el virrey Francisco Gil y Lemos resultaba esencial que Moraleda se dirigiera “a la boca de Aysén, en la costa firme frontera a las islas Guaitecas, y entrando por ella examinará con la mayor prolijidad la extensión que tuviese el canal, estero o río que indica haber”9 . El interés por este curso, entonces tan desconocido que incluso se dudaba en cómo identificarlo, llevó al Virrey a advertir a Moraleda sobre la necesidad de dar “circunstancia de su terreno vecino y cuanto conduzca a dar una exacta idea del paraje”. Finalmente, y como muestra del tipo de preocupaciones que animaban las comisiones hidrográficas como las encargadas al piloto, la autoridad le recordaba que si la exploración demostraba que se trataba de “un puerto a propósito para guarecerse embarcaciones grandes o medianas”, debía levantar “un plano particular en escala grande”. En esta comisión el interés de la Corona no se limitó a Aysén, en realidad se centraba en todas las entradas, bocas y cursos de agua del litoral continental situado entre el estero de Comau o Leteu y Aysén, por lo que se ordenó a Moraleda internarse por todas ellas, “hasta lo más oriental que sea posible”. Los límites de la exploración estaban dados por la creencia de que más allá de los nombrados “no hay estero, canal ni río alguno cuya internación pase de 5 o 6 leguas castellanas”. El último de los artículos que forman la instrucción entregada a Moraleda en Lima explica las órdenes prescritas. En él se lee que si finalmente en la exploración de los canales y esteros citados hallase que alguno de ellos “presta paso al océano Atlántico meridional, ya sea desembocando en el golfo de San Jorge o en cualquier otro punto de la costa oriental patagónica, retrocederá dirigiéndose inmediatamente a esta capital, observando inviolablemente” la orden de no trabajar más que un ejemplar de los planos que levante y, menos todavía,

Comisiones hidrográficas A lo menos dos fuentes permiten identificar las responsabilidades y labores propias de un piloto como Moraleda. Las órdenes de sus superiores jerárquicos, en las que se establecían clara e imperativamente las instrucciones, y por tanto los trabajos, que debía desempeñar en sus comisiones; y sus diarios de navegación, en los cuales las descripciones y derroteros hacen posible deducir las tareas hidrográficas propias de su oficio. El 13 de marzo de 1786 el virrey del Perú Teodoro de Croix comisionó a Moraleda para asistir al gobernador Francisco Hurtado en el reconocimiento de las islas de Chiloé, lo que incluía levantar mapas generales de ellas y, por lo tanto, la obligación de representar y “explicar sus bahías, puertos y demás circunstancias que son precisas para formar el pleno conocimiento que interesa a los más importantes objetos del servicio de S.M.”8 . En su generalidad y amplitud la orden virreinal incluía la obligación de atender a todos aquellos elementos y fenómenos geográficos de la región que permitieran un cabal reconocimiento de ella, entre los cuales los ríos, aguadas y otros de igual naturaleza, como ya veremos, resultaron esenciales. En la instrucción dada a Moraleda por el nuevo gobernador de la provincia en diciembre de 1786, se ratificaba el interés de la Corona por levantar planos de la costa chilota en los que se “expresaran” los puertos, bahías, radas, surgideros, ensenadas, bajos, placeres, esteros y lagunas que hubiere; todos representados de una manera exacta, incluyendo también los ríos y aguadas. Una orden en que la que la atención de la autoridad estaba centrada en las formas de un litoral desconocido que, amenazado por las potencias enemigas, inducía a ocuparse principalmente de identificar aquellos espacios que pudieran ser objeto de interés de las naves extranjeras, sin mostrar una preocupación especial por los

55

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

“manifestar documento alguno de los obrados en la comisión a sujeto alguno”. Como se apreciará, es el afán de la Corona por hallar una vía de comunicación fluvial entre el Pacífico y el Atlántico lo que en la comisión hidrográfica desarrollada por José de Moraleda entre 1792 y 1796 transformó los ríos y cursos de agua de la costa patagónica en protagonistas de esta exploración. Esto explica que en el diario que compuso a lo largo de dicha comisión el avezado y reconocido Primer Piloto Alférez de Fragata de la Real Armada, incluyera detalladas descripciones de cada uno de los esteros y ríos que encontró durante sus singladuras, muestra a su vez de que la acción profesional de Moraleda no debe explicarse sólo en el contexto local de los espacios por los que navegó, también en el general de la política imperial española destinada a potenciar el control sobre sus dominios, mares y rutas para hacer frente a la amenaza de otras potencias, particularmente, ingleses y franceses. En este proceso, y como en muchas otros casos a lo largo de la historia y de la geografía, el reconocimiento de los ríos desempeñó un papel fundamental. Entre otras razones, por la ampliación de los objetivos de las comisiones que, de propiamente geográficos o hidrográficos, pasaron a políticos y económicos, transformándolas en instrumentos de los grandes propósitos imperiales. Lo dicho se ve confirmado en la comisión que Moraleda desempeñó entre 1803 y 1804 en las costas de Veragua, Rica, Nicaragua y Guatemala, es decir la costa del Pacífico de la actual Centroamérica. Las instrucciones que escribió el Comandante de Marina del Callao no sólo aluden a la necesidad de reconocer, delinear y determinar los límites de los accidentes de la costa que encontrará a su paso, que Tomás de Ugarte asociaba “a la segura navegación en esta parte de las costas de uno de los dominios del Rey, que es la puramente facultativa”; también, a “la descripción política de sus varios lugares en que puedan anclar bajeles, producciones, manufacturas, comercio, costumbres y demás importante”. Para la autoridad el fin de este segundo objeto, junto con contribuir “a la pública ilustración”, debía “redundar también en beneficio del Estado”10 .

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

Tomás de Ugarte entregó a Moraleda una instrucción compuesta de setenta artículos con órdenes, recomendaciones e instrucciones que, por su grado de particularidad y detalle, permiten apreciar no sólo que se trataba de un marino, pues era Brigadier Graduado de la Real Armada, también el proceso de refinamiento que los objetivos de las comisiones ilustradas fueron experimentando a lo largo del tiempo. Desde disposiciones muy generales y amplias, muestra de la ignorancia existente y de la disposición a recoger todo tipo de informaciones, hasta las más detalladas y concretas, reflejo de que la acumulación de conocimiento realizado a lo largo de los siglos coloniales que, a comienzos del siglo XIX, y en realidad desde mucho antes, permitió concentrar los mandatos en cuestiones específicas destinadas a completar noticias, rectificar otras y, también, apreciar la situación política y social de las regiones exploradas. Lo anterior sin perjuicio de la identificación precisa, por parte de la autoridad, de los métodos y prácticas propias de una comisión hidrográfica que, para entonces, ya constaba de dos materias claramente diferenciadas: “las observaciones astronómicas y las operaciones geodésicas”, cuyos resultados debían anotarse también en dos libros diferentes. Pero que también incluía la mención expresa de realizar las que se nombran “indagaciones políticas”, o “segundo objeto de esta comisión” que, recordaba el Comandante de Marina, y sólo a título de ejemplo, implicaba obtener “noticias circunstanciadas, con muestras, para la económica provisión de maderas, betunes y demás frutos aplicables al servicio de la Real Armada, de que abundan aquellas costas”. Recomendación que transformaba a los ríos en elementos esenciales de las exploraciones, como los diarios de Moraleda lo muestran. El reconocimiento exhaustivo del litoral objeto de la comisión resultaba esencial, particularmente la descripción de los puertos, bahías, radas y ríos, para así fijar con exactitud los accidentes que, como los bajos y las islas, podrían perturbar el tránsito de las embarcaciones. Especial atención debía prestar Moraleda al levantamiento de planos de aquellos lugares que “por su local, relaciones mercantiles, políticas u otras causas”, ofrecieran

56

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Por laberintos intrincados

“algún objeto de utilidad o ilustración”, entre los cuales se mencionan expresamente “aquellos esteros o ríos navegables que faciliten las extracciones” (véase la “Instrucción que deberá observar el Teniente de Fragata, don José de Moraleda, con la corbeta Castor de su mando…”, op. cit.). Muestra de que la realidad geográfica americana todavía ofrecía amplio margen a la especulación y a la fantasía, también se encargó al piloto Moraleda indagar noticias de la expedición del almirante Bartolomé de Fonte que, se pensaba, aunque equivocadamente, en 1640 habría encontrado un paso entre el océano Atlántico y el Mar del Sur por las costas septentrionales de América. Sin embargo esta no fue la primera vez que se le encargó inquirir noticias sobre un sitio fabuloso pues, en la comisión a la Patagonia, expone sus conclusiones respecto de la mítica Ciudad de los Césares. En ellas, muy racionalmente, descartaba totalmente su existencia.

1-

Luego de su misión en el archipiélago de Chiloé entre 1786 y 1790, que lo llevó a prácticamente circunnavegar la isla grande y a reconocer exhaustivamente la costa oriental de la misma, en 1792 José de Moraleda fue comisionado para realizar exploraciones geográficas e hidrográficas en el “archipiélago de los Chonos y demás costas sur”; particularmente en la “boca de Aysén, en la costa firme frontera a las islas Guaitecas”11 . La orden del Virrey implicaba navegar por la costa oriental de la isla Grande hacia el sur, alcanzar la desembocadura del río Aysén, entrar por ella, examinarla con la mayor prolijidad, y determinar la extensión que tuviese “el canal, estero o río que indica haber”; describir el terreno adyacente y todo aquello que condujera a “dar una exacta idea del paraje; y, también, levantar su “plano particular en escala grande”.

2José Moraleda, “Carta esférica de la costa occidental patagónica…”, 1792-1793. Levantada luego de sus sucesivas comisiones hidrográficas en la región, ofrece una representación de la región muy completa, y que perduraría por muchos años.

José Moraleda, “Carta hidrográfica reducida que contiene las costas de los reinos del Perú y Chile, parte de la Tierra Firme y de la occidental patagónica…”, 1786. Ofrece la toponimia del litoral sur occidental americano. En esta representación Moraleda refiere al “grande número de las islas Guaitecas a quienes llaman comúnmente archipiélago de Chonos, incognito casi”, precisamente la zona que exploraría a partir de 1793.

Hechas estas operaciones debía devolverse hacia el norte explorando cada una de las “entradas o bocas” existentes en la costa firme, “internándose por todas ellas hasta lo más oriental que sea posible”. El piloto debía “expresar los puertos, bahías, radas, bajos y

57

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

4Detalle de la “Carta esférica de la costa occidental patagónica…”; representa la entrada al estero de Aysén, incluidas las notas explicativas de Moraleda que acompañan la representación.

placeres“, que encontrara en su travesía a la vista de la costa, cuidando de señalar los fondos de cada uno de ellos; para terminar formando un “plano o carta general que manifieste los reconocimientos que haga en cumplimiento de la comisión, los que debía situar en su respectiva latitud y longitud”, se le ordenaba taxativamente.

Junto con lo anterior, se le instruía en el sentido de componer “un diario circunstanciado” de su travesía en el que debía expresar “todos los acaecimientos dignos de nota que le ocurran, observaciones que haga, la naturaleza de las costas y terrenos, sus corrientes o mareas y la elevación y depresión de éstas” (véanse las ya citadas “Instrucciones al….”, op. cit.). Dando lugar así a la documentación en que quedaron registradas sus singladuras por los canales australes del continente americano. Luego de su arribo a San Carlos de Chiloé, hoy Ancud, Moraleda procedió a preparar su expedición para lo cual consiguió dos piraguas, la Carmen y la Rosario, y una tripulación compuesta por tres hombres de tropa y trece marineros por cada embarcación, entre los cuales se hallaban contramaestres y cuatro indios prácticos. Entonces entregó el mando de la Rosario a su ayudante el pilotín de la Real Armada José Torres, junto con instrucciones precisas respecto del comportamiento que debía observar; particularmente la necesidad de navegar en convoy durante el desarrollo de una comisión, le advertía, en la que se presentarían “situaciones arriesgadas por lo incógnito y agrio de las

3Detalle de la “Carta esférica de la costa occidental patagónica…”; muestra el hoy llamado canal Moraleda, entre el archipiélago de las Guaitecas y la costa patagónica.

58

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

costas que se deben discurrir y vientos que comúnmente reinan en ellas” (Moraleda, “Instrucción que debe observar el pilotín de la Real Armada don José Torres, capitán de la piragua de S.M. nombrada Nuestra Señora del Rosario”). Las piraguas se hicieron a la vela el 21 de enero de 1793 en dirección hacia el NEE para entrar en el mar interior que se forma entre la isla de Chiloé y el continente y entonces navegar hacia el sur. Ya prácticamente concluyendo esta parte de la travesía, es decir a la altura de las Guaitecas, Moraleda alude a las características de la región, su abundancia de islas y canales, y a las elevadas montañas de las “orillas o términos del mar de la costa firme”, es decir al relieve continental patagónico. Entonces, sin percibirlo, pues no sabía cómo, comienza a mostrar un paisaje formado por la erosión fluvial, describiendo evidentes muestras de la acción de hielos que él todavía sólo observa a lo lejos, sólo en las cumbres cordilleranas, y que entonces no imagina encontrará más adelante, en la orilla del mar. Es así como Moraleda en Cuptana, una de las Guaitecas, alude “al terreno, o más bien enormes masas de piedra que la forman”, el cual se ofrece “muy quebrado de cerros gruesos y morros cortados”12 . La que llama carencia de “guarecederos” o “surgideros”, es decir de espacios en el litoral para las embarcaciones, que caracteriza la “multitud” de islas que encuentra a su paso, es otra manifestación de un relieve cordillerano erosionado de tal forma que su base está bajo el mar, mostrándose en la superficie desmembrado y disgregado en numerosas islas y canales, tal y como Moraleda lo apreciaba. Aunque naturalmente sin conceptualizar nada respecto de sus orígenes geológicos, agentes erosivos u otras expresiones y explicaciones científicas que sólo se difundirían a partir del siglo XIX. El piloto sólo escribe, describiendo la multitud de islas existentes, un paisaje tan repetido durante su navegación por el hoy llamado Canal Moraleda que lo lleva a abreviar: “en orden a las islas vistas este día nada hay que añadir a lo dicho, pues son de la misma naturaleza, esto es peñascos con concavidades y grietas”13 . En otra oportunidad, en medio de la ensenada de

Chelcayec, navegando desde la boca del Aysén hacia el norte, refiere un paisaje poblado de islas, verdaderos “farellones frondosos, entre los cuales se forman angostos canales con peñas ahogadas unas, otras que se elevan poco del nivel del mar bajo y que en el alto quedan sobre aguadas”. Es entonces cuando, en el vocabulario que conoce, aludiendo a imágenes familiares para los occidentales, ajeno a todo concepto científico, pero prácticamente adivinando lo que mucho después sería una teoría científica validada, escribe: “de suerte que parece que algún violento estremecimiento de la tierra desplomó pedazos de las encumbradas montañas que rodean casi toda la ensenada, los cuales cayendo en ella, quedaron como sembrados al intento de ocuparla”14 . Las características de la costa patagónica occidental quedaron registradas en el diario del marino, como también las condiciones y desafíos que ella impuso a la exploración, reconocimiento y elaboración de representaciones hidrográficas. Así por ejemplo, en relación con la navegación, Moraleda fue enfático en advertir que el conocimiento de la dirección de las mareas y corrientes “es de tanta necesidad en estos canales”; tanto como el hecho que “la tierra firme era el principal objeto de la comisión”, lo cual lo obligaba a navegar muy cercano a la costa, orillándola, con los riesgos que ello implicaba, debiendo atender especialmente a “observar el curso de las mareas”. Por lo pronto las mismas formas del relieve condicionaron las operaciones hidrográficas que Moraleda pensaba desarrollar pues, como escribió, [...] yo me había propuesto ir detallando en plano los canales de este archipiélago que fuese discurriendo, por medio de enfilaciones y cálculos de distancia, y con este objeto tomé las necesarias a las dos bocas por donde he entrado; pero hallo absolutamente impracticable dicha operación sin detenerse el dilatadísimo tiempo necesario para ello, por, se justificaba, la tal multitud de islas que se nos han

59

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

región, y así no es excepcional encontrar en la relación del piloto afirmaciones del tipo “al mediodía intenté observar la latitud, pero la mar e incesante vivo movimiento de la embarcación me impidieron concluirla con la exactitud deseada”18 . Manifestación de la impresión que la realidad natural del extremo meridional de América provocó en Moraleda es que luego de navegar por el canal que separa el archipiélago de las Guaitecas del litoral continental, hoy llamado Moraleda, situado en frente de la boca o entrada del Aysén, la calificara de

presentado en la navegación.

El que llama crecido número de islas no significó que abandonara sus responsabilidades pues, advirtió que “sin embargo tomo continuamente una multitud de enfilaciones de extremos de unas con otras para deducir su colocación lo mejor que sea posible”15 . La “escasez o penuria de atracaderos en todo el archipiélago”, que lo lleva a llamar puerto a “cualquiera pequeña playa de arena o lastre que se presenta”, también dificultó sus operaciones por ser muy raros los sitios donde poder levantar las líneas de base para las triangulaciones. De variada extensión y profundidad eran también los canales navegados; como varias las corrientes, aunque generalmente rápidas, afirma. Respecto de ellas, acertadamente apreció que en la zona disminuían o aumentaban su fuerza “según el mayor número de canales que concurren a aumentar la del canal principal o angosturas por donde están obligadas a pasar las aguas en su flujo y reflujo”; de tal modo que hacían “muchedumbre de revesas y tomaban infinidad de direcciones, ya próximas a la común de aquel lugar, ya laterales unas a otras y acaso diametralmente opuestas por la diversidad de canales dichos y su curso”; todo lo cual hacía de su examen una operación extraordinariamente incómoda que, advertía el experimentado piloto, “a no llevar un violento andar las embarcaciones les hacen molesto, cuidadoso y aun arriesgado su gobierno”16 . Además de la fuerza de las mareas, que en ocasiones relata “hacía inútiles nuestros remos y velas”, obligando al convoy a guarecerse en la costa, la presencia de “escollos y bajos visibles y ocultos”, transformaban la navegación por la región en una actividad riesgosa, tanto como para que Moraleda en alguna ocasión se dejara llevar por la impresión y decidiera bautizar una estrecha caleta con el nombre de Triste: “por lo sombrío de ella, por no tener casi atracadero ni agua alguna que beber, por los riesgos que la preceden, y los muchos más que la forman, pues bajo ya el mar nos hallamos circundados de peñascos por todas partes”17 . Hasta los procedimientos más rutinarios se vieron entorpecidos en aquella

[...] objeto deseado, así por ser el primero de nuestro principal destino, como por vernos libres de la multitud de islas, estrechos canales, escollos y variedad de rápidas corrientes entre las que discurrimos desde la entrada en este archipiélago o más bien laberinto intrincado de islas, las más unidas que se conocen en el conjunto de las que se les dé este nombre en todo el orbe descubierto19 .

Junto a la multitud de islas y canales, otros fenómenos naturales presentes en la travesía por la Patagonia occidental fueron “el viento arreciando”, la “mar gruesa” y la nieve. Las “terribles ráfagas de viento” y “los fuertes embates”, la lluvia y la “costa brava” se encuentran a lo largo de todas sus singladuras por los mares del sur como algo inmediato, constante y palpable que, entre otros efectos, condicionó su descripción del tiempo atmosférico, corrientemente descrito como de “perverso cariz”, con “lluvia recia” y “furiosas ráfagas”. En la relación de Moraleda los hielos aparecen como un fenómeno lejano desde la posición en que él escribe pues, situado en medio de los canales y archipiélagos del extremo meridional de América, sólo puede observar y constatar su presencia en las “elevadas montañas” que forman los Andes u, ocasionalmente, en alguna de las islas de las Guaitecas, como apreció en la “encumbrada cima nevada de la isla Cuptana” que, escribió, “compite con las eminencias de la cordillera real de los Andes”.

60

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

internarse por el que llama estero de Aysén, hacia el este, aprovechando la crecida de la marea y mientras sondaba la profundidad, apreciaba las características del lecho del canal por el que navegaba, identificaba la composición de su fondo y describía las formas del relieve en las orillas. En su avance hacia el interior experimentaron un viento del NE y norte que, en sus palabras, “despedía el abra o quebrada profunda de dos elevadas montañas” adyacentes al canal, lo que les imposibilitó seguir sondando. Habiendo navegado unas 5 millas, la existencia en el canal de una “grande ensenada con dilatada playa de arena”, apropiada para “medir una buena base”, alivió las dificultades y llevó a los exploradores a dar fondo en una ensenada en medio de “viento duro, con ráfagas impetuosas, lluvia y cerrazón”. Los reconocimientos y mediciones, todos demorados y dificultados por las condiciones climáticas o la extensión de las mareas, llevaron a Moraleda a nombrar Palizada la ensenada en que se encontraba surto, reflejando en él “la muchedumbre de antiguos árboles tendidos en la arena y troncos secos que aun no han caído”20 . Dos días después Moraleda finalmente medió la base, aunque inicialmente no pudo hacer las enfilaciones de sus extremos por no discernirse bien los puntos precisos, ocultos tras la cerrazón o la nubosidad espesa, que impedía la visibilidad. A continuación se internó todavía más en el estero buscando un puerto más cómodo, pues en la Palizada la marea baja, como es característico en la zona, se explayaba tanto que casi toda la ensenada quedaba en seco. Navegando en medio de islas y montañas altas de las cuales se desprendían quebradas por las que soplaban “furiosas y momentáneas ráfagas de viento”, que inclinaban las bordas de embarcaciones naturalmente débiles, las piraguas continuaron hacia el este bordeando en medio de repetidos embates, recalmones y aguaceros. A remo, con lluvia fuerte, en solicitud de un puerto en costa firme, luchando contra la marea vaciante que no pudieron contrarrestar, Moraleda y sus hombres surgieron en una pequeña playa de arena, con riachuelo,

5- Foja inicial, original, del diario de José de Moraleda que da cuenta de sus comisiones hidrográficas por la costa occidental patagónica.

Entre ríos de nieve Un verdadero resumen de su comisión por los mares y canales del sur, incluidos los numerosos y variados fenómenos naturales que conoció y experimentó, es lo vivido por Moraleda y sus hombres en la exploración del estero y río Aysén que, “según las noticias recientemente adquiridas, escribió, es el que se interna más de los que están al oriente del archipiélago de Chonos”. Un hecho esencial si se considera que entre sus órdenes estaba la de buscar un paso fluvial entre las costas del Pacífico y del Atlántico. Situado en su boca, que de paso tenía muy poco fondo, dificultando la maniobrabilidad de las piraguas, Moraleda y sus naves dieron fondo en la costa este de una pequeña isla de las muchas que le sirven de antemural, surgiendo en una puntilla acantilada de arena, poco resguardada del viento y de la mar, todo en medio de un tiempo “perverso”, con ráfagas arreciando y una mar que los batió toda la noche por lo repetido del oleaje a raíz del poco fondo. Luego de más de dos días en esa situación, pudo

61

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

“distante una legua de una gran montaña nevada”. La descripción de las costas o tierra firme, realmente el “principal objeto de la comisión”, contribuye a caracterizar la región por la que Moraleda se desempeñó en 1792. “Orillas de peñas inaccesibles y encumbradas montañas, por lo general frondosas, y en parte indicando los peñascos que la forman, con muchas cascadas y vistosos derrames de agua, que por las estrechas quebradas se precipitan al mar desde las cumbres y faldas, con un sonido horrorísimo”; formaban un paisaje agreste, incluso salvaje, poco apropiado para las tareas hidrográficas y que, incluso, estimulaba al piloto a aludir a fenómenos corrientemente ajenos a sus relaciones, como los sonoros. Muestra a su vez del impacto que la naturaleza austral provocó en su quehacer profesional. Fue en medio de este ambiente, en el estero de Aysén, que Moraleda tropezó con los glaciares. La primera manifestación de su presencia la aprecia en el agua del canal. “Notamos el agua de un verde tan amarillo” describió, pero también el “no tener la mitad de la parte salina amarga del mar”, lo que atribuyó a “la gran montaña nevada que tenemos inmediata por cuyas quebradas están corriendo multitud de raudales de nieve líquida que entran al mar del brazo o seno del estero citado”21 . El fenómeno no le llamó la atención, al punto que su descripción se basa en lo visto por miembros de su tripulación, y no por él. En su relación escribió que éstos

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

impulso con que la corriente del río de nieve dicho nos conducía al SSO, pues con todos nuestros remos la superábamos tan poco, que en utilizar poco más de 3 millas de distancia se emplearon más de cuatro y media horas”. Sin duda una muestra sensible de la fuerza del torrente que se desplazaba desde la costa firme al estero. Las alusiones al río de nieve licuada, o más bien a sus efectos en el fiordo en que se encontraba, continuaron mientras más avanzaba hacia arriba, y por lo tanto se acercaba a él, menos salinidad presentaba el agua y más sumergidas se encontraban sus piraguas, “por la mayor levedad del agua dulce”. Es entonces que comenzó a reflexionar sobre la insuficiencia de los derrames de agua existentes para explicar el fenómeno pues, con todo lo numerosos que eran, resultaba “muy corta cantidad de agua para tal transmutación en el agua de mar y en canales tan profundos”, aludiendo así al volumen de agua proporcionado por el glaciar; para afirmar su razonar describió que no era “solamente la tez y superficie del agua la dulce, como sucede al mar donde desaguan los grandes ríos Marañón, Orinoco, Magdalena y muchos otros, sino que se profundiza mucho más ésta, pues yo he sumergido el balde hasta 5 o 6 pies y la he hallado de la naturaleza dicha”23 . En medio del estero Aysén, e inicialmente impedido por “la lluvia fuerte y la cerrazón” de realizar sus mediciones, enfilaciones y demarcaciones, procedimientos imprescindibles para “poder dar la idea próximamente exacta que deseamos del citado Aysén”; en un instante de tranquilidad y claridad, se da un tiempo para describir “los objetos que se nos presentaron, una multitud de hermosos derrames de agua abundante, que producidos en las montañas nevadas que llevamos por una y otra parte y aumentados con la lluvia anterior disminuían el ingrato aspecto de los eminentes escarpados de peñas por donde se precipitan al mar”. Luego de remontar el fiordo, venciendo la contramarea que salía de su interior, al encontrarse en el “término o límite del que nombra “estero de Aysén”, describió el lugar como “cerrado de tierra muy baja, poblada de pequeños árboles y pajonales por donde en varias estrechas bocas desagua el río que sin duda se

[..] han seguido la costa hacia el este, y a poco menos de media milla han hallado el río por donde los raudales de nieve dichos salen al mar con extraordinaria velocidad en tres bocas de poco cauce y canal, a excepción de la más oriental, que no pudieron vadear por la corriente rápida, sin embargo de ser también estrecha22 .

Mayor preocupación provocó en Moraleda la masa glaciar una vez que continuó internándose hacia el este al notar “el

62

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

forma de los derrames de las montañas nevadas y sus cañadas”. Entonces se internó “en el río por la boca mayor que se presentaba a nuestro ESE”, para más tarde costear y reconocer otras de sus bocas, sondear fondos, medir la extensión de las islas existentes y hacer enfilaciones precisas para la continuación del plano del estero. Oportunidad en que intentó también observar la latitud, operación que no pudo realizar por lo toldado del tiempo24 . Obligado por sus órdenes a internarse hacia el este en la búsqueda de una comunicación con el Atlántico, Moraleda se excusó de adentrarse en el río Aysén arguyendo que los bajos fondos de las bocas del río lo impedían, tanto como otra serie de dificultades asociadas a demoras, costos y riesgos derivados de sus “débiles embarcaciones en mares y costas de las circunstancias de las que discurrimos”. Sin duda argumentos que no alcanzan a disimular el hecho de que no cumplió con las instrucciones recibidas; creemos, por las penosas condiciones en que el entorno geográfico obligaba a desarrollar una comisión que de todas formas no contaba con las embarcaciones apropiadas para enfrentar, por ejemplo, “los bajos de las bocas del río”. Tal vez consciente de su deuda, escribió que

refirió que entró por una de las bocas del río unas dos leguas “por porción de inflexiones, hasta que el poco fondo y piedras de él se lo permitió, al pie de las escarpadas eminencias que son término o más bien nacimiento de dicho río”26 . Desandando el camino recorrido, encaminó sus piraguas hacia la salida del estero, beneficiándose de la corriente del río, pero enfrentando las ráfagas de viento y una mar picada que lo obligó a buscar abrigo en más de una oportunidad en alguna playa de la costa firme, no sin antes esquivar los bajos existentes. Elementos todos que tuvieron a una de las embarcaciones a punto de zozobrar a raíz de los “grandes y repetidos balances”. Días oscuros, lluvia recia y viento fresco a ráfagas fueron las condiciones atmosféricas que constantemente enfrentó Moraleda en su comisión por los canales patagónicos, debiendo aprovechar los momentos de claridad y calma para navegar y avanzar; claro que atendiendo siempre a la dirección y fuerza de las mareas que en la zona influyen de manera determinante en la navegación. Advirtiendo a quienes en el futuro se aventuraran en esos parajes escribió que [...] es necesario el mayor cuidado para surgir en estos parajes; lo casi nada que profundan sus raíces los más gigantes árboles; la frecuencia de vientos impetuosos; los derrames de agua; la excesiva abundancia de lluvias recias; y el impulso de las corrientes y mareas; son obstáculos que impiden atracarse mucho a las costas para mejor surgir en ellas y capaces de ocasionar una desgracia al más leve descuido27 .

[...] la navegación del estero todo es muy molesta, morosa y arriesgada, aun para estas embarcaciones, por la inestabilidad de los vientos, porque estos son tantos cuantas son las abras o cañadas de los montes donde toma varias direcciones el reinante, con fuertes embates y ráfagas peligrosas y tan repentinas que de un viento favorable pasa a otro contrario que parece quiere hace zozobrar las embarcaciones, no mediando a veces más que un momento de tiempo25 .

Pese a las molestias experimentadas, Moraleda se dio tiempo para explorar y describir las formas del litoral del estero de Aysén, particularmente las más cercanas al canal que hoy lleva su nombre que, además, ofrecían fenómenos inéditos para el piloto. Por ejemplo la ensenada de Chelcayec, en la boca norte del fiordo, en cuyo fondo identifica dos porciones de terreno, una de las cuales “se une con el río de la nieve sobre el cual están los cerros

Tal vez como una forma de excusar su actitud, mostrando que de todas formas se conocían las características del río Aysén que él no exploró, en una nota agregada al diario texto con sus singladuras, ofrece la descripción que conoció de boca de uno de los protagonistas de una expedición anterior al mismo sitio. Éste le

63

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

que he llamado los Dos Hermanos en el plano de Aysén y caen a la orilla de esta ensenada”. Así señala los cerros Maca (2.960 m) y Cay (2.200 m), de cuyas cumbres baja el “río de nieve”, y que forman “el abra de dos eminentes cerros, origen de las terribles ráfagas de viento del NNO que experimentamos fondeados en el llano de la Palizada”28 . Mostrando así el origen de los glaciares, como de las frías corrientes de aire que sufrió durante su travesía por Aysén. La salida del estero Aysén le tomó a Moraleda casi dieciocho días de continuos esfuerzos. La mayor parte de los días cerrados, con lluvia, furioso viento, remolinos y mar picada; la imposibilidad de obtener abrigo para las piraguas producto de las inclemencias del tiempo; los obstáculos que como los grandes troncos o la reventazón dificultaban e impedían acercarse a tierra; la escasez de calas; lo intolerable del agua lodosa; los muchas veces inútiles esfuerzos de los remeros por vencer las corrientes y mareas, entre ellas las “corrientes del río de nieve”; en fin, la que el marino nombra “tenacidad del mal tiempo”, hizo las singladuras en el fiordo “arriesgadas”, muchas veces “intolerables”, sólo compensadas por los mínimos momentos de calma, claridad y “poca mar”, o el encuentro de alguna ensenada apta para surgir, guarecer las embarcaciones y obtener buena agua29 . El hecho que en su derrota de salida del estero de Aysén se viera favorecido por la corriente del río, no impidió que en el relato, cuando estaba ya a punto de dejarlo, Moraleda escribiera: “seguimos pues a toda diligencia a salir del molestísimo Aysén”, objetivo que sólo consiguió luego de cinco horas de continuado remo y gracias a que lo favoreció la marea y un poco de viento del este. Se comprenderá mejor la situación de Moraleda en esta campaña si se conoce de la primitiva, defectuosa y débil construcción de las piraguas. Según el piloto “inútiles para un empeño a la vela y al remo habiendo viento o marea contraria”, como comúnmente ocurre en la costa patagónica. Explicaba su uso por “la poco agua en que nadan”, y por el hecho de que “al carecer de quilla, hace mucho más fácil sacarlas de una varada sin lesión, acaecimiento frecuente en indagaciones de la especie de la actual expedición”, escribió. A las limitaciones de las naves, en su

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

salida del estero Aysén se sumaron las provocadas por las inclemencias de la naturaleza, manifestadas en lo “recio y continuado del viento y la excesiva lluvia”, que terminaron revolviendo el agua de manera tal, se quejó Moraleda, “que no se puede beber ya la del mar por lo salobre”. Resultando así que en ocasiones, en medio de tantas bellas cascadas, derrames y riachuelos como tiene el estero de Aysén, “nos hallamos precisados a beber la ingrata lodosa de una posita que se ha hecho y a guisar con la salobre del mar, pues la obstinación del viento no permite pasar a tierra firme a traer agua de un arroyuelo que tenemos a la vista de ella”. No está demás hacer saber que las demoras provocadas por la lluvia, “sin interrupción en casi un mes”, la mar picada y la niebla, pusieron a Moraleda “ansioso de dejar Aysén”; sensación acrecentada por el tiempo invertido en varar una de las piraguas para reparar costuras en la estopa e impedir que siguiera haciendo agua. Las precipitaciones constantes en la zona, que el marino nombra “la obstinada continuación de las lluvias”, tenía sus consecuencias en las embarcaciones pues hinchaba las tablas de las cubiertas, lo que arrancaba los clavos de muchas de ellas, todo lo cual provocaba goteras que, entre otros efectos, humedecían los víveres. La falta de cera, como lo incesante del agua, escribe Moraleda, impedían aplicar cualquier remedio a una situación agravada por unas piraguas construidas con maderas verdes que, por eso mismo, se mutilaban y arruinaban rápidamente. Resultado de lo cual hacían agua constantemente, siendo preciso “achicarla dos o tres veces, especialmente navegando con viento fresco o mar gruesa”, como por lo demás es común en los archipiélagos australes. Las experiencias sufridas ayudan a explicar el tono apesadumbrado que es posible encontrar en el diario que compuso José Moraleda de esta campaña. Junto con las constantes alusiones a las malas condiciones climáticas, la violencia de los vientos, corrientes y mareas; la rudeza del terreno y otra serie de fenómenos y situaciones que complicaron su comisión, como el “agua ingrata y lodosa”, se hallan los nombres con que

64

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

bautizó algunos lugares, todos relacionados con características negativas. Llano de la Palizada, playa Mala, ensenada Sucia y caleta Triste, son buenos ejemplos del sombrío estado de ánimo que los rigores de la naturaleza patagónica provocaron en el marino durante esta dura comisión. Lo anterior se ve confirmado en su ya mencionado “Resumen o breve descripción del estero de Aysén”, que incluye en su diario, y en el cual concluye, “nada hay en Aysén que lisonjee ni aun la vista”; claro está que con una excepción que su abatido estado de ánimo no le impidió apreciar, “si se exceptúan los derrames o cascadas de agua citados”. Los hielos jugaron también su papel en el juicio que Moraleda emitió sobre Aysén. En su descripción del estero, junto con informar sobre su extensión y anchura, 91/2 millas y entre poco más de 1 milla y 2; describir sus orillas, “peñascos tajados al mar con muy pocos atracaderos”; e informar sobre los terrenos adyacentes, “altas montañas escarpadas”; culmina su caracterización sobre el relieve agregando, para enfatizar las negativas condiciones de la zona, que se trata de montañas “organizadas hasta su superficie de rocas horribles y nevadas”. Razón más que suficiente para juzgar sus producciones, “las de las faldas de los cerros como de las partes bajas”, como inútiles. Incluso las que llama “porciones de tierra”, susceptibles de algún cultivo, las juzga finalmente estériles por “anegadizas y lodosas, cortadas por los arroyuelos que las serpentean, que son tantos cuantas son las cañadas y grietas de las vecinas montañas nevadas”30 .

6Representación, incluida en el diario con sus singladuras en la costa occidental patagónica, en la cual Moraleda ofrece vistas con las formas que presenta el relieve en la zona. La multitud de islas, cerros y quebradas fue lo que lo llevó a hablar de “intrincados laberintos”, así como de esteros, canales y ríos

En su descripción geográfica e hidrográfica del conjunto de islas que forman las Guaitecas, como de los espacios marítimos y de la tierra firme patagónica situada más allá de ellos hacia al este, un verdadero compendio de los conocimientos adquiridos en el curso de sus exploraciones, el primer concepto que aparece es “archipiélago”, seguida del adjetivo “amogotada” para describir toda su costa; es decir asociada a una forma de elevación del terreno que recuerda la figura de un monte. El conjunto de islas que describe es tal, explica, “que ni aun conjeturalmente me es posible hablar del número”. Más todavía, la extensión de la superficie que ocupan, su número y disposición lo llevan a concluir, intentando convencer a través de una comparación general, “que en cuanto hay conocido de nuestro globo no se registra archipiélago que las tenga más unidas entre sí”; sin duda una de las principales características del conjunto31 . El que las islas se encuentren “tan estrechamente unidas” es precisamente uno de los elementos que para Moraleda transforman el mar por el que surca en cursos fluviales. El otro lo describe a propósito de una de las tantas

Navegando por canales, esteros y ríos Las travesías por los archipiélagos patagónicos representaron para el piloto Moraleda una experiencia notable por las características del paisaje. De hecho le significó cambiar momentáneamente la perspectiva con que hasta entonces apreciaba la realidad, al extremo de representar su comisión como una empresa entre “canales”, “esteros” y “ríos”, más que como una navegación marítima.

65

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

“bocas de estero o ríos grandes que se internan mucho al oriente”, hacia la costa firme, al explicar que “esta apariencia la da la tierra baja que hace término de ellas y las grandes quebradas que hacen las eminentes montañas”. Cumbres que además cortan los terrenos bajos y planos con “una porción de riachuelos producidos de la misma causa, esto es, derrames de las vecinas montañas nevadas”32. Siendo una vez más los hielos, como efectivamente ocurre en esa región, los responsables del paisaje que describe el piloto geógrafo. Son las islas bajas y chicas del archipiélago, que vistas desde el oeste se confunden con la costa de tierra firme, “desarrollando las encumbradas cimas de éstas sus profundas quebradas sobre aquellas, formando diversidad de bocas aparentes, cuyo número se aumenta mucho si hay alguna niebla, como es harto frecuente”, lo que lleva a Moraleda a mudar la naturaleza, la geografía, en su descripción. Es lo que la perspectiva, las formas del relieve, los elementos del clima y los sentidos y subjetividad del observador hacen parecer. Por eso escribe: “pero esta apariencia la da la tierra baja que hace término este de ellas – las islas - y las grandes quebradas de casi una legua de abra que hacen las eminentes montañas - la costa firme patagónica –”33 . Es la asociación de cerros “muy altos y escarpados” frente a costas “muy bajas”, los que muchas veces “hacen parecer” – aparecer diríamos nosotros - “un canal, estero o río que se interna mucho – en el continente - vista desde este archipiélago” sostiene Moraleda. Los “estrechos canales de división” que quedan entre islas, costas y cerros, todos elementos que predominan en el paisaje de la costa meridional occidental de América del Sur, son los que en definitiva hacen que Moraleda en la Patagonia navegue por canales, esteros y ríos, y no por el mar, como efectivamente acontecía. La notable transformación que mostramos no se limita sin embargo a la “realidad geográfica”, pues tiene también su correlato en las prácticas propias de su trabajo como piloto e hidrógrafo. Las limitaciones impuestas por el medio geográfico

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

alteran prácticas que, en otro contexto y ambiente, son rutinarias. Por lo pronto del tono del diario de Moraleda se desprende que la navegación o “tránsito por los canales de estas islas es aun más arriesgado que” por cualquier otro lugar “por la mayor cantidad de farellones y bajos y porque están batidas por los vientos del norte al oeste, dominantes todo el año”; pero también porque “en las corrientes o mareas hay la misma variedad en dirección y acción”. Tanto como para concluir, por ejemplo respecto de las de Chayamapu, “que las islas dichas y su costa de tierra firme, no tiene nada que estimule a frecuentarlas”, apreciación que sin abusar de su opinión se puede aplicar a todas las Guaitecas y costas de la tierra adyacente. Algunos días después de iniciada su derrota, el jueves 7 de febrero de 1793, a la altura de la isla más septentrional de las Guaitecas, en medio del canal que las separa de la costa patagónica, Moraleda anotó que “al mediodía intenté observar la latitud, pero la mar e incesante vivo movimiento de la embarcación me impidieron concluirla con la exactitud deseada”; sin duda una anticipación de las características de una comisión que no solo resultaría en extremo azarosa, sino que en definitiva concluiría de manera anticipada por las malas condiciones para practicarla con provecho. Responsables del “violento andar de las embarcaciones y aun de su arriesgado gobierno”, eran las “varias corrientes, generalmente rápidas, que aumentan y disminuyen su fuerza según el mayor número de canales que concurren a aumentar la del canal principal o angosturas por donde están obligadas a pasar la aguas en su flujo y reflujo”. Ellas, expone Moraleda, “hacen muchedumbre de revesas y toman infinidad de direcciones”, hecho que las hacía de “extraordinario incómodo examen”, para no aludir al encuentro de mareas o “raya” tan frecuentes en la zona, dificultando entre otros procedimientos el sondaje; pero, sobre todo, perturbando la navegación. Las características de la zona también impidieron que Moraleda pusiera en práctica su reconocida prolijidad como

66

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

explorador e hidrógrafo. Ya en medio de las Guaitecas confesó que si bien se había “propuesto ir detallando en plano los canales de este archipiélago que fuese discurriendo, por medio de enfilaciones y cálculos de distancia, halló absolutamente impracticable dicha operación por ser una multitud de islas las que se nos han presentado en la navegación”34 . De todas formas continuamente tomó numerosas “enfilaciones de extremos de unas con otras para deducir su colocación”, aunque no exactamente, sino que “lo mejor que sea posible”. Si se considera que el método para los levantamientos cartográficos era el de la triangulación, para lo cual era indispensable determinar las coordenadas geográficas de los sitios representados, se comprenderán las complicaciones que Moraleda tuvo para su aplicación. Atendiendo a que se trataba de una comisión hidrográfica en la que la necesidad de orillar se hacía fundamental, las características de un litoral poblado de angosturas, escollos y bajos visibles y ocultos, en los que la escasez de playas quedó rápidamente al descubierto, explican las contrariedades que tuvo el piloto para realizar sus cálculos y mediciones al impedirle explorar, bordear, atracar y surgir, o encontrar una playa lo suficientemente amplia para “medir una buena base”. Es decir, fijar una línea medida con gran precisión en el terreno a través de piquetes, punto de partida para la triangulación geodésica que permitiría determinar astronómicamente los puntos extremos de dicha línea. En otras ocasiones pudo hacerlo, pero a un alto costo de tiempo y trabajo por dificultarlo algunos de los elementos nombrados. Hubo ocasiones en que midiendo la base, no tuvo oportunidad de hacer las enfilaciones, esto es dirigir la visual hacia algún lugar que le permitiera obtener un tercer punto u objeto para posicionarlo gracias al triangulo equilátero que se formaría con las líneas imaginarias. La lluvia fuerte, la cerrazón del cielo, las mareas y contramareas, las corrientes, detalla Moraleda en su diario, frecuentemente le impidieron “ir continuando las enfilaciones y

demarca ciones neces arias pa ra poder da r la i dea próximamente exacta que deseamos” de algún sitio, lo que para él resultaba “bastante sensible”. La imposibilidad de distinguir los objetos a la distancia, indispensables para materializar la triangulación, da sentido a su justificación. Pese a todo, el piloto aclaró hacia el final de su derrota por Aysén, en medio de la multitud de islas que lo rodeaban, que [...] yo no ceso en hacer todas las demarcaciones y enfilaciones de unas con otras y cálculos de distancias, tanto navegando como en tierra; e igualmente a los escollos y bajos que hay entre ellas, para darle a todo la mejor colocación que me sea posible con respecto a la tierra firme, islas del archipiélago de Chonos conocidas y latitudes observadas en tierra, tanto en la costa como en el archipiélago dicho.

No olvidando por tanto que el principal objeto de su trabajo era “la demarcación de la costa y sus islas para formar la más exacta carta hidrográfica de ellas que sea posible, para lo que son absolutamente necesarias las enfilaciones de las puntas unas con otras”, agregó35 . El experimentado marino es reiterativo en su relación para aludir al hecho de que durante la navegación debió enfrentar y “zafar riesgos”, tanto como soportar “repetidos chubascos”, “molestísima lluvia que nos sofoca”, “chubascos de granizo”, días “oscuros”, “horrible cerrazón”, “viento duro y furioso”, “impetuosas ráfagas”, “continuada reventazón” del mar”, “mareas contrarias”, “anochecer con relámpagos y truenos” y “agua y mucha mar”, aludiendo así a condiciones climáticas extremas. Su relato nos permite apreciar que los elementos del clima y de la naturaleza se transformaron en protagonistas de su comisión por la Patagonia pues siempre se manifestaron de una manera violenta, condicionando totalmente su empresa. Incluso la temperatura, ajena a

67

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

cualquier mención de Moraleda durante la mayor parte de su relato, aparece hacia el final de ella, bajo la manifestación de “sensible frío” o “excesivo frío”, agregando un factor más de inquietud a la ya debilitada comisión hidrográfica por los canales australes. Lo cierto es que la mar devenida en cursos fluviales, incluso ríos de nieve, por las manifestaciones y formas que la naturaleza presenta en la costa patagónica, terminó por afectar no sólo las operaciones y cálculos de Moraleda, también su entusiasmo y responsabilidad por su oficio, además de afectar unas “débiles embarcaciones” que durante toda la travesía hicieron agua y fueron objeto de preocupación. No por nada es que aun antes de llegar al estero de Aysén hizo saber de su alivio al verse libre “de la multitud de islas, estrechos canales, escollos y variedad de rápidas corrientes entre quienes discurrimos” durante la derrota por el canal que separa las Guaitecas del litoral continental. Sin tal vez sospechar que todavía le esperaban largas jornadas enfrentando realidades muy similares, cuando no más duras, al interior del fiordo transformado en río y luego en su derrota de regreso hacia Chiloé. Por ello no debe sorprender que una vez explorado Aysén, y antes de concluir el reconocimiento de la costa patagónica hacia el norte, a fines de abril de 1793 decidiera, luego de citar a junta a sus acompañantes y en acuerdo con ellos, concluir la empresa que encabezaba y regresar directamente a San Carlos de Chiloé. En su diario argumentó la mala condición de las piraguas para contrarrestar los vientos, predominantemente del NO; las lluvias y cerrazones que acompañaban dichos vientos, particularmente en la estación que se venía, el invierno, “en estas costas, todas agrias y despobladas”; y la escasez de víveres provocada por la humedad que había podrido las provisiones. Vistos los antecedentes, todos resolvieron que “lo más conveniente al Servicio del Rey era no continuar la comisión”36 .

7Mapa, con la división política actual, de la región que José de Moraleda reconoció en su comisión hidrográfica a la costa occidental patagónica iniciada en 1793. Autora, María Ester Arancibia.

PÍLOGO En sus resúmenes o breves descripciones de los canales, esteros y ríos reconocidos en la costa patagónica, verdadero informe final de sus exploraciones, José de Moraleda concluyó que el de Aysén no presentaba las condiciones adecuadas para la navegación, siendo ésta “muy molesta, morosa y arriesgada”. Del que llamó puerto de Santo Domingo, señaló que “respecto de las penurias que hemos advertido en estas agrias costas es abrigado y capaz por su extensión y profundidad de contener a la gira tres de los mayores navíos”, pero que siendo casi inaccesibles las entradas sur y norte, “sólo puede ser guarecedero para embarcaciones

68

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

medianas en un lance extremo”. Respecto del estero y río Palena advirtió que en el plano que levantó se “ve lo desapropósito que es para estancia de embarcaciones”. Conceptos parecidos expresó respecto de la ensenada de Tictoc, de la que escribió tiene “poca aptitud para la permanencia de embarcaciones de todas clases pues la prolongada constante y grande resaca de sus playas impide aun a las menores atracar”. El estero de Palivad también resultaba “muy desapropósito para surgidero de embarcaciones”; y el de Comau o Leteu, “una profunda y estrecha quebrada al interior del mar que hacen a la marina las encumbradas montañas de la famosa cordillera de los Andes, lo mismo que el de Reloncaví y cuantos otros hemos explorado de estas agrias costas en cumplimiento de nuestra comisión”. Con esta apreciaciones el piloto Moraleda canceló cualquier viso de interés español por la costa patagónica, “ásperas costas” las llamó, pues, en definitiva, no ofrecían “puerto a propósito para guarecerse embarcaciones grandes o medianas”, que era precisamente lo que él había estado buscando. Un litoral que además describió como “un terreno compuesto por altas montañas escarpadas, organizadas hasta su superficie de rocas horribles y nevadas”, caracterización que tampoco alentó nuevos reconocimientos de la zona. Para un marino hidrógrafo como Moraleda, entre cuyas responsabilidades estaba describir, a veces cartografiando, el litoral por el que realizaba sus travesías, los accidentes y fenómenos geográficos eran antecedentes fundamentales para orientar su embarcación, preparar derroteros o levantar cartas y mapas de las costas. La presencia en el litoral explorado de ríos, desembocaduras, barras, deltas, arroyos, desagües y aguadas, resultaban de gran interés; tanto porque condicionaban la navegación, en ocasiones amenazándola, facilitaban la orientación frente al litoral o, esencial, representaban la posibilidad de aprovisionarse de agua dulce, un elemento en ocasiones muy escaso o difícil de conseguir en medio de las travesías. Los cursos de

agua, además, atraían la atención de los exploradores pues representaban vías de penetración hacia el interior de los continentes; hecho que justificaba las exhaustivas descripciones que de ellos hicieron quienes se aventuraron río arriba por sus cursos. Pero también porque en determinadas regiones, como la Patagonia, se presentaban de una forma poco común, “como raudales de nieve que salen al mar”, lo que junto con llamar la atención de los marinos, condicionaba sus singladuras y reconocimientos. Por lo anterior no debe llamar la atención la prolijidad que Moraleda tuvo para describir el mar y litoral patagónico, e identificarlo como un laberinto intrincado de canales, esteros y ríos. La trascendencia de los fenómenos naturales a ellos asociados en la tarea de reconocimiento, descripción y representación geográfica del litoral americano lo justifican. Se trata de un ángulo inédito en el análisis de la labor de este piloto que, sin embargo, muestra su afán por ser fiel a la realidad que aprecia. Una costa desmembrada que hasta el día de hoy ofrece grandes desafíos a quienes se aventuran por sus intrincados recodos. Los diarios de navegación de Moraleda permiten apreciar el valor que éste le asignó a los ríos en sus trabajos de reconocimiento del litoral americano; el significado que les atribuyó en el contexto de la política imperial de defensa desarrollada por España y, por último, las conclusiones de diverso orden que sacó luego de explorarlos. En este caso, para contribuir a descartar una potencial amenaza en una región que caracterizó como inasequible. En la Patagonia Moraleda percibió que la noción de que los ríos son una prolongación de las aguas oceánicas en su condición de rutas de navegación, y por lo tanto de penetración y dominación del espacio, no se materializaba. Última expresión de su apreciación, pero efectiva y elocuente por tratarse de una imagen, es su “Carta esférica que contiene la costa occidental patagónica comprendida entre los 41 y 46 grados de latitud meridional, con inclusión del pequeño archipiélago de Chiloé y

69

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

NOTAS

parte del grande de los Chonos. Reconocida y levantada de real orden y comisión del excelentísimo señor Baylío Frey Dn. Francisco Gil y Lemos, virrey del Perú, por el Alférez de Fragata, Primer Piloto de la Real Armada, Dn. José de Moraleda en los años 1792 y 1796”. Formada durante sus sucesivas comisiones en el extremo austral, le permitió representar y asentar categórico en las notas que forman parte de ella:

1

[...] que ninguno de los esteros pueden ser puerto para embarcaciones grandes ni medianas porque no tienen fondos proporcionados para la seguridad de los buques, pues a tira de piedra de sus agrias orillas no se encuentra el fondo con cien varas de sondalesa. No tienen terreno a propósito para cultivos; producción útil alguna para ser poblados, ni fácil internación desde su interior a las pampas o a terrenos del este de la cordillera real, cuyo término occidental es dicha costa y sus esteros citados no son más que unas estrechas profundas quebradas de aquellas inferiores al nivel del mar. No hay en toda las costa río alguno navegable, y sólo lo son: Aysén, Palena y Coman para muy pequeñas piraguas o lanchitas que puedan internarse hasta donde alcanzan las mareas, esto es a cosa de 2 leguas de la boca porque además de su corto caudal discurren por planos inclinados, tienen el cauce ocupado de mucho derrumbe de troncos de árboles sumergidos y peñeteria de los derrumbes.

Con las palabras y la representación, la carta esférica que las acompañaba, quedaba desacreditada por la ciencia ilustrada la dimensión político estratégica de la Patagonia occidental, entre otras razones, por ser más semejantes sus condiciones naturales a las de un río de bordes escarpados y curso cerrado que a las de un mar abierto.

70

Preparado en el contexto del proyecto FONDECYT 1095221.

2

No se nos escapa que antes de los reconocimientos geográficos muchos de los mismos que los realizarían tenían nociones difusas, abstractas y confusas de los lugares por explorar. De este modo es posible identificar un verdadero esquema o ciclo de conocimiento de la geografía incógnita que pasa de lo abstracto a lo concreto para volver a lo abstracto. En el caso que nos ocupa, por ejemplo, se creía que en la Patagonia se situaba la legendaria Ciudad de los Césares. Aunque no es tema de nuestra presentación, no sobra señalar que Moraleda recibió órdenes de inquirir noticias sobre ella, instrucciones que cumplió sin mucho entusiasmo por considerarla una ciudad “quimérica imaginaria”, descartando absolutamente su existencia por los indicios geográficos e históricos que había reunido.

3

En este apartado tomamos algo de lo ya expuesto en nuestro trabajo “Navegación científica en el Mar del Sur. El piloto Moraleda (1772-1810)”, publicado en Revista de Historia Iberoamericana [en línea] 2008, 1. D i s p o n i b l e e n http://revistahistoria.universia.cl/pdfs_revistas/articulo_89_125011458258 7.pdf ISSN en trámite.

4

La frase en el oficio que dirigió al Comandante General de la provincia fechado en Castro el 5 de febrero de 1787, e incluido al final de la singladura del mismo día. Todo en su Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de la isla de Chiloé, en el que se da noticia de las operaciones practicadas en el reconocimiento de dichas islas y sus inmediatas, con un derrotero a todos los puertos que contienen, ya sea entrando por el canal del Norte de la isla grande, o ya por el del Sur, nombrado boca de Guafo, y una breve descripción de la provincia de Chiloé, su población, carácter de sus habitantes, producciones y comercio. El manuscrito se conserva en el Museo Naval de Madrid bajo la signatura Ms 613.

5

CAPEL 1982, p. 112, afirma que “la renovación fue tan profunda que, de hecho, la Armada se convirtió en el más importante vivero científico de ese siglo”.

6

Salvador Bernabéu Albert, en su trabajo “Las expediciones hidrográficas”

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR 13

ofrece una explicación sobre las motivaciones, objetivos y características de las expediciones hidrográficas organizadas por España a lo largo del siglo XVIII. En la enumeración, las de Moraleda apenas obtienen unas líneas (BERNABÉU ALBERT 1988, pp. 353-369). 7

Según O'DONNELL y ESTRADA 1990, p. 77, Moraleda llevó a cabo su trabajo “con excelentes resultados”.

8

Véase Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de la isla de Chiloé, op. cit., “Orden del excelentísimo señor Virrey”, fechada el 13 de marzo de 1786.

9

10

Véase la nota 2 de la singladura correspondiente al jueves 14 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

Véase el Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos y costa occidental patagónica comprendida entre los 41 y 46 grados de latitud meridional, “Instrucciones al Alférez de Fragata y primer piloto de la Real Armada, don José Moraleda, para cumplir con la comisión a que lo he destinado en la provincia de Chiloé…”, fechadas en Lima el 31 de agosto de 1792. El manuscrito de este diario se conserva en el Museo Naval de Madrid bajo la signatura Ms 614. Véase la “Instrucción que deberá observar el Teniente de Fragata, don José de Moraleda, con la corbeta Castor de su mando, y la goleta Alavesa al del Alférez de Navío don Antonio Quartara, cuyos bajeles formarán la segunda división, que ha de emplearse en tareas hidrográficas desde el golfo de Panamá al puerto de Sonsonate, en cumplimiento de Real Orden de 1 de octubre de 1801”. Este manuscrito se conserva en el Museo Naval de Madrid, bajo la signatura Ms 127.

11

Véanse la “Orden del excelentísimo señor fray don Francisco Gil, virrey del Perú”, fechada en Lima el 29 de agosto de 1792; y las “Instrucciones al Alférez de Fragata y primer piloto de la Real Armada, don José Moraleda, para cumplir con la comisión a que lo he destinado en la provincia de Chiloé”, de la misma autoridad, datadas en Lima el 31 de agosto de 1792. Ambas en el Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

14

Véase la nota 1 de la singladura correspondiente al lunes 25 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

15

Véanse las notas 2 y 1 de las singladuras correspondientes al lunes 11 y martes 12 de febrero de 1793 respectivamente, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

16

Véase la nota 2 de la singladura correspondiente al lunes 11 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

17

Véase singladura correspondiente al sábado 16 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

18

Véase la nota 2 de la singladura correspondiente al jueves 7 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

19

Véase la nota 3 de la singladura correspondiente al domingo 17 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

20

Véase la nota 1 de la singladura correspondiente al domingo 24 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

21

Véase la nota de la singladura correspondiente al jueves 28 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

12

Véase la nota 2 de la singladura correspondiente al martes 12 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

71

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR 22

23

24

25

26

27

28

29

30

Véase la nota de la singladura correspondiente al viernes 1 de marzo de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

Véase la nota 1 de la singladura correspondiente al domingo 3 de marzo de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

31

Véase “Resumen o abreviada descripción y concepto formado del archipiélago de las Guaitecas y Chonos”, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

32

Véase la nota 1 de la singladura correspondiente al martes 16 de abril de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

Véase singladura correspondiente al martes 5 de marzo de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

33

Véase “Resumen o breve descripción del estero de Aysén”, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

Véase singladura correspondiente al jueves 11 de abril de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

34

Véase la nota 2 en la singladura correspondiente al lunes 11 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

35

Véanse singladuras correspondientes al domingo 24 de marzo y jueves 11 de abril de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

36

Véase singladura correspondiente al lunes 15 de abril de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

Sin duda la información es equivocada y nadie llegó al nacimiento del Aysén, que son los ríos Mañihuales y Simpson, punto situado realmente a 23 kilómetros de la desembocadura del río. Entre otras cosas porque los citados por Moraleda a lo más ingresaron unos 14 kilómetros río arriba. Si se considera que la legua castellana equivale a entre 4 y 7 kilómetros, aunque la equivalencia más común correspondiera a 5.500 metros, se comprenderá lo que afirmamos. Lo que a su vez muestra la credulidad de Moraleda con tal de salvar una situación en que él aparecía en deuda si no ofrecía las noticias pertinentes. Véase la nota de la singladura correspondiente al miércoles 20 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

REFERENCIAS

Véase la nota 1 de la singladura correspondiente al lunes 25 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

BERNABÉU ALBERT, Salvador. “Las expediciones hidrográficas”. In: PESET, José Luis y LAFUENTE, Antonio (eds.). Carlos III y la ciencia de la ilustración, Madrid, Alianza Editorial, 1988, pp. 353-369.

Véanse singladuras entre los días martes 5 y miércoles 20 de febrero de 1793, en Diario de la navegación desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos…, op. cit.

CAPEL, Horacio. Geografía y matemáticas en la España del siglo XVIII, Barcelona, Oikos-tau Ediciones, 1982. DIARIO DE LA NAVEGACIÓN desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de la isla de Chiloé, en el que se da noticia de las

Véase “Resumen o breve descripción del estero de Aysén”, en Diario de la

72

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

operaciones practicadas en el reconocimiento de dichas islas y sus inmediatas, con un derrotero a todos los puertos que contienen, ya sea entrando por el canal del Norte de la isla grande, o ya por el del Sur, nombrado boca de Guafo, y una breve descripción de la provincia de Chiloé, su población, carácter de sus habitantes, producciones y comercio. Museo Naval de Madrid, signatura Ms 613. DIARIO DE LA NAVEGACIÓN desde el puerto del Callao de Lima al de San Carlos de Chiloé y de éste al reconocimiento del archipiélago de Chonos y costa occidental patagónica comprendida entre los 41 y 46 grados de latitud meridional. Museo Naval de Madrid, signatura Ms 614. INSTRUCCIÓN que deberá observar el Teniente de Fragata, don José de Moraleda, con la corbeta Castor de su mando, y la goleta Alavesa al del Alférez de Navío don Antonio Quartara, cuyos bajeles formarán la segunda división, que ha de emplearse en tareas hidrográficas desde el golfo de Panamá al puerto de Sonsonate, en cumplimiento de Real Orden de 1 de octubre de 1801. Museo Naval de Madrid, signatura Ms 127. O'DONNELL, Hugo y ESTRADA, Duque de. El viaje a Chiloé de José de Moraleda (1787-1790), Madrid, Editorial Naval, 1990. SAGREDO BAEZA, Rafael. “Navegación científica en el Mar del Sur. El piloto Moraleda (1772-1810)”. In: Revista de Historia Iberoamericana [en línea] 2008, 1. Disponible en http://revistahistoria.universia.cl/pdfs_revistas/articulo_89_1250114 582587.pdf.

73

JESUÍTAS NO AMAZONAS E NO ORENOCO: EXPLORAÇÕES E POLÊMICAS GEOGRÁFICAS1 Artur H. F. Barcelos Doutor em História. Professor do Bacharelado em Arqueologia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG e do PPGH da Universidade Federal de Pelotas – UFPEL. e-mail: [email protected]

RESUMO Neste artigo se observam com particular atenção as explorações realizadas no âmbito das bacias dos rios Amazonas e Orenoco por destacados missioneiros jesuítas, entre finais do século XVII e meados do XVIII, nomeadamente por Samuel Fritz, Joseph Gumilla e Manuel Román. Estuda-se de que maneira a ordem dos inacianos interveio como um agente central nos rearranjos espaciais ocasionados pela conquista e colonização ibérica desses territórios, atuando não só através da evangelização das diversas nações indígenas, mas, e sobretudo, mediante a sua participação na construção do conhecimento cartográfico. Singular atenção merece, neste contexto, a secular discussão em torno da conexão do rio Negro com o rio Orenoco, que esteve presente ainda entre os objetos de estudo de Alexander von Humboldt durante a sua visita à região, em 1800. Palavras-chave: cartografia jesuíta, Amazônia, rio Orenoco

ABSTRACT Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

This paper focuses particular attention on the explorations carried out by distinguished Jesuit missionaries, namely Samuel Fritz, Joseph Gumilla and Manuel Román, within the ambit of the Amazon and Orinoco River Basins toward the end of the XVII century and at the beginning of the XVIII century. We study the manner in which the Order of St. Ignatius intervened as a central agent of these territories' spatial rearrangement, brought about by Iberian conquests and colonialization, not only through actions to evangelize various indigenous nations, but, above all, by participating in the construction of cartographic knowledge. In this context, deserving special attention is the secular discussion concerning the connection between the Negro River and the Orinoco, which was one of Alexander von Humboldt's objects of study during his visit to the region in 1800. Keywords: Jesuit Cartography, the Amazon, Orinoco River

74

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

DE COSTA A COSTA. EXPLORAÇÕES NA AMAZÔNIA

Ambas se desdobraram em missões específicas à medida que a penetração pelos rios amazônicos ampliava-se. Os jesuítas portugueses organizavam-se através das missões do Grão Pará e Maranhão, pelos rios Amazonas, Madeira e seus afluentes (D'AZEVEDO 1999).

A

Amazônia representou desde o princípio uma barreira e um desafio para os conquistadores europeus. De certa forma, sua conquista nem sequer se completou até os dias atuais. A diversidade de sua ocupação humana em épocas précolombianas era proporcional à sua extensão, e sua exploração ao longo do século XVI esteve permeada pelos mitos fundidos na imagem do El Dorado2 . A ampla rede hidrográfica da bacia amazônica ofereceu aos europeus as vias de penetração. E também na Amazônia as duas frentes de colonização, espanhola e portuguesa, iriam se encontrar. Os espanhóis, rumando de oeste para leste, a partir do Peru, desceram por rios como o Napo e o Marañón. Cartagena era outra “porta” para incursões à Amazônia, através do rio Magdalena, pelo qual chegavam ao Peru ou a Santa Fé de Bogotá, para passar ao rio Orenoco. Os portugueses, em sentido contrário, alcançavam as áreas interiores pelo rio Amazonas ou descendo os rios Mamoré e Madeira. Neste emaranhado de rios principais e seus afluentes, o rio Negro constitui-se em ponto de confluência destas frentes de colonização. Tangenciando as extremidades desta vasta região, estavam os franceses, ingleses e holandeses que, através de suas bases insulares no Caribe, ou estabelecimentos em “terra firme”, realizavam um intenso comércio de trocas com as populações indígenas. Acossados por este avanço sobre suas terras, os índios da Amazônia sofriam os impactos de sua desterritorialização. Um dos agentes centrais dos rearranjos espaciais ocasionados pela conquista e colonização da Amazônia foram as ordens religiosas, sobretudo a Companhia de Jesus. Duas Províncias jesuíticas foram demarcadas nos domínios espanhóis. A Província del Nuevo Reino ou Nueva Granada, criada em 1611, a partir da qual organizaram-se as missões de Llanos de Casanare e dos rios Orenoco e Meta; e a Província de Quito, cujas atividades iniciaram em 1638, mas foi estabelecida somente em 1696, onde ocorreram as missões do Marañón ou Maynas (MARZAL 1992, tomo I, p. 21).

AS PROVÍNCIAS JESUÍTICAS DA AMAZÔNIA ESPANHOLA Após uma fase inicial de exploração da Amazônia, a colonização espanhola concentrou-se na zona mineradora do Alto Peru. A Amazônia oriental foi deixada à margem e as populações indígenas aproveitaram este refluxo para tentar um novo equilíbrio de suas relações com os colonizadores. Isto explicaria as rebeliões verificadas entre 1575 e 1620. É neste contexto específico que tem início a frente evangelizadora de franciscanos e jesuítas (TAYLOR 1994, p. 110). Embora a Província Jesuítica de Nueva Granada tenha sido criada muitos anos antes da Província de Quito, esta última alcançou resultados mais significativos, através da missão de maynas. Esta missão não estava composta apenas de índios maynas, como seu nome possa sugerir. Também foram importantes as missões de omaguas, yurimaguas e jeberos. Seu início se deu após a exploração do rio Napo até a confluência com o Marañón por espanhóis do presídio de Santiago de Yaguarasondo, em 1616, quando foi estabelecido o contato com indígenas denominados maynas. O Vice-Rei Esquilache entregou a área em merced para o Capitão Diego de Vaca y Vega, o qual fundou a cidade de Borja, em 1619. Os jesuítas receberam autorização para evangelizar no Marañón em 1632 e o colégio de Cuenca foi escolhido como ponto de passagem para a nova Missão. As atividades iniciaram em 1638, com a chegada a Borja dos padres Gaspar Cujia e Lucas de la Cueva (URIARTE 1986, pp. 25-26). Esta entrada dos jesuítas ao rio Marañón tem sua real dimensão quando vista no contexto das disputas pela Amazônia entre espanhóis e portugueses, que se acirrou a partir do século XVII, e relaciona-se com eventos ocorridos no outro extremo da grande bacia hidrográfica.

75

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

PORTUGUESES E A AMAZÔNIA OCIDENTAL

ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

contatando grupos omaguas, yurimaguas, aizuares e ibanomas. Seguindo as práticas de seus companheiros, Fritz fundou quatro aldeias principais, San Joaquín de omaguas, Nuestra Señora de Guadalupe, San Pablo de omaguas e Nuestra Señora de las Nieves de yurimaguas, a partir das quais realizava visitas às aldeias circunvizinhas. Logo após fundar Nuestra Señora de las Nieves, em fevereiro de 1689, ocorreram as inundações provocadas pelas cheias dos rios e Samuel Fritz foi acometido de febres altas e hidropsia. Enquanto encontrava-se enfermo, recebeu notícias dos índios ibanomas, os quais relatavam que havia portugueses recolhendo salsaparrilha rio abaixo. Necessitando de auxílio e percebendo que retornar para San Joaquin de omaguas seria muito difícil em função das cheias, Fritz decidiu:

Em 1615, os portugueses encerraram a aventura francesa da criação da França Equinocial no Maranhão. Francisco Caldeira de Castelo Branco, responsável pela vitória portuguesa, fundou a cidade de Belém, na desembocadura do rio Pará. O contexto da Unificação Ibérica (1580-1640) favoreceu a expansão lusa pelo baixo rio Amazonas. Em pouco mais de dez anos, os portugueses estabeleceram sua presença rio acima e criaram o Estado do Grão Pará e Maranhão, diretamente subordinado a Lisboa. A chegada em Belém, em 1636, de uma canoa trazendo dois franciscanos e seis soldados oriundos de uma missão no rio Napo3 alertou o governador lusitano, que ordenou uma expedição rio acima. O comando foi entregue a Pedro Teixeira, o qual se fez acompanhar de centenas de índios e 70 soldados. Partiram em 28 de outubro, e um ano depois chegaram a Quito. Agora a surpresa se invertia, e eram os espanhóis que se preocupavam com o uso desta via pelos portugueses. O Vice-Rei Conde de Chinchón ordenou seu retorno imediato ao Pará. E, para acompanhá-los, nomeou os jesuítas Cristóbal de Acuña e Andrés de Artieta. Nesta viagem de retorno, o padre Acuña realizou observações que registrou na obra Nuevo Descubrimiento del gran río de las Amazonas (ACUÑA 1641, in: URIARTE 1986 p. 26; ver ESTEVES 1993, p. 27). A expedição de Pedro Teixeira teve, posteriormente, importante repercussão no tocante aos limites entre Portugal e Espanha na Amazônia. Esta situação de contato fluvial entre os dois extremos da área amazônica redobrou a importância da presença jesuítica no rio Marañón.

[...] bajar en busca de esos portugueses, con esperanza de hallar algun remedio en mis dolencias, porque ir río arriba estaba imposibilitado ó en manifiesto peligro, viéndome tan destituido de fuerzas y rodeado de achaques, cuando hasta encontrar con el primer Padre de estas misiones castellanas, había de gastar de dos meses de camino. (FRITZ 1997, pp. 82-83).

Samuel Fritz partiu de Nuestra Señora de yurimaguas em três de julho de 1689, acompanhado pelo cacique Mativa e dez índios. Cruzou aldeias de aizuares, guayoeni e quirimatate. Depois da boca do rio Yupurá, atual Japurá, chegou às aldeias dos ibanomas. Entre os ibanomas, Fritz identifica em seu diário o nome de povoações como Yoaboni, Guayupé, etc. Não são comuns estas referências aos nomes das aldeias para todos os grupos que Fritz descreve, mas há alguns casos em que indica até o nome de seus caciques, que denomina alternadamente como curacas, utilizando um vocábulo quéchua: “Entré en el pueblo de los Ibanomas, llamado Yoaboni, cuyo curaca es Arimavana.” (ibidem, p. 83). No primeiro trecho de sua viagem, foi acompanhado por índios ibanomas que se juntaram a ele rio abaixo. Ao longo do

AS VIAGENS DE SAMUEL FRITZ Ainda que vários missionários tenham realizado a evangelização na missão de maynas, a chegada do padre Samuel Fritz, em 1686, deu um grande impulso às iniciativas jesuíticas na região. Fritz foi o responsável por uma expansão através do rio Marañón, entre a desembocadura dos rios Napo e Negro,

76

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

roteiro, outros grupos acompanharam Fritz, enquanto os anteriores retornavam às suas aldeias. Desta forma, Fritz nunca estava só, tinha sempre guias e alimentos, como peixes, tartarugas e bananas, para seguir viagem. À medida que descia o rio, encontrava sinais da presença portuguesa, como nas proximidades do Cuchivara, atual Purus, onde havia “[...] casas desiertas que habian edificado en unas barrancas altas los portugueses.” (ibidem, p. 83). Ao chegar ao rio Negro, foi recebido por “[...] un cacique de los portugueses, de nación Tupinambarana, llamado Cumiarú, que iba acompañando la tropa de rescates.” (ibidem, p. 83). Cumiarú era um cacique da aldeia Urubú. Fritz foi então levado ao encontro de um padre mercedário chamado Teodósio Vegas. Mais tarde, chegaram à aldeia os portugueses que Fritz buscava encontrar, comandados por André Pinheiro e acompanhados pelo jesuíta Juan María Garzoni. A viagem de Fritz suscitou uma intensa troca de notícias a seu respeito, que circulavam de aldeia em aldeia:

aldeias, como por exemplo, o padre Antônio da Silva, na aldeia de Guaricurú, dos engaibas (ibidem, p. 85). Em 10 de setembro, chegou a Ibarari, fazenda de trapiche do colégio da Companhia em Belém. No dia seguinte, foi recebido neste colégio pelo Reitor Juan Carlos Orlandini. A chegada de Fritz à cidade levantou suspeitas de que ele poderia estar, na realidade, agindo como espião da coroa espanhola4 . Por ordem do Governador português, foi retido no colégio de Belém até que se esclarecesse sua situação. Fritz provocou uma discussão acerca dos fundamentos dos portugueses para seu avanço sobre o rio Amazonas. Voltavam à tona as conseqüências da expedição de Pedro Teixeira, em 1639: En lo que se fundan los portugueses del Pará, es una Cédula de la Real Audiencia de Quito que llevó la tropa de Texeira volviendo para Pará con el P. Acuña el año de 1639, en la cual se les concedía pudiesen tomar posesion de una aldea, a donde habian encontrado, al subir el Marañón, unas orejeras de oro de los infieles y por eso la llamaran Aldea de Oro. El sitio era a la banda del Sur, en tierras altas, algo más arriba del rio Cuchivara, donde de hecho, dicen, tomaron posesion y dejaron allí por padron un tronco grande. Ese, pues, padrón hace ahora todo el pleito, y como ya no hay ninguno que se acuerde puntualmente del sitio em donde habían puesto dicho padron, pretenden ahora que haya sido más arriba de la provincia de Omaguas, y según eso han informado al rey de Portugal de haber yo misionado en tierras de su conquista. (ibidem, pp. 8687).

Es de reparar, que en esta mi bajada se levantó acerca de mi un alboroto grande, no sólo entre los gentiles comarcanos, sino que llegó hasta el Pará y San Luis de Marañhon. Otros me decían santo e hijo de Dios, otros diablo. Unos, por la cruz que traía, decían que habia venido un patriarca ó profeta, otros, que un embajador de Pérsia; hasta los negros del Pará decían que habia venido su libertador, que habia de ir á Angola a libertarlos. Otros, de miedo, se retiraban, diciendo que traia fuego conmigo y que venia quemando cuantos pueblos y gente encontraba. Otras muchas mayores pataradas habian publicado de mi; [...] (ibidem, p. 84).

Talvez Fritz tenha tirado partido destas notícias em algumas situações de contatos com índios ao longo do caminho. Partiu de Urubú para o Pará (Belém) acompanhado do Irmão coadjutor de Juan María Garzoni. Em todo o trajeto que seguiu deste ponto em diante, foi encontrando missionários da Companhia de Jesus em

Em sua defesa, Fritz escreveu ao embaixador de Madri em Lisboa e ao Procurador Geral de Índias. Contrapunha as argumentações portuguesas alegando que mesmo a Cédula Real não teria valor, pois havia sido concedida pela Audiencia de Quito

77

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

em 1639, e não chegara a ser confirmada por Felipe IV, pois no ano seguinte, de 1640, se desfez a Unificação Ibérica. Dezenove meses depois, o governador do Grão Pará foi ordenado a liberar Fritz e escoltá-lo de volta à sua missão de omaguas. A partida só ocorreu três meses depois e Fritz teve que aceitar a escolta do Cabo Antônio Miranda, um cirurgião, e alguns soldados. Fritz dá uma idéia da miscigenação presente na sociedade amazonense do final do século XVII: “[...] entre estos, sólo el cirurgiano y un soldado, Francisco Pailheta, eran portugueses blancos; el alferez Braz de Barros, amulatado, los demás, mestizos, ó como llaman los portugueses, Mamelucos.” (ibidem, p. 88). No retorno, teve novos encontros com missionários jesuítas da Província do Brasil, como Juan Justo Luca, na Aldeia de Comutá, e José Barreiros, na Aldeia de Curupatuba. Ao passar pela desembocadura do rio Tapajós, identificou a fundação de um forte em Santarém5 : “Aqui se hace una nueva fortaleza. Tiene su capitan mayor, cuando yo pasé, no asistía más que un sargento. El pueblo está sobre la boca del rio.” (ibidem, p. 90). Seguiu viagem passando pela desembocadura dos rios Urubu, atual Uatumã, e Madeira. Também fez referência ao forte na boca do rio Negro, que seria a origem de Manaus6 : “De noche llegamos a la boca de Rio Negro, en donde el rey de Portugal, años ha, mandou se haga una fortaleza. Aquí celebramos al día siguiente la fiesta de la Natividad de Nuestra Señora.” (ibidem, p. 92). Do rio Negro em diante, Samuel Fritz começou a observar que as aldeias estavam sendo abandonadas, estando muitas queimadas. Assim encontrou povoações dos cuchivaras, dos ibanomas, dos aizuares e dos yurimaguas. A própria aldeia de Nuestra Señora de las Nieves estava também queimada e abandonada. Parte da razão do abandono das aldeias pelo caminho era a notícia de que os portugueses estavam subindo o rio. Fritz tratou de tentar se desvencilhar da companhia dos soldados, mas o cabo Miranda insistiu em levá-lo até a missão de omaguas. A viagem terminou em 13 de outubro de 1691, durando, portanto, três meses entre Belém e a missão de yurimaguas. Ao

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

iniciar seu retorno, o Cabo Miranda informou ao padre Fritz que tinha ordens para tomar posse das terras, e que os jesuítas deveriam retirar-se da região. Diante do protesto de Fritz, a pequena tropa iniciou sua volta para Belém. Fritz chegou a Laguna, “cabeza de todas las misiones”, em fevereiro de 1692 (ibidem, p. 95). Diante das notícias que trazia Samuel Fritz, o Governador do Marañón, Jerónimo Vaca y Vega, o aconselhou que relatasse diretamente ao Vice-Rei, em Lima, os acontecimentos de sua viagem ao Grão Pará. Este foi o motivo de sua segunda viagem, desta vez pelo rio Guallaga (atual Huallaga) até Lima, onde chegou em julho de 1692. Esteve várias vezes com o Vice-Rei Conde la Moncloa, ao qual expôs todos os fatos e suas opiniões, preparando um memorial das missões do rio Marañón (ibidem, pp. 100-102). Também produziu alguns Apuntes acerca de la línea de demarcación entre las conquistas de España y Portugal en el Río Marañón. Neste texto, Fritz realizou um arrazoado sobre a questão dos limites e os avanços portugueses, no qual demonstrava o equívoco em relação às determinações do Tratado de Tordesilhas no que toca ao ponto de origem da demarcação: El límite ó lindero entre las dos conquistas de las Coronas de Castilla y Portugal, se funda en la concesión de la Bula de Alejandro VI, en la cual mandó se formase una línea imaginaria de polo a polo, distante de las islas de Cabo Verde hacia el Occidente 22 grados y un tercio, y que perteneciesen para siempre los descubrimientos y conquistas desde aquella línea hacia el Occidente a los reyes de España, y las conquistas hacia el Oriente a los reyes de Portugal. (ibidem, p. 106).

O ponto de referência para a linha de Tordesilhas partia, na verdade, da Ilha de Hierro, no arquipélago da Madeira. Este equívoco levava Fritz a defender outros locais como limítrofes entre Portugal e Espanha na América do Sul. Assim, segundo Fritz, os

78

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

portugueses só poderiam avançar até a longitude da foz do rio de Vicente Pinzón, atual Oiapoque, ainda assim muito distante das pretensões declaradas pelos portugueses no século XVII. Demonstrava igualmente um desconhecimento em relação à situação dos limites na região sul, pois acreditava que a Isla de San Gabriel, na verdade a Colônia do Sacramento, fundada em 1681, estaria realmente em terras de Portugal:

seguinte, 1693. No retorno, passou pelo Lago Lauricocha, subindo o Marañón até o Pongo de Mansariche e, daí, passando de volta à sua missão de omaguas. Após estas duas viagens, Fritz havia sido um dos primeiros a navegar pelos rios Amazonas e Marañón, realizando uma travessia continental de costa a costa. Com base nos levantamentos que fez ao longo da viagem, elaborou um mapa detalhado da rede hidrográfica, localizando povoações indígenas, missões, vilas e cidades espanholas e portuguesas (Mapa 1).

También se refiere en eses contratos de Lisboa7 lo que en el de Tordesillas se determinó: que las tierras fuera de la demarcación se restituyesen de cualquier parte, no obstante cualquier posesión que hubiera en ellas. Así, el continente e isla de San Gabriel, enfrente del Rio de la Plata, aunque los españoles tomaron posesión por la corona de Castilla el año de 1515, porque después se averiguó que estaba en la Demarcación de la corona de Portugal, la dejaron a los portugueses, según allí se refiere. (ibidem, p. 107).

Nas opiniões expressas, há também um caráter de relação direta entre a defesa dos territórios da Espanha e o papel da Companhia de Jesus a serviço deste reino. Fritz, após argumentar porque os portugueses não poderiam ter pretensões sobre o rio Negro, afirma:

Fig 1 Samuel Fritz, 1701. Mapa del Gran Río Marañón.

Y esto me ha parecido necesario apuntar, para que conste no haber la Compañía castellana, sin sólido fundamento, extendido sus conquistas más abajo del rio Napo y tener derecho para extenderlas, aunque sea hasta el Gran Pará, por ser todas tierras pertenecientes a la Corona de Castilla, mientras no se determine otra cosa en las cortes de España y Roma. (ibidem, p. 108; grifo do autor).

MANUEL ROMÁN E A INTERCONEXÃO ENTRE OS RIOS ORENOCO E NEGRO

A Província de Nuevo Reino também conheceu seu jesuíta explorador. Diferente de Samuel Fritz, que acabou realizando sua expedição pelo Amazonas em função de uma adversidade, a exploração do padre Manuel Román se deu de forma intencional. Ambas têm em comum a exploração fluvial e a comprovação da

Samuel Fritz permaneceu em Lima até maio do ano

79

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

navegabilidade em grandes distâncias. Porém, Manuel Román acabou quebrando uma afirmação geográfica do padre Joseph Gumilla, considerado um profundo conhecedor da região. Em 1744, a viagem da qual fez parte Román confirmou a ligação fluvial entre os rios Orenoco e Negro, até então negada por Gumilla. Mas para compreender o peso que esta informação teve naquele momento, é preciso destacar sua relação com a expansão de uma missão que se dava, fundamentalmente, através dos rios. A Província do Nuevo Reino iniciou suas atividades em 1611, tendo por base a cidade de Santa Fé de Bogotá, a qual era alcançada a partir de Cartagena, navegando pelo rio Magdalena. O padre José Maria Carvellini, que foi missionário em Llanos de Casanare, descreveu o trajeto de Cartagena até Santa Fé de Bogotá, em 1737:

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

[...] A partir de Honda hay que atravesar unas montañas muy ásperas y peligrosas, para alcanzar, después de un penosísimo viaje de diez días, 60 leguas alrededor de Sta. Fe. En la montaña se usan mulas, en el llano los caballos y ambos se alimentan sólo del pasto8 .

A bacia dos três grandes rios – o Orenoco (2.050 km); seu afluente, o Meta (827 km); e o afluente deste, o Casanare (500 km) – foi a área de intervenção dos jesuítas. As missões iniciaram-se na região dos Llanos de Casanare, mas alcançaram sua consolidação quando se expandiram ao longo do rio Meta, para logo alcançar o Orenoco. Esta expansão apenas tornou-se efetiva após 1660. Os padres Francisco Ellauri e Julian Vergara realizaram, em 1664, uma expedição pelos rios Casanare, Meta e Orenoco, buscando uma ligação com o Atlântico. Imaginavam que, alcançada esta ligação, seria mais fácil receber missionários da Europa (FAJARDO 1977, p. 106). Apesar dos esforços em uma segunda expedição no ano seguinte, os jesuítas desistiram de abrir esta rota pela Guiana, pois a resistência indígena dos caribes e a presença inglesa abortaram o projeto (PACHECO 1959, pp. 383-387). Assim como os missionários do rio Marañón tinham que enfrentar o avanço dos “resgates” efetuados pelos portugueses, também os jesuítas do Nuevo Reino viviam sob o acosso dos índios caribes, que a serviço dos holandeses e ingleses das Guianas praticavam a captura de cativos nos rios da bacia do Orenoco. Mesmo com alguns fracassos iniciais, as missões prosperaram e, entre 1661 e 1755, foram estabelecidas oito reduções no Casanare, oito no Meta e 27 no Orenoco. Tal como ocorria nas missões de maynas, estas reduções eram aldeias ampliadas, onde chegaram a ser erguidas cabanas e igrejas. Porém, careciam de uma estrutura urbana similar às reduções de guaranis do Paraguai. Em muitos casos, eram computadas juntamente às aldeias de visitas, que diferiam em muito das aldeias principais. A diversidade de grupos também era grande, sendo os principais os achaguas, giraras, tunebos, guahivos, chiricois,

El Viagen lo hice con mis compañeros por agua, por el río Magdalena. Esta navegación que dura veinte o más días, por el hecho de realizarse en pequeñas canoas, no está exenta de sobresaltos, pero a Dios gracias todos los peligros fueron superados. El primer lugar que nos detuvimos se llama Mompós y está habitado por 8.000 almas, entre ellos algunos nobles y diversas órdenes religiosas, como ser franciscanos, jesuitas y, si no me equivoco, también hermanos de San Juan de Dios. El segundo lugar y meta de nuestra navegación era Honda, pequeña ciudad com unos 2.000 habitantes, cuya cura de almas está a cargo de nuestro P. rector, que es al mismo tiempo párroco. Lo más agradable de este viaje era que todos los días al atardecer desembarcábamos, levantábamos nuestras tiendas, hacíamos una prédica a los bogadores indios (así se llaman aquí los hombres que con largas estacas y con infinitas penalidades impulsan las canoas río arriba, en contra de la fuerte corriente del Magdalena), cenábamos y nos íbamos acostar.

80

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

beyotes e salivas (MARZAL 1992, tomo I, pp. 555-556). Em 1737 existiam seis pueblos da missão de Llanos: Manaré, Puerto de Casanare, Macaguane, Tame, Patute e San Ignacio de los Betoyes (MANTILLA1960, pp. 346-347). Os principais problemas das missões do Orenoco e dos Llanos eram os índios ainda não cristianizados e os mercadores ingleses e holandeses que forneciam armas de fogo aos grupos resistentes. Com isto, se fazia necessário o uso de soldados espanhóis para abrir caminho até as missões:

Fig 2 Joseph Gumilla, 1741. Mapa de la Provincia y missiones de la Compañía de Jesus del Nuevo R e y n o d e Granada.

Nuestro provincial, el P. Santiago [Jaime] López, hace algunos meses comisionó a algunos de estos soldados españoles a encontrar un camino para evitar el largo y peligroso viaje fluvial y llegar directamente de las misiones del Orinoco a la de los Llanos. (ibidem, p. 36).

A possibilidade da comunicação entre os dois rios, Marañón e Orinoco, já havia sido sugerida pelas observações de Acuña, quando acompanhou a expedição de Pedro Teixeira, em 1639:

É no contexto da expansão da ação missionária pelo Orenoco que se encontrava o padre Manuel Román no pueblo de Carichana, em 1744. Há tempos, os jesuítas recebiam notícias de que os portugueses estavam chegando ao Orenoco, vindos do rio Marañón. Para Joseph Gumilla, a única forma de acesso para os lusos deveria ser terrestre, pois este negava a comunicabilidade fluvial entre os dois grandes rios. Até a década de quarenta do século XVIII, o curso correto do Orenoco era ainda pouco conhecido pelos espanhóis: “Nunca imagino nadie que el Orinoco hubiera de venir, dando uma vuelta casi em círculo, del lago Parime9 , y no por curso directo desde Pasto. Así pensaban todos.” (GILIJ 1965, in: MARZAL 1992, tomo I, p. 602). Este curso direto é o que se verifica no Mapa de la Provincia y missiones de la Compañía de Jesus del Nuevo Reyno de Granada, que Joseph Gumilla publicou na sua Historia Natural Civil y Geográfica de las naciones situadas en las riberas del río Orinoco (Madri, 1741; Mapa 2).

[...] A la banda del norte está un río muy grande con legua y media de boca y aguas tan negras, que se distinguen de las otras, efecto que dio nombre al río llamándole Negro. El piloto mayor que navegó dos o tres días por este río Negro, dice que según la noticia que pudo tener de algunos indios, nace este río en algunas sierras vecinas al Nuevo Reino de Granada y que en su origen se divide, en dos brazos; el uno de ellos con el nombre de río Negro, desagua después de largo curso en el de las Amazonas, y el otro viene a desaguar en el mar del norte a la vista de la isla de Trinidad y piensan que este río es el famoso río Orinoco [...] (ACUÑA 1641, in: ACEVEDO 1974, p. 173).

Mas seria preciso esperar mais de um século para que outro

81

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

jesuíta confirmasse a suspeita de Acuña. Entre os inacianos, a autoridade mais reconhecida para as questões ligadas à natureza, à geografia e às populações da bacia do Orenoco era Joseph Gumilla. A comunicabilidade entre as duas bacias, do Orenoco e do Amazonas, era um tema sobre o qual havia dedicado algumas páginas de sua obra, e sua opinião neste particular era contrária a tal possibilidade. Criticava outros autores e cartógrafos de sua época, entre eles os membros da Real Academia de Ciências de Paris e Nicolas de Fer10 , cartógrafo e autor do mapa L'Amerique Meridionale et Septentrionale, de 1713.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

de noticias, mas me atengo a lo que vió el Padre Fritz en Marañón, y a lo que yo tengo visto con cuidado en el Orinoco.” (ibidem, p. 37). Como outros jesuítas do século XVIII, Gumilla confiava na observação direta realizada por Fritz e por ele próprio. Na época em que Gumilla publicara sua obra em Madri, ainda persistiam dúvidas sobre a hidrografia da ampla região Amazônica. Seguindo este autor, percebe-se que havia opiniões díspares, criando confusões que sugeriam até mesmo a possibilidade de o Orenoco e o Amazonas serem o mesmo rio (ibidem, pp. 39-40). Gumilla, contudo, recorre aos relatos anteriores de Aguirre e Cristóbal de Acuña para declarar a distinção entre estes dois grandes rios e também negar a comunicação fluvial entre ambos:

Bien sé que aquellos Señores, sutíles argos de las Ciencias, y linces para averiguar y establecer lo mas cierto, no solo no llevarán a mal, sino que apreciarán el que yo afirme que despues de costeada una y muchas veces la dicha altura, y las demás de latitud y longitud, que baxa Orinoco bañado por la vanda del Súr, desde mas arriba del raudal Tabaje, situado en trecientos seis grados y medio de longitud, y un grado y quatro minutos de latitud: ni yo, ni Misionero algunos de los que continuamente navegan costeado el Orinoco, hemos visto entrar ni salir al tal rio Negro. Digo ni entrar ni salir, porque supuesta la dicha union de rios, restaba por averiguar de los dos, quién daba de beber a quién; pero la grande y dilatada cordillera que media entre Marañón y Orinoco, escusa a los rios de este cumplimiento, y a nosotros de esta duda. (GUMILLA 1791, p. 36).

Y así quede fixo, que ni del rio Marañón, Orellana, Amazonas, Apurimac, que es un solo rio con muchos nombres; ni del rio Negro entra, ni hay paso por donde pueda entrar parte de sus raudales en el rio Orinoco; y a no ser constante, lo hubiera visto y notado el Padre Samuel Fritz en su exactísimo Plan del Marañón; y yo, que de hecho busqué y averigüé sus corrientes con deseo de hallar la verdad, si hubiera hallado tal unión de uno con otro rio, la hubiera expresado en mi Plan del Orinoco, y la defendiera en este capitulo. (ibidem, p. 40).

Embora Gumilla afirme que “buscou e averiguou” as correntes fluviais da região para “hallar la verdad”, a incerteza sobre a ligação entre os dois grandes rios permanecia. La Condamine, em sua expedição realizada entre 1735 e 1743, reforçou a hipótese de que o rio Negro seria o elo de união e a rota fluvial que Gumilla negava. De retorno à Europa, La Condamine publicou a Relation de sua viagem, na qual incluiu a Carte du Cours du Maragnon ou de la grande Riviere des Amazones dans sa partie navigable depuis Jaen de Bracamoros jusqu'à son Embouchure et qui comprend la Province de Quito, et la Côte de la Guiane depuis

Gumilla tomava por base a observação que fizera do mapa do Marañón/Amazonas, de Samuel Fritz, de 1707, o qual não incluía a ligação deste com o Orenoco. Também citava os mapas de Whilhem Johannis Blaeu11 , de Joannes de Leat12 e outros autores europeus de mapas americanos, embora reconhecesse que: “Verdad es que como estos Autores puramente recopilan variedad

82

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

le Cap de Nord jusq'à Essequebè13 . La Condamine indica, logo abaixo do título, a data dos levantamentos realizados: “Levée en 1743 et 1744 et assujettie aux Observations Astronomiques”. Próximo ao ponto em que La Condamine representa uma bifurcação do Orenoco, dando origem ao rio Negro, inclui o seguinte comentário: “Les portugais du Pará ont remonté en 1743 de la riviére des Amazones dans l´Orenoque par le Rio Negro”. Seria esta uma referência à rota que também seguiam os portugueses que, em 1744, encontraram o padre Manuel Román no rio Atababo? De qualquer maneira, indica que La Condamine tinha conhecimento de que os lusos remontavam ao rio Negro para alcançar o Orenoco. E esta pode ser a origem do equívoco deste autor, ao acreditar que o rio Negro conectava-se diretamente com o Orenoco. As legendas também informam que o curso do rio Negro e outros detalhes foram tomados de diversas memórias e roteiros manuscritos de viajantes modernos. La Condamine havia recebido uma cópia do mapa de Samuel Fritz dos jesuítas da Biblioteca do Colégio de Quito, quando de sua passagem por esta cidade. Em nenhuma das versões do mapa de Fritz há o registro da ligação entre o Orenoco e o Amazonas através do rio Negro, tal como aparece no mapa de La Condamine. Contudo, na margem inferior consta: “Le cours de la Riviére selon la Carte du P. Samuel Fritz Jesuite, est ici tracé par des points, en partant également du Méridien de Jaen de Bracamoros, comme du lieu plus remarquabel vers l'endroit où a commencé à dècrire cette Riviére”. O que era dúvida vai tomando feição de “certeza” na cartografia do século XVIII. Em um mapa jesuítico de 1751, relativo à Província de Quito, encontra-se a mesma representação do rio Negro interligando o Orenoco e o Amazonas14 . Também Jacques Nicolas Bellin, em sua Carte de la Guiane, de 1764, incorre neste equívoco (BELLIN 1764, Carte 29). As explorações do padre Manuel Román, ocorridas três anos após a publicação da obra de Gumilla e antes de os mapas publicados na Europa passarem a divulgar a ligação através do rio

Negro, resultariam na confirmação de que os portugueses vindos do Marañón/Amazonas alcançavam o Orenoco por via fluvial. Como as notícias sobre a presença portuguesa aumentavam, Manuel Román decidiu verificar qual a rota que estaria sendo utilizada. Era também a oportunidade para alcançar grupos ainda não contatados ao sul do Orenoco: Estaba en aquellos días toda la atención de los padres dirigida a los guaipunaves y su cabecilla Macápu. Estos, según se creía, habitantes adventicios del alto Orinoco, habían fijado su residencia en el río Atabapo, y hacían daños increíbles a las vecinas naciones pacíficas, comiéndose a unas y conduciendo a otras esclavas a los dominios portugueses. (GILIJ 1965, apud MARZAL 1992, tomo I, p. 603).

Román pretendia aproveitar o ensejo para realizar duas empresas: descobrir a rota de chegada dos portugueses e acercarse aos guaipunaves para tentar sua conversão. Com este fito, partiu de Corichana em 4 de fevereiro de 1744, acompanhado de índios salivas como remadores e um soldado chamado Casagrande. Dez dias depois, próximo ao rio Atabapo, afluente do Orenoco, encontraram uma embarcação de portugueses que declaravam haver chegado até aquele ponto viajando sempre por água, desde o rio Negro. Após este contato amistoso, Manuel Román foi convidado a subir o rio com os lusitanos. O relato da viagem, feito por Salvador Gilij, não traz maiores detalhes sobre a rota seguida, o que permite pôr em dúvida o fato de o trajeto haver sido feito por vias fluviais15 . Ao chegar ao rio Negro, Román encontrou-se com o padre Aquiles Avogradi, também da Companhia, que atendia aos portugueses. Esteve por oito meses no rio Negro, retornando para a redução de Nuestra Señora de Los Angeles de Pararuma, nas ilhas do médio Orenoco. O padre Salvador Gilij destacou os frutos da expedição:

83

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

A questão geográfica do Casiquiare perduraria até o ano de 1800, quando Alexander von Humboldt (1769-1859), em companhia de Aimé Bompland, também percorreu o Orenoco em sua longa viagem de exploração pela Amazônia. Havia, ainda, muitas incertezas quanto à rede hidrográfica da bacia do Orenoco na época da expedição de Humboldt. O próprio curso deste rio e a existência do Lago Parime permaneciam presentes nos textos e na cartografia. Os mapas de Gumilla, La Condamine e Bellin, com exceção de Antonio Caulín, representavam as nascentes do Orenoco à oeste, nos contrafortes andinos, ignorando seu curso correto. Parte do equívoco sobre a ligação com o rio Negro advinha deste desconhecimento sobre as nascentes do Orenoco, localizadas na Serra Parima, ao sul da atual Venezuela. Um dos objetivos de Humboldt era justamente o de verificar a comunicação fluvial entre as bacias do Orenoco e do Amazonas. Especificamente, buscou confirmar a existência do rio Casiquiare e comprovar se este era o rio por onde seria possível navegar do Orenoco ao Amazonas. Humboldt era conhecedor de vários autores que trataram da região no século XVIII, entre eles Salvador Gilij (GREPPI 2003, p. 4). O roteiro de Humboldt seguiu pelo Orenoco, subindo seu curso até alcançar as missões de atures e maypures, próximas às grandes corredeiras de mesmo nome. Neste ponto, o missionário franciscano Bernardo Zea uniu-se ao grupo, oferecendo-se como guia para Humboldt (o naturalista). Continuaram subindo o Orenoco até sua confluência com o rio Atababo. Seguindo por este rio, chegaram às missões de San Fernando de Atababo e San Baltasar, também administradas por franciscanos. Para chegar ao rio Negro, o grupo de Humboldt deixou o Atababo e adentrou o rio Temi, acima da missão de San Baltasar. Pelo Temi, alcançaram o rio Tuami. Estes dois rios seguem pela floresta inundada, cruzando uma rede de igarapés, o que dificultava a navegação e a orientação correta por seus cursos. Tomando rumo sudoeste, alcançaram a Missão de San Antonio de Javita. Deste ponto em diante, a canoa teria que ser transportada por terra, utilizando roletes de troncos de

Y he aquí en los más precisos términos esclarecido no menos el disputado punto geográfico, que la ocasión, y explicado los diversos y notables acontecimientos por los cuales se supo la primera comunicación negada. Se supo, he dicho, porque a los portugueses tampoco les era conocido que el río, al que llegaban tan a menudo desde el Atabapo, donde ya indique, comenzaban los guaipunaves, se creían, como de terreno continuo y sin decir, los dueños. (ibidem, p. 605).

Há aqui uma dose de ufanismo característica dos jesuítas quando se trata dos feitos de seus companheiros missionários. Ainda que os portugueses não tenham dado a conhecer a conexão entre os rios Amazonas e Orenoco através de escritos, como o fez Gilij, parece difícil concordar que não soubessem exatamente o ponto em que se encontravam, sobretudo em se tratando do grande rio Orenoco. Esta comunicação fluvial tornouse uma questão geográfica polêmica. A Comissão de Demarcação do Tratado de Limites de 1750 também se viu envolvida na controvérsia da comunicabilidade das duas bacias hidrográficas. Em princípio, ficara estabelecido que os territórios que vertiam suas águas para o Orenoco pertenceriam à Espanha, e aqueles cujas nascentes desembocassem no Amazonas seriam da coroa portuguesa. Para determinar estas demarcações, fora instituída uma Comissão liderada por José de Yturriaga, composta por militares, cartógrafos, astrônomos e naturalistas. Uma parte da Comissão recorreu o Orenoco até o rio Negro, passando pelo rio Casiquiare. Mas não chegaram a encontrar a Comissão demarcadora portuguesa16 . O padre Antonio Caullin, franciscano observante que acompanhou a expedição demarcatória, também elaborou um mapa da região, onde registrou o rio Casiquiare como sendo a ligação entre o Orenoco e o Amazonas. Apesar dos claros equívocos no delineamento do Orenoco, seu mapa já apresentava a inflexão Oeste-Leste-Oeste que realiza o curso deste rio (mapa publicado em CAULÍN 1779).

84

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Sem saber, o padre Manuel Román, em 1744, estava imiscuindo-se em uma polêmica geográfica, pois o rio Casiquiare recebe suas águas do Orenoco, e desemboca no rio Negro, que, por sua vez, verte suas águas no Amazonas. As duas bacias estariam, então, unidas, o que torna o Casiquiare um rio diferenciado no contexto da ampla rede hidrográfica da Amazônia. Por tratar-se de um canal natural, o Casiquiare não possui nascente ou foz, formando-se como um braço de deságüe do Alto Orenoco, e vertendo suas águas no Negro. Este caráter excepcional talvez explique porque foi necessário mais de meio século para que Humboldt pudesse confirmar a ligação fluvial alegada por Manuel Román. Estas características do Casiquiare ainda parecem suscitar incertezas e polêmicas. Percorrendo os rios das bacias do Amazonas e do Orenoco; descrevendo sua flora e sua fauna; debatendo com seus pares sobre a complexa hidrografia que percorriam; dando em primeira mão notícias acerca das sociedades indígenas; experimentando o modo de vida local; tomando medições astronômicas e cartografando vastíssimas regiões, os jesuítas ainda encontraram tempo para se dedicar ao seu suposto objetivo principal: a evangelização das populações indígenas. Talvez em nenhuma outra região da América os jesuítas cosmógrafos, cartógrafos e geógrafos tenham encontrado um campo tão amplo para dar asas as suas imaginações e exercitar suas habilidades quanto nas gigantescas florestas da Amazônia e nos quilométricos rios que a recortam. E talvez não por acaso, homens como Samuel Fritz, Joseph Gumilla e Manuel Roman, entre outros, sejam personagens tão instigantes quanto os rios que percorreram.

árvores. Os indígenas de Javita se encarregaram de levar a embarcação até o Caño de Pimichín, pequeno e estreito rio pelo qual o grupo pôde, finalmente, chegar ao rio Negro. Humboldt, então, decidiu descer este rio para alcançar o Casiquiare, e através dele retornar ao Orenoco. Por este rumo, passaram ainda pelas Missões de Maroa e San Miguel de Davipe. Desta última, partiram para o Forte portugês de San Carlos, localizado próximo à confluência do Negro com o Casiquiare. Partindo de San Carlos do rio Negro, navegaram por onze dias pelo Casiquiare, chegando até o Orenoco, demonstrando o acesso fluvial entre as duas bacias (Mapa 3).

Fig 3 Alexander von Humboldt, 1812. Carte de l'Interieur de la Guayane Espagnole (demonstra o caminho seguido em sua expedição pelo rio Casiquiare).

NOTAS 1

Este artigo é resultado do trabalho desenvolvido para a Tese de Doutorado O Mergulho no Século. Exploração, conquista e organização espacial jesuítica na América Espanhola Colonial. Porto Alegre, PPGHPUCRS, 2006.

85

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR 2

Para uma síntese das explorações na Amazônia no século XVI v. ESTEVES 1993, pp. 11-25.

3

Tratava-se dos freis Domingo de Brieva e Andrés de Toledo, que haviam fracassado em suas tentativas de cristianização dos abijiras. Cf. URIARTE 1986, p. 26.

4

Mapa L'Amerique Meridionale et Septentrionale, de 1713, é Nicolas de Fer. Neste mapa, o Orenoco parece unido ao Amazonas em uma continuidade através do rio Negro. 11

Referia-se ao Mapa Americae Nova Tabula, inserido em Theatrum Orbis Terrarum, sive Atlas Novus in quo Tbulae et Descriptiones Omnium Regionum, publicado em Amsterdam, em 1645.

“Así como llegue aquella ciudad, el gobernador que era a la sazon, Arturo As de Meneses, y demas portugueses, no dejaron de ver que el único motivo de mi bajada no habia sido otro que la precisa necesidad de buscar algun alivio a mis achaques; sin embargo, como la conciencia no deja de ser admonitor inquieto, sabiendo cuánto se habian adelantado con sus conquistas en el territorio del Rey Católico, contra lo compactado con autoridad pontifica entre las dos Coronas, empezaron a sospechar no fuese yo espía perdido enviado del gobernador del Marañón por parte de Castilla, para explorar sus adelantamientos; [...]”. FRITZ 1997, p. 86.

5

Em 1659, o jesuíta Antônio Vieira esteve na aldeia dos Tupaiú. Vendo as possibilidades de estabelecer uma missão, prometeu que enviaria missionários para estar entre os Tupaiú. Em 22 de junho de 1661 chegou à aldeia o missionário João Felipe Bettendorf. Este fundou a missão Tapajós, que daria origem à cidade de Santarém.

6

O forte foi iniciado em 1669, sob o comando de Francisco da Mota Falcão. Foi denominado Forte de São José da Barra do Rio Negro. Ficava a três léguas da desembocadura do rio Negro. Nas redondezas, viviam indígenas dos grupos barés, banibas, passés e manaós. Estes últimos acabaram, anos mais tarde, sendo homenageados com a troca do nome do local para Manaus. Samuel Fritz é uma das primeiras referências a este forte em fontes espanholas.

7

Refere-se aos acordos firmados em Lisboa em maio de 1681, ratificando cláusulas do Tratado de 1494.

8

Carta del R.P. José Maria Cervellini S.J. misionero en el Nuevo Reino de Granada, oriundo de la Provincia napolitana, al R.P. Francisco Pepe, sacerdote de la misma Compañia y Provincia, escrita en la misión de los Llanos el 2 de julio de 1737. In: MATTHEI e JERIA 1997, p. 32.

9

10

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

12

Trata-se do mapa da América Meridional inserido em DE LEAT 1625.

13

O Mapa de La Condamine foi publicado em LA CONDAMINE 1745. [Mapa Inserido entre o final do prólogo e p. 1]. Outras versões, com algumas alterações nas alegorias e legendas, foram publicadas em 1756, 1778, 1780 e 1801.

Aqui o padre Gilij demonstra acreditar na existência do lago Parime, o qual era uma fantasia geográfica, como será discutido adiante. Curiosamente, Gumilla o chama de Sanson de Fer, porém o autor do

86

14

Mapa “Provincia Quitensis Societatis Iesu in America cum tribus eidem finitimis, nempe: Peruana, Novi Regni Granatensis, Maragnonensis Lusitanorum, provinciis topographicae exhibita: nec non A.R.P. Ignatio vicecomiti in comitiis generalibus a. 1751 in praepositum generalem ejusdem Societatis electo a PP. Carolo Brentano et Nicolao de la Torre praefatae provinciae Quitensis procuratoribus humillime dicata postquam iisem comitiis ipsi interfuissent.” Na margem inferior consta: “Primus delineavit Quiti, P. Joannes Narvaez, anno 1724. Dominicus Gigni sculpsit Romae. I.S.A. Petroshi caracteres fecit.” ARSI Mappae missionum et reductionum n.43 fr.150II roll number 196 (1667-1767).

15

Manuel Román elaborou um relato próprio, intitulado Descubrimiento de la comunicación del Orinoco con el Marañón y relación que hace el Padre Manuel Román de su viaje de Carichana al río Negro desde el 4 de febrero hasta el 15 de octubre de 1744. Ao longo desta pesquisa, não foi possível localizá-lo. É citado por DE LEON e RODRIGUEZ DIAZ 1976, p. 28.

16

Sobre as demarcações do Tratado de Madri de 1750 na região Norte do Brasil, v. RAMOS PEREZ 1946 e ABREU 2000, especialmente o capítulo X, Formação dos limites.

17

Humboldt publicou os resultados de suas expedições entre 1808 e 1834. A parte em que Humboldt descreve o roteiro pelos rios Orenoco, Atababo, Negro e Casiquiare se encontra em HUMBOLDT 1819. Em espanhol, a obra foi publicada como HUMBOLDT e BONPLAND 1956. Para a descrição feita acima v. também HUMBOLDT 1967, pp. 237-282.

18

Para a classificação dos sistemas hidrográficos v. SUGUIO e BIGARELLA 1990, p. 13-24; GUERRA 2001, pp. 345-348.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO 19

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

río Orinoco. Dedicada al Rei N. S. D. Carlos III, por el M. R. P. fr. dos vezes Provl. de los Observantes de Granada. Dada a luz de Orden y a Expensas de S. M.. Madrid, Juan de San Martín, Impresor de la Secretaría de Estado, y del Despacho Universal de Indias, 1779.

“Varios errores que se han cometido con relación al Orinoco son a veces inexplicables o pueden causar un efecto nocivo cuando la información equivocada aparece en obras de gran difusión. Emmanuel De Martonne se refiere al Casiquiare como un río de doble sentido según la época del año (DE MARTONNE 1951, citado por VILA 1960, p. 364), lo cual es materialmente imposible dada la longitud de este río, e inexplicable, porque ya mucho antes numerosos autores habían aclarado que el Casiquiare estaba formado por una derivación natural de las aguas del Orinoco”. DÍAZ e VERA; refere-se a VILA, Geografía de Venezuela. 2 tomos. Caracas, Ministerio de Educación, 1960 e 1965.

D'AZEVEDO, João Lucio. Os Jesuítas no Grão-Pará. Suas missões e a colonização. Belém, SECULT, 1999. DE LEAT, Joannes. Nieuvve wereldt, ofte beschrijivinghe van West Indien. Leyden, Ja Elzevier, 1625. DE LEON, Rafael e RODRIGUEZ DIAZ, Alberto J. El Orinoco aprovechado y recorrido. Caracas, Corporación Venezolana de Guayana. Ministerio de Obras Públicas, Talleres Gráficos Armitano, 1976.

REFERÊNCIAS

DÍAZ, Alberto R. e VERA, Francisco E. El Orinoco: 500 años de historia. In: www.ub.es/geocrit/b3w-110.htm

ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500 - 1800). Belo Horizonte, Itatiaia, São Paulo, Publifolha, 2000.

ESTEVES, Antônio R. A ocupação da Amazônia. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1993.

ACEVEDO, Eduardo. Las ciencias en Colombia. Geografía, Cartografía. Historia Extensa de Colombia. Vol. XXIV, Bogotá, Ed. Lerner, 1974.

FAJARDO, José del Rey. Misiones jesuíticas en la Orinoquía. Tomo I, Aspectos fundacionales, Caracas, Univ. Andrés Bello, 1977.

ACUÑA, Cristóbal de. Nuevo descubrimiento del gran río de las Amazonas. Madri, Imprenta del Reyno, 1641.

FRITZ, Samuel, sj. Diário. Introducción de Hernán Rodrigues Castelo. Quito, Studio 21, 1997.

BARCELOS, Artur. O Mergulho no Século. Exploração, conquista e organização espacial jesuítica na América Espanhola Colonial. Tese de Doutorado. Porto Alegre, PPGH-PUCRS, 2006.

GILIJ, Felipe. Ensayo de História Americana. Tomos I, II y III, Caracas, Academia Nacional de História, 1965. GREPPI, Cláudio. Alexander Humboldt: entre ciência e romantismo. Anais do Seminário Internacional Landi e o Século XVIII na Amazônia. Belém, UFPA, 2003.

BELLIN, J. N. Le Petit Atlas Maritime: recueil de cartes et plans des quatre parties du monde. Vol. II, Paris, S. Bellin, 1764.

GUERRA, Antônio Teixeira. Novo Dicionário Geológicogeomorfológico. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 2001.

BERNAND, Carmen (org.) Descubrimiento, conquista y colonización de América a quinientos años. México D.F., Fondo de Cultura Económica, 1994.

GUMILLA, Joseph. História natural, civil y geográfica de las naciones situadas en las riveras del río Orinoco. Tomo I. Barcelona, Imprenta de Carlos Gilbert y Tutó, 1791.

CAULÍN, Antonio. Historia corographica, natural y evangélica de la Nueva Andalucía Provincias de Cumaná, Guayana y Vertientes del

87

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

HUMBOLDT, Alejandro de. Del Orinoco al Amazonas. Un viaje a las regiones equinociales del Nuevo Continente. Barcelona, Editorial Labor, 1967.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

Geografía, 1946. SUGUIO, Kenitiro e BIGARELLA, João J. Ambientes Fluviais. Florianópolis, EDUFSC, 1990.

HUMBOLDT, Alejandro e BONPLAND, Aimé. Viaje a las regiones equinocciales del Nuevo Continente (1799-1804). 5 tomos. Caracas: Ediciones del Ministerio de Educación, Dirección de Cultura y Bellas Artes, 1956.

TAYLOR, Anne-Christine. Génesis de um arcaísmo: la Amazonia y su antropologia. In: URIARTE, Manuel. Diario de un misionero de Maynas. Col. Monumenta Amazónica, Série B, vol.2, Iquitos, IIAP-CETA, 1986.

HUMBOLDT, Alexander von. Relation historique du voyage aux equinoctials du Nouveau Continent fait en 1799, 1800, 1801, 1802, 1803, 1804 par Alexandre de Humboldt et Aimé Bompland. Paris, Vol I, 1814, Vol. II, 1819, V.III, 1829. LA CONDAMINE, Charles Marie de. Relation Abrégée d'un Voyage fait dans l'interieur de l'Amérique Méridionale depuis la Côte de la Mer du Sud, jusqu'aux Côtes du Brésil & de la Guiane, en descendant la Riviere des Amazones; lûe à l'Assemblée publique de l'Académie des Sciences, le 28. Avril 1745. Avec une Carte du Maragnon, ou de la Riviere des Amazones, levée par le même / par M. de la Condamine, de la même Académie. Paris, Chez la Veuve Pissot, 1745. MANTILLA, Luis Carlos. Colombia, la evangelización del Oriente. Bogotá, 1960. MARZAL, Manuel M. La Utopia Posible: indios y jesuitas en la América Colonial. Lima, Fondo Editorial, 1992, Tomo I. MATTHEI, Mauro O.S.B. e JERIA, Rodrigo M. Cartas e informes de misioneros jesuítas extranjeros en hispanoamérica. Cuarta Parte (1731-1751). Anales de la Facultad de Teología, Vol. XLVIII. Cuaderno 3. Santiago, Pontifícia Univeridad Católica de Chile. 1997. PACHECO, Juan Manuel. Los Jesuitas en Colombia (1567-1654). Tomo I, Usaquén, Ed. San Juan Eudes, 1959. RAMOS PEREZ, Demetrio. El Tratado de límites de 1750 y la expedición de Iturriaga al Orinoco. Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto Juan Sebastián Elcano de

88

A VIAGEM FILOSÓFICA À AMÉRICA PORTUGUESA: DESVENTURAS ATRAVÉS DOS RIOS Maria de Fátima Costa Pablo Diener Jefferson Rodrigues da Silva

RESUMO Entre 1783 e 1792, a Viagem Filosófica que o Império português enviou à sua colônia sul-americana percorreu os vastos territórios da Amazônia e do Pantanal. Comandada pelo naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, esta empresa tinha como objetivos fazer estudos de etnografia e observações filosóficas e políticas acerca das regiões percorridas, além de preparar materiais para o Real Museu de Lisboa. Neste artigo, tem-se como proposta, através de textos, imagens, mapas e objetos da cultura material, percorrer os caminhos aquáticos enveredados por esta expedição, ressaltando alguns traços de sua dura existência cotidiana. Observamos também o contexto político-administrativo no qual está inserida esta comitiva, vale dizer, a disputa luso-espanhola durante a demarcação de limites de suas possessões americanas. Porque, se por um lado esta empresa respondia à política estratégica da coroa lusitana de busca de conhecimentos sobre a natureza, por outro intentava satisfazer aos interesses metropolitanos, no empenho de conhecer e ocupar os territórios recém conquistados da rival Espanha, como forma de consolidar seu domínio. Palavras-chave: Viagem Filosófica, demarcação de limites, Alexandre Rodrigues Ferreira

RESUMEN

Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

Entre 1783 y 1792, el Viaje Filosófico que el imperio portugués envió a su colonia sudamericana, recorrió los vastos territorios de la Amazonia y del Pantanal. Capitaneada por el naturalista luso-brasileño Alexandre Rodrigues Ferreira, esta empresa tenía como objetivo realizar estudios de etnografía y hacer observaciones filosóficas y políticas acerca de las regiones recorridas, además de preparar materiales para el Real Museo de Lisboa. En este artículo se pretende acompañar los caminos acuáticos que siguió esa expedición y destacar algunos trazos de la difícil existencia cotidiana, sirviéndose para tanto de textos, imágenes, mapas y objetos de la cultura material. Observamos también el contexto político-administrativo en el que está inserida esta comitiva, vale decir, la disputa luso-española durante la demarcación de límites de sus posesiones americanas. Debe considerarse que, si por unlado esta empresa respondía a la política estratégica de la corona

89

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

estatal que tinha como objetivo o estudo meticuloso dos três reinos (animal, vegetal e mineral), que deveriam ser detalhados precisamente por notícias da História Natural, isto é, em completas descrições de caráter geográfico, permitindo, desta forma, a implementação de um sistema racional de exploração destes territórios (FERRAZ 1997; NIZZA DA SILVA 1999). Além destas questões de reconhecimento e exploração, no caso específico do Brasil havia a necessidade pulsante de definição dos limites entre os territórios ultramarinos de Portugal e Espanha. As regiões de fronteira exigiam da coroa lusitana uma averiguação minuciosa, na perspectiva de sua ocupação e efetiva incorporação à América portuguesa, atendendo ao princípio de uti possidetis que era imposto pelos tratados recentemente firmados. A comissão comandada pelo filósofo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira ao Brasil colonial durou quase dez anos e percorreu, principalmente através de rios, as regiões hoje conhecidas como Amazônia e a planície inundável do Pantanal brasileiro, visitando e estudando as então Capitanias de Rio Negro, Grão Pará e Mato Grosso e Cuiabá. Imbuída pelo espírito das Luzes do século XVIII, esta Viagem Filosófica atravessou territórios de diversas nações indígenas e construiu um fabuloso cabedal de conhecimento nas mais diversas áreas das ciências. Alexandre Rodrigues Ferreira tem sido objeto de diversos estudos nos dois lados do Atlântico². Nasceu em Salvador, na Bahia, foi educado em Portugal e doutorou-se em Filosofia Natural pela Universidade de Coimbra em 1779. Considerado um brilhante discípulo dos maestros ilustrados, Ferreira foi escolhido para conduzir a exploração à América portuguesa, quando contava 27 anos. O objetivo de sua tarefa, segundo o decreto que o nomeou em 1783, era

lusitana de búsqueda de conocimientos sobre la naturaleza, por otro, intentaba satisfacer los intereses metropolitanos, en el empeño por conocer y ocupar los territorios recientemente conquistados de la rival española, como una forma de consolidar su dominio. Palabras-llave: Viaje Filosófico, demarcación de límites, Alexandre Rodrigues Ferreira

D

urante a segunda metade do século XVIII, o Império português empreendeu expedições de reconhecimento de suas fronteiras coloniais com os territórios espanhóis, por força dos Tratados de Madri (1750) e de Santo Ildefonso (1777). Além destas empresas, patrocinou também uma categoria específica de expedições, a saber, as “Viagens Filosóficas”. Idealizadas pelo botânico italiano Domingos Vandelli, que se havia transferido para Portugal por convite do Marquês de Pombal e ali desempenhado um importante papel na reforma da Universidade de Coimbra, as Viagens Filosóficas eram organizadas, dirigidas e financiadas integralmente pelo estado português. Sua principal finalidade era a de reconhecer e descrever o interior dos territórios coloniais lusitanos, com o intuito de aperfeiçoar o sistema de exploração. Vandelli arquitetou esta empresa através de uma “memória” que escreveu em 1779 com o título de “Viagens Filosóficas, ou Dissertação sobre as importantes regras que o filósofo naturalista, nas suas peregrinações, deve principalmente observar”¹ . Com base nestas instruções, a coroa enviou, nos anos seguintes, expedições filosóficas a Moçambique (1783-1793), liderada por Manuel Galvão da Silva, a Angola (1783-1808), conduzida de Joaquim José da Silva, e outra ao Brasil (1783-1792), sob o comando de Alexandre Rodrigues Ferreira. Estas expedições estão enquadradas na elaborada visão estratégica levada à prática por Portugal no período. O reconhecimento dos espaços coloniais estava compreendido no projeto

Proceder, nos vastos e quase de todo desconhecidos territórios dos Estados do Pará, Sertões do Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, ao estudo da etnografia das regiões percorridas, preparaçãodos produtos naturais destinados ao Real Museu de Lisboa, e, finalmente,

90

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

fazer particulares observações filosóficas e políticas acerca de todos os objectos desta mesma viagem (TAVARES DA SILVA, 1947a, p. 126).

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

Nossa proposta neste artigo é percorrer os caminhos aquáticos enveredados por esta expedição, ressaltando alguns traços de sua dura existência cotidiana. Para isto, consultamos textos, imagens, mapas e objetos da cultura material. Observamos também o contexto político-administrativo no qual está inserida esta empresa, vale dizer, a disputa luso-espanhola durante a demarcação de limites. Porque, se por um lado a Viagem Filosófica respondia à política estratégica da coroa lusitana de busca de conhecimentos sobre a natureza, por outro buscava satisfazer aos interesses metropolitanos, no empenho de conhecer e ocupar os territórios recém conquistados da rival Espanha, como forma de consolidar sua possessão5.

A equipe composta para estes trabalhos era pequena. Contava com o jardineiro-botânico Agostinho Joaquim do Cabo e com dois “riscadores”, isto é, os ilustradores José Joaquim Freire e Joaquim José Codina. No Pará, agregaram a este grupo os índios José da Silva e Cipriano de Souza, “preparadores” de animais e plantas³. Através de “memórias” sobre fauna, flora, minerais e antropologia, a Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira criou um rico acervo documental, além de reunir herbários, coleções de animais dessecados e de minérios, mostras de madeiras e uma vasta e singular coleção etnográfica, deixando um estupendo legado iconográfico de mais de 2.000 folhas, entre desenhos e aquarelas. Desta forma, enquanto uma expedição científica, esta empresa cumpriu amplamente os objetivos impostos, pois esquadrinhou e reconheceu uma significativa parte da América. Entretanto, este colossal material não foi publicado em sua época, e sua dispersão ocorreu cedo4. Confiscado durante a ocupação de Portugal pelas tropas napoleônicas, vítima dos subseqüentes traslados, de catastróficos incêndios e outras perdas significativas, este acervo sofreu uma míngua relevante. Ainda Sem autor. Alegoria para o assim, conserva-se uma valiosa frontispício da publicação da Viagem Filosófica de Alexandre documentação em instituições Rodrigues Ferreira, ca. 1800. portuguesas e brasileiras que, aos Biblioteca Nacional do Rio de poucos, tem sido publicada e Janeiro, sign. ARF 21, 1, 1A-1. estudada.

O CONTROLE ESTATAL SOBRE A EXPEDIÇÃO FERREIRA Alexandre Rodrigues Ferreira realizava uma viagem científica sob os auspícios de um governo. Neste aspecto, aproxima-se às empresas naturalista de Louis Antoine de Bougainville, James Cook, Jean François de La Pérouse e Alessandro Malaspina, todas financiadas por um Estado. Por outro lado, estas expedições não podem ser comparadas à de Ferreira quanto à ingerência e controle exercidos pelo seu governo financiador. Isto é, a Viagem Filosófica lusa devia percorrer uma rota estipulada, cumprir ordens e seguir instruções procedentes do outro lado do oceano e era constantemente controlada por um eficiente corpo de funcionários que governava o território colonial. Nada podia ser feito ou deixar-se de fazer sem a anuência dos representantes da administração imperial, incluindo os estudos e as catalogações. Esta falta quase absoluta de autonomia se verifica em todas as etapas da viagem, provocando uma total dependência em relação às autoridades locais, que interferiam constantemente no desenrolar dos trabalhos. Neste aspecto, é esclarecedor o comentário que escreve Carlos de Araújo Moreira Neto na “Introdução” a a um dos diários desta expedição, a “Viagem Filosófica ao Rio Negro”:

91

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

O texto da viagem filosófica ao rio Negro expressa com clareza o caráter da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira que, segundo a ótica oficial, tinha mais em comum com as operações político-militares do período pombalino na Amazônia que com as viagens dos naturalistas europeus que começavam a aventurar-se pelo mundo colonial a essa época (Moreira Neto em FERREIRA, s/d, p. 13).

botânico, em resposta a um pedido que este lhe fizera: [...] não me foi possível conseguir de S. Exa. [refere-se a João Pereira Caldas, governador do Rio Negro] mais avultadas porção de farinha, do que a que S. Exa agora faz remeter. E para essa mesma tenuidade que vai, foi preciso estar aqui demorada a canoa uns 3 para 4 dias, como dirá o Cabo dela, enquanto não chegaram da Madeira alguns alqueires, que S. Exa. reparte por várias expedições (Carta de Alexandre Rodrigues Ferreira a Agostinho José do Cabo, datada em Barcelos em 18/06/1785. Ms. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Lata 195, Pasta 19).

Revisando a documentação, encontramos dados significativos desta dependência. Uma particularmente comprometedora é o que se refere ao trabalho dos naturalistas no período em que a equipe inteira deveria permanecer parada na cidade de Barcelos, no rio Negro, realizando apenas pequenas incursões, aguardando as ordens que especificassem para onde deveriam continuar a viagem. Ficaram ali durante 17 meses, de agosto de 1786 até janeiro de 1788, quando finalmente chegaram as instruções de Lisboa indicando qual seria o rumo que a expedição deveria tomar. Esta espera irritou Ferreira, levando-o a estados de angústia e desesperança, como demonstra a documentação publicada por LIMA 1953. A vinculação com a administração proporcionava algumas facilidades em questões de infra-estrutura, para a obtenção de víveres, de embarcações, enfim, para resolver questões de primeira necessidade. São, de fato, assuntos essenciais para uma viagem cujo trajeto compreendia regiões de difícil acesso para os colonizadores e nas quais os valores da cultura européia eram apenas vislumbrados. Não obstante, as províncias do norte do Brasil não contavam com recursos suficientes para abastecer a Viagem Filosófica e as Partidas Demarcadoras de Limites de Portugal e Espanha que percorriam o território no mesmo período por conta do Tratado de Santo Ildefonso. As queixas por falta de alimentos, em particular de farinha, de canoas e índios remeiros (essenciais para uma expedição que percorreu grandes distâncias por rios), são constantes na documentação. Neste sentido, Ferreira escreveu ao jardineiro-

A Viagem Filosófica tinha, aliás, estreitos laços com a Expedição Demarcadora de Limites, que se encontrava, nesta data, também percorrendo a Amazônia. Na verdade, as duas empresas podem ser consideradas como complementares, tanto que os trajetos indicados a cada uma se acoplam quase integralmente. Ferreira, em certas ocasiões, deveria ficar atento para não topar com os comissários espanhóis, o que de fato aconteceu em 1787, no rio Solimões. Nesta ocasião, os trabalhos filosóficos tiveram que restringir-se a um único trecho do rio: Partiu parte da Expedição para o Rio dos Solimões, e por ele acima se navegaram 50 léguas, por que a ordem que teve do General Comissário João Pereira Caldas, era reconhecer os Produtos Naturais da sua parte inferior, sem se encontrar com a Partida Espanhola, que estava na Vila da Ega para objeto das Demarcações (Ferreira apud MENDES 1945, p. 22).

A ROTA E AS INSTRUÇÕES No século XVIII, viajar pelo interior de qualquer parte da América não era uma tarefa fácil, mais ainda tratando-se de espaços eminentemente aquáticos, como a Amazônia e o Pantanal.

92

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Nos quase dez anos que esteve no Brasil, a Viagem Filosófica percorreu cerca de 39.000 quilômetros (FONTES s/d, p. 41), enfrentando as mais diversas realidades. O trabalho era árduo e as dificuldades, imensas. Nesse tempo, foram poucos os momentos em que a equipe de naturalistas pode desviar a atenção para qualquer ocupação além dos afazeres expedicionários.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

pelos seus auxiliares (MENDES 1946, p. 46). Um “pequeno Código de Leis” para “disciplinar uma pequena tropa que só difere das militares no manejo das armas”, como definiu seu autor. Este manual prático procurava regular as coisas comuns do cotidiano, somando-se às instruções maiores que haviam sido “ditadas em Coimbra pelo Primeiro Lente de Filosofia” (Ibidem). Com esta alusão, Ferreira provavelmente refere-se ao conjunto de preceitos reunidos sob o título de Viagens Filosóficas, ou Dissertação sobre as importantes regras que o filósofo naturalista, nas suas peregrinações, deve principalmente observar, o já mencionado manual escrito por Domingos Vandelli em 1779, que instrui a todos sobre os afazeres das expedições lusitanas. Mesmo que as Instruções elaboradas pelo naturalista baiano não tenham sido pensadas originalmente para roteiros aquáticos, as recomendações que indicou, quanto a rotina a seguir, dão bem a dimensão do dia-a-dia seguido por esta empresa. Nestas Instruções, a preocupação maior é otimizar o tempo de trabalho em campo. Este devia ter início já ao sair porto de Lisboa. Durante a travessia atlântica os viajantes deveriam se “divertir” realizando “a pesca dos peixes”, sua redução e preparação, exercícios de desenho e prática de pilotagem. Uma vez chegados ao Brasil, a rotina a ser empreendida era severa: “em uma palavra, enquanto se não come, ou dorme, tudo é trabalho” (Idem. As citações a seguir também foram retiradas das Instruções). As jornadas diárias deveriam começar na primeira hora do dia, seguindo até as dez da manhã. Após disto, far-se-ia uma pausa, no período de maior calor, até as três da tarde, retomando o caminho até o cair da noite. Então, deveriam armar as tendas em lugar adequado. Esta era a rotina da semana, com exceção de quinta-feira, dia de arrumar o necessário, fazer os inventários, limpar os instrumentos, entre outras coisas. Havia também regras próprias para o bem alimentar. Estas recomendavam que a comida fosse toda preparada “muito antes de amanhecer”. Fazia-se três refeições diárias, mas só em duas haveria comida quente: de noite e de manhã; para o almoço se serviria “coisa fria como vitela, carneiro que são de mais fáciL

Rota da Viagem Filosófica, 1783-1892. A comitiva, portanto, deveria realizar uma viagem por vias aquáticas. De fato, ao se revisar os roteiros realizados, torna-se evidente que, excetuando pequenos trechos, a Viagem Filosófica que veio ao Brasil realizou seus percursos em barcos, sobre os grandes e pequenos rios que se ofereceram como caminhos fluviais. Entretanto, dificilmente os ensinamentos em Coimbra estiveram voltados para tal realidade. Revisando as Instruções Relativas á Viagem Philosophica effectuada pelo Naturalista Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira, nos anos de 1783-1792, percebe-se que ao sair de Lisboa os expedicionários traziam uma perspectiva bem diferente sobre aquilo que enfrentariam em terras americanas6. Nos vinte e seis parágrafos deste documento não há qualquer determinação prática sobre como proceder num roteiro fluvial. Trata-se de um documento, como já comentado por João Ribeiro Mendes, redigido por Alexandre Rodrigues Ferreira, no qual o naturalista traçou normas que deveriam ser cumpridas por ele e

93

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

decocção”. Depois de jantar, os viajantes deveriam ir dormir, mas recomenda-se nunca dormirem no chão, “como fazem os negros”, nem em redes, “como os mineiros”. Cada um deveria ter uma cama feita de pés de ferro com articulações para fechar e abrir, cujo tamanho não devia ser “mais comprido que o corpo de cada um”. Colchão e travesseiro seriam forrados com “carneira ou de marroquim”. Atenção especial deveria ser dada aos cuidados com a saúde, afinal “um homem que não está são não se pode viajar”. E esta foi uma preocupação constante. Sabe-se, através da Memória sobre a viagem do Pará para o rio das Amazonas, Madeira até Mato Grosso, voltando pelo rio Tocantins ao Pará, que a Rainha D. Maria I já havia instruído esta questão de maneira ampla; “a conservação da saúde, é uma das coisas mais essenciais da viagem”, disse a soberana, observando:

do ano, estas águas poderiam ser mortíferas. Em vista disto, estas providências foram seguidas à risca. Há inclusive, em um dos Diários da Viagem Filosófica, uma interessante passagem relatando o procedimento que se adotou durante uma parada prolongada na Praia da Ilha, no rio Madeira, lugar onde as águas apresentavam-se muito barrentas, devido a argila saturada. Como era a única coisa para beber, [...] para não bebermos [água] tão impura, pelo dilatado tempo de um mês, e dias que ali esperamos pelo socorro de gente, na falta de água de chuva, se mandou cavar a borda da praia, um poço, donde, com efeito, se tirava água um pouco mais filtrada pela areia. Bem entendido que as praias deste Rio não contam de areia lisa, e homogênea, mas sim misturada das terras [...]. Porém coada que seja a água dos poços por um retalho da baeta, sobre um guardanapo de linho atado na boca de um pote, aonde, ou por si, ou por algum precipitante, se deixe assentar de um para outro dia, fica sofrivelmente boa para se beber, ou quando menos, mais pura do que a da correnteza. Isto é o que se pode fazer, quando falta o aparelho dos Instrumentos precisos, ou seja para a Destilação, ou para a Transcolação (no Diário Particular de Alexandre Rodrigues Ferreira, apud MENDES 1945, p. 31)

As doenças às quais poderão mais facilmente estar sujeitos os Naturalista nestes paises quentes e de águas encharcadas são as sezões, obstruções e febres podres, além do veneno das cobras. Para precaver-se ou curar-se das ditas enfermidades devem escolher para bebidas as águas mais puras e, no caso de não achá-las, as corrigirão com sumo de limão ou com alguns pingos de Espírito de Vetriolo dessificado. Defender-se-ão, quanto possível, do ar da noite e na vizinhança das barracas acenderão fogueiras (Mss. Instituto Estudos Brasileiros – IEB/USP. Coleção Lamego, cód. 101).

Passagens como esta dão bem a idéia das dificuldades enfrentadas, mas também demonstram as iniciativas criativas que este grupo de naturalistas puseram em prática em meio a lugares nos quais os seus referenciais deveriam ser diariamente reinventados.

As Instruções de Ferreira seguem tal pressuposto, principalmente no que se refere à ingestão de líquidos, recomendando: “é logo preciso ou tolerar a sede”, ou, para mitigá-la, que “seja com vinagre destemperado em água”. O cuidado com a água pode parecer surpreendente, quando imagina-se uma viagem em meio a mundo fluvial, mas trata-se de um item dos mais importantes. Ali, muitas vezes o único líquido disponível era aquele dos cursos dos rios e, a depender da época

Viajar é preciso. O roteiro através da Amazônia. Tendo chegado ao porto de Belém do Pará no final de outubro de 1783, já no mês seguinte a Viagem Filosófica começou a sua jornada. Seu destino inicial era a Amazônia, começando pela Ilha de Marajó, para depois percorrer um caminho de leste a oeste, da

94

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Em meio a estas difíceis condições os viajantes cuidaram de realizar suas tarefas: descreveram inúmeros portos, espaços urbanos – fossem eles Lugar, Povoação, Arraial ou Vila –, igrejas e demais estabelecimentos, o estado da agricultura, com especial atenção para as plantações de anil, café, algodão, tabaco “e os gêneros ricos, e precisos para o seu comercio interior e exterior” (FERREIRA, s/d, p. 675); empenharam-se ainda em anotar as iniciativas “industriais”, as manufaturas, levantando dados sobre engenhos, fazendas, máquinas como a de descascar arroz, e as atividades artesanais. Chama a atenção o cuidado com que Ferreira registrou o espaço que estava sendo efetivamente incorporado ao território lusitano, nas áreas de fronteira, procurando deixar evidente os sinais da presença colonizadora. Isto é particularmente notório nas representações visuais levadas a cabo pelos riscadores Freire e Codina neste trajeto pelos rios amazônicos. No geral, as aquarelas de vistas e prospectos que registram a primeira parte da viagem dão ênfase ao avanço colonizador e à efetiva ocupação das terras de fronteira. Isto é observado tanto nas representações de cachoeiras, rios e serras como, e principalmente, no registro dos novos vilarejos.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

As folhas que mostram os pequenos núcleos populacionais trazem um conjunto homogêneo de habitações levantadas sobre o barranco de um rio. Suas poucas ruas trazem casinhas ordenadas de maneira retilínea, não raras vezes cobertas de palha. Em meio a elas, uma igrejinha. No rio, um ou outro barco, algumas vezes da própria expedição. Quase todas estas representações delatam a derrubada de mata, com trocos partidos e outros elementos que, juntos, traduzem a forte presença da ação colonizadora. No caso da representação dos núcleos maiores, as vilas ou mesmo as povoações, além das características delineadas acima, há ainda a identificação de símbolos de autoridade: isto é mais enfatizado pelas indicações sobre os prédios nas legendas, por exemplo: Igreja matriz, quartel do comandante, armazéns, casa do capitão da ordenança, casa de canoas e casa do ouvidor, entre outras indicações. A viagem fluvial de Barcelos a Vila Bela Em novembro de 1786 a Viagem Filosófica encontrava-se na Vila de Barcelos. Os naturalistas haviam terminado uma fase dos seus trabalhos e esperavam ali as novas decisões de Lisboa sobre o destino a seguir: poderiam continuar na região norte, entrando pelo rio Japurá ou descer o Negro, rumo ao Madeira.. Entretanto, o que Ferreira realmente queria era retornar a Portugal, porque, como explica ao Ministro Martinho de Melo e Castro, “quase estão findos os 3 anos, que um só Naturalista pode trabalhar em tão diferentes repartições”; esclarece ainda com preocupação: “quanto mais se prolongar a coleção dos produtos, mais se retardará depois o conhecimento individual de cada um no confuso caos de milhares de produções diversas”, mas, como fiel servidor também ressalva: “V. Ex.a porém resolverá o que for servido” (LIMA 1953, p. 160). De fato já haviam se passado três anos que esta expedição percorria os rios e terras das capitanias do Grão Pará e Rio Negro, lugares dos quais enviou a Lisboa, fartas coleções de historia natural, Memórias, além de desenhos e objetos. Efetivamente, ao sair de Portugal em 1783, Alexandre Rodri-

José Joaquim Freire (?). Vista do povoado de Caldas, no rio Cauaburis (afluente do rio Negro), 1785. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, sign. ARF 21, 1, 2-2.

95

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

foz do rio Amazonas até a fortaleza de São Carlos, lugar limite entre as terras espanholas e portuguesas ao Norte do Brasil (Ibidem). Como nos demais roteiros percorridos pela expedição, a equipe de naturalistas estava munida de barômetros, termômetros, gamofômetro, compassos e transferidores, câmara escura, livros e demais equipamentos que possibilitavam as descrições geográficas - com latitude e longitude -, os registros das populações, as coletas de plantas, animais e minerais, o estudo dos rios, montanhas e solos, a redação de memórias e diários, e, claro os devidos registros visuais. Lugares, povoações, vilas, arraiais, cachoeiras, montanhas e rios ganharam forma de prospectos e vistas pela habilidade de Freire e Codina. Da mesma forma, estes riscadores empenham-se em reter fisionomias da diversidade de povos e nações indígenas, e sua cultura material. Atenção especial foi dada ainda ao exercício cartográfico. A equipe viajava tendo em mãos o mapa da América de Guillaume de L'isle, que receberam em Lisboa. Mas este era uma cartografia genérica, que se fazia necessário complementar e, mais ainda, retificar acerca dos locais. Neste aspecto, lhes serviu muito mais os apontamentos cartográficos e os diários que os astrônomos e matemáticos das comissões demarcadoras facultavam. O correto registro através de mapas possibilitaria o retorno e o domínio do lugar que foi visto e registrado, sendo, pois, imprescindível. A Viagem Filosófica percorria os rios em pequenos comboios de canoas, composto quase sempre por uma Igarité – canoa maior – mais duas ou três de médio e pequeno porte. Todas as embarcações eram de tecnologia indígena, que navegam a vela, a remos e, a depender do rio, a sirga. De maneira geral, para os trabalhos amazônicos, a igarité transportava a equipe de naturalistas e as demais levavam os militares que acompanhavam a expedição, a matalotagem e os instrumentos. Esta formação, entretanto, não era fixa, ainda mais por a expedição se deslocar muitas vezes em canoas cedidas pelos governantes; às vezes, isto causou alguns problemas para o bom andamento dos trabalhos (LIMA

1953, pp. 126-127). Toda a tripulação era composta de índios remeiros. Estes eram de fato o motor da viagem; sem eles não haveria como deslocar-se nos rios. Por isso mesmo, constituíam-se como um dos grandes problemas a enfrentar. Para estes indígenas, ser remeiro constituía um trabalho dos mais exaustivos e quase sempre letal, seja pela insalubridade dos caminhos, pelas péssimas condições das viagens, pela mal-alimentação recebida e, principalmente, pelo esforço que eram forçados a fazer, já que os rios eram quase sempre encachoeirados. Nem sempre a expedição filosófica viajava com todos os seus componentes; n'algumas vezes, a equipe se dividiu, deslocando-se separadamente por distintos lugares. Em outras, por força do roteiro a seguir, a comitiva ganhava um maior corpo, como aconteceu na subida do rio Madeira, com destino a Mato Grosso, quando chegou a ter, em alguns momentos, entre 12 e 15 embarcações. Mas, independente destes fatores, em raros momentos as viagens eram monótonas, pois muitos rios ofereciam corredeiras e pequenas quedas d'água no trajeto, o que obrigava o uso de cordas - as sirga - ou a varação – quando se é forçado a transportar a embarcação por terra, nos trechos onde as cachoeiras eram mais violentas -, expediente comum para quase todos os fluxos aquáticos da bacia amazônica. “Passada meia hora de viagem”, informa Ferreira, dando a conhecer uma das aventuras num trecho encachoeirado do rio Negro, principiou pela minha parte o susto, e pela dos índios da canoa o trabalho, não sei se diga, de a puxarem à corda, se de a carregarem às costas, para vencerem a primeira correnteza. Acelera por aquela parte o rio o seu curso, e por entre ilhotas de pedra corre com tanta velocidade, que bem se pode considerar aquela como a primeira cachoeira. Não foi uma só a que venci pela primeira vez; seguiram-se imediatamente outras duas correntezas, que a canoa não pôde vencer, sem ser levada, e entrando em outras mais, e menos violentas, até ser obrigado a pernoitar (FERREIRA s/d, p. 141).

96

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

gues Ferreira trazia claras instruções do roteiro a seguir: os desconhecidos territórios dos Estados do Pará, Sertões do Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (TAVARES DA SILVA, 1947). Entretanto, a confirmação da ida a Mato Grosso só foi recebida no início de 1788. Em vista disto, a sua expedição deveria realizar uma viagem pelo caminho fluvial que ligava a Capitania do Grão Pará à de Mato Grosso. Esta rota possivelmente era das mais temidas, dentre os caminhos interiores da América portuguesa. Ali sabidamente se encontrariam inúmeros infortúnios, a ponto de, em 1782, João Pereira Caldas ter qualificado esta jornada como “extensa, perigosa e mortífera navegação”. Os viajantes certamente não tiveram motivo para alegrarse com tal notícia, mas eram cumpridores de ordens e pragmaticamente tratam de organizar tudo para a nova aventura. Há de se ter em conta que exigia-se da expedição não apenas o transcurso dos rios, mas uma análise daqueles lugares, produzindo memórias e a necessária documentação visual de todo o trajeto. Tudo isso implicava em uma viagem bem mais demorada que qualquer outra que já houvesse cruzado estes amedrontadores trechos. Os preparativos consumiram mais de oito meses entre organização e arranjos. Pensou-se em tudo, da botica – que deveria ser acondicionada em algum caixote portátil, isto é, com alças e coberta de couro cru - às dúzias de galinhas destinadas ao sustento dos possíveis doentes e aos milhares de quilos de farinha e demais tipos de alimentos com as necessárias medidas de conservação e constante reposição. Pensaram-se também nos “Remédios Espirituais”. Para estes, solicitava-se a presença de um capelão provido de “competente Altar portátil, de alguns cubos de bem examinadas, e reparadas hóstias, de vinho, e de algumas libras de cera de velas, para tudo servir ao exercício do seu Ministério”. A presença deste sacerdote também aliava os riscos de, ao morrer durante tal percurso, algo que efetivamente deveria ser considerado, a alma ficasse sem o sacramento da extrema-unção. Preparou-se também caixas especiais e portáteis para o transporte da prensa do herbário e da câmara escura. Novas

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

embarcações rigorosamente adequadas às necessidades dos trabalhos naturalistas foram construídas, porém a grande dificuldade consistia em arregimentar uma tripulação. Não se conseguiam os índios remeiros, e este era um grande problema, pois não se podia viajar sem eles. As viagens entre Pará e Mato Grosso, necessariamente através de rios, aterrorizavam a população, principalmente pelo alto índice de óbitos. Quando não ocorria morte durante a viagem, vinha-se a falecer “depois de recolhidos ás próprias povoações, pelo que a elas chegam infeccionados das costumadas moléstias”, segundo relato dirigido por Ferreira ao governador de Mato Grosso. O fato é que quase nunca conseguia-se a mão de obra necessária. Dizia-se, inclusive, conforme também registrou Ferreira, que nestas viagens todos os índios remeiros iam presos a ferros (Oficio de Alexandre Rodrigues Ferreira. Mss. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, Lata 195, pasta 19). Estas observações dão prova da dificuldade da viagem de Barcelos a Vila Bela, Capital de Mato Grosso. Com a intenção de amenizar estas condições, uma complexa rede de apoio foi montada. Todos os núcleos populacionais do trajeto, desde a Vila de Barcelos, localizada às margens do rio Negro, até o Forte Príncipe da Beira, última parada antes de chegar a Vila Bela, foram informados da passagem da expedição e as autoridades locais instruídas “para acudir, com os socorros de gente, e de mantimentos, que deprecar, segundo as urgências que experimentar” (Ferreira em LIMA 1953, pp. 242; 250-251). Mas isto de pouco adiantava, já que as distâncias eram enormes e passavam-se semanas sem que houvesse qualquer presença colonizadora. Finalmente, nos últimos dias de agosto de 1788 os barcos da Viagem Filosófica começam a descer o rio Negro, daí ao Amazonas e, através deste, penetram no Madeira, passando pelo Mamoré e Guaporé, chegando à Capital de Mato Grosso no início de outubro de 1789. Foram treze meses e dezoito dias de viagem, sendo que destes, sete e meio “foram aplicados a exames, e coleções e os demais se empregou em viajar” (Idem, 295).

97

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Durante o transcurso dos rios, além das dificuldades naturais oferecidas pelas muitas cachoeiras, Ferreira teve que lidar com deserções e rebelião dos índios remeiros - o que afetava sobremaneira a marcha da viagem. Em vista disso, logo que chegou a Mato Grosso começou a redigir a memória intitulada “Causa das doenças dos índios” (Museu Bocage, Lisboa. Ms. ARF 20). Embora o título desse documento indique, numa primeira leitura, a preocupação com a saúde dos índios, a questão maior do naturalista era com as condições da viagem. Interessava-lhe criar meios para que a via de acesso da Capitania do Rio Negro até Mato Grosso fosse mais segura. Ferreira afirma que o “que os índios necessitam são de obras, e não de palavras, sob pena de virem ficando despovoados os nossos estabelecimentos e não se possa mais realizar esta viagem”. Além dos problemas com os índios, a comitiva conviveu também com a falta de alimentos e com as esperadas doenças. Para não decepcionar os viajantes, as enfermidades não retardam a aparecer. O primeiro que “logo à entrada do rio Mamoré, enfermou gravemente de Sezões, foi o Desenhador Joaquim José Codina”. Depois, já no Forte Príncipe da Beira, foi a vez de Ferreira, “juntamente com o outro desenhador José Joaquim Freire”. Segundo o naturalista, a doença chegou a tal termo que ambos tiveram que ficar “sepultados no Barreiro do Sítio dos Garajuz”, fazendo referência com este termo a uma das formas de cura então usada naquelas remotas paragens. A situação das doenças ganhou tal vulto que os riscadores não mais puderam documentar a viagem. “Freire foi o que mais sofreu, não houve moléstia que não sobreviesse, foram sezões, corrução, sarna, disenteria etc.”, anotou o viajante. De fato, esta viagem pelos rios era sabidamente penosa, e a principal vitima foi o jardineiro-botânico Agostinho Joaquim do Cabo. Pouco depois de chegar a Vila Bela, não resistindo às febres da terrível corrução, faleceu nos braços do seu chefe7. Entretanto, o estado de doença não era um quadro novo. Desde que chegaram ao Brasil, Ferreira e seus companheiros foram acometidos das chamadas febres tropicais8. Há registros de enfermidades que acometeram Joaquim do Cabo em meados de 1783,

e no ano seguinte foi a vez do chefe da expedição, que permaneceu dois meses sofrendo de febres, isto ainda estando no Pará. Durante as incursões à bacia amazônica, particularmente danosa foi a viagem ao rio Branco, como escreveu Rodrigues Ferreira para Martinho de Melo e Castro em novembro de 1786: Eu e os ditos Desenhadores [refere-se a Freire e Codina], como S. Exª tem visto, e reparado, temos padecido muito, depois da viagem do Rio Branco: mais que José Joaquim Freire tem padecido Joaquim José Codina, que desde que chegou tem custado a restabelecer das febres, dores de estomago, e de ventre, que ali adquiriu (Ferreira em LIMA 1953, p. 192).

Chegar àquela Vila-Capital não lhes trouxe maior alívio; toda a cidade “se achava atacada das horrorosas epidemias de catarrais, sarampo, garrotilhos, pontadas e disenterias [...]”. A situação era calamitosa, até mesmo os animais não foram poupados: “Pelos matos, morreram antas, porcos, veados, bestas muares, e cavalares e até mesmo aves” (Idem, p. 295-296). Vila Bela foi construída de maneira a criar um ponto estratégico e dilatar fronteira, com a finalidade de garantir a posse de uma rica região mineradora. A rigor, aquele território ainda era espaço espanhol, mas nunca tinha sido colonizado por castelhanos. A fundação daquela Vila-Capital em 1752 se fez num terreno alagadiço e insalubre, mas a escolha do sítio está ligada à proximidade das missões de Chiquitos e Moxos, obviamente por questões de defesa. No tempo da visita de Ferreira, aquela localidade contava com aproximadamente sete mil indivíduos e, a julgar pelas suas palavras, a situação era calamitosa: “[...] houveram dias, em que no cemitério desta vila se sepultaram nove, e dez falecidos; e desde os fins de agosto próximo passado, até princípios de janeiro do corrente nos 2 pequenos Arraias de Santa Ana, e Pilar, 75 pessoas” (Idem, ibidem). Segundo o viajante, em 1789, o mesmo ano da sua chegada naquela localidade, o sarampo se apresentou pela primeira vez e logo virou epidemia, matando cento e cinqüenta e quatro homens e quarenta e sete mulheres apenas em quatro meses.

98

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Pelo que se abstrai dos relatos, em Mato Grosso não havia possibilidade de se estar sadio; os que ali moravam, quando não conviviam com as sazonais epidemias, estavam com “as doenças de todo o tempo” que ordinariamente a todos vitimavam: obstrução, hidropisia, escorbuto, espasmos, hemorróidas e sarna. O resultado era a morte e despovoação, pois como observou o naturalista, todos os dias enterrava-se um “punhado de homens neste cemitério do Brasil, a que se dá o nome de Mato Grosso” (Idem, idem). Efetivamente, as condições endêmicas da região do vale do Guaporé eram bastante preocupante, a sazonalidade imposta pelo ciclo das águas na região, entre cheias, vazantes e secas, sempre se fazia acompanhado de um número bastante significativo de enfermidades. Nos anos em que a estiagem era mais severa, como foi o caso de 1788-1789, quando a Viagem Filosófica ai chegou, a situação era particularmente cruel. Preocupado com esta situação, o governo local solicitou e Ferreira redigiu uma preciosa memória que recebeu o nome de Doenças Endêmicas de Mato Grosso9. Em Vila Bela, os membros da expedição viram chegar o novo governador desta capitania, João de Albuquerque Melo Pereira e Cáceres, que também ficaria no comando da Viagem Filosófica. Este trazia consigo uma carta do Ministro Martinho de Melo e Castro. Nela, entre outros assuntos, tratava das novas instruções; mantinha-se a ênfase às questões mineralógicas, mas acrescentava: “não deixará o dito Doutor Alexandre de examinar a Caverna de que trata o Diário” (MELO E CASTRO, 1788). O parágrafo do Diário ao qual se refere a carta descreve uma gruta que os demarcadores descobriram junto ao Presídio de Nova Coimbra. Agora, já não basta chegar às minas do Cuiabá; Ferreira e seus companheiros teriam que descer o rio Paraguai, percorrer o labirinto das águas do Pantanal e chegar até o limite noroeste das novas terras portuguesas.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

equipe, desfalcada do jardineiro-botânico, retornou à rotina, inicialmente realizando incursões por terra. Logo depois, se deveria retomar aos rios. Antes, porém, Ferreira foi novamente acometido por fortes febres depois de visitar uma gruta nas redondezas, o que retardou a viagem. A ida ao Pantanal, a exemplo dos outros roteiros até então realizados, foi preparada a fim de responder à singularidade do lugar: são construídos batelões, ou ubás, canoas esculpidas no tronco de uma grande árvore, próprias para a navegação nestes rios. Era tempo de cheia e o Paraguai já havia se espraiado, exigindo uma total adequação dos viajantes àquele ecossistema singular. Nesta época, quase não há como se ir por terra e todos os rituais de vida são realizados dentro das canoas. Em vista disto, dotou-se a expedição até mesmo de uma canoa-cozinha. O Presídio de Nova Coimbra localizava-se no extremo da fronteira sudoeste da Capitania de Mato Grosso, em terreno em disputa com os espanhóis, e constituía uma das grandes preocupações para os governadores. A tarefa da equipe de viajantes era analisar e descrever a gruta denominada do Inferno, que localizava-se atrás da construção militar. Paradoxalmente, foi neste lugar que mais intimamente a expedição se deslumbrou com a natureza que devia catalogar. “E é aqui onde a Natureza me tinha preparado o maravilhoso Espetáculo, que recompensou dignamente tanto o meu perigo, como meu trabalho”, descreveu Ferreira ao governador João de Albuquerque. A experiência visual deste imenso espaço subterrâneo foi narrada com associações livres: as gigantescas estalactites e estalagmites evocavam umas vezes mesquitas, outras um salão gótico. Mas nem por isto a gruta deixou de receber uma avaliação estratégica. Neste lugar maravilhoso, avalia o naturalista, poderia esconder-se uma tropa inteira10. Enfim, depois de cumprir a tarefa estipulada, iniciou-se a viagem de volta; em 26 de junho de 1791 os expedicionários estavam na Vila-Capital de Mato Grosso. Durante três meses, ali permaneceram, organizando suas coleções, redigindo Memórias e preparando-se para novamente cruzar os rios amazônicos com destino à Cidade do Pará e daí, para Lisboa. Em janeiro do ano seguinte

Na planície inundável – o Pantanal Logo que se sentiu em condições de voltar aos trabalhos, a

99

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

já estavam no Pará e, em outubro, Alexandre Rodrigues Ferreira, os riscadores José Joaquim Freire e Joaquim José Codina e os índios preparadores embarcavam no navio Príncipe da Beira, retornando a Portugal. Alexandre Rodrigues Ferreira conseguiu concluir uma jornada que parecia interminável. Mas não finalizou o projeto da Viagem Filosófica. Porque, se nos rios da América conseguiu driblar as mais diversas adversidades, desde enfermidades a problemas logísticos de toda ordem, em José Joaquim Freire (?). Canoa em Lisboa não pôde dominar os que navegaram os funcionários da Viagem Filosófica através dos rios complexos bastidores da Cuiabá, São Lourenço, Paraguai e vida no Palácio. Nunca Jaurú, 1791. Museu Bocage, Lisboa, dispôs de autonomia, jama- sign. ARF, vol. II, núm. 73. is foi capaz de decidir sobre qual devia ser a melhor forma de manipular, organizar, e, muito menos, de dar a conhecer o gigantesco legado que reuniu. De fato, permaneceu durante longos anos como funcionário da corte lisboeta, mas não conseguiu publicar nem mesmo a mais ínfima parte dos resultados da ambiciosa empresa científica que havia comandado.

2

SIMON 1983; RODRIGUES DE AREIA et. al. 1991; ALMAÇA et. al. 1992; FONTES s/d; CARVALHO s/d.

3

Graças ao seu desempenho nestas tarefas, estes índios foram promovidos aos postos de Alferes de Índios em suas respectivas povoações. Carta de Alexandre Rodrigues Ferreira – ARF, Barcelos, 7 de agosto de 1787. Ms. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – AIHGB, Lata 195, Pasta 20.

4

A dispersão foi iniciada pelos franceses comandados pelo marechal Junot em 1808, quando uma importante parte dos materiais desta Viagem Filosófica passou às mãos de Etienne Geoffroy de Saint-Hilaire. Desde os estudos de SIMON 1983, dedicados às expedições portuguesas do século XVIII, sabemos que não foi apenas Saint-Hilaire que se beneficiou dos trabalhos realizados por Ferreira. Através do intenso intercâmbio que museu e jardins botânicos mantinham entre si, estudiosos de diversas localidades, como o inglês Joseph Banks ou o espanhol Casimiro Gómes Ortega e até mesmo Alexander von Humboldt também tiveram acesso aos materiais produzidos pelo árduo trabalho do naturalista baiano.

5

Discutimos este assunto em COSTA e DIENER 2000 e em COSTA 2001.

6

7

TAVARES DA SILVA 1947b, p. 339. Esta doença, também chamada de bicho e conhecida ainda como Maculo, no período colonial era um dos grandes flagelos da capitania de Mato Grosso. Segundo alguns autores, seria uma moléstia oriunda da África. Consistia em uma inflamação séptica do ânus, intestino reto e mesmo docolo, que passava facilmente para o estado gangrenoso, sempre acompanhado de febre, desfalecimento, sonolência e dilatação do ânus, a ponto de se puder introduzir a mão fechada sem dificuldade. O remédio administrado consistia em um clister de poaia, sumo de limão, pimenta da terra, gengibre e também supositórios de limão descascado com pólvora, pimenta malagueta e erva de bicho. Se ao receber tais medicações o paciente nada sentisse, indicava que a morte era eminente.

NOTAS 1

Publicada por MENDES 1946, pp. 46 a 52.

Academia das Ciências de Lisboa – ACL, Ms. 405, Série Vermelha. Há de se considerar também que já em 1781 os viajantes podiam contar com as Breves Instruções aos correspondentes da Academia das Sciencias de Lisboa sobre as remessas dos productos e noticias pertinentes à História da Natureza para formar hum Museu Nacional, publicadas pela mesma Academia.

8

100

O quadro endêmico das capitanias amazônicas foram bem explicitados pelo cirurgião Antonio José de Araújo Braga, no documento que entregue a Ferreira na vila de Barcelos, cujo texto que foi publicado como parte da Viagem Filosófica ao rio Negro, FERREIRA s/d, pp. 745-775.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR 9

Transcrita e publicada por GLORIA MARIA FONTES 1966. Vale explicitar que, à época, a denominação Mato Grosso era restrita a região do Guaporé e bacia Amazônica, não englobando, portanto, a outra parte da Capitania, contida no então Termo do Cuiabá. Nesse sentido, as observações realizadas pelo naturalista dizem respeito a essa localidade. Alguns autores contemporâneos, erroneamente, têm querido estender a compreensão de Mato Grosso com base na sua estruturação geopolítica atual. 10

Confira Ferreira em carta datada de 05.05.1991 a João de Albuquerque. Ms. APMT, Lata 1791.

BIBLIOGRAFIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA – ACL, Ms. 405, Série Vermelha. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO – APMT, Ms. Lata 1791. ALMAÇA, Carlos et. al. Viagem filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Ciclo de conferências. Lisboa: Academia de Marinha, 1992 ANÓNIMO. Breves Instruções aos correspondentes da Academia das Sciencias de Lisboa sobre as remessas dos productos, e noticias pertencentes a Historia da Natureza para formar um Museu Nacional. Lisboa, Academia de las Ciencias, 1781. CARTA de Alexandre Rodrigues Ferreira. Ms. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, Lata 1790a. CARTA de Alexandre Rodrigues Ferreira – ARF, Barcelos, 7 de agosto de 1787. Ms. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – AIHGB, Lata 195, Pasta 20. CARTA de Alexandre Rodrigues Ferreira a Agostinho José do Cabo, datada em Barcelos em 18/06/1785. Ms. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Lata 195, Pasta 19.

101

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

ROTEIRO DA VIAGEM PARA AS MINAS DO CUIABÁ QUE FEZ FRANCISCO PALÁCIO NO ANO DE 1726. Francisco Palacio

RESUMO Publica-se o roteiro de viagem que Francisco Palacio escreveu na primeira metade do século XVIII. Nele, o autor, com raro senso de humor, descreve com gracejos pessimistas os inumeráveis perigos que esperavam aqueles que se aventurassem a sair de São Paulo na busca de riquezas nas Minas do Cuiabá. Este documento está sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros IEB-USP, sendo uma das poucas descrições deste caminho fluvial setecentista que não foi publicada por Afonso de Taunay. Em verdade, o manuscrito que aqui se publica configurase como uma versão muito mais ampla e rica em informações do relato que Taunay incluiu no seu clássico “Relatos Monçoeiros”, sob o título de “Notícia 8ª. Prática”. Palavras-Chaves: roteiro das monções, caminhos fluviais, cartografia falada

RESUMEN Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

Se publica aquí la ruta de viaje que Francisco Palacio escribió en la primera mitad del siglo XVIII. En ella, el autor describe, con singular sentido de humor y con juegos de lenguaje pesimistas, los innumerables peligros que aguardaban a aquellos que se aventurasen a salir de São Paulo en búsqueda de las riquezas en las Minas del Cuiabá. Este documento pertenece a los fondos del Instituto de Estudos Brasileiros, IEB-USP, y es una de las pocas descripciones de este camino fluvial dieciochesco que no fue publicada por Afonso de Taunay. De hecho, este manuscrito representa una versión mucho más amplia y más rica en informaciones del relato que Taunay incluyó en su clásico Relatos Monçoeiros, con el título de "Notícia 8ª. Prática". Palabras-llave: rutas de las monzones, caminos fluviales, cartografía en palabras

102

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

À GUISA DE INTRODUÇÃO

aventuravam, em suas palavras, àquela “tão fúnebre viagem”. Seu texto é denso e não mede adjetivos para expressar o horror que os inumeráveis perigos prometiam ao desventurado passageiro de uma monção, principalmente durante o curso do Tietê. Ali, entre outras tantas escaramuças, está o que qualificou de “caldeira infernal, donde me parece está uma Legião de Demônios esperando por almas; por que a canoa que chega a por a proa encima desta foi ao fundo per omnia secula seculorum”. Mas que fazer? Afinal, o monçoeiro está ali por vontade, então, como aconselha Palácio, “tende paciência: ninguém vos obrigou a que cá viesses”. Tal como os outros tantos relatos monçoeiros, este também traz uma geografia viva, mapas falados (COSTA 1999, p. 183-190), nos quais até mesmo os topônimos usados delatam as dificuldades do caminho; trata-se de uma rota de morte. Uma cachoeira chama-se Canguera, porque nela se achou uma caveira; outra, Ivan Garcia, “por nela morrer um homem deste nome”, mais adiante está a Ana Pires, “por nela emborcar uma mulher desse nome” e assim por diante. Estas explicações foram dadas pelo autor à margem do seu texto. São notas que complementam e enriquecem o conteúdo e que não constam da versão que foi publicada por Taunay. Em alguns momentos, nosso autor estabelece um dialogo fictício com o seu leitor. Nestes trechos, fica claro ao escrever que era um homem culto, trazendo ao seu enredo personagens da mitologia clássica, referindo-se a heróis e a lugares cantados por Homero e Virgílio. Estes servem de contraponto à geografia monçoeira. Palacio pretendia, de fato, criar um manual didático para aqueles viajantes. Escreve como se estivesse no lugar, sentido a correnteza, ouvido o ronco da cachoeira e amedrontando-se com a presença de indígenas, e assim indica qual o melhor caminho a seguir, que atitude tomar, onde se esconder ou achar alimentos, entre outras informações práticas. Esta densa escrita possibilita que hoje possamos nos aproximar daqueles lugares acidentados e ao menos vislumbrar os tantos desafios aos quais os viajantes do setecentos enfrentaram

P

ublicamos aqui o relato de Francisco Palacio, que faz parte do acervo do Instituto de Estudos Brasileiros – IEB-USP (Yan 31). Trata-se de um roteiro de viagem dirigido àqueles que no início do século XVIII quisessem se deslocar de São Paulo para as novas Minas do Cuiabá. Nada sabemos sobre o seu autor, além do que o mesmo permite antever no seu texto. O conteúdo deixa ver que ao redigir seu relato, Palacio estava em Cuiabá, portanto, havia realizado a viagem que descreve. Isto fica patente também na riqueza de detalhes, mostrando que, além da própria experiência, o autor deve ter conversado com práticos e pilotos que conheciam mais intensamente os difíceis meandros daquele acidentado caminho fluvial. Embora o relato traga em seu título o ano de 1726, deve ter sido escrito posteriormente, possivelmente no final da década de 1730, pois Palacio faz várias referências às dificuldades vividas por outras caravanas fluviais deste período. Quiçá a data de 1726 tenha sido a da sua própria viagem. Comparando-se o conteúdo deste manuscrito com os roteiros que Afonso de E. Taunay publicou na sua clássica obra “Relatos Monçoeiros”, se fez possível perceber que o documento guardado no IEB é uma versão mais detalhada da “Notícia 8ª. Prática exposta na cópia de uma carta escrita do Cuiabá aos novos pretendentes daquelas Minas” (TAUNAY 1953, pp. 160-181), cujo original faz parte da Coleção do padre Diogo Juares, conservado na Biblioteca de Évora. Nesta publicação, entretanto, o documento aparece como anônimo. E embora o historiador paulista qualifique esta Notícia 8ª como “extensa”, ela é bem menor do que a versão que está sob a guarda da USP. Falta ao texto evorence partes significativas do relato, principalmente no diz respeito ao estilo pessoal do seu autor. Através do manuscrito paulista, Palacio mostra-se possuidor de um invejável bom humor, sendo capaz de fazer hilariantes jogos de linguagem para tratar dos inumeráveis perigos que atravessam aqueles que se

103

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

se fez a atualização ortográfica, respeitando-se integralmente o conteúdo exposto pelo autor. Para facilitar a leitura, se fez o desdobramento das abreviaturas. No texto, entre colchetes, constam os números das páginas correspondentes ao manuscrito e os sinais gráficos de pontuação que foram introduzidos, buscando tornar o texto mais inteligível. Por seu turno, as notas explicativas que o autor dispôs nas margens do seu escrito foram levadas ao corpo do texto, sempre imediatamente após o termo referido, também entre colchetes.

na busca da fácil riqueza. E nada mais desafiador que os onipresentes mosquitos, tal como seu fino humor nos descreve: Criou Deus por estes pantanais tanta quantidade de mosquitos, que para lhe dar comparação, não sei que no mundo o haja, e com estes miúdos passarinhos vos vereis tão exasperados, que de nenhuma sorte achareis remédio a tal frenesi, e só o único que há [fl. 20] Há é dormir no rio debaixo d'água, por que estes tais pintassilgos são de três nações. Pernilongos Borrachudos, e outros tão miudinhos que mal se divisam, e uns brancos do feitio dos primeiros, junta toda esta máquina, vos acompanharão de dia e de noite, de dia na canoa, e de noite no pouso: os pernilongos dizendo-vos segredos aos ouvidos [,] a porfia a qual há de falar primeiro e mais alto os borrachudos de retaguarda espalhados por toda a parte do corpo como sanguessugas, e os pequenos como crianças vos procurarão as meninas dos Olhos [;] isto continuamente [,] vede [,] que tal vos porá? E vós a sacudir neles cansareis e suareis camisas até que desesperados vos ireis meter em uma redoma de linhagem, e ainda nela vos irão perseguir, e a cada bocado (se tiveres) levareis misturado nele, mais dos ditos mosquitos, que cabelos, que tendes na cabeça; e tereis paciência por força, e assim ireis navegando em busca do chamado [...]

Maria de Fátima Costa – Pablo Diener

REFERÊNCIAS TAUNAY, Afonso de E. relatos Monçoeiros. São Paulo, Publicação Comemorativa sob o alto patrocínio da Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1953. COSTA, Maria de Fátima. História de um pais inexistente. Pantanal entre os século XVI e XVII. São Paulo, Estação Liberdade, 1999.

ROTEIRO DA VIAGEM PARA AS MINAS DO CUIABÁ QUE FEZ FRANCISCO PALÁCIO NO ANO DE 1726 [fl.1v] Rios da Viagem. 1. Tietê _______,,_________,,_________,,__________,, 520 Léguas 2. Rio grande ___,,________,,_________,,__________,, 80 3. Rio pardo ____,,_________,,_________,,________,, 150 4. Varadouro de Camapuã __,,_______,,________,, 2 5. Rio de Camapuã ________,,_________,,_______,, 25 6. Coxim _____,,_________,,_________,,__________,, 280 7. Taquari _______,,________,,_________,,__________,, 130 8. Paraguai mirim,,________,,_________,,_________,, 50 9. Paraguai grande _________,,_________,,_______,, 90 10. Bracinho dos Chanés____,,_________,,________,, 25 11. Rio dos Porrudos ________,,_________,,_________,, 110 12. Cuiabá _______,,________,,_________,,________,, 120 Soma _________,,________,,_________,,_______,,______ 1582

Trechos como estes não estão contemplados na versão evorense publicada por Taunay no seu “Relatos Monçoeiros”. Só isto justificaria a inclusão deste documento nesta publicação dedicada a “Rios e História”, além da grande gama de informações complementares sobre os caminhos fluviais que em tempos coloniais era a principal via de comunicação entre o litoral e as Minas do Cuiabá. DADOS DA TRANSCRIÇÃO O manuscrito foi transcrito em sua ortografia original e depois

104

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

[fl.2] A quem se não a vós, Irmãos meus perseguidos da fortuna e de sua perseguição desesperados: A quem se não a vós fareis aviso dos inumeráveis perigos desta viagem, pois que deitando juízos temerários a que parte ireis ganhar, ao adquirir os bens temporais, chega a tal extremo a Vossa desgraça, que passa deste ao excesso de intentar tal jornada: a quem se não a vós que novatos neste pélago de tribulações, e misérias vos parece navegáveis com descanso, sinto que os argonautas que levais tão pouco práticos, e vós um tal Piloto com pouca ciência para os mandar. É coitadinhos! Esta consideração me obriga a propor-vos uns longes, como aparente sombra, que para explicá-la é impossível. E para que melhor me entendais digo: que todos devemos crer que as mais ardentes chamas, ou fogo mais ateado, que neste mundo se possa ver, é uma escura pintura das mais samiças [?] do inferno: Tal é, amigos do coração, a notícia que vos dou destes infernais rios: é uma aparência simples, pois vai tanto do contado ao visto, como do vivo ao pintado. Mas para que venhais no escuro conhecimento vos declaro como posso, e aos que por sua miséria caírem nesta corriola, a prevenção que vos é precisa em Cachoeiras, Itaipavas, Saltos, pedras soltas em rio morto a flor d'água. E antes que me pergunteis, que vem a ser pedras soltas em rio morto, Itaipavas, saltos, e Cachoeiras, eu digo: suposto que sem ser por vós visto, é o mesmo que se o não dissera. Cachoeira é um penhasco que toma o rio de parte a parte por cuja vazão se impede a boa passagem: esta tal pedraria se divide em algumas quebradas por onde despede parte da água do rio, a estas se chamam canais, a água, que por estes não pode despedir, sobe como represada a esta pedraria, e dela se despenha; cujo rumor ouvireis longe [;] remédio mui aprovado para a dor de pedra, pois o seu tem facilitamente a retenção de urinas. Pelos canais, que adiante vos apontar, encaminhareis a canoa a qual metida nele corre mais veloz que o pensamento, e para esta empresa vos advirto, que se há de mister Piloto, e Proeiro, e um e outro com forças de um Briareu e com a mesma vista de um Argos, ou ao menos que nunca em sua vida tenham tido achaque algum em os olhos, antes se a vista tão comprida como três quartos de

Légua, e tão clara como a Santa deste nome, porque é mui perigoso encaminhar a canoa direita ao canal, e muito mais risco corre o livrá-la do intricado de tanta pedraria, até que saia à água mais sossegada por esta razão é muito conveniente haver pessoas bem vistas em tais apertos. Salvos de um rochedo muito alto, do qual se dispunha todo o rio [fl. 2v] O rio em que se vai navegando, com tal violência, que de sua caída se levanta tão grande fumaça cor de enxofre que realmente parece que embaixo presidem os habitadores do inferno; estes dão sinal de precipitação das águas com um estrondo tão horrendo, que faz desfalecer os ânimos, e inquietar os humores. Itaipavas são muitas paragens que o rio tem secas, em as mais delas encalham as canoas, e o poder de forças de braço as levam as mãos até se porem onde possam navegar; cujos lugares são de muita utilidade às pessoas cálidas, por que ali tomam banhos a sua, ou contra sua vontade; em cujas ocasiões ia aguardente bebida prejudicial; e se neste rio houvessem frutas [,] delas haveria grande fartura, porque nestas ocasiões ninguém fica combragas enxutas. Pedras soltas em rio morto: são uns seixos muito grandes, que estão sós em muitas paragens, e como a água neles não faz reçolho, sinal que de longe se possa ver, por estarem com esta cobertos, não é fácil o desviar-se desta diabrura, e por esta razão se emborcam algumas canoas, cujos lugares são fundos e somente a boa vigilância dos Proeiros pode acudir, e evitar algum mau acontecimento de embarcação. Estas as notícias por maior, e as seguintes advertências, mais muitamente ponderadas, vos peço aos que quiseres vir ver do achaque que muitos morrem, façais apreensão delas. Porto de Araritaguaba [Quer dizer Morro onde as Araras criam]: Orago, Padroeiro, e assentista, Manoel da Costa varão insigne em virtudes, suposto que com pouca fé, muita esperança e nenhuma caridade.

105

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Rio chamado Tietê [Rio que vem de muito longe]

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

e levai a canoa às mãos, que pelo canal com canoas carregadas ninguém pode passar, por razão de fazer muitas ondas, e sua queda ao despedir a canoa, que inda com estas várias alguns as passam com muito risco, e se o fazem é estando o rio com algum repiquete d'águas. A primeira Cachoeira que avistares, que não fica desta muito longe [,] é chamada Itanhem [Quer dizer pedra que fala], tem o canal pelo meio, e se o rio estiver com pouca água, passareis pelo canal da parte esquerda porque o do meio estará seco. Vereis logo defronte uma pedra alta com areia vermelha, cuja pedra responde o mesmo que qualquer pessoa fala por ecos, tão distintamente como quem falou: a esta até chamo eu pedra conversável, e também ensinada que se lhe falam alto da mesma sorte responde, e com tão boa criação, que se não mete aonde a não chamam, e afirmo que é a mais rara perfeição que tenho visto por estes reinos estranhos. Na volta vereis uma Ilha pequena, ide pela parte direita, por ser rio mais espaçoso, que nem de uma, nem de outra parte tem perigo algum, e aqui se acabam as roças. Navegando vereis uma cachoeira não muito grande; passai pelo meio a remos, e logo tem uma correnteza com suas pedras altas, e em meio disto esta um poço a direita que sempre ferve a água nele, e está muito quieta [;] chamam a esta Iciririca [Quer dizer onde ferve água], não vos admireis de ver um nome com tanto i, nem também as cachoeiras batizadas [fl. 3v] Batizadas com nomes nunca ouvidos em todo o Mundo, persuadi-vos, que eu também faço o mesmo aos [?] [;] estes lugares mencionados foram batizados por algum cacique infernal, pois nestas vias se mergulham corpos, e poucos saem fora delas com vida [,] principalmente nesta. Navegai até avistares uma cachoeira, a esta lhe chamam Itagassaba [Quer dizer pedra que atravessa todo o rio], tem o canal a parte direita desviado de terra, distância de três, ou 4 braças, e com tal correnteza e ondas, que poucas canoas o passam, sem tomarem água: Lugar este tão perigoso, que em certa monção se foram nele 5 canoas a pique, uma sobre as outras, esta cachoeira tem sirga pela parte esquerda junto a terra; também tem sirga pela

Embarcados que sejais neste Porto, o que de vós espero é que façais como Católicos, levando as contas da Alma justas, porque desde que deres princípio a tão fúnebre viagem, até chegar a estas minas do Cuiabá, adverti que corre a vossa vida muitos riscos. Já ouço dizeres aos vossos negros, e Camaradas: rema para lá, e como vós, nem eles sabem o por donde; vos quero dizer a parte ou partes por onde haveis de seguir vossa jornada: ponde a proa da canoa direita a uma cachoeirinha chamada Canguera [Achou-se nesta parte uma caveira], esta tem o canal aberto à parte direita [Nesta parte mora João da Costa Aranha, e sai a ver a tropa rodar]: remai com força, e à mão direita vos ficará uma pequena Ilha a que vos [fl. 3] Vos lembre Sam Bento, que é advogado desta Cachoeira pelas Aranhas, que da parte direita vos ficam, das quais vos livrareis sacudindo-as com cortesia de chapéu. E logo ireis buscando a mão esquerda para passares a outra chamada Cangueramirim [Caveira pequena], que sua avista uma da outra: vereis abaixo uma Itaipava, que passareis a mão direita. E logo fica outra [,] a mão direita a vista, a qual haveis de passar pela parte esquerda. Na volta que faz o rio está uma Cachoeira chamada Pau Santo [Por todas as canoas toparem nele], cujos milagres são endiabrados, é muito perigosa, ireis a remos pela mão direita desviando-vos da terra, e com muito cuidado, porque não tope a canoa no Pau hipócrita, pois este toma o canal. Como também por vos livrares das pedras, pois puxam as águas muito para elas, e nesta Cachoeira se tem perdido muitas canoas. Pegado deste vereis logo umas pedras a que chamam o Juru Mirim [Quer dizer boca pequena], leva o rio muita correnteza, navegai a mão direita; ou por parte donde vos desvieis das ditas pedras, até saíres ao largo. Navegai pela parte esquerda até avistares uma cachoeira chamada Avaré Munduaçu [Quer dizer onde o venerável Padre Anchieta se emborcou, e se achou com o breviário rezando no fundo], que esta faz por cima, encostado a direita uma Ilha, e por baixo outras da mesma banda; Navegai com muito cuidado encostado à parte esquerda, até vos meteres na sirga da mesma banda, saltai n'água

106

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

parte direita, cuja é muito arriscada, e se estiver o rio cheio, ou com bastante água, podeis [,] se quiseres [,] passar pelo canal a remos, que então não tem perigo, nem faz ondas e vai tudo coberto. Navegareis por rio limpo, e tende cuidado, que em uma volta deste faz, verei sobre a mão direita uma cachoeira, chamada também Itagassaba [o mesmo], esta atravessa o rio da esquerda até a direita, onde vos fica o canal, pouco largo, e corre muito. Para a passares seguro, tanto que saíres da antecedente [,] vinde sempre da parte direita e remai a solto que o canal é muito fundo; e adverti que se não vieres bem chegado a terra, que quando quiseres tomar o canal as águas vos não deixarão, por que puxam para o meio do rio, e tanto que embocares o canal voltai para o meio do rio que é limpo e para a parte direita tem pedras, e uma Ilha pequena, esta fica por baixo da cachoeira. Depois desta navega-se por bom rio. Parece-me, que já vos considerais vencedor da maior empresa que o Mundo pode ter, mas cá para baixo vos chama quem vos dirá com voz horrenda: Eu sou aclamada cachoeira Pirapora [Quer dizer paragem onde salta o peixe]; essa buscareis pela parte esquerda junto a terra, e descarregadas as canoas se levam a mão, e assim se vão sirgando com muito sentido por se seguir de qualquer descuido grande prejuízo: esta tem o canal pela parte direita com grandes ondas, e bastante queda ao despedir da canoa; e fazem emparedado de uma e outra banda, e fica o rio todo em largura de três braças, mais ou menos, razão por que corre com muita fúria; as cargas das canoas se passam por terra, e depois que se acabam de sirgar as canoas, que o fim desta sirga é da parte esquerda em um remanso, que a água faz por baixo da cachoeira com sua praia pequena, aqui se tornam a carregar as canoas. Prosseguindo a viagem vereis uma Ilha da parte direita, navegai com cuidado, que acabada a dita Ilha logo tem uma cachoeira chamada Iuecoara [Quer dizer onde se criam sapos], esta tem o canal pela parte direita desviado da terra [fl. 4] Da terra coisa de 4 braças, é aberto faz algumas ondas; os Pilotos governem direito, não se incline a canoa para alguma das ilhargas que tem

pedras cobertas, e são muito perigosas. Vereis logo um poço grande com água muito quieta: na volta que faz sobre a parte direita estão umas pedras com muita correnteza, e perigosas chamam-lhe as pedras da Limonada [Por nela morrer uma mulher que a fazia no Rio de Janeiro], e eu lhe chamo pedras de estancar vidas, porque [em] todas as monções, morre[m] nelas gente afogada e para seres bem sucedido, é preciso que tanto que vistares o dito poço, navegueis perto da terra da parte direita, para que quando voltares a tomar o canal vos acheis sempre junto a terra, ficando-vos uma pedra redonda a mão esquerda o canal é fundo, puxa a água direita e pelo meio tem outro canal, o qual tem umas pedras alagadas pela parte de baixo, lugar certo, onde se perdem as canoas que tomam o dito canal, tem outro pela parte esquerda junto a terra, também é bom, e quem o quiser tomar virá de cima logo direito a ele. Na volta faz uma Ilha com sua correnteza, tomareis pela parte esquerda que pela direita é seco. Navega-se até avistar uma cachoeira a que chamam Mathias Pires [Por nela morrer um homem deste nome], esta tem o canal da parte direita desviado da terra coisa de três braças; para o passar seguro é preciso vires a ela algum tanto amarrado, até ganhares a correnteza, e ireis buscando o dito canal encostado as pedras, que vires da parte esquerda, ou ao ressolho que fizerem se estiverem cobertas: advertindo que na entrada deste canal é todo o perigo desta cachoeira, porque puxam muito as águas para a parte direita: Remar com força em todas as cachoeiras é de muita utilidade, porque indo a canoa bem remada qualquer aceno do remo do Piloto, e Proeiro faz torcer a canoa para onde é conveniente. Navega-se até avistar uma cachoeira chamada Ivan Garcia [Por nela morrer um homem deste nome]: tem o canal da parte esquerda junto a terra; por este podereis passar afoitamente, que por outro que fica no meio é mui perigoso. Navegareis até avistar uma cachoeira que atravessa o rio [,] chamada Itapemirim [Quer dizer laje chata e pequena], tem o canal junto a terra da parte direita, e tem outro pelo meio, o qual na entrada é bom, mas bem em meio do dito canal antes que a canoa se despeça dele tem uma pedra alagada, que pelo

107

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

ressolho e ondas, que a água faz na dita é conhecida, e só terá perigo a canoa topando nela. Navegai com cuidado, que daí a pouco em uma volta, que faz o rio sobre a parte direita, está uma cachoeira chamada Itapemussu [Quer dizer laje grande], atravessa o rio da parte esquerda até a direita, e só fica sem pedra o Lugar por onde é o canal, e para o tomares bem a vossa vontade [fl. 4v] Vontade, vindo junto a terra da mesma parte direita, onde fica o canal. Depois de passares esta tendes rio limpo, e vereis um ribeirão grande da parte direita, o qual se mete neste rio, é chamado o dito ribeirão Capivari [Quer dizer rio de Capivaras que é uma caça que se come]; e mais abaixo da mesma banda achareis outro mais pequeno; e logo chegareis a barra do rio chamado de Sorocaba, que é um rio tão largo, como o que ides navegando, e fica da parte esquerda. Navegando daqui por diante, a primeira coisa que vereis, é uma Itaipava chamada as pederneiras [Quer dizer onde há e se tira pedras para espingardas]: esta é comprida, e perigosa: ide pela parte direita pouco desviado da terra até saíres na volta, que fica por baixo desta correnteza que faz poço com água quieta. Daqui para baixo ireis vendo muitas Ilhas, que todas fazem parcel de Seixos miúdos, nas pontas de cima com suas correntezas, estas fazem fundo por junto da terra, de uma e outra parte, buscai sempre a parte mais larga porque as correntezas são violentas, e fazem suas voltas; é necessário que os Pilotos governem com cuidado. E assim ireis navegando com esta confusão de Ilhas, e advirto que quando ouvires roncar é uma Ilha, a qual quando a vires estais sobre ela, por ficar em uma volta que faz o rio sobre a parte esquerda, e da ponta da dita Ilha faz largo para a parte direita, com uma pedraria que cerca todo o rio, arrebenta a água com muita força sem canal algum por esta banda, mas tanto que ouvires roncar a dita Ilha, ide bem junto a terra da parte esquerda até embocares por entre a terra, e a Ilha, que é estreito, e tem a entrada coisa de braço e meia; governem os Pilotos com cuidado, que tem suas pedras cobertas até sair por baixo da dita Ilha; esta se chama Ana Pires [Por nela se emborcar uma mulher deste nome]. Vereis também duas Ilhas uma sucessiva à outra, ide pela parte esquerda, e quando se

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

passa a segunda é perigosa na entrada, porque puxa muita água para a terra, e tem pedras, e paus, que têm caído de cima. Continuando viagem vereis um ribeirão, que vem pela parte esquerda, e passado ele, chegareis a barra do rio chamado Piracicaba [Quer dizer onde chegam os peixes e dali não passam], o qual se junta com este, que ides navegando, e sai pela parte direita; e depois de juntas as águas [,] alarga o rio bastantemente; e faz por baixo uma Ilha: tomai pela parte esquerda, que é rio Largo e Limpo: E mais abaixo vereis três Ilhas quase unidas [:] em uma é o Canal a parte esquerda, e não tem perigo. Logo abaixo vereis uma Itaipava, esta tem o canal também da parte esquerda, e corre a água com violência, faz muitas ondas, governem direito para Livrar das pedras. Brevemente vereis outra Itaipava, também tem o canal da parte esquerda [fl. 5] Esquerda quase roçando pela terra, e passando que isto seja saireis a bom rio, pelo qual navegareis com descanso, até que vos apareça quem vos sobressalte: vereis uma Itaipava pequena [;] tem o canal da parte esquerda, e logo abaixo vereis outra com uma Ilha para a parte direita. Ouvireis roncar e parecer-vos lá cachoeira, mas é um ribeirão, que vem pela parte esquerda, correndo por cima de pedras, e quando o avistares vos parecerá roupa branca, que está a enxugar: É este ribeirão chamado Piraúna [Quer dizer peixe preto]. Vereis uma Itaipava, ide pela parte direita junto a terra, dareis em rio quieto, e avistareis uma Itaipava grande, esta tem o canal pela parte esquerda quase roçando o mato, e é algum tanto torcido, e pela parte direita tem sirga, e suposto que comprida, antes a hei de passar, que por me em comprimentos com o canal. Depois desta vos achareis em rio que tudo o que alcançares com a vista é direito, e a este pedaço de rio se chama Potunduba [Quer dizer estiram de rio escuro] e em fim deste achareis uma cachoeira, esta tem o canal pela parte esquerda, e não é a melhor parte de Florinda, porque tem grandes ondas; mas tende paciência: ninguém vos obrigou a que cá viesses; mandai remar, e vinde ao canal; advertindo que na entrada deste está uma pedra da parte da mão direita, e esta há de a canoa ir roçando por ela, Levando sempre as ondas, que o canal faz pela parte esquerda da canoa: defronte vereis

108

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

uma Ilha pequena, Navegai pela parte direita, e da mesma parte achareis um morador com sua roça, e dista com essa uma Itaipava mui comprida, e muito mais perigosa, tem o canal pelo meio, e faz volta pela parte esquerda, e logo faz outra volta para o meio, e logo outra para a esquerda, e logo outra para o meio, que esta desemboca, é muito custosa a tomar sem Piloto experiente. Daqui para baixo é rio sujo de pedras, e passai por onde vos parecer melhor. A primeira Ilha que avistares, se chama Bauru [Quer dizer umas frutas agrestes que se comem], tem sirga pela parte esquerda junto a terra, e quando a canoa emparelhar com a dita ilha, da qual se forma outra pequena, faz aqui um canal muito furioso, porque neste se junta um ribeirão, e faz grandes ondas, e daqui, até chegar por baixo da ponta da Ilha, tudo é pedraria; por cuja razão se passam com muito trabalho pela ponta da Ilha, que este é o caminho: E quando avistares o dito Bauru, ireis pela parte direita junto a terra, e não tem risco, a suposto que pelo meio tem canal, contudo não se pode passar sem risco, se não quando o rio está bem cheio. Ireis logo buscando a parte direita junto à terra que para o largo tem muitas pedras. Chegareis a bom rio, mas navegai [fl. 5v] Navegai sempre pela parte esquerda, e consentindo em uma cachoeira chamada Barerimirim [Quer dizer o mesmo e mirim por mais pequeno], esta tem o canal para parte esquerda, e muito ruim, e a sirga muito pior, e como por força a haveis de passar, se não quiseres tornar para casa, é preciso, que tanto que chegares por cima da dita cachoeira, embicar as canoas a terra da mesma parte esquerda e desembarcar a gente menos sábia, e esta mandá-la por terra, que para esse ministério tem caminho feito, e que esperem as canoas onde o caminho acaba, que muitas vezes sucede não chegarem estas onde são esperadas, e escolhereis os melhores Pilotos, Proeiros, e estes irão passar as Canoas pelo Canal, com olhos vivos, e se o rio tiver pouca água tirai a metade das cargas da canoa, advertindo que para a canoa tomar bem o canal é muito preciso que esta vá com a proa direita à ponta de uma Ilha pequena que fica livre destas, voltai logo sobre a parte esquerda bem junto a terra, e faz logo outra volta para o meio, que é por

109

onde despende a canoa. (Advertindo que todas estas voltas, e revoltas em qualquer cachoeira, se fazem em um abrir, e fechar de olhos, que se não fazem com presteza, e acerto, adeus canoa, e quanto leva dentro) é este canal muito furioso e pouco fundo, e a saída perigosa, e depende de Ciência, e muita força no remo do governo. Passado que seja como tenho dito ireis por detrás da Ilha e até vos apartares dela navegai com sentido. E depois que saíres desta, ireis pela parte esquerda, que não tardará muito quem vos faça entristecer, que é a cachoeira chamada Baririguaçu [Quer dizer uma fruta de coco mui cheiroso]. Forma-se esta em três Ilhas todas juntas, e pequenas: ide a ela pela mesma parte esquerda bem junto a terra, e não trateis de outra coisa mais que de passar a sirga e com cuidado, que é perigosa, e o canal não o busqueis, só sim o esconjurai com uma via sacra de cruzes. Navegai, e logo vereis uma Itaipava, buscá-la-eis pela parte direita, algum tanto desviado de terra, o qual é estreito, mas passa-se a remos, e passada que seja, ireis para a parte esquerda, e vereis uma cachoeira que quase está à vista da que agora passastes, esta se chama as Congonhas [Paragem onde se apanha uma erva assim chamada], é toda seca, e só tem canal pela parte esquerda, mas pouco fundo, e logo torce para o meio do rio. À vista desta tendes outra, ide para ela pela parte direita, esta tem o canal quase no meio, e é aberto, mas furioso, e saindo dele ide da mesma parte a passar uma Itaipava, e passada que seja, vos achareis em rio morto e quieto: Não muito abaixo vereis uma Ilha, e da parte direita, é o rio Limpo. Vereis logo outra [fl. 6] Outra, e outra mais pequena pegada a ela e pela parte direita também é rio limpo, e por este navegareis, e ainda que vejais duas Itaipavas não são de perigo. E vendo uma Ilha ide pela parte direita que tem bom rio. Vereis também um ribeirão grande, que vem pela parte direita, e logo achareis outro da mesma parte também grande e ainda se navega por bom rio. Vereis uma Itaipava pequena com canal grande da parte direita e tanto que a passares ide logo pela parte esquerda, para veres com bom coração, o que está aparelhado para vosso divertimento.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Aqui está, meus Amigos, a Senhora Cachoeira chamada Vaimicanga [Quer dizer caveira de uma velha que nela morreu]: Ânimo, que Deus há de ser convosco; e posto que é grande contudo fazei da necessidade virtude; avançai-a pela parte esquerda, e por esta mesma está uma Ilha grande, e outra pequena pela parte de baixo: pela parte esquerda como digo está o Canal bem chegado a Ilha, e este sai por entre a grande e a pequena; e quando a quiseres a cometer seja de sorte que vos há de ficar a primeira Ilha a mão direita, e ireis sempre por junto dela até vos safares da outra pequena, a qual levareis sempre da parte esquerda; e quem não quiser tomar o canal vá a sirga; e se quiseres esta, vinde de cima pela parte esquerda, e tanto que emparelhares com a dita Ilha levai a Canoa às mãos pela mesma parte esquerda até sair fora e tende paciência, que forçosamente se não tomares o canal desta cachoeira, haveis de sirgar os ossos desta velha. Saindo desta morrinha, e rabugem não falta que dar a unha, porque tudo é trabalhoso até certa altura, que gastareis dois outros dias até chegar. Os Pilotos governem com muito sentido, e os Proeiros não menos que tem o rio muito perigo. Passado que seja este divertimento logo avistareis uma Ilha e logo outra, esta tem passagem por uma e outra parte [,] mas pela parte esquerda junto a terra me parece melhor. Vereis outra Ilha e direis pela parte direita dela, e na saída da ponta, que esta faz pela parte de baixo: ireis para a parte esquerda, e vereis uma cachoeira que por péssima nunca mereceu ter nome [;] esta é grande e toma todo o rio, e é de muito perigo, tem esta o Canal quase pelo meio, ireis a ela pela parte direita com muito cuidado, e saindo desta vereis uma Ilha, e ide pela parte direita dela, e logo vereis uma Itaipava, esta é comprida [;] cada um se aja nela conforme a experiência o ensinar. Ireis navegando e vereis uma Ilha pequena, ide para a parte esquerda, e achareis uma Itaipava, e logo uma Ilha na ponta que faz para a parte direita faz cachoeira grande e sem canal e quando quiseres tomar a dita Ilha é preciso vir sempre encostado a parte esquerda junto [fl. 6v] Junto a terra; e na outra ponta, que a dita Ilha faz para parte de baixo, tem cachoeira com dois canais um deles

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

encostado à Ilha que sai pela mesma ponta, e torcendo para a terra da parte esquerda faz outro canal junto a terra da mesma banda, e depois que passares qualquer destes [,] vereis um ribeirão da mesma parte esquerda logo abaixo da cachoeira, e este é chamado Cambaiuboca [Quer dizer paragem de canos ocos mui finas], e mais abaixo [a] não muita distância, vereis outra Ilha, e ireis pela parte esquerda dela, que é rio limpo. Logo vereis outra que se reparte em três, ireis pela parte esquerda junto a terra, e tanto que emparelhares com a dita Ilha vereis um canal encostado a mesma, e a saída deste é roçando a canoa pela ponta da dita Ilha, e corre a água com muita violência, e faz muitas ondas, por cuja razão é perigosa, esta grande cachoeira é chamada Taputanguara [Quer dizer uma laje de cor parda] e quem se não quer por no risco de a passar pelo canal, virá sempre junto a terra da parte esquerda, e a sirgará, mas é muito impertinente a sirga. E passada que seja esta vos achareis em rio limpo, e a água sossegada, descansai vosso coração somente por um dia de viagem: e dai graças a Deus que vos não faz poucas mercê. E passados que seja este bom dia mais vara menos côvado [,] a primeira coisa que vos há de assustar é uma correnteza por pedras, não é de muita consideração, mas olho alerta, e preparar para a batalha, porque vereis uma senhora cachoeira chamada Avanhandamirim [Quer dizer onde a gente corre carreira pequena], e quando a avistares vos não parecerá o que ela é e suposto que tem o canal direito faz este muitas e muitas ondas e corre muito risco as canoas, com cujo caso o que vos digo é que se não quiseres ir a três tornos passeis a sirga que atendes pela parte esquerda junto a terra. (Advertindo que quando vos apontar sirga que vos não pareça, que é lugar por onde podeis passar descansado, porque em muitas sucede emborcarem-se as canoas, e alagarem-se) Passada que seja a dita vereis rio manso, e também vereis uma correnteza pequena, navegai pela parte direita com cuidado, porque vos espera o Pai das cachoeiras o horror do rio! O grande salto e primeiro desta qualidade chamado Avanhandava [Quer dizer onde a gente corre]. Buscai a terra da parte direita, e mandai saltar a gente n'água e levareis as canoas às mãos até as encostares onde as

110

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

descarregueis, e depois de descarregadas, e as cargas passadas por terra e postas abaixo do salto, levareis as canoas às mãos pelo pé de terra da mesma banda até os meteres no varadouro de terra e as puxareis até certa paragem a qual conhecereis pelo lugar onde se deitam outra vez n'água e estando como [fl. 7] Como digo lhe passareis uma corda na proa, e outra na popa e estas não sejam podres, e nas pontas destas pegará quem não saiba largar, e embarquem na canoa os melhores Pilotos e Proeiros, e a levem a remos por uma grande correnteza, que vai acabar aonde estão as cargas, e as mesmas carreiras, que as canoas levarem pelo rio, levarão também os pegadores das cordas por terra sem largarem acompanhando a canoa. E depois das canoas carregadas, navegareis por um canal estreito emparedado de pedra de uma e outra parte e passado que seja este [,] achareis o rio com a mesma largura que tinha antes do salto. Tanto que vos vires [,] neste largo rio navegai pela parte direita até veres uma Ilha pequena com uma grande cachoeira [;] esta é chamada Escaramuça, tem o canal a entrada da parte direita todo com voltas com bastante comprimento, e o canal por onde despede fica junto a terra com a boca virada para o rio, é estreito e perigoso por cuja razão carece que a cometam bons Pilotos, pois são mui perigosos canais estreitos [,] ainda este que tudo é de voltas que um cavalo na escaramuça não faz mais rodeios, e por isso com muita propriedade lhe puseram o tal nome. E se quiseres sirgar [,] o podeis fazer junto de terra, e passando com bom sucesso rendeis as graças a Senhora deste nome por vos haver livrado das voltas em que andastes sendo já desse tamanho. Navegareis em bom rio e assim como ouvires roncar com soberba e arrogância a cachoeira chamada Itupanema [Quer dizer salto seco] lhe pedirei com cortesia vos deixe passar em paz: ireis pela parte esquerda até avistares, que pela parte direita faz salto, e no meio tem uma Ilha e para a parte esquerda tem outra pequena, e a vista destas pela parte de baixo tem outra, e para a passares bem, ainda que com excessivo trabalho, vinde de cima bem junto a terra da parte esquerda até meteres as canoas na sirga, e ireis com elas com muito cuidado sempre encostados a

terra firme, deixando sempre a Ilha a mão direita até saíres pela última deste nome, a qual faz um estreito em sua despedida seco com grande correnteza e perigo; e se quiseres passar por entre as Ilhas [,] vos perdereis sem remissão e se quiseres a saída do estreito da Ilha mais segura, descarregai a canoa a meia carga, ou toda que isso deixará à vossa eleição, mas sempre o descarregar não é desacerto. E advirto-vos que esta senhora tem sido sepultura de muita gente e de muita fazenda pelo pouco respeito com que a trataram. Depois desta navegareis, e logo avistareis uma Ilha e ireis a ela pela parte esquerda, e chegando a emparelhar com a dita adverti [fl. 7v] Adverti que embaixo faz cachoeira [;] na ponta tem o canal aberto mas é violento, e pela parte direita também tem canal, o qual na saída tem duas pedras, e por entre elas é o caminho, e quem o não leva bem fisgado corre muito risco; fazei eleição de qual destes doces quiseres. E passado que seja qualquer deles navegareis até avistares uma Ilha com uma cachoeira chamada do Mato Seco [;] se quiseres sirgar [,] vinde pela parte direita, e tanto que vos vires safo de umas pedras que aí estão, ide direito à dita Ilha, e chegando a ela vai o canal, e vem sair bem junto à terra pela ponta da Ilha, a entrada é um tanto seca, mas não é ruim canal. Saindo desta [,] na volta tendes uma Itaipava chamada Itupesum [Quer dizer paragem torta] o canal vai pelo meio com suas voltas, e se o não quiseres passar, vinde pela parte direita até chegar a encalhar a canoa, e a levai a sirga como puderes. A primeira cachoeira que avistares atravessa todo o rio e é chamada Ondas Grandes [;] tem esta o canal pela parte direita pouco desviado de terra [,] a entrada é boa, mas olhos abertos, que na saída tem uma pedra e é preciso desviar dela e saber cortar as ondas que esta faz que sempre algumas entraram dentro na canoa, mas não importa, porque estas refrescam os mantimentos, e a fazenda também tem sirga da parte esquerda [;] se quiseres sirgar [,] seja feito a vossa vontade. Navegareis pela parte direita e vereis uma cachoeira que terá uma Ilha para a parte direita [:] esta é chamada as Ondas Pequenas [;] ireis como digo pela mesma banda desviando-vos da

111

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

terra pela razão de ser baixio, ponde a proa direita a ponto da Ilha e quando chegares perto da dita, chegai-vos mais para a terra, e emborcai o canal, que este é por entre esta, e a Ilha, ficando-vos a dita Ilha a mão esquerda, e assim correreis direito até saíres ou vos safares da ponta da dita, e pela parte esquerda desta Ilha fica um canal grande mas muito ruim, e perigoso, corre risco quem o tomar. Depois que passares o que fica dito, vos achareis em rio limpo. Dai graças a Deus que será por pouco tempo esta limpeza. E assim fazei boa apreensão no recado que vos quero dar, que é um tanto cumprido, e suposto que não será a medida do vosso desejo [,] consolai-vos com a vontade do Criador. Avistareis uma cachoeira chamada a Funil [Por ser muito estreito]: Navegai para a parte esquerda junto a terra, e logo vereis que faz o rio volta sobre a mesma parte esquerda, e indo, como tenho dito a terra, buscando a volta [fl. 8] A volta, que o rio faz [,] logo vereis o canal que não fica muito desviado da terra, e defronte da entrada do canal coisa de três braças, vereis uma pedra, a qual faz muito dano a quem se não sabe desviar dela, e para que vos não faça mal esta rapariga, é muito conveniente, que assim que emborcares o dito canal [,] puxeis logo a canoa para a terra e em tal forma que vos fique a dita pedra à mão direita: vai este dito canal seguindo-se, e tem suas pedras alagadas até chegar a parte esquerda que faz remanso [,] defronte vereis uma Ilha; e se não quiseres tomar o canal que tenho dito [,] sirgai por junto de terra, que o funil ainda vai mais adiante. Ireis navegando pela mesma parte esquerda, e avistareis outra Ilha, ide a remos junto de terra até meter a canoa na sirga, que esta acaba de traz da dita Ilha, e faz um poço com água quieta, ide a remos que na saída desta Ilha fica o bico, e fim do dito Funil e faz um cerco de pedras da Ilha para a terra, e defronte da dita Ilha faz um recife de pedras, e acaba antes que chegue a terra, cujo meio fica estreito; e depois da sirga que fica dita [,] ireis a remos a passar o canal que fica bem chegado a Ilha, roçando por terra, e tanto que passares este voltareis por entre o recife, e a dita cachoeira, e ide com a proa direita à terra; e se quiseres acabada que seja a dita sirga, ir buscar um canal que fica no meio [,] será por vossa conta e

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

risco, por que é custoso de tomar, e no fim de tudo isto [,] da parte esquerda vereis uma praia pequena com água quieta. Depois que saíres do que fica dito, distância de uma volta de rio, vereis uma grande cachoeira chamada Guacoritiba [Quer dizer lugar onde há cocos de Guacoriz, que se comem], esta tem da parte direita muitas Ilhas, e por entre estas e a terra é o canal, mas muito violento, e não menos perigoso: não o tomeis, só sim, em avistando esta cachoeira [,] navegai pela parte esquerda, e por esta mesma vinde a sirga junto a terra, até sair à última ilha, e por esta mesma banda também tendes canal, e fica este desviado da terra distância de 3 braças, mas é na entrada muito perigosa, porque tem uma pedra que prejudica muito, como também as muitas ondas que faz. E chegado que sejais na última Ilha na forma que acima digo, vereis que faz Itaipava da ponta desta para a terra toda seca; e saindo desta [,] ireis buscando o meio do rio, em tal forma que vos fique a dita Ilha a vossa mão esquerda, e vereis um canal aberto pelo qual navegareis, e assim sereis livre da Senhora Guacoritiba. Navegareis por rio quieto, e pelo meio passareis uma correnteza, e logo outra, e logo outra pela parte direita, não muito chagado a terra, e vereis outra dita, que tem uma pedra do feitio de Ilha e esta passareis a parte esquerda da dita pedra; e logo ireis buscando a parte [fl. 8v] A parte direita, e vereis no meio do rio uma Ilha grande com uma reverenda cachoeira chamada Aracanguamirim [Quer dizer cabeças de Araras pequenas], e vereis mais entre a Ilha grande, e a terra da parte direita 3 Ilhas mais pequenas, e para passares com alguma segurança vos aplico os banhos da sirga, com os quais quisera Deus sejais bem sucedidos; esta vos fica da parte direita; e se a condenares de trabalhosa, e ruim de passar, pela razão de ser muito seca; eu vos aplico o remédio com mais água, e este é o seguinte: vinde de cima pela parte direita, depois que vos achares já perlongado com a Ilha, ireis para o meio do rio a a flechar duas pedras que aí estão, que por entre elas é o canal, mas muito violento, e assim que embocares o dito canal torcei a canoa, e buscai a parte da Ilha, por causa de uma Ilha [,] digo [,] de uma pedra que fica no meio do canal, que tem muito risco a canoa

112

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

que a topar, e livre já da pedra endireitai a canoa, e ireis buscando as voltas das Ilhas, que vos ficam a parte direita. Advertindo que nesta volta há de a canoa ir quase roçando a Ilha pequena, e por entre esta, e a grande, que vos ficará da parte esquerda, ireis buscando a terra da parte direita, e continuando o canal até vos achares em rio quieto. Tenho dado o meu recado pertencente a esta sirga, e cachoeira; vós fareis o que for vossa vontade. Passado que seja o acima referido vos achareis em rio manso, e a seu tempo vereis uma cachoeira, e este é o segundo varadouro deste rio, e é chamada Aracanguaba [Quer dizer cabeças de Araras] vereis pela parte direita uma Ilha pequena, e do meio para a parte esquerda outra maior: aqui é o segundo salto, e para vires meter a canoa na sirga vireis bem junto a terra, e as sirgareis mesmo carregadas, e acabada que seja a dita sirga, achareis rio fundo, e por esta mesma banda sai um ribeirão grande; levareis as canoas por junto de terra da mesma parte da sirga, até chegares a descarregar. E se fores destro neste rio quando vieres de cima, e avistares a cachoeira [,] vinde a elas pela parte esquerda, pouco desviado da terra, e remando com sentido tomareis a carreira sempre pela mesma parte até chagares à boca do ribeirão que já disse, e daí ireis costeando terra até chegares ao dito descarregadouro; e depois das canoas descarregadas, se as quiseres varar por cima das pedras o podeis fazer, mas é menos trabalho o varar pela água pois esta vos ajuda muito a puxar a canoa, advertindo que se varares pela água há de ser por uma quebrada, que vereis desta mesma banda, e levai as canoas com muito sentido, porque estas correm risco; e carregadas que sejam as canoas [,] ireis navegando por entre a terra, e a Ilha grande [fl. 9] Grande até saíres fora. Navegai, e logo na volta vereis uma Itaipava grande chamada Ytupeba [Quer dizer água por cima de pedras rasas], esta tem um canal da parte direita, e da mesma parte algumas Ilhas pequenas, e para o meio uma dita maior, não tomeis o canal, que é incapaz, vinde de cima pela parte esquerda, chegado a terra, e sirgai, e saindo da sirga ireis a remos, e logo vereis outra Itaipava, esta tem o canal pelo meio, e sirga pela parte esquerda até sair fora da dita Itaipava e depois que passares esta, ou a remos ou a sirga navegai pela

parte esquerda, e ireis passar por junto da Ilha última, e mais adiante vereis uma Itaipava [,] navegai pela parte esquerda, e vereis também uma Ilha, e passareis pela mesma parte esquerda. E assim ireis navegando até avistares uma cachoeira grande com uma Ilha para a parte esquerda, é chamada esta dita a Ilha do pau, não tem canal nem sirga, pela qual razão não fareis a diligência, por uma, nem outra coisa, só sim reparai que vindo de cima antes que avisteis a cachoeira dita, vereis uma Itaipava à parte esquerda, e por força passareis pela parte direita junto a terra, e logo vos achareis com rio manso por pouco tempo, e vereis também a cachoeira, e Ilha que acima digo; navegai pela parte esquerda até chegares a uma correnteza pela qual entrareis algum tanto desviado de terra, e ireis navegando sempre por entre pedras, puxando para a parte esquerda junto a terra até chegares de fronte da ponta da Ilha, a qual faz um cotovelo para a terra, e volta o canal por junto da mesma terra, e por entre esta, e a dita Ilha é tudo limpo, e por detrás da dita Ilha atravessam umas pedras com sua correnteza, passareis pelo meio, e achar-vos-eis em bom rio. Por este ireisnavegando um bom pedaço de tempo e vereis um ribeirão que vem pela parte esquerda, e logo vereis uma Ilha pequena quase pela parte direita e para a parte esquerda é largo o rio, e faz correnteza com suas pedras: tendes o canal pelo meio ficando-vos a Ilha á parte direita, e a vista desta para a parte de baixo vereis um posso grande chamado Pirataraca [Quer dizer onde o peixe faz bulha], e vereis da parte direita do dito um canto no barranco do rio com muitas pedras negras, e estas acompanham o posso até a volta. Navegareis por bom rio até avistares uma cachoeira, e Ilhas, esta tal é muito trabalhosa, e é chamada Itupiru [Quer dizer água que cai e espraia muito mas seco, onde não [ilegível] as canoas], pela parte esquerda é salto, e quem vai por lá, despedido vai da tropa para o dia do juízo. Não vos assusteis, meus Amigos, que vos hei de ensinar um caminho muito suave, divertido, e com muito descanso que bem sei é em vós bem empregado, pois tendes passado muito trabalho por vossa culpa, mas já agora não tem remédio, chorai na cama, que é parte quente que [fl. 9v] Que o descanso, que vos estou

113

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

prometendo, é o seguinte, e os bens que deles me rogares, esses vos venham. Vereis da parte direita 3 Ilhas não muito grandes e uma cachoeira, a qual toma todo o rio até quase a parte esquerda, e a quem vem de cima lhe parece que por esta parte é o caminho, que o mesmo rio vos estará convidando para o precipício, e para passares esta suavidade, vos é preciso, que em avistando o que tenho dito [,] navegueis pela parte direita junto à terra, e por entre esta e as ditas três Ilhas sirgareis a canoa até passares este primeiro degrau, e chegando à ponta da segunda Ilha achareis o rio fundo com água mansa, embarcai-vos e ide a remos, saindo pela ponta da terceira Ilha que para a terra é seco, e em passando esta, vereis para o meio do rio uma Ilha grande, e para a parte direita dela três mais pequenas junto umas das outras, e assim como saíres da ponta da terceira Ilha como já disse e desviando-vos do seco da parte direita [,] logo metereis a canoa na sirga até passares o outro termo de Ilhas, é esta sirga muito perigosa, e muito mais trabalhosa: e passado que seja este segundo degrau vos achareis por detrás da Ilha grande em rio fundo, e água mansa, ireis a remos correndo este canal, que é estreito, e de uma, e outra banda, são pedras, mas é bom de navegar; saireis pela ponta da ilha grande encostando-vos a ela, que para a parte direita tem pedras perigosas, e saindo como digo achareis rio largo, e olhando para a parte de cima vereis o salto. E advirto-vos que depois desta saída tem várias pedras cobertas, que só se vêem pelo ressolho que fazem, e tem também muita correnteza: sentido, e olho aberto: Vereis logo uma Itaipava grande, a qual cerca todo o rio de uma banda a outra, e pela parte direita, e esquerda [,] tem sirga bastantemente comprida; com o que vos digo que façais é que depois que deixares a Ilha grande que acima digo governai a canoa e ide-vos chegando pouco para a parte direita em forma que fiqueis pouco afastado do meio do rio, para estas partes vereis um canal fundo [:] metei-vos nele, e ireis desviando a canoa de algumas pedras que achares, e assim ireis até vos meteres no mais furioso da correnteza, e ondas que este faz, e em saindo fora deste vereis rio manso. E se temeres o furioso do canal [,] passai a sirga que fica dita, e fazei neste particular o

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

que melhor vos parecer, e o que vos peço é que quando chegares a ocasião de alguma batalha [,] destas não vos façais como quem tem Tiricia [?], nem também acometais temeridades, que vos achareis enganado[s] com as vossas valentias, e a prevenção sempre é boa. Navegareis por bom rio até avistar uma Itaipava, remai bem, e ide a ela pela parte esquerda [;] junto à terra esta faz [fl. 10] Faz antes da saída uma volta para o meio do rio, e acaba. Acharvos-eis em rio quieto, mas logo vereis outra Itaipava grande, entrareis pelo meio inclinando-vos um tanto para a parte direita, e assim como entrares voltai logo para a parte esquerda, e navegai com muito cuidado até saíres pelo canal fora, que este vos fica à parte esquerda e suposto que é aberto, tem muita correnteza, e muitas ondas e passado que este seja vos achareis em bom rio [,] mas pouco; e passado que este seja, aparelhai-vos para ouvir, e fazer apreensão em uma ladainha de Ilhas que vos quero escrever, e vendovos entre elas com impertinência, e trabalho, que costumam dar aquelas Ilhotas, dizei aos Santos [“]ora-te pro nobies[”]; e é a seguinte. Passado como já disse o pouco rio bom, vereis uma Itaipava grande a qual cerca todo o rio e para a parte direita é largo, mas é incapaz de se navegar, vereis também para a parte esquerda uma Ilha pequena, e afastado dela coisa de quatro braças; vereis outra dita também pequena, divide[-]se um largo com muitas pedras e correntezas, e vereis outra Ilha grande: para a tomares vireis a remos com a proa da canoa direita aponta da primeira Ilha desviando-vos do seco que tendes da parte esquerda, em tal forma que a dita Ilha vos fique à mão esquerda, e embocareis o canal, que vai encostado à dita Ilha e passareis por entre a outra Ilha pela parte esquerda, e se não quiseres seguir esta derrota [,] vinde de cima pela parte até vos meteres nas ditas Ilhas, e por esta banda não tem perigo algum, e só na entrada é um tanto [;] seco se a canoa encalhar [,] levai às mãos: e depois de vos veres nesta paragem [,] quer por uma parte, quer por outra, navegareis por de traz das ditas Ilhas e vereis uma Itaipava, ireis a ela pelo meio, esta faz seu torcido, por cuja causa é muito preciso o cuidado: e ireis sair quase por junto da Ilha grande, acima dita, e saindo desta ireis para a parte esquerda,

114

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

e achareis outra Itaipava, esta tem o canal aberto da mesma parte junto a terra, e vai este sair quase pelo meio do rio. Achar-vos-eis em rio Limpo, e este navegareis não muito tempo, e ireis pela parte direita não muito à terra, até ouvires roncar (Aqui é ela [,] meus navegantes Amigos, preparai-vos que sois chegados a ver o tremendo e derradeiro Salto chamado Itapura [Quer dizer salto muito alto]. Em avistando esta delícia, ireis junto à terra da parte direita com muito cuidado, e submissão, não façais pouco caso dele, que como é grande; é muito soberbo, e levareis as canoas à sirga por junto de terra, e chegareis com elas a descarregar onde melhor vos parecer, e mandareis as canoas por terra a esperar abaixo do senhor salto; levareis as canoas vazias pela água, e por cima de umas pedras plainas até as meteres no varadouro de terra, e por cima de estivas [fl. 10v] De estivas se arrastam até as deitarem outra vez n'água pela parte de baixo do salto, e daqui lhe podeis tomar bem as feições, e fazer-lhe muitas cortesias, que aqui se acabam as cachoeiras deste rio, o qual também brevemente se vos acabará, e eu acabo de vos ensinar o resto, e Lá vos irei esperar na barra do rio grande. Depois que tiveres as canoas carregadas, navegareis pela parte esquerda que pela direita tem pedras perigosas, e ireis andando por bom rio, até veres uma Ilha chamada o Pernambuco, da parte direita desta vereis um braço de rio grande, mas não muito largo e por detrás da dita Ilha tem cachoeira, mas ninguém por lá navega, e quando avistares a dita Ilha, ireis pela parte esquerda, e vereis que da Ilha para a terra faz uma grande correnteza, remai bem e ireis a esta pelo meio, tanto ou quanto mais chagado para a parte da Ilha, pela razão de ser mais fundo, e não tardará muito o avistares o Rio grande e na dita barra vos espero.

inferno; venho perdido, em tal cachoeira se me emborcou uma canoa, dela nada aproveitei, e em tal Itaipava tive outra embarcação [,] molhou-se o mantimento, e a fazenda queria falar para enxugar; a tropa, em que eu vinha [,] não se quis deter; os negros tanto remam para diante, como para traz, hei se lhes dava não os tinha para bem ou para mal me puxarem a canoa, tive tantos dias de chuva impertinência extremosa, as estalagens do caminho são desabridas, vim a tombos por esse rio abaixo com a morte por óculos diante dos olhos [,] não podia dormir de noite com o sentido no medo do dia seguinte; o trabalho dos varadouros me fazia maldizer a mim mesmo, os pretos quando varavam as cargas metiam-se no mato, e lá construíam o mantimento: aí trago tantos doentes, por causa do muito trabalho; e assim tenho entendido, que se a Divina Onipotência não acudira aos navegantes deste rio [,] não era possível chegar aqui canoa alguma, mas graças ao Divino Senhor, que já estou Livre, e parasse que em negra hora intentei tal viagem dera eu agora o que não tenho de meu, e vira-me eu no Porto de Araritaguaba. Coitadinhos, é bem feito, que tudo isso vos [fl. 11] Vos suceda (respondo eu), pois voós quisestes enganar com o desengano, que dela vos davam por carta vossos amigos: porém não vos desanimeis, que o bom tendes passado, e o melhor adiante passareis, se não quiseres daqui tornar para vossa casa; E se contudo quereis prosseguir vossa viagem, descansai aqui dois dias; e se quiseres dar uma barrigada de peixe à gente do troço [,] descarregai uma canoa, e navegai da barra deste rio para cima pela parte direita, até entrares por entre o emparedado de pedra e [,] assim, ireis até que avisteis um Salto, Pai dos dois rapazes do Tietê, e Avó da criança mais pequena, chama-se este Urubupungá [Quer dizer onde assistem corvos assim chamados urubus]: Fantasma de boa estatura, vereis despenhar-se deste abaixo a água por mais de vinte partes, cuja tempestade se ouve do derradeiro Salto do Tietê; esta despenhada água se vem meter toda em canais com tal fúria, que parece incrível o que se está vendo; ireis até onde puderes chegar sem risco, e Levareis para esta pescaria bons anzóis; e muitos e também linhas; e se assim o não fizeres, escusado será lá ir, e advertir-vos que este Lugar é milagroso por Linha transversal, porque muitos nele

RIO GRANDE Peregrinos Irmãos (vos digo eu) [,] sejais muito bem chegados a esta barra. É Vossa Senhoria que cara trazeis que tendes vindes assustados [;] contai-me o que vos sucedeu no rio Tietê. Não sei dar graças a Deus (me respondeis-vos) por já me ver fora de tal

115

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

pescam maleitas; também tem o risco de encontrar lá o gentio chamado Cayapô, os quais costumam fazer ali suas pescarias, mas estes não vos farão mal porque são muito corteses, e as suas saudações são feitas com um porrete, com o qual vos farão tiro à cabeça, e se vos fizerem a pontaria à testa e vos derem nos narizes darão por mal empregada a mão que tal tiro fez. Amigos meus, ou façais, ou não a vossa pescaria [,] deixado que seja o rio Tietê, navegai por este Rio grande abaixo pela parte esquerda, e só tereis cuidado de fugir quando vires com os olhos até avistares um rio que está da parte direita, chama-se este Goacores, o qual se vem meter em o que ides navegando, e assim que avistares este, sentido, e mais sentido, e trinta vezes sentido, por que aqui logo abaixo está uma caldeira infernal, donde me parece está uma Legião de Demônios esperando por almas; por que a canoa que chega a por a proa encima desta [,] foi ao fundo per omnia secula seculorum, e a ressurreição de gente que nela for será no dia do Juízo: Por que em certa ocasião, uma tropa inteira se subverteu neste Lugar; e são tais os redemoinhos que esta água aqui faz que ela só é que governa, e não remos nem forças humanas, por cuja rezam-vos digo sentido e mais sentido, para que não vá descair onde o Levantar há de ser tarde. E para escapares desta tribulação [,] fareis o seguinte. Assim que avistares o rio que acima digo chamado Goacores, navegai com sentido pela parte esquerda, e vereis da parte direita umas pedras as quais fazem feitio de Ilha, e aqui vereis que [fl. 11v] Que estreita o rio, e assim é preciso, que venhais remando sempre chagados ao emparedado e ireis quase roçando com a canoa pelas pedras da mesma banda, e sempre carregando sobre a mesma banda saireis livre de todo o perigo, que em se acabando o emparedado, que acima digo onde logo alarga o rio, para a parte direita vos fica a tal caldeira chamada o Jupiá. Depois que saíres desta fúria de Satanás, ireis sempre pela parte esquerda, correndo à volta vereis uma Ilha pequena da mesma parte esquerda e por esta parte ou pela outra a podeis passar: aqui sai o rio inclinando-se para a parte direita, e vereis que este faz um estrito com seu cotovelo na parte esquerda, e deste tal cotovelo reboja a água para cima com tanta força que desgraça-

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

da da canoa que esta apanhar, e para vos Livrares disto, tanto que avistares a Ilhota que vos tenho dito, vós ireis amarando para o meio e fugindo do cotovelo, e passai encostado a parte direita, e passado isto passareis logo para a parte esquerda bem junto à terra que para a parte direita são cachoeiras. Navegareis sempre pela parte esquerda até avistares uma Ilha chamada a Ilha comprida; para a parte direita não é bom navegar, e para a parte esquerda, ainda que faz grande volta [,] não há de que temer, que tudo é limpo, e quando o saíres desta Ilha comprida, ireis navegando por rio quieto, avistareis da parte esquerda um rio não muito grande chamado Yputungôna [Quer dizer salto onde há congonha], a diante deste [a] pouca distância vereis em toda a largura do rio muita pedraria com cachoeira grande, e faz no meio um suco de pedras, e para a parte direita faz ressacada grande; as águas aqui puxam muito para a dita ressacada, por cuja razão quem vier encostado à parte direita lhe custará muito tomar a cachoeira, cujo canal é pelo meio, este é aberto, mas com muita correnteza; e para tomares esta bem, governai a canoa com a proa direita no seco do meio em tal forma, que quando a emboçares pelo canal, vos fique o dito seco à parte esquerda, e passado que este seja, vereis de fronte uma Ilha grande, navegai para a parte esquerda, e antes que vos safeis desta, vereis pela proa três ditas, e antes delas umas pedras com suas correntezas. Ireis com diligências buscar a terra da parte esquerda por ser melhor a passagem, e passareis por detrás das ditas Ilhas encostado sempre à terra firme até saíres por um estreito, o qual é pouco fundo, mas sem perigo; esta paragem é chamada Itapeba [Quer dizer laje de pedra chata], dareis em rio largo, e vereis, que por de traz destas Ilhas da parte direita sai um rio bastantemente grande e é chamado Rio verde [.] E depois [fl. 12] e depois que vos achares em rio Largo, que já disse, vereis outras Ilhas [,] uma para a parte direita, e outra para a parte esquerda, estas são todas grandes; navegai pelo meio, e por entre estas ireis seguindo vossa viagem, e não tomeis por entre as Ilhas, e a terra da esquerda, porque tem cachoeiras mui perigosas, e só pelo meio ireis passando as Ilhas; e passadas elas alguma distância [,] avistareis da parte esquerda

116

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Rio Pardo

uma roça que foi de Manoel Homem. Passado este sítio [,] ireis navegando por rio quieto, e vereis duas Ilhas grandes, e depois de as passares vereis uma Ilha quase para a direita. Passada ela, vereis o rio emparedado de uma e outra parte canal largo, e limpo, e fundo com altura de trinta braças. Na terra da parte esquerda estão roças velhas e varas: neste Lugar foi registro no qual morreu o Provedor dele Domingos da Silva Monteiro e muita gente com mal de peste, que nesta deu, que quem apanha este com cheia não livrará deste mal, e quando bem escapasse acha com uma febre maligna, ou maleitas. Aqui são os ares muito ruins, e as águas não são capazes de se beber. Advirto-vos, que não atravesseis este rio de uma parte para a outra, sem ser preciso, por respeito das muitas ondas, que faz com qualquer aragem de vento, que se houver, e vos apanhar em meio, não será fácil escapares; e se estiveres em terra havendo vento rijo [,] tratai de descarregar, que ainda estando as canoas amarradas correm muito risco; nem procureis estalagem da parte direita; pois vos ariscais a topar com os meninos dos porretes, que andam em trajes de amor Cupido, e sem venda nos olhos dos quais no Salto fiz menção, e se o fizeres, eles terão cuidado sem sinra [?], nem reparo no tempo, de vos por em com o porrete o momento e como na testa. E saindo do emparedado, que acima digo, onde foi registro, pouco abaixo, da parte esquerda está uma roça de Luiz Rodrigues já deixada, ireis para baixo avistando várias Ilhas e areais de areia branca como praias do mar salgado, até veres da parte esquerda uma barra, e deixando esta, ireis pela parte direita, e avistareis umas barreiras, algo tanto monstruosas, e passado que seja o que fica dito, ireis pela parte direita vigiando a barra do Rio pardo, em a qual vos espero para vos contar virtudes do dito Senhor. Há de ser esta o primeiro rio que da mesma parte direita vos sair. Fica defronte neste nosso rio grande uma Ilha pequena com seu areal na ponta de cima e na terra da parte esquerda faz no monte feito de roças antigas as quais só as [fl. 12v] As conhecerá quem de roças tiver muita experiência.

Aos meus Amigos, aqui vos estou esperando nesta Barra. Lembra-vos porventura as moléstias, que me contastes os muitos perigos que tivestes no rio Tietê, e o muito trabalho que este vos causou. Pois vai tanta diferença do passado ao seguinte, como do mel ao Limão mais azedo que haver pode. Coitadinhos [,] vindes investir a barra com os remos nas mãos; como vindes enganados; tirai para esses remos, e pegai, pegai nos varejões, pondes-lhe ferrões nas pontas para subir por essa calçada de lajes acima; a qual vos tirará a catinga, a vós e a vossos negros e camaradas, que vós, e eles arrenegarão da hora em que nasceram, porque se o Tietê vos diminuiu as carnes [,] este lobo vos esbrugará os ossos, pois é o mais feroz bicho, que tendes neste sertão, depois da quotidiana fome. Este é aquele rápido rio, que só sabe examinar paciências, experimentar prudências e reconhecer forças, sem que haja quem com a sua compita, e só com indústrias, e máximas em que os homens deram consente [,] este sem indômita servir de vai, vem, a uns, e de tragar a outros: São tantas as voltas que tem, e faz, que não se satisfazendo com isto dá muitas vezes em poucas horas em inchar, e desinchar rebentando-lhe o sangue por quantas veias tem; e em outras ocasiões são suas águas singularmente cristalinas, deixandose divisar até o fundo, no maior pélago; no que perseveram em todo o tempo os mais córregos, e ribeirões que nele se metem, se sorte que nestes bebeis sem sede, quando com ela repugnai aquela. De alguns rios escreveram os Antigos que quem os chegava a passar chegava-se a olvidar e esquecer; porém deste podem os Modernos com realidade escrever, que quem o vê e passa jamais lhe esquecerá o que nele experimentou, e se aqueles encantavam, este ressuscita valor aos homens, quando com sua vista mais os atemoriza, sem terem aqueles mais conforto, que a doce esperança do ouro, que todos os degraus adoça, e todas as moléstias [,] penas, trabalhos e sentimentos saboreia. E não sei se animados com esta doçura quereis seguir vossa viagem, sem reparar na pouca soma de mantimentos: eu não sei que conta quereis fazer

117

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

com tanta tripa, a que estais obrigado a dar sustento; só sei, meus amigos [,] que aqui é [fl. 13] É muito precisa, e necessária a conta de multiplicar a minas [,] porque se não [,] diminuirão as vidas. Ora [,] entrai por essa barra acima e fazei-lhe um par de cortesias, que lá para cima fareis muitas mais obrigado da violência destas correntes, e pois as vistes buscar aí as tendes, conversai com elas, que convosco tenho acabado por agora de fazer o mesmo, e só quem explicar-vos o que vos importa para seguimento de vossa viagem, e maior cautela. Vereis este rio pouco largo, e fundo bastante, e com notáveis correntezas as quais vos custaram muito a subir, e mais sendo com varejadores modernos, por cuja razão é necessário que o Piloto para ajudar a estes [,] saiba enfiar bem às ditas correntezas com a canoa. É coitadinhos, quantas vezes vos há de a canoa torcer o focinho, tornando pelo rio abaixo que quanto vos custará a subir outra vez essa distância, que para baixo andastes, mas paciência, que vos não sinto outro remédio, mas vede que nestas correntezas se têm perdido muitas canoas, fazendas, e muitas vidas, e estes perigos há em todo este rio. Ireis até as primeiras roças, que houverem neste rio em cuja viagem gastareis sete, ou oito dias, e da primeira roça pouca distância vereis a barra de um rio que vos sai da parte esquerda [;] este é chamado Inhandui [Quer dizer água onde se criam emas], navegai pelo rio que fica à parte direita, o qual vos ficará em a metade do que até então navegavas, e por este navegareis, vendo as mesmas correntezas de antes, e se disser mais violentas não mentirei, até chegares ao lugar das segundas roças, que também já estão deixadas, em cuja viagem gastareis outros oito dias. É esta paragem chamada Caaiara [Quer dizer entrada de mato grosso], andareis um dia de viagem e chegareis a uma cachoeira a qual também é chamada Caaiara. Alvíssaras, meus navegantes, que aqui tendes com quem brincar, que tudo daqui para cima são Cachoeiras, Itaipavas, correntezas, e desesperações. As vezes que descarregareis as canoas são vinte, e as sirgas não têm número. Aqui nesta lida vereis os filhos perderem o respeito a seus pais, os Irmãos brigarem, e artarem-se

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

[?] da companhia uns dos outros, os Camaradas brancos deixarem a vossa Companhia pela de outrem, os negros, uns se fazem Harpias, furtando o mantimento, outros fugindo-vos para as roças velhas, que já tendes passado outros para o mato, vós sem poderes ir buscar estes que vos ficam atrás por não prolongar a viagem, e aos outros por não saberes onde estão, e tanto uns como outros vos não serve de utilidade o ir buscá-los, porque em procurá-los tereis maior dano. Aqui finalmente vereis [fl. 13v] Vereis que todos a uma voz estão rogando pragas a quem é causa de fazer tal viagem, e estas com tais desesperações, que escandalizam os ouvidos, que pouco falta ali para arrenegarem da hora em que nasceram [,] tudo por causa da fome e do muito trabalho, que naquela paragem se experimenta. Não repareis em vos eu não dizer o por onde se passam estas cachoeiras, e varadouros, porque estas as passareis por onde melhor vos parecer, e só vos advirto que as correntezas, que forem capazes de passar com as canoas às mãos, que os façais, porque assim as passareis com mais segurança, e brevidade, e tanto que passares alguma Cachoeira ou Itaipava vendo-vos da parte de cima de qualquer destas, segurai bem a canoa com as varas, que se esta torcer o nariz, e atravessar perdida vai, porque neste rio se perdem muitas, e não é se não deste achaque, ou de toparem em algum pau e atravessar em cima dele que destes tem o rio quantidade, e a maior parte dele estão debaixo d'água, os quais se não vêm senão depois da canoa estar perdida. Também vos advirta que nas estalagens deste rio estejas sempre com o Sentido no Gentio Cayapô, que estes antigamente aqui se aquartelavam, e ainda não tem perdido o amor à Pátria, os quais se vos puderem desatar alguma canoa do pouso o hão de fazer sem escrúpulo de consciência, e sem vos darem parte de sua resolução, porque tem para si, pela nudez em que vivem [,] que todos os bens são comuns. E assim segurai as canoas bem, não só por esta razão senão ainda por muitas vezes ter sucedido o desatarem-se por si mesmas com a força d'águas, e acharem-se pela manhã mais abaixo emborcadas em cachoeiras, e feitas em migalhas. Depois que passares o quinto varadouro, chegareis ao lugar

118

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

da terceira roça também deixada deste rio e aqui vereis que este se parte, e o que fica à esquerda é chamado Inhanduimirim [Quer dizer rio pequeno onde se criam emas], e alguns autores lhe chamam rio da vacaria, e para cima deste achareis outros dois os quais ambos vêem da parte esquerda, e navegareis sempre pelo da mão direita, até chegares a ver um rio, o qual é ético, e tísico, cujo achaque logo conhecereis, por ver que esta está continuamente deitando sangue pisado pela boca e tão estreito é, que não cabe nele canoa, e é chamado o Rio vermelho, e aqui acaba o negrejado rio a que todos chamam Pardo. Para a parte esquerda [,] vereis que está um rio que vem fazer sociedade com o Pardo, este de estrito e é chamado sanguessuga [É paragem onde os é em muita quantidade], navegareis por ele acima até chegar ao varadouro grande [fl. 14] Grande em o qual eu vos espero: por este rio sanguessuga passareis com bastante detrimento pelas voltas serem miúdas, e ter para o fim muito pau, e também tem seu saltinho, onde descarregam as canoas, que para tudo vos perseguir até uma sanguessuga fará de vós zombaria.

pretos estes quinze dias. O trabalho aqui não é muito, o varadouro é pequeno, não tem mais que duas Léguas de comprido; e enquanto descansais [,] vamos visto. Postas que sejam as canoas em terra [,] as levareis sobre umas carretas baixinhas, que para puxar cada uma vos serão necessários vinte e cinco, ou trinta negros [;] estes principiarão a puxar pela meia noite, e virão ao outro dia de tarde a bom trabalhar, e das cargas vos darão dois caminhos entre dia e noite, que se o fizerem não trabalham pouco, e sempre tereis cuidado em os acompanhar, que se os deixares ir sós deitar darão no caminho com muita razão a dormir o tempo que lhes parecer, e assim o tem mostrado a experiência. E advirto-vos que deveis ir com armas na mão, por respeito do já nomeado gentio Cayapô, que toma todo este caminho, e se vos há de atrever, como tem feito a tantos que tem morto, e digam os da monção do ano de mil e setecentos e vinte e oito: Costumam estes estar escondidos em qualquer moitazinha de mato besuntados com terra, e estareis olhando para eles, sem divisares que é gente, e deixando-vos passar, vos farão tiro por detrás com o já nomeado porrete pondo-vos os miolos à mostra, e basta um só gentio desta nação para acabar uma [fl. 14v] Uma tropa de muitos milhares de homens, porque se põem um destes no caminho, como já disse, por onde passais, sem que o vejais, e no último da retaguarda seguram o tiro lançando o por terra e parte a correr mais ligeiro que um Gamo, e quando olhares para traz já está onde o não vedes, se não quando tornar a por terra o último da tropa que for na retaguarda; e também usam de flechas. E esta é, meus amigos, a convalescença, que vos tenho aparelhado, não só para vós se não também para vossos negrinhos [,] com cujo alento ireis passando o restante da viagem, a qual prosseguireis pelo rio de Camapuã abaixo, postas e carregadas que sejam as canoas. É este rio muito estreito e baixo, as voltas dele muito miúdas, tem muito pau, e é trabalhoso, por irem a maior parte da viagem dele as canoas à mão. Ireis com muito sentido nos barrancos de terra, e o mesmo tereis nos pousos, que o dito Cayapô aqui faz a sua faisqueira com o tal porrete: Neste rio gastareis quatro ou cinco dias, conforme a marcha que fizeres, que como não posso saber o que caminhareis, ou a que horas fareis pouso, esta é a razão

Varadouro grande de Camapuã Sejais muito bem chegado a este País (vos digo eu) [,] estimareis muito que venhas bem sucedido: Jesus [,] que tristes semblantes. Amigos, vindes tão gordos, que todos me pareceis umas formaturas sem sustância, que acha que é o vosso, que vos pôs nesse estado. Na barra do rio pardo vos vi eu com outra personagem e nem pareceu fosse esta em aumento, que desce para subir é uma grande fortuna, mas segundo o que estou vendo, fez escarne de vós a natureza. Ao meu amigo (me respondeis-vos) quem antes fora cativo de Galegos do que vir passar tal vida: neste rio pardo passei tantas calamidades, que as não sei numerar, e me parece que não haverá entendimento humano que destas possa fazer resumo. A fazenda aí vem que é parte da que trazia, e inda está com bastante avaria, e assim considero-me perdido se as minas me não desempenhar. Não vos diz como hei (vos digo eu) que Deus a tudo há de acudir. Armai a vossa barraca, e aqui descansareis-vos e os vossos

119

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

porque não posso arbitrar o tempo que haveis de gastar em qualquer dos rios. Deus vos dê boa viagem, que eu vos vou esperar na barra do Coxim que fica no fim deste, e sentido nos paus não nos esmaguem alguma barriga. Rio Coxim [Quer dizer rio onde feria uma caça chamada cutia] Fúnebre e horrorosa confusão é esta, que hoje tentes à vista, navegantes amigos, aqui tendes aquele medonho rio, tão celebrado, como temido dos sertanistas mais práticos nele, por cuja razão o tratam com mais respeito que aos outros rios, pois lhe chamam Coxim eminente: Rio este, que se fora o primeiro desta viagem, piamente se pode crer que não sairia canoa alguma de suas entranhas, tanto pelos inumeráveis precipícios, que em si encerra, como pelas inexplicáveis correntezas de suas violentas águas. Este é aquele rio no qual sucede qualquer desastre a alguma canoa não há mais remédio que perdê-la, porque é impossível o poder-se-lhe acudir pela muita dificuldade que há em voltar canoa rio acima; e finalmente este é o Rio em que cada um deve navegar com dois sentidos, o primeiro em Deus, que em todo o tempo se deve ter, e segundo na canoa em que se vai embarcado para [fl. 15] Para livrar a esta como melhor puder, e de quando em quando fazendo atos de contrição, lembrando-se da morte, pois vai muito propenso a ela. Suposta esta verdade que não tem contradição. Navegareis por este rio abaixo com o cuidado possível, para vos Livrares de muitos paus que ele tem, que como não é muito largo [,] há de mister muita destreza, porque as correntezas puxam as canoas para os ditos; e passados que sejam estes, achareis Itaipavas de muito risco pela grande violência das águas que os canais são largos. Avistareis um ribeirão que vem pela parte esquerda; sentido, porque faz o rio uma Itaipava, e volta sobre a parte esquerda, e neste voltar vereis outro ribeirão que vem pela parte esquerda, e aqui tendes a primeira cachoeira deste rio, a qual tem no meio uma Ilhota pequena, e é esta tão violenta como as mais deste rio, para a passares, tanto que avistares o ribeirão que a Ilhota navegareis pela parte direita, de sorte que vos fique a Ilhota à parte

120

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

esquerda, e ireis a passar o canal por entre a dita Ilhota, e a terra; e saindo da dita cachoeira faz o rio volta sobre a parte direita; navegai e ireis passando várias Itaipavas, as quais mesmas vos ensinarão por donde as haveis de passar, e assim ireis até achares uma pequena distância de Rio limpo, que faz volta sobre a parte direita, e aqui tendes a segunda cachoeira, a qual atravessa todo o rio de uma parte a outra; e para passares esta, tanto que avistares ireis encostados à terra da parte esquerda e com muito sentido até entrares no canal que é furioso e faz muitas ondas, mas tende paciência, que não há outro Caminho. Ireis navegando e passando várias Itaipavas com grandes correntezas até veres uma volta que o rio faz sobre a parte esquerda, adiante da qual logo endireita o rio, aqui vereis uma grande cachoeira e muito cumprida, ireis encostados à terra da parte esquerda até emborcar o canal, o qual fica da mesma parte [;] este tem muitas pedras cobertas, e faz grandes ondas ao despedir, e é algo tanto seco, roçam as canoas pelas ditas pedras, em cujo lugar algumas que não vão bem governadas para a parte mais funda, apanham tal pancada, que os Proeiros vão de salto ao rio: E passando esta principiareis como d'antes com várias correntezas, e Itaipavas até avistar uma cachoeira grande, esta tem o canal da parte direita junto à terra, e passada que esta seja ireis entrando em um soturno de emparedados de pedras muito altos, de cujos emparedados têm caído tal pedraria que parece andaram ali com grandes obras, a que eu chamo encantos de Medeia, pois não parece outra coisa. Aqui se [fl. 15v] Se faz o rio muito estreito, e fica um canal muito fundo, cuja correnteza leva muito grande fúria; sentido, que em o rio principiando a alargar navegareis pela parte direita junto à terra [,] até avistares uma cachoeira grande, na qual descarregareis as canoas da mesma parte direita, e passareis as ditas canoas à sirga com cordas na popa, e proa, e muito cuidado com elas, que correm aqui muito risco e pela parte de baixo da dita cachoeira as tornareis a carregar. Navegareis com muito sentido, que logo na volta que faz o rio sobre a parte direita achareis uma grande cachoeira, e perigosa, tem esta o canal pelo meio, o qual torce pala parte direita em o

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

dito [;] puxa muito a água para as pedras que tem da parte direita, e faz este canal grandes ondas, e por ele só passam grandes Pilotos, e semelhantes Proeiros, e se não quiseres o canal [,] sirgai pela parte esquerda. Ireis logo por correntezas tão medonhas e violentas, que fazem pasmar não a canoa, mas os ânimos [,] e vereis uma cachoeira; tem esta o canal pela parte direita desviando da terra, e torce este para o meio do rio, e da parte direita pegado ao canal tem umas pedras alagadas muito perigosas, e por baixo desta vereis um ribeirão, o qual se despenha de alto com grande fúria, e não menor bulha, e daqui ireis vendo, e passando várias correntezas, e cachoeiras todas com muito perigo, para as quais vos aplico a medicina do sentido, que quando padeci este achaque com este remédio me achei bem. Depois que estas forem passadas [,] vereis uma volta, que faz o rio sobre a parte direita onde achareis uma grande cachoeira, esta tem o Canal pelo meio, e à saída deste deixareis as pedras à vossa mão esquerda e para fazer esta saída acertada embocareis por entre duas pedras que estão em o dito canal; e se não quiseres passar por entre a Cila, e Caribde [,] tendes sirga da parte direita. Esta cachoeira se chama a Caveira. Não repareis em que só vos diga o como esta se chama, e não as mais deste rio, porque a razão que tenho para assim o fazer são [:] a primeira é porque não consta do batistério deste rio o nome delas, e não desta por cuja razão as podeis considerar ainda pagãs; a segunda é porque todas são mortes, que vem a parar nesta sepultura, onde comumente se acham caveiras, e como destas não se segue se não por entendei que as de baixo são poeiras de quantos perigos há, e a terceira é porque em meio deste rio, e neste lugar, rezeis um responso pelas almas; finalmente a quarta é para fazeres um verdadeiro ato de amor de Deus, considerando, que mais aqui mais [fl. 16] Mais ali, se vós não vires em pó ficareis em Lama. Conhecendo a vossa viagem [,] navegareis por várias correntezas de bons canais até avistares um rio grande que vem pela parte direita o qual é chamado Jaurú [Rio onde se criam uns peixes grandes chamados jaurus. Quer dizer boca pequena], e tanto que passares este ireis logo para a parte esquerda e vereis umas pedras no rio com água algo tanto revolta,

estas vereis que acompanham toda a volta do rio, entrareis nela pela mesma parte esquerda, e cortareis logo para o meio a buscar a parte direita junto à terra, e embocareis por um canal estreito, navegará por este até sair fora: é chamada esta paragem o Jaurumirim. Depois que daqui saíres [,] vos vereis em rio limpo, e ireis logo para parte esquerda com muito sentido, que pela proa vos falará o Salto grande; e por esta mesma parte ireis até descarregar as canoas; se as quiseres varar por terra livrar-vos-eis do maior perigo, e se desprezares o risco [,] sirgai um pouco por junto da mesma terra até as meteres em um canal grande que é emparedado e postas as canoas no dito canal com cordas em popa, e proa, e quem pegue nestas em terra de sorte que não largue, emborcareis os melhores Pilotos e Proeiros, e alargando as cordas irá a Canoa a remos, e saíres pela parte esquerda. Depois que carregares as canoas [,] ireis navegandocoisa de uma volta de rio, e vereis uma cachoeira [;] ireis a ela pela parte direita até chegar ao descarregadouro, e descarregadas que sejam [,] sirgareis as ditas canoas pela mesma banda, e se tiveres gente destra, por esta mesma parte as podereis passar a remos. Carregadas que sejam as canoas [,] navegareis por rio limpo até avistares uma cachoeira grande, ireis a ela pela parte esquerda, e passareis a sirga, que o Canal não é capaz de se passar: faz esta sirga na saída um estreito que mal cabe a canoa, mas este é fundo, por cuja razão assim que chegares a ele vos emborcai, e ide a remos sair a um Canal grande o qual fica por baixo da dita cachoeira, e esta sirga acima se pode fazer com as canoas carregadas, passada que esta seja, vos vereis em bom rio, e não muito longe vereis pelo meio deste umas pedras cobertas, passai pela parte direita delas e daqui ouvireis roncar um Salto, o qual vós [ilegível] distância de um tiro de espingarda, ireis pela parte direita junto à terra até que chegueis a descarregar as canoas, que para a parte esquerda é salto, e do dito até a parte direita faz cotovelo, e até um bracinho é rio estreito, e pouco fundo, e vai fazendo volta por detrás de uma Ilha, até que sai por baixo de todo [fl. 16v] De todo o perigo e para passares as canoas descarregadas da parte direita se embarcaram bons Pilotos, Proeiros e irão a remos sempre

121

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

encostados à mesma parte a puxar por entre duas pedras, e quando embocares pelas ditas tende muito cuidado no governo, não atrevesse a canoa que tem aqui bastante queda, e tomam as canoas alguma água, e se atravessarem [,] se farão em pedaços; e assim que a canoa passar este degrau, remarão com muita força para a parte direita a meter a canoa pelo bracinho da Ilha, que já disse, e esta passagem com cordas na popa, e proa é mais seguro; esta é a que importa neste lugar, e tanto que apanhares as ditas canoas [,] dentro no tal bracinho as carregareis, por avistar o trabalho de levar as cargas até abaixo da dita Ilha. Depois que daqui saíres [,] vos achareis em bom rio, e não muita distância, vereis pela parte esquerda um rio que dá neste, que é chamado Taquarimirim, e logo vereis um lugar que foi sítio de João de Araujo Cabral, e do dito sítio não muita distância vereis um grande rio chamado Taquari, que este vem pela parte direita. Advirto-vos que até aqui devereis trazer grande cuidado no gentio Cayapô, porque campeiam todo este sertão e ainda passam adiante desta paragem, mas não chegam ao caminho, que daqui para diante levais, porque seguireis outro rumo. Depois que chegares ao dito sítio, vereis que na despedida que faz o rio Coxim e entrando já no Taquari tem um varadouro que é o derradeiro desta viagem, o qual passareis da maneira seguinte: Saindo do dito sítio navegareis pela parte direita, (sentido) bem junto à terra, e saindo ao dito Taquari nunca vos tireis da direitura em que ides, e nesta mesma atravessai o rio e remai com força a ganhar a terra, que na proa vos fica, que é a da parte direita do mesmo Taquari, que se decaíres para a parte esquerda ir-vos-eis perder sem remissão e vencido que seja o que de cima digo, e postas as canoas ao pé de terra os descarregareis, e mandareis as cargas por terra até onde se hão de carregar as canoas e nestas embarcai a melhor gente, e tomarão às carreiras por canais muito furiosos e de grandes ondas [,] costeando sempre a parte direita até sair fora, que com irem as canoas várias jorram bastante água geme fatal cachoeira pelo meio bastantes Ilhas, e olhai que é uma das mais medonhas por ser a última. E se não quiseres atravessar o rio Taquari com as canoas

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

carregadas [,] assim que chegares ao sítio que tenho dito descarregai as canoas da mesma parte esquerda do sítio e por esta banda as mandai transportar as cargas até abaixo da cachoeira [fl. 17] da cachoeira, e passareis as canoas vazias por onde vos tenho dito dando graças a Deus pela mão que vos fez. Rio Taquari [Quer dizer água de taquaras que são umas canas ocas] Navegareis por este rio abaixo que é largo bastantemente, e tem mais de quatrocentas Ilhas sem nenhuma destas ser a de Colcos [?]; e por isso ainda que fica em caminho de Minas, não achareis nelas Velocino de ouro, só sim muito que temer, por cuja razão não considereis este rio sem perigo, porque vos sairá a conta errada; que pela muita facilidade com que muitos o navegaram [,] perderam as canoas e as vidas: parecendo a estes que com estarem livres de cachoeiras, não corriam mais algum risco; e assim estai no conhecimento de que este rio corre bastantemente e tem muitos paus pelo meio, e basta qualquer deles para virar uma canoa, assim que não haja descuido tanto neste como nos seguintes rios daqui para diante há muito mel e caça, e pescado, e muito palmito, e havendo curiosos, e tempo terão que comer, mas segurando sempre o que vier nas canoas, por que esse é o com que vos haveis de achar. Ireis navegando avistando muitas Ilhas, umas juntas das outras até chegar a uma paragem chamada a Prensa, em cujo lugar se divide este rio, em que ides, em duas partes, parecendo o que fica da parte esquerda mais largo, mas quem for por ele experimentará as agonias em que se vê quem depende no sertão e assim navegais pelo rio da parte direita, e daqui para baixo já não há paus que vos façam mal, e só sim muitas onças que pesam muitas arrobas, e variedades de bichos do mato. Advirto-vos que para trazeres mais segura a barra deste rio que vos mando seguir [,] principiareis a rodar o Taquari pela parte direita. Também vos não esqueça o não fazer pouco caso das onças, por que estas vendo a qualquer pessoa descuidada [,] elas tem cuidado de lhe deitarem as garras, e arrastarem para fora da estalagem e adeus vida, que destes milagres se tem visto muitos por este caminho, e se de dia vos

122

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

meteres ao mato a caçar [,] abri bem os olhos [,] e se tiveres a vista curta metidas e escondidas com gatos para ratos de traz de paus medindo todas as ações, que o caçador faz até achar ocasião de o assaltar, e assaltado que sejais requiescal in pace. Desta parte que já disse chamada a Prensa [,] navegareis pela [fl. 17v] Pela parte direita e daqui para baixo principiam os Pantanais, que são campos alagados com várias Lagoas, e Sangradores: aqui há muita caça e peixe, e já devemos recear o Gentio de Cavalo de nação Guaycuru [,] cujos andam cursando estes campos: E chegados que sejais desta paragem [,] aparelhai-vos para morrer ou vencer, no caso que topeis também o Gentio de canoas chamado Payaguá [,] que uns e outros vos darão que fazer, e assim cuidareis muito em trazer as armas carregadas; prontas e muito Limpas, e não como algumas que lá chegam, que mais peso tem de ferrugem que de ferro, e para as carregar com presteza trareis cartuchos feitos como usa a Infantaria nas campanhas, porque as balroadas deste Gentio são muito súbitas e atraiçoadas, cuja milícia e destreza parece que aprenderam estes Bárbaros das onças. E aqui neste lugar [,] sucedeu no ano de mil setecentos e vinte e seis virem sete canoas as quais se tinham adiantado da maior tropa, e avistaram quantidade de Gentio Cavaleiro e de pé com as suas medonhas lanças traçados e querendo Deus usar de seus prodígios sucedeu que as canoas acharam um pedaço de rio fundo, e em terra deste outro tanto mato grosso, e para que em tudo parecesse milagre [,] ao pé do dito mato da parte do campo estava um grande pantanal com água, e tudo, e como este Gentio não passe com os cavalos se não por rio baixo, não pôde investir as canoas neste em que estavam; saiu a gente das canoas para a terra, e passou o gentio a esta mesma banda mais acima das canoas, por rio baixo, e vieram-lhe fazer frente e vendo que não podiam chegar ao mato onde os nossos estavam, por que a lagoa os impedia [,] faziam uma grande alarida mostrando as Lanças, e tocando os seus instrumentos bélicos, e os nossos atirando-lhe, e assim estiveram sete dias sem dormirem que como eram poucas as pessoas brancas [,] tinham grande risco; chegando no fim do dito tempo sessenta canoas em que vinham duas peças de artilharia, mas

tinha-se já o Gentio retirado, vieram navegando com o risco de serem esperados em uma paragem que adiante direi. Navegai com o mesmo cuidado e vereis que se parte outra vez o rio, e fica o da parte esquerda mais largo, e o que haveis de tomar, que é o da parte direita, muito estreito, e de fronte destes vereis uma touça de coqueiros grandes chamados Gorchizes [?] com folha verde escura e o rio da parte esquerda é perdição. Este rio que haveis de tomar da parte direita é chamado o Bracinho [,] pelo qual navegando vereis os chamados morrinhos por entre os quais passareis, e aqui é o maior risco dos Cavaleiros, porque esta é a sua passagem e é neste lugar o rio estreito com pouca [fl. 18] Pouca água, tomam os Cavalos pé, por cuja razão coitadinhos dos que aqui os encontrarem, porque não puderam valer uns aos outros, e assim os lançados acabarão nas mãos da tirania; e passando os ditos morrinhos [,] navegai com muito cuidado, porque tendes o mesmo risco até sair a outro rio chamado Paraguai mirim advertindo, que antes que chegueis aos morrinhos navegando já pelo bracinho [,] dentro vereis que este se parte em dois [,] mas ambos se tornam a ajuntar outra vez perto dos ditos morrinhos. E depois que saíres ao dito Paraguai mirim [,] ato de contrição e confissão geral no caso, porque aqui é todo o risco por ser passagem em que sempre andam os gentios de canoas chamado Payaguás os quais por sua boa feição parecem carrancas de popas de navio, estes são muito destros, e grandes piratas, e acometem sem receio, estão escondidos pelos sangradouros, e baías dos rios, e tanto que vem as tropas, e canoas espalhadas, dão de repente de uma e outra parte a investida, matam a gente e levam as canoas, que podem apanhar [,] e todos os anos fazem suas empresas; trazem canoas muito leves, e estas navegam como pensamento, e o que mais é, que se os apertam [,] deitam-se no rio, e por baixo da canoa, a vão levando por onde querem, sem serem vistos, estes tais para pescar não usam de linhas nem anzóis [,] que com a mão vão ao fundo do rio e escolhem o peixe que melhor lhe parece. E no ano de 1727 [,] indo navegando sessenta canoas nossas [,] até saíram trinta carregadas destas crianças, e estas investiram a sessenta, e mataram aos dois capitães guias da Tropa sertanistas, e mui

123

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

Rio Paraguai

alentados e levaram três canoas carregadas de fazenda, e nos mataram mais doze pessoas, e as mais canoas nossas se encostaram a uma que trazia um prego que sua Majestade que Deus guarde mandava ao General destas minas, e São Paulo, e com temor se não desapegaram da galeota deste prego, e nos levaram também um menino branco que teria oito anos filho de um dos Cabos mortos. Este rio Paraguai mirim, não é possível explicar-vos em forma que entendais a derrota que nele haveis de seguir nem se pode navegar sem trazer prático que o tenha navegado algumas vezes, e se vos quiseres arriscar (o que vos não dou de conselho) é necessário que [,] quando principiares a subir, tomeis bem sentido nas águas e na cor delas [,] indo sempre contra a correnteza destas; vereis em várias partes muitas barras que todas parecem o mesmo rio, e fazem muita confusão, por cuja razão é fatível tomar alguma destas barras, e deixar o caminho direito como tem sucedido a muitos e para que não haja este descuido, é que encomendo o sentido da cor das águas, que achardes quando principiares a subir este rio, e querendo fazer este reparo achareis ser a cor destas esbranquiçadas, e turvas, e se tomares outra qualquer barra desconhecereis as águas, pois serão estas muito limpas, e claras, e estarem paradas sem correrem coisa [fl. 18v] Coisa alguma, e todas estas barras são de sangradouros e baías, que entram pelos pantanais dentro, e o sinal das águas turvas e correntes tereis sempre por guia até sair deste rio, e no caso que este esteja cheio por causa dos pantanais não terem vazado, vos parecerá um mar de Espanha, e será impossível conhecer as águas turvas, nem claras: vereis o rio todo parado, e nestas ocasiões chega até em meio das árvores, e em partes não aparecem, porque tudo é mar, e todos os rios se tapam com umas folhas chamadas Balceiras, e por esta razão só se pode navegar com muita experiência; que como aqui não governam rumos de agulha, nem de alfinete, se não trouxeres prático, ficareis nesta linha em calmaria até que Deus queira, e passado que seja este Espanhol, ou Português mar [?] chegareis ao chamado.[fl. 19]

Depois que saíres a este rio, o qual vem da parte direita [,] o ireis subindo, e achareis ser bastantemente largo, e alegre, não tem cachoeira nem paus que façam mal, nem coisa que faça bem: este [,] se fizer vento [,] é ruim de navegar pela tormenta que nele haverá de vento e maretas que alagam. Navegareis buscando sempre o mais direito do rio [,] fugindo das ressacadas, que são grandes, e as voltas compridas, e todo cheio de sangradouros, e baías muito grandes, em cujas paragens é certo o gentio, que em todo este rio se esconde por entre baías e sangradouros, e se apanham algumas canoas desgarradas da tropa, e ainda à mesma tropa lhe dão as boas vindas com flechas e lanças. Entrando[,] na barra deste rio não muita distância vereis uma Ilha da parte esquerda, passareis por entre ela, e a terra por ser mais direito; e passando esta vereis uns morros da parte esquerda e da mesma parte uma baía, a qual faz barra do tamanho do mesmo rio em que ides, passareis pela parte direita, e vereis logo uma Ilha, navegai pela parte esquerda dela, e andareis uma volta de rio até ver outra Ilha, navegai pela parte direita dela, e assim ireis navegando a avistar uma Ilha, passai pela parte esquerda, e passada que seja esta avistareis outra, e para a parte direita uma baía grande, ireis a passar a Ilha pela parte direita, que pela esquerda faz tão grande volta, que vos custará a passar em um dia. Passada que seja esta grande Ilha vereis que faz o rio uma cruz e o que vos ficar à mão direita há uma baía, e o da esquerda vai na volta da Ilha que fica dita, e só seguireis o do meio, e entrando por ele vereis da parte esquerda uma terra alta com mato grosso, e pedra a beira do rio, em cujo lugar sucedeu a tragédia que já disse das trinta canoas [fl. 19v] Canoas do gentio contra as 60 ditas, cujos vestígios achou uma tropa, que atrás vinha e viram sepulturas, e algumas caveiras ainda com carne, cascos de barris, e coronhas de armas quebradas, estrago que fez o dito gentio na tropa. Ireis mais acima, e na volta redonda que faz o rio da parte esquerda tem um sangradouro onde estava emboscado o dito gentio. E depois que passamos o que fica dito, navegai até

124

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

avistares uma Ilha a qual passareis pela parte direita, que pela esquerda faz maior volta, e por de traz da dita Ilha da mesma parte, está uma baía grande, que parece não terá fim, e ireis pela parte direita como digo navegando bastante rio, e avistareis uma baía, que é tão grande como que os olhos podem ver, e esta é chamada Maritrém [;] esta passareis pela parte esquerda e assim como passares a bocaina desta, navegai logo para a parte direita, e assim ireis, e a primeira barra que achares desta mesma parte é um sangradouro chamado do Chanés, navegareis por este, que se atalha alguma coisa do caminho, e é melhor de navegar, e por esta barra deixareis o Paraguai, se quiseres.

tão miudinhos que mal se divisam, e uns brancos do feitio dos primeiros, junta toda esta máquina, vos acompanharão de dia e de noite, de dia na canoa, e de noite no pouso: os pernilongos dizendovos segredos aos ouvidos [,] a porfia a qual há de falar primeiro e mais alto os borrachudos de retaguarda espalhados por toda a parte do corpo como sanguessugas, e os pequenos como crianças vos procurarão as meninas dos Olhos [;] isto continuamente [,] vede [,] que tal vos porá? E vós a sacudir neles cansareis e suareis camisas até que desesperados vos ireis meter em uma redoma de linhagem, e ainda nela vos irão perseguir, e a cada bocado (se tiveres) levareis misturado nele, mais dos ditos mosquitos, que cabelos, que tendes na cabeça; e tereis paciência por força, e assim ireis navegando em busca do chamado

Sangradouro do Chanés

Rio dos Porrudos

Depois que entrares neste sangradouro [,] ireis encostado à parte direita e logo vereis da parte esquerda outra barra, mas não façais caso dela, e só sim da direita, e subindo por esta banda, vereis outra barra também da parte esquerda e a deixareis, e sempre navegando pela direita até avistar outra barra em o qual o rio faz forquilha, aqui navegareis pela parte direita, e não vereis mais coisa, que vos faça dúvida até sair ao rio dos Porrudos. E se não quiseres entrar neste Chanés [,] subireis todo o Paraguai. Toda esta navegação, que tenho dito desde a prensa, até aqui, é por entre pantanais os quais [,] como já disse, são campos muito rasos, e dilatados e com as cheias ficam todos cobertos, e nestes cresce uma erva a qual dá arroz, não tão perfeito como o de Veneza, mas é sustento para quem o colhe, e também há muita caça, e peixe. E também desde a prensa até o Cuiabá achareis um divertimento muito grande, que era bem que já que tendes passado tanto trabalho, e moléstia [,] tivesses algum alívio e descanso. Criou Deus por estes pantanais tanta quantidade de mosquitos, que para lhe dar comparação, não sei que no mundo o haja, e com estes miúdos passarinhos vos vereis tão exasperados, que de nenhuma sorte achareis remédio a tal frenesi, e só o único que há [fl. 20] Há é dormir no rio debaixo d'água, por que estes tais pintassilgos são de três nações. Pernilongos Borrachudos, e outros

Navegareis por este rio acima, e nele até a era de 1731 não havia risco de gentio, e por isso iam várias pessoas destas minas a fazer pescaria para negócio, mas do dito ano para cá está infestado do gentio Payaguá, até o Guaxu, de que darei notícia mais abaixo, e assim vinde sempre com prevenção, e não menos com medo, por que este é o que guarda a vinha. Não tenhais risco de errar o caminho, porque não tem embaraço, e só avistando uma Ilha comprida navegareis pela parte esquerda dela, e passada ela, chegareis a outra Ilha pequena, e deixada pela popa vereis se parte o rio em dois, e o que fica à parte esquerda é o desejado Cuiabá, e por este entrareis deixando de seguir o que vos fica à parte direita. Rio do Cuiabá Entrando por esta barra [a] distância de duas voltas [,] vereis dois sangradouros, um perto do outro, e destes não fareis caso e mais acima vereis a primeira barra que faz o rio todo para a parte esquerda, e primeira à parte direita vereis uma baía pequena, e pelo meio deste rio, e baía [,] vereis um sangradouro, o qual é bem,

125

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

que por ele navegueis por ser doméstico, e a talhar a viagem, e indo por este acima vereis que faz forquilha, ficando em dois sangradouros, o da parte direita [fl. 20v] Direita com seu mato, e o da esquerda seguireis até sair na Madre do rio, e por este acima navegareis e avistareis uma Ilha [;] pela parte esquerda dela é melhor navegar, e passada que esta seja seguireis até o Arraial velho onde vereis umas casas de telha [,] lugar onde costumam ir o Provedor e Escrivão do registro a registrar a gente e cargas que vinham para estas minas, e passado este lugar a primeira barra que avistares da parte direita entrareis por ela, que é bom navegar, e saindo fora ao rio Largo distância de uma volta, vereis um sítio da parte esquerda chamada esta passagem o Guaxú [,] onde chegou neste ano de 1734 o gentio Payaguá a destruiu [sic] uma tropa. E daqui ireis sempre pela madre do rio, não trazendo ela água de enchente que é terrível para subir, e seguireis pelo pantanal. Chegareis a uma paragem chamada o Carandá [É uma casta de coqueiros], vereis um sangradouro pela parte direita [,] pelo qual dentro assistem moradores em suas roças, e passando esta barra coisa de um dia de viagem vereis um sangradouro da parte esquerda chamado o reduto, e não estando este seco, é bom entrar por ele sem embargo de que é mais seguro o subir pela madre do rio pela razão do sangradouro ser muito embaraçado. E se quiseres [,] por vossa alta recreação [,] navegar pelo tal sangradouro chamado reduto: depois que entrares por ele, ireis navegando até avistares uma baía, ide costeando a dita pela parte direita até que esta se acabe ficando rio estreito, e vos parecerá que torna para traz pelo muito que puxa, que para a mesma parte direita ireis navegando por este rio estreito, sentido, sempre para a parte esquerda que quando chegares a avistar outra baía para a parte direita, antes que chegueis a esta vos fica o caminho, e este é da parte esquerda, é estreito, e sucede estar tapado com balseiras, e só se conhece pelo correr das águas, e depois que passares este pedaço de desconhecido rio estreito vos achareis no Largo, e por ele ireis até ver um sangradouro, que vem pela parte esquerda, e tomareis o da parte direita até sair fora, faz este rio de uma e outra parte pantanal, e ao depois mato, e tem seus paus com bastantes cor-

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

rentezas. E depois deste chamado reduto, vos achareis na madre do rio, e dali a distância de duas voltas chegareis aos Morrinhos, donde principiam as roças até chegar ao Porto geral destas minas do Cuiabá. Parece-me, meus Amigos, que estou vendo a grande e excessiva alegria com que chegais a este Porto, não sendo esta causa do tanto do alívio que experimentais da trabalhosa viagem, como de vos parecer que destas minas saireis brevemente, com cabedal capaz de pagar [fl. 21] De pagar os empenhos que fizestes e satisfazer, ou recuperar o perdido e demais a mais que ficareis remediado para e muito que viveres. Deus tudo pode fazer, mas falando no estado das minas, não vos vejo jeito, e assim entendo que vindes enganados com essa consideração, e me parece, que os empenhos que fizestes feitos estão, e estarão, e o que perdestes, não o achareis mais, e o que trazeis perdido está, que vós vereis o caminho que leva, e só não sucederá assim se se abrir outro caminho a estas minas, ou se vós quiseres fazer singular no comum, cujo milagre ainda cá se não festejou, porque está todo o comum no singular. E se se vos não casar esta razão com o entendimento [,] mostrai-me um homem que daqui tenha ido para povoado, que tenha feito outro tanto quanto vós dizeis no sentido. É coitadinhos, quando cuidastes que vos benzerias [,] quebraste os narizes. Mas é bem feito que assim vos suceda, porque estando-vos talvez descansado, e podendo lá passar conforme a estimação devida à vossa pessoa, quisestes ser rico de misérias, desassossegos, e tribulações experimentadas em uma terra de que Deus nos Livre. Esta é a derrota da viagem para as minas do Cuiabá, tão decantadas, como apetecidas, que não há dúvida se tem nelas achado grandeza, ou desproposições [?] de ouro pelos grandes pedaços, e disparidade de formações, onde se tem achado sem legítimas disposições, como nas mais minas; hoje estão tão alcançadas, que poucos são os que para elas fazem empenhos que se não destruam, e o mesmo sucedeu aos que os seguirem, se elas não mudarem de procedimento, o que poderá muito bem suceder, pelo que se tem visto em minas. E grande lastima é que venha lá homem a utilizar-se sujeitando a misérias, e insuportáveis

126

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

trabalhos, e perigos do caminho, sempre descalço e metido n'água, com um espeque na mão, varejam, e remo, de que não poderá escapar qualquer qualidade de pessoa, que a elas vier por remir a vida, e que este miserável, não só se não aumente, mas só sim se perca. Os altos juízos da Onipotência Divina! Ele permita remediar a todos, escolhendo-nos o melhor para seu Santo Serviço. Experimentou-se no ano de 1726, e 727 uma tal esterilidade que chegou a valer o alqueire de milho (comum sustento destas minas) o dezesseis, e vinte oitavas de ouro, e o festejam a vinte, e vinte cinco oitavas, e a mais, sendo os alqueires três quartas de agora, e o mais a este respeito, e ouro sem aparecer. A viagem para estas minas, narrada neste itinerário [fl. 21v] itinerário suposto que de algum modo vai nele parte declarada [,] não é possível explicar-se, e ainda o lugar das Cachoeiras, e Itaipavas varia, por que às vezes se acham outra onde se não esperam [,] conforme as enchentes dos rios, e outras ocasiões os canais mais secos ou cobertos. O trabalho do caminho é insuportável, os riscos tão amiudados, como de vezes bate o pulso, as fomes e doenças contínuas, e os Gentios sem número. No tempo que se gasta nesta viagem não pode haver certeza, porque uns a fazem em quatro meses e meio, outros em cinco, outros em seis, outros em oito, e mais de ano conforme as comitivas, tropas, marchas, guias, e estado dos rios, e do que acham para sustento, por que muitos levando-o consigo, ou já por naufrágios tão contínuos, ou por avaria do mesmo tempo, e trovoadas, o perdem, e se lhe faz preciso ir vivendo de montaria, em que gastam muito tempo, e parecem; outros perdem o rumo da viagem, como se navegassem pelo golfo de Cafareu, dos quais nunca mais é noticia cujo perigo é muito maior [,] achando os pantanais cheios [,] desgarrando-se para os do Taquari ou Paraguai. Com os melhores guias, e sertanistas [,] veio o Excelentíssimo Senhor General Rodrigo Cezar e Menezes, e de tudo também preparado como o seu estado pedia, e mais padeceu, e toda a sua comitiva muita falta de sustento, e perca de canoa carregada, e outros transes mais; e vindo em sua companhia o Padre Andre dos Santos Queiroz [,] que posta viagem por valentia, que sem dúvida é

127

feliz, e contudo saindo do povoado a dezesseis de julho de 1726 chegou a estas minas a quinze de Novembro, vindo com marcha violenta, e quando ele [,] tendo o poder que tinha, e mandando prevenir mantimentos em caminho [,] lhe sucedeu isto que fará um pobre homem, e mais quando todos pela primeira vez vem ignorando o que lhe é necessário para semelhante degredo. Assim que conselho a todos os que se valerem do roteiro acima se não fiem só nele, tragam Práticos do caminho, e bons caçadores para as montarias deste sertão, e pescadores, e por nenhum modo negros boçais, nem que não saibam nadar, boas armas, e quem as saiba manear, bons cães, e poucos Camaradas brancos, só o que for de conhecido procedimento, e amigo para companhia de um homem, que não há dúvida se necessita de companhia fiel, e força para resistir a qualquer acidente. Também quem puder não venha sem quem lhe administre os sacramentos; e especule o mais que lhe é preciso e necessário se quiser empreender esta trabalhosa batalha, na qual [fl. 22] Qual todos os elementos, e indivíduos que Deus criou, se conspiram contra a natureza humana, sendo [,] porém, os principais declarados, ou os racionais. Não se tem também assentado na altura em que se acham estas minas, mas alguns pilotos têm observado o sol, sendo entre eles o capitão Manoel Gomes do Amaral, e as fazem estar em dez graus e 1. 3º de latitude da parte do sol do Sul, com a ponta da enseada de vaza barris da ponta da parte do norte, mais chegado para o rio de São Francisco e de longitude mais de oitocentas léguas. Estes e outras pessoas de grande experiência dão a cada rio as léguas que neles se navegam pouco mais ou menos e as avaliam em mil e quinhentas e oitenta e duas na forma da lista que serve de rosto a esta relação, que sendo tanto o que se diz nela e tudo verdadeiro a experiência dos que a fazem [,] mostra há muito mais que dizer se se pudera explicar.

Transcrição: Flávia Kurunczi Domingues. Atualização: Maria de Fátima Costa.

CUIABÁ, AFLUENTE DO PARAGUAI Virgílio Correia Filho

RESUMO O texto a seguir, de autoria de Virgílio Alves Correia Filho (1887-1973), sem dúvida um dos intelectuais que mais contribuíram para a História e Geografia de Mato Grosso, foi levado a público pela “Revista Brasileira de Geografia”, na sua edição de Janeiro-Março de 1942. Trata-se de um documento dos mais importantes para a história dos cursos fluviais da bacia do Alto Rio Paraguai, por trazer dados geográficos incisivos, mas que está nos nossos dias um tanto esquecido. Corrêa Filho conta-nos, de forma poética e erudita, uma mudança geográfica contundente: como o Cuiabá passou a despejar suas águas diretamente sobre o corpo do Paraguai, descrevendo, com luxo de detalhes, um episódio marcante da mutável vida de um rio. Se atentarmos para a cartografia colonial, veremos que, durante o século XVIII, as águas do Cuiabá adentravam ao rio dos Porrudos – ou São Lourenço –, e era este que tributava-se ao curso do Paraguai. Isto está narrado em todos os Relatos Monçoeiros. Entretanto, após uma “luta de rios”, que o próprio autor presenciou no início do século passado, o curso das águas se inverteu. O São Lourenço, então um rio em definhamento, através do Tarigara passou a ser afluente do Cuiabá, e este, forte e vitorioso, tornou-se do Paraguai. O fato modificou a hidrografia desta região, assim como o fez séculos antes, na costa flamenga, o assoreamento do profundo golfo de Zwin, que no século X recortava aquele território (BLOCH 2001, p. 53). Trata-se, pois, de um dado de suma importância para o conhecimento do rio Cuiabá, não apenas por abrigar a cidade de mesmo nome às suas margens, mas também como um curso fluvial propriamente dito. Daí a intenção de trazer o rico e informativo texto de Virgílio Alves Correia Filho de volta nesta revista publicada pelo NDIHR, da Universidade Federal de Mato Grosso, em uma edição dedicada a rios. Edição Especial Rios e História

Palavras-chave: hidrografia histórica, bacia platina, Virgílio Correia Filho

RESUMEN UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

El texto de autoría de Virgílio Correia Filho (1887-1973) - sin lugar a dudas uno de los intelectuales que más contribuyeron para la Historia y la Geografía de Mato Grosso- fue publicado por la "Revista Brasileira de Geografia" en su edición de enero-marzo de 1942. Se trata de uno de los más importantes documentos para la historia de los cursos fluviales de la cuenca del Alto Río Paraguay, pues trae datos geográficos acuciosos; no obstante, en nuestros días ha pasado un tanto al olvido. Correia Filho nos cuenta de forma poética y erudita de una mudanza geográfica contundente: cómo el Cuiabá pasó a verter sus aguas directamente sobre el cuerpo del Paraguay, describiendo

128

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

con lujo de detalles un episodio destacado de las mudanzas en la vida de un río. Si observamos la cartografía colonial veremos que, durante el siglo XVIII, las aguas del Cuiabá entraban en el río dos Porrudos – o San Lorenzo -, y era éste que tributaba al curso del Paraguay. Esto fue descrito en todos los Relatos Monzoneros. Sin embargo, después de una "lucha de ríos", que el propio autor presenció a inicios del siglo pasado, el curso de las aguas se invirtió. El San Lorenzo, entonces un río en progresivo debilitamiento, pasó, a través del Tarigara, a ser afluente del Cuiabá, y éste, fuerte y victorioso, pasó a serlo del Paraguay. Este hecho modificó la hidrografía de la región, de la misma manera que, siglos antes, en la costa flamenca, aconteció con el cegamiento del profundo golfo de Zwin, que en el siglo X recortaba aquel territorio (Bloch 2001, p. 53). Se trata, pues, de un dato de singular importancia para el conocimiento del río Cuiabá, no únicamente por abrigar a la ciudad del mismo nombre en sus márgenes, sino también en función de su propio curso fluvial. De ahí resultó la intención de recuperar en esta revista publicada por el NEDIHR, de la Universidade Federal de Mato Grosso, en una edición dedicada a los ríos.

rio principal, a oeste, e engolfavam-se na amplidão dos pantanais, que imenso lençol líquido amanta, quando as águas, transbordantes das lombadas marginais, confundem em uma só massa inundante as contribuições de inúmeros tributários, cuja individualidade, caracterizada nas estiagens, mal se conserva na época das alagações, dilatadas por mais de duas centenas de quilômetros de largura e o dobro ao longo do escoamento. Contidos, porém, os rios em seus leitos respectivos, quando refluem as águas dos imensos reservatórios naturais de compensação, infletiam os navegantes a nordeste, e “por este rio acima se gastam sete ou oito dias”, asseveraria Cabral Camelo, ao redigir por ventura a primeira notícia a respeito da longa peregrinação. Nas vizinhanças da latitude de 17.º20', bifurcava-se, de novo, a caudal em curiosa forquilha, um de cujos braços, conservado sensivelmente o mesmo rumo, ia ter aos domínios do gentio Cuiabá, de que tomou o nome, ao passo que o outro, provinha, mais a leste, das serranias, onde se refugiaram os remanescentes da raça, outrora dominadora. Qual dos dois galhos seria o principal, cujo nome deveria persistir até desaguar no rio Paraguai? Os sertanistas, pelo tino prático, sem cogitações doutrinárias, que prescrevem as condições exigíveis de cabeceiras formadoras, decidiram-se a favor do braço oriental, na aparência mais considerável, de que o outro, em cujas margens as minas de ouro fixaram núcleo estável de Reprodução parcial do “Mapa povoadores, classificar-se-ia como Geográfico da Capitania de Mato simples caudatário. Grosso”, formado no ano de 1802 por

Palabras llave: hidrografía histórica, cuenca platina, Virgílio Correia Filho.

H

istoricamente, incide em erronia o título, que não seria endossado pelos primeiros navegadores desses rios lendários. Os bandeirantes setecentistas, que os devassaram, quando, apenas ultrapassado o paralelo de 18.º, deixavam, à esquerda, a madre do Paraguai, e embocavam-lhe a foz do galho oriental, não titubearam em dar-lhe o mesmo nome dos índios — Porrudos — que lhes povoavam as cabeceiras, “resto de muitíssima gente, e estes senhoreavam todo o rio”, consoante informou, na época, Antônio Pires de Campos, conhecedor abalizado das tribos que escravizava. Afastavam-se das morrarias, que, nesse trecho, ladeiam o

ordem do Capitão General Caetano Pinto de Miranda Montenegro.

129

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

LEITOS ERRADIOS

povoadores, classificar-se-ia como simples caudatário. E assim permaneceria o julgado, sobranceiro a qualquer alteração, caso continuasse o mesmo traçado fluvial, não obstante alguma opinião discordante, como a do mapa oficial, de 1802, que prolonga até a margem esquerda do Paraguai o curso do Cuiabá, a que o segundo levaria a sua contribuição. A versão generalizada, porém, firmou a tradição bandeirante, consoante a qual escreveu Leverger, cuja autoridade no assunto dispensa qualificativos: “Enfim daí a três milhas lança-se o Cuiabá no São Lourenço, com um curso de 235 milhas desde a capital, ou 447 de curso total”. E, páginas adiante, ao tra ta r da b a rra s egui nte: “Finalmente, descendo mais meia légua, chega-se à foz do S. Lourenço, que entra em um braço do Paraguai formado por uma ilha” . Endossou-lhe os ensinamentos o mapa de Pimenta Bueno, em que se Reprodução parcial da carta da espalhariam os resultados das Província de Mato Grosso organizada explorações geográficas até em 1880 por Francisco Antônio essa data realizadas. Pimenta Bueno. Nenhum haveria que se lhe pudesse comparar em segurança de informes, que serviam para definir a configuração do território mato-grossense. Objeção alguma diminuiria o primado adquirido pelo S. Lourenço, se remodelação, incessante naquelas paragens, não lhe tivesse golpeado o barranco de maneira impressionante.

Não obstantes em menores proporções, o fenômeno repete-se de contínuo, como evidenciam alguns exemplos fornecidos pelos geógrafos que perlustraram a região em várias épocas e até as ocorrências por assim dizer contemporâneas. Assim é que, já em 1754, José Custódio de Sá e Faria, de acordo com Manuel Antônio de Flores, chefes respectivamente da 3ª Patida de Limites, por parte de Portugal e de Castela, assinaram o termo de ereção do marco da boca do Jaurú, em que se lê informativa declaração. Fomos os dois comissários e cosmógrafos, com o oficial que havia vindo de Cuiabá, e navegando rio acima pelo Paraguai, a curto espaço chegamos a uma bôca de riacho tapada com erva, a qual disseram os praticos de Cuiabá e Mato Grosso, que era a bôca antiga do Jaurú, que mais acima estava a que servia atualmente para desaguar o dito rio no Paraguai; passamos adiante, e entramos por ela, e pelo rio Jaurú até duas léguas para dentro...

O remanescente do velho desaguadouro transformara-se em corixo, destinado a sumir, aterrado gradativamente pela colmagem, que o entrançado de plantas hidrófilas apressava desmedidamente, enquanto o novo se abria a mais e mais, até absorver a vazão total. Semelhantemente observaria Lacerda e Almeida, quando, em 1786, participou da comissão exploradora do rio Paraguai. “Uma légua e três quartos abaixo do Dourado está a bôca do Chené, a que chamam rio Chené; e eu, pelo que tenho ouvido dizer, lhe chamo bôca austral do rio Porrudos: a entrada contudo dêsse furo no Porrudos já está tapada, e se não navega mais por ela”.

130

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Não obstante de calibre diminuto, a princípio, o nome, que o distinguiu, “Boca-Brava”, indicava expressivamente a violência da evasão lateral, que, uma vez iniciada, iria progressivamente aumentando até engolir o rio inteiro. Insignificante desnível bastou para alterar a vazão do rio, cujo volume já não seguirá, como outrora, pelo caixão debruado de mata verdejante, que moveria Pimenta Bueno a declarar, convicto: “o rio S. Lourenço da sua foz à colônia, oferece, em qualquer estação do ano, navegação muito melhor do que o rio Cuiabá à capital” . Revela observar, todavia, que por essa época, 1880, esta via bandeirante era frequentada pelos navios que mantinham a comunicação regular, de Corumbá para cima, ao passo que a primeira não oferecia a mesma segurança à travessia pelas terras dos bororos, índios ainda refratários ao convívio civilizado, que só mais tarde deporiam as armas, com quem hostilizavam os invasores de seus domínios. O firme propósito, em que se achavam, de impedir a aproximação de intrusos patenteou-se nas malogradas tentativas de oposição ao desembarque da expedição incumbida de organizar a “Colônia Militar de S. Lourenço”. Eram 88 pessoas, inclusive 31 praças, que, a 9 de Maio de 1877, deixaram o porto de Cuiabá, a bordo do vapor Alfa, “da Marinha Imperial”, e das duas igarités por ele rebocadas. Obstáculo algum refreou a marcha, além da carência de recursos, pois que só encontraram, à margem do extenso rio, duas fazendas em que se abasteceram de víveres. Raros baixios somente, notaram, onde a sondagem, entretanto, acusou folga suficiente para embarcações de 4 ¹/2 palmos de calado. Nenhuma referência a Boca Brava, de que provavelmente não haveria ainda indício, como se achava o S. Lourenço, entre barrancos sombreados de mataria espessa. Depoimento valioso

dos bororos, que permitiu o loteamento das terras até então praticamente vedadas à ocupação pacífica, ao ser assinada a primeira concessão de terras naquela zona, outras já seriam as circunstância. Corria o mês de Novembro de 1893, quando o agrimensor incumbido da respectiva medição executou a sua terefa, iniciada justamente na bifurcação incipiente e ao cabo da qual resumiu as suas impressões de observador sagaz. Todo êsse terreno (ao longo do desaguadouro, por cêrca de nove k) hoje imprestável, parece ter sido, em outro tempo, campos de excelentes pastos, tornandose brejo, depois que se abriu êsse furado do S. Lourenço, cujas águas sem canal para dar-lhe saída os alagam por tanto tempo, inutilizando-os. Prova isso a quantidade de madeiras sêcas que se encontram no meio dêsse grande brejo, madeiras como cumbarú, vinhático e outras que só se encontram em terreno alto.

A ocorrência potamográfica sintetizava-se pelo topônimo que a individualizava. “Boca Brava” chamar-lhe-ia os brancos, assustados com o tumultuar dos filetes, que doidamente rompiam o equilíbrio hidráulico do canal primitivo, e, favorecidos pelo desnível, maior do que no velho leito, embarafustavam pela abertura inesperada, em movimento turbilhonar, cuja força viva apressaria a desagregação das paredes laterais, como no fundo. Outra denominação entrou a circular entre os bororos, aldeados nas vizinhanças, que aplicaram ao rio nascente o título “Tarigara”, destinado a perdurar, com prejuízo do outro, cuja significação correspondeu à primeira fase do fenômeno.

Na derradeira década do século, porém, depois da pacificação

131

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

E, em outra referência: “seria a passagem para ela (lagoa) a de que fala o velho Claro, aquela mesma, mas já tapada pelo tempo; o que não é para admirar, pois êste rio é muito sujeito a tapagens”. Decorrido mais de meio século, caberia a Leverger mencionar ocorrência análoga, em paragens mais setentrionais, onde notou: “Com milha e meia de marcha encontrou-se a grande e alagadiça ilha de Uacurutuba, separada da do Piraim por um braço do rio, que já foi o canal, mas hoje está quase intransitável. O outro da esquerda é estreito, sinuoso em alguns lugares e muito tormentoso”. E, adiante, ao rematar a descrição do Cuiabá, ainda anotaria igual tendência do rio a mudar continuamente de leito: “Daí a três milhas lança-se o Cuiabá no S. Lourenço com um curso de 235 milhas desde a capital ou 447 de curso total. Não há muitos anos, ainda não era essa a foz do Cuiabá e sim meia milha abaixo, no local hoje conhecido pelo nome de Barra Velha”. Se fosse mister, haveria facilidade em colher depoimentos de outros geógrafos, que referissem a repetição do fenômeno por diversos tributários do Paraguai. Há, porém, o mais recente, cuja evolução os embarcadiços, que percorreram a longa via fluvial, distendida de Corumbá a Cuiabá, acompanharam neste século. Das elevações de Melgaço para jusante, o rio bifurca-se em dois galhos, entre os quais se encontra a ilha do Piraim, cuja banda oriental se retalha incessantemente e recompõe, mercê da mobilidade dos canais que a flanqueiam. Ao raiar do século, já se notava à margem esquerda do Cuiabá a boca do Guató que, a pedido dos ribeirinhos interessados na manutenção do regime existente, o governo do Estado forcejou por tapar, a princípio com enrocamento de pedra conduzida de longe, e, mais tarde, com estacas de madeira. Fortalecido o barranco artificialmente, em certo ponto, rasgava-se adiante, como prova da sua inconsistência diante do dinamismo da correnteza. Por fim, bastou cheia mais volumosa do rio para inutilizar a escassa vantagem alcançada e alargar a derivação, pela qual,

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

em curto prazo, escoar-se-ia toda a descarga fluvial. A usina de Porto Urbano, pela qual não passava navio do Lóide Brasileiro, que não lhe experimentasse a fidalguia do acolhimento, entrou a sentir a escassez de água corrente, desviada para a esquerda. Os moradores de Atibaia, a jusante, não tardaram a queixar-se da diminuição assustadora de peixes de que viviam, em consequência da carência de profundidade, causadora da emigração para o novo canal. Decorridos alguns anos, apenas ligeiras montarias encontrariam água suficiente para sulcar, pela mesma rota, que, até a segunda década, ainda frequentavam os navios daquela conhecida linha de navegação. O Cuiabá mudara de álveo, através da “Boca do Guató”, que o levou pelo “Correr d'Água”, desviando, em longo trecho, do Uacurutuba, como este procedera em relação ao mais antigo, referido por Leverger. As transformações apontadas, porém, por mais apreciáveis que sejam, e expressivas das peculiaridades dos rios da bacia paraguaia, cujo caimento se mantém diminuto por longas distâncias, não se comparam com a que modificou inteiramente as características potamográficas do São Lourenço neste século. Já não se tratava apenas da tendência divagante do rio, como ocorreu com o Cuiabá, que recua de contínuo para leste, nas vizinhanças do Uacurutuba, mas de transformação mais radical. Boca-Brava Rolavam mansamente os dois rios as suas águas, em leito separado, habitualmente, ou confundidos nas inundações dos pantanais interjacentes, quando, pelo fim do século passado, acima da barra do Piquirí, a uma distância aproximadamente igual à que a separava da confluência imediata, a jusante, rompeu insidioso furo pela margem direita do S. Lourenço.

132

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Luta de rios

escasso. Passou pelo estabelecimento agrícola, que à margem esquerda, mercê da fertilidade de suas terras, mantinham os proprietários da fazenda Pindaival, estendida pelo pontal formado por aquele rio e o Piquirí. Durante a longa peregrinação, em que por vezes a embarcação roçou o casco pela areia de baixios que se formavam, episódios vários denunciavam o definhamento do rio. Em certo ponto, uma capivara, assustada com a presença dos viajantes, precipitou-se do barranco ao poço próximo, e mergulhada, pretendeu atravessar a aguada. Com surpresa, emergiu ao alcance dos canoeiros, pois que se encaminhou por trecho raso, insuficiente para lhe cobrir a cabeça. Apatetada, já não sabia como se escondesse, no meio do rio, onde poderia ser alvejada à queima roupa, ou alcançada por zagaia, se houvesse o intuito de abatê-la. Em outra passagem, o barulho compassado dos zingueiros, que impeliam o batelão, provocou a fuga de um cardume de pacús, que se achavam reunidos em local silencioso. Em busca de refúgio mais propício, enveredaram, céleres, contra a correnteza, que se reduzira sobremaneira, a ponto de converter quase todos os estirões em remansos. Enquanto se achavam acobertados por suficiente profundidade, não lhes foi notada a presença. Mas tiveram que atravessar extenso baixio, e então aflorou à superfície multidão incontável de dorsos luzidios. A escura faixa movediça que formavam, olhados em conjunto, parecia deslizar-se às tontas sobre o claro leito arenoso, cujo contraste de coloração, favorecido pela limpidez da tênue camada líquida, tornava mais interessante o fenômeno indicativo da escassez de água no rio evanescente. Quinze anos depois fez-se mister expedido reconhecimento do terreno interjacente. O observador, ao partir do Bariréu para sair na barra antiga do Piquirí, pretendeu varar a mata que segue o Tarigara,

Não era ainda rio, quando recebeu tal batismo na linguagem bororiana. Mas a sangria lateral, sugada pela Boca Brava, iria incessantemente avultando, de ano para ano. Cada enchente, de velocidade acrescida, contribuiria para alargar a abertura, de possível tapagem nos primeiros tempos, quando não se aprofundara ainda a cava do incipiente desaguadouro. O seu traçado iria definir-se através de depressões, que evidenciavam, entre o Cuiabá e o S. Lourenço, facilidade impressionante de ligação espontânea, como a baía dos Guatós, dos Coqueiros, do Bonfim e sem número de corixos. Antes que se canalizasse, entretanto, a irrupção de crescente descarga, evadida do S. Lourenço, espraiar-se-ia pelas baixadas próximas, às tortas, sem rumo aparente. Em consequência, alterou-se a configuração regional, remodelada por novos canais de irrigação, que tornaram firmes certas faixas de terreno, outrora accessíveis às alagações, do mesmo passo que, além, se invertiam as condições anteriores. O achanado solo da mesopotâmia não oferece resistência apreciável aos agentes naturais, que frequentemente cavam leitos fluviais próximos aos existentes, cuja obstrução não tardará, ou erguem e desfazem ilhas, em cheias sucessivas, na ânsia de fixar o perfil de equilíbrio para o escoamento. O terreno aluviano, que se compõe e recompõe por assim dizer à vista contemporânea, com os detritos carreados pelas enxurradas, carece de necessária consistência, que lhe permitisse conter os efeitos desagregadores da correnteza anormal. E à medida que se avantajava o novo rio, decrescia o antigo, observado, pelo menos, em duas ocasiões não muito afastadas. Por volta de 1901, um fazendeiro estabelecido próximo à barra do Piquirí, resolveu subir o S. Lourenço, em batelão de calado

133

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

até certa distância, a começar da margem do São Lourenço. Houve conveniência, porém, no desvio de rumo, e qual não foi o seu espanto ao alcançar inesperada clareira aberta pelo rio fugidio, em plena mata seca. Aproximou-se do barranco, para melhor observar o areial do valão, que a vegetação começava a invadir. O rio secara de todo. Nenhum poço permanecia ao alcance da vista. Da “Boca Brava” para jusante, o S. Lourenço apenas tomava água nas grandes cheias, quando pelo seu leito, habitualmente abrasado pela soalheira, despejavam-se as sombras, que não cabiam no desaguadouro novo, ainda insuficiente para as descargas extraordinárias.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

Vem a talho relembrar as observações de quando começou o rio a ser navegado pela “Rosa Bororo”, lancha da inspetoria dos índios, e “Tereza de Junho” : “O viajante que deixa o Cuiabá, pouco abaixo do Aterradinho, e transmontar-lhe a correnteza, sentirá abrirem-se-lhe desmedidamente os horizontes, mal limitados por escassos capões marginais de guanandís e cambarás, que ao longe aparentam contínua faixa azulada”. O rio desliza em planura verdejante, coberta de arrozal silvestre e capim felpudo, apenas orlado aquí e alí de colônias novas de figueiras bravas, embaúvas, a cuja sombra por vezes medra o urticante punú, ingazeiro e outras espécies, que lhe vão acompanhando o aprofundamento do leito. E como sentinelas perdidas no seio dos paúis, erguem-se os esqueletos de árvores secas, restos provavelmente de antiga mata que existia em terreno firme, antes da inundação fatal, que lhes apressou o fim. Nesse trecho inferior do seu curso, o Tarigara apresenta-se incoerentemente de menor secção de vazão e velocidade mais reduzida, importando, portanto, em menor descarga. Ocorre verdadeira distribuição em marcha, por meio de sangradouros, que vão desaguar no Cuiabá, em pontos vários, desde o Ixuzinho, onde sai o Coqueiro, até o Três Irmãos, cuja boca inferior se aproxima da barra antiga do S. Lourenço. No terço médio repetem-se mais a miúdo as pequenas moitas de árvores à beira do rio, cujas sangrias laterais não ultrapassam o furo superior de Três Irmãos, que rompe, através do pantanal sem fim, com velocidade decrescente, à medida que progride, praticamente sem margem, embora aparente a largura de cerca de dez metros. As gramíneas, que as simulam, ou são apenas flutuantes, ou alongam as suas raízes por três a quatro metros, para se firmarem no fundo lodoso. As sondagens, por meio de zingas, raramente o alcançavam, através do trançado de plantas aquáticas, distendidas à esquerda e à direita da clareira serpeante, indicativa do fluxo fluvial. Ampla roçada, que retirasse o manto vegetal, substituiria

Tarigara E enquanto definhava o S. Lourenço, mercê da perda progressiva do volume captado em bacia imensa, avultava o seu sucessor, que lhe tomaria a opulenta descarga, à proporção que lhe reduzisse a influência na toponímia. Era, de princípio, simples sangradouro, rasgado ao acaso, por ocasião de alguma cheia descomunal. Menor sem dúvida, que esses minúsculos tributários, que a terminologia popular classifica de corguinhos. De um pulo, poderia qualquer transpô-lo, sem risco algum. Mas valeu-se da força viva, decuplicada nas enchentes periódicas, para aumentar gradativamente a sua calha. E à medida que ia fixando o próprio leito, apesar dos contínuos furos, que lhe arrombavam o barranco, de um e de outro lado, começou a aparecer vegetação característica, de que já se lhe revestem as margens por extensões apreciáveis. Não obstante vitorioso no tomar as águas do S. Lourenço, a ponto de secar-lhe completamente o leito, não seria fácil ao Tarigara canalizá-las de improviso por outros rumos. A própria depressão, de sedimentos frouxos, que lhe favorecera o desenvolvimento, iria retardar-lhe a fixação do curso.

134

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

a verde campina achanada por ampla baía, em cujo seio enlanguescia a força viva das correntes. A derivação, perfeitamente definida na origem, pelo rasgão, à margem esquerda do rio, de dimensões fáceis de medir, modificava-se com o percurso, para afinal se derramar no reservatório imenso. Aí descarregava, com a velocidade perdida, as matérias sólidas, que, trazidas em suspensão, lhe davam coloração avermelhada, mais intensa para montante, onde maior progresso patenteia a formação do novo leito, modelado pelo dinamismo das águas impetuosas. Os barrancos começam a altear-se, posto se deixem ainda submergir nas enchentes. Os campos marginais já se bordam de matas mais densas, que vão avultando para montante. Essa transformação ainda mais se caracteriza no terço superior, onde se poderá, sem grande afoiteza, considerar definido o leito do rio, embora se verifique anualmente a abertura de bocas laterais, que em geral formam simples corixos, de águas espraiadas pelos brejos, em cujo seio a colmagem natural vai gradativamente elevando o nível da sedimentação. E enquanto destarte se constitui o Tarigara, rio que não tem manadeiros, o S. Lourenço, que lhe cedeu as águas, perde, com o próprio nome, a sua antiga individualidade, e só permanece vivo, de Boca Brava para montante, às mais altas cabeceiras. Daí para jusante, o leito velho, até o encontro de Piquirí, serviu de paciente cenário à agonia do rio, que de ano para ano sentiu diminuir o seu movimento e volume, até se converter em corixo morto, que somente nas grandes cheias recebia águas correntes, transbordantes da capacidade do Tarigara. Por fim, o próprio corixo agoniado sumiu-se. E hoje poderão transitar pelo amplo valão seco, ainda mal sombreado pela vegetação, que progressivamente vai invadindo a área outrora conservada submersa, os viajantes que, meio século atrás, somente embarcados fariam o mesmo percurso, sobre águas do S. Lourenço. Em tais condições, o observador que partir de Corumbá,

águas acima, e deixando o Paraguai à esquerda, embocar pelo tributário que flanqueia o morro do Caracará pelo nascente, sulcará lendária via, cujas feições primitivas sofreram impressionante remodelação. Percorridos cento e poucos quilômetros, fronteará plácido afluente, coletor das águas do Piquirí, já misturadas com as do Itiquira e Correntes, bastante claras, em contraste com as que antigamente passavam pela mesma calha, de tons barrentos, mercê do predomínio, por essa época, da contribuição do S. Lourenço. A própria coloração do caudal denuncia a transformação ocorrida, que desquitou inteiramente este rio da companhia do Piquirí, cujo curso destarte se alongou por cerca de meia centena de quilômetros. E, daí para montante, multiplicam-se os sangradouros, pelos quais se distribue a descarga do S. Lourenço, em disfarçado delta, entre cujos galhos se extrema, feito rio, o Tarigara, de maior volume que os seus irmãos.

A caracterização das três bacias acentua-se melhor neste esboço, em que a do Cuiabá avulta apreciavelmente mais ampla que as do São Lourenço e do Piquirí, conforme indicam as respectivas áreas, de traços verticais na primeira, horizontais na segunda e inclinados na terceira.

135

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

CONCLUSÃO

E se antigamente ainda se poderia questionar dos direitos do rio Cuiabá à supremacia toponímica, até a junção com o Paraguai, hoje em dia nenhuma dúvida resultará dos fatos observados, depois que o S. Lourenço perdeu a própria individualidade, substituída, no curso inferior, pelo Tarigara, ao mesmo tempo que se lhe reduzia o volume, em virtude da separação do Piquirí.

A realidade potamográfica, pois, naquele trecho, já não justifica a permanência da terminologia tradicional, que perdeu de todo a sua significação. E, assim, atualmente deve ser considerado o rio Cuiabá afluente da margem esquerda do Paraguai, a que leva as próprias águas, já misturadas com as do Piquirí, recebidas, em calha regular, e as do Tarigara, cujo leito não se fixou ainda, para conter toda a descarga do S. Lourenço, cuja herança usurpou, em singular golpe de captura hidráulica.

Notícias Práticas das Minas do Cuiabá e Goiaz pelo Capitão João Antônio Cabral Camelo — Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro — Tomo 12. Mapa Geográfico da Capitania de Mato Grosso. Formado no ano de 1802 por ordem do Capitão General Caetano Pinto De Miranda Montenegro. A respeito da adoção desse topônimo em substituição ao anterior. Estevão De Mendonça transcreveu, em Vias de Comunicação, um dos Apontamentos Cronológicos de A. Leverger, que esclarece o assunto: “1779 — O padre Manuel De Albuquerque Fragoso fundou um sítio na estrada de Goiaz, nas imediações do rio dos Porrudos, que, desde então, começou a chamar-se de São Lourenço”.

Esboço das condições atuais da confluência transfigurada. O rio São Lourenço já não coleia ao trecho pontilhado que secou, e desviado pelo furo da Boca Brava, perdeu o nome. E, assim, vão separadamente desaguar no Cuiabá o Piquirí, cujo leito proporcionado ao volume d'outrora, sobra para sua própria descarga; e o Tarigara, avatar do São Lourenço, que não logrou ainda alargar a sua cava, por maneira que evite as sangrias laterais destinadas o amplo coletor cuiabano.

Apontamentos para o Dicionário Corográfico da Província de Mato Grosso pelo Barão de Melgaço. Revista do Instituto Histórico. Carta da Província de Mato Grosso organizada em 1880 por Francisco Antônio Pimenta Bueno, Tenente Coronel do Estado Maior da 1ª Classe. Relatório dos Comissários — em Fronteiras do Setor Sul pelo Tenente Coronel Leopoldo Neri da Fonseca Júnior.

136

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

F. J. Lacerda e Almeida. Diário de reconhecimento do rio Paraguai [...]

não será antiga, pois que o próprio furo, a que se aplica, data do derradeiro quartel do século passado. Não teve prazo para se firmar, de maneira que impedisse a expressão vulgar, preferida pelos escassos povoadores, entre os quais prevalece o topônimo — Tarigara —, que individualiza o rio singular.

Memória Identificativa [?] dos trabalhos de que foi encarregado à Província de Mato Grosso, por F. A. Pimenta Bueno. Informação do diretor da Colônia, Jorge Lopes Da Costa Moreira, transcrito na Memória Justificativa. “A lancha Bonifácio subiu por vêzes, em 1887, até a colônia Teresa Cristina”, assevera Estevão de Mendonça, em comentário à memória de Leverger — Vias de Comunicação. Cópia do memorial de medição e demarcação de lote de terras concedido ao Coronel Antônio Cesário De Figueiredo, “à margem esquerda da Bôca Brava ou Tarigara, furado de São Lourenço”, pelo agrimensor Salomão Alves Correia. Coronel Vircilio Alves Correa. Esse reconhecimento foi realizado pelo autor destas anotações. Observações do autor. A propósito do vocábulo — Tarigara — que vingou na linguagem dos ribeirinhos, vem a talho a referência do Coronel LIMA FIGUEIREDO em sua excelente obra — Terras de Mato Grosso e da Amazônia — um de cujos capítulos informa a respeito de “algumas ilhas fluviais”. Aí consta: “o General Rondon se refere a uma lenda que lhe foi contada pelos habitantes do Pantanal — os Bororos Tugacure — que explica a origem do nome perigara. Viajava um índio pelo citado furo, quando topou um esdrúxulo animal para êle completamente desconhecido que, após longo mergulho, saía à tona gritando estridulamente alguns sonidos que traduziu onomatopaicamente pelo vocábulo perigara que ficou dando, desde então, nome ao furo”. Releva notar que a lenda criada pelo bororo

137

OS PAYAGUÁ E O RIO PARAGUAI: UMA FRONTEIRA ÉTNICA AOS LIMITES DOS IMPÉRIOS IBÉRICOS Chiara Vangelista

RESUMO O povoamento e o domínio dos rios da bacia paraguaia pelos luso-brasileiros, na primeira metade do século XVIII, provocou importantes mudanças nas relações inter-étnicas naquela região que, até então, fora o espaço de uma concentração de etnias indígenas. Os Payaguá, índios canoeiros, consorciados aos Guaikuru, índios cavaleiros, tornaram-se o grande tormento para aqueles que queriam transitar pelos rios pantaneiros, colocando em xeque a circulação de bens entre as minas do Cuiabá e o litoral. Neste artigo se analisa a política posta em prática pelos indígenas do Pantanal durante o século XVIII, a reorganização dos espaços tribais e a redefinição das fronteiras étnicas, frente ao avanço dos conquistadores ibéricos na região banhada pelo Alto Rio Paraguai. Palavras-chave: política dos indígenas, fronteiras étnicas, índios Payaguá

ABSTRACT Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

The population and the control of rivers in the Paraguay River Basin by Luso-Brazilians in the first half of the XVIII century provoked important changes in inter-ethnic relations in that region which, till then, had been an area with a concentration of indigenous ethnic groups. The Payaguá, a canoeist indigenous people, allied to the Guaikuru, indigenous horsemen, became the great torment of those who wished to travel by means of pantanalian rivers, interrupting the circulation of goods between the mines of Cuiabá and the coast. In this paper, the politics practiced by the indigenous groups of the Pantanal during the XVIII century is analyzed, as well as the reorganization of tribal spaces and the redefinition of ethnic frontiers, faced by Iberian conquerors in the region covered by the High Paraguay River. Keywords: the politics of indigenous groups, ethnic frontiers, Payaguá Indians

138

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Introdução

povoamento espontâneo, realizado por pequenos grupos familiais que penetravam no interior da Capitania.² A questão fundamental era a predisposição de uma situação de ocupação de fato, que garantisse a posse das vastas regiões do oeste, e assim conquistar e defender o patrimônio representado pelos domínios americanos. O Tratado de Madri, assinado entre Espanha e Portugal (1750), em breve seguido por outros, foi o primeiro resultado da nova política de definição dos limites dos impérios ibéricos. Desta maneira, a grande faixa territorial ao longo dos rios Paraguai, Taquari, Cuiabá, Guaporé, e outros, foi teatro de uma concentração de população (obviamente nas medidas e nas formas da época) e das atenções dos funcionários das duas coroas ibéricas. Os rios, aos poucos, foram animados pelas canoas que no roteiro entre São Paulo e Cuiabá levavam exploradores, comissários da demarcação de limites, migrantes, escravos, soldados, funcionários imperiais, mercadorias, e o ouro extraído na região. As beiras dos rios, nas quais se formaram povoados, destacamentos militares, fortificações e cidades, eram objeto de um novo interesse por parte dos espanhóis, os quais, sobretudo por meio de observadores indígenas, recolhiam e enviavam à Europa informações sobre as atividades portuguesas. O povoamento e o domínio dos rios provocou importantes mudanças nas relações inter-étnicas naquela região que, ao longo dos séculos, fora o espaço de uma concentração de etnias indígenas, as quais experimentaram, a partir da primeira metade do século XVIII, uma nova fase da conquista ibérica de seus territórios. Ao longo de boa parte do XVIII, os ibéricos, sobretudo os portugueses, não tiveram uma estratégia de ocupação intensiva dos territórios tribais, o que, aliás, não era possível, pelos escassos recursos humanos, e o horizonte das relações políticas dos grupos autóctones ampliou-se, incorporando os recém-chegados. Os novos conquistadores foram, então, inseridos nas redes das relações externas de cada grupo indígena - de maneira especial daqueles que se mantiveram independentes-, desenvolvendo papéis distintos, em relação a cada etnia e à con-

Entre o final do século XVII e o início do XVIII, os rios do atual oeste brasileiro começaram a ser percorridos por novos atores sociais. Antônio Pires de Campo, em 1680, e Pascoal Moreira Cabral, em 1681, deixando as vias fluviais mais percorridas pelos bandeirantes, seguiram o rio Paraguai rumo ao norte, chegando até os rios Cuiabá e Coxipó-mirim. Eles encontraram os índios Coxipones – que se podem identificar com os Bororo – e deixaram documentos que serviram para Antônio Pires de Campo, filho homônimo do primeiro, percorrer a mesma via e chegar até as terras auríferas dos Bororo. Pires de Campo instalou-se à beira do rio Cuiabá, onde se formou em 1718 um povoado, no lugar de uma aldeia desta etnia (TAUNAY 1975, tomo II, p. 14; PAES LEME 1980, tomo II, pp. 178-180; CARVALHO FRANCO 1989; CARDOSO 1961, p. 410-411).¹ Nos anos entre 1718 (chegada de Antônio Pires do Campo, o filho) e 1727 (fundação da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá), esta região, no coração da América do Sul, tornou-se o extremo oeste do império português: um espaço de fundamental importância econômica e estratégica, por causa da descoberta e do início da exploração das minas de ouro. A descoberta do ouro às beiras do rio Cuiabá e nas áreas circunvizinhas deu novo sentido à política de expansão territorial dos luso-brasileiros. As minas de Mato Grosso, com efeito, conferiram mais força e maior extensão ao desenho português de construção e consolidação do território e dos limites imperiais. Ao longo de todo o século XVIII, a Coroa perseguiu e realizou a consolidação territorial do extremo oeste do império, utilizando de maneira eficaz os escassos recursos humanos e econômicos, através de formas distintas e interativas de ocupação: o povoamento fixo e institucional da linha de limite (através das cidades, dos aldeamentos, das fortificações e dos destacamentos militares), o povoamento e a organização administrativa dos lugares de exploração aurífera, a formação de núcleos para o controle das vias de comunicação e, por fim, o

139

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

lidação da sociedade de fronteira. Neste contexto, os Payaguá tiveram uma posição de destaque. Com efeito, foi graças às suas correrias ao longo do rio Paraguai que os espanhóis de Assunção receberam as primeiras informações das novas minas de ouro lavradas pelos portugueses. A partir do contato inicial com os lusobrasileiros de Cuiabá, em 1725, quando os Payaguá atacaram no rio Xarés a frota portuguesa mandada por Diego de Souza (BARBOSA DE SÁ, 1901, p. 15), este grupo não se limitou a preencher o papel de informante dos espanhóis, mas desenvolveu uma complexa política de afirmação étnica, que pressupunha novas formas de conflito e de aliança, nas vertentes dos invasores (espanhóis e portugueses) e dos outros grupos autóctones. Em síntese, a nova ocupação luso-brasileira em Mato Grosso estimulou uma maior presença dos Payaguá, índios canoeiros, nas águas do Paraguai, e a consolidação de antecedentes alianças inter-étnicas, junto a uma nova organização espacial do grupo. O rio Paraguai transformou-se, então, no teatro de uma específica fronteira tribal (CABEZA DE VACA 1906, pp. 225-227; SCHMIDEL 1986, p. 43-53; AGUIRRE, 1947, pp. 44-45).³

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

(ZAVALA 1977). Como de costume, na sociedade colonial de fronteira os conflitos, as alianças e as relações comerciais entre índios e colonizadores se entrecruzavam e coexistiam no mesmo tempo e nos mesmos territórios. No caso dos Payaguá, a começos do século XVIII, parece que não houve alterações visíveis na vida tribal. A maioria das atividades deste grupo se desenvolvia no rio Paraguai. Ao contrário dos Mbaya-Guaikurú - índios cavaleiros, que logo depois da Conquista espanhola adotaram o cavalo como meio de locomoção e objeto de escambo -, os Payaguá tinham conservado e supostamente reforçado o uso das canoas, das quais eram hábeis construtores. As utilizavam como meio de transporte, instrumento de guerra e objeto de escambo com os outros índios estabelecidos ao longo do rio – como foi observado por Alvar Nuñez Cabeza de Vaca – e com os espanhóis (CABEZA DE VACA 1906, p. 279). Estes, através dos freqüentes contatos, aos poucos tomaram conhecimento da língua e da organização social dos Payaguá. Os que Ulrich Schmidel, no começo do século XVI, havia considerado como dois povos distintos, os Agaces ao sul, e os Payaguá ao norte, tinham-se revelado como pertencentes a um único grupo étnico, que se articulava e se organizava em dois grupos, os Cadigué, ou Sadigué, ao norte, e os Magach, ou melhor, os Tacumbú, ao sul, como relatou Félix de Azara no final do século XVIII (SCHMIDEL 1986, pp. 43-53; AZARA 1943, pp. 142-143; MURIEL 1919, pp. 248-249; MÉTRAUX 1963, vol. I; BUARQUE DE HOLANDA 1977, pp. 106-107).4 Os dois grupos, que até aquela época assentavam-se numa região localizada entre o rio Bermejo e a serra de San Fernando, no início do século XVIII tiveram uma rápida e notável expansão territorial de suas atividades guerreiras e comerciais, que comportou, inclusive, mudanças importantes na sua política externa. As águas do rio Paraguai, do Pantanal e do rio Cuiabá ofereceram por quase um século um amplo espaço de comunicação para os Payaguá e seus aliados, pondo em comunicação – veremos em que formas – as cidades de Cuiabá e de Assunção. A ocasião desta importante mudança foi oferecida por um

Conflitos, comércios, alianças Enquanto que o primeiro contato dos luso-brasileiros com os Payaguá deu-se em 1725, os espanhóis do rio da Prata conheciam este grupo desde o início da conquista daquela região. Já em 1539, a fundação da cidade de Assunção coincidiu com a primeira grande matança de Payaguá, lembrada por Alvar Nuñez Cabeza de Vaca e por Ulrich Schmidel. A partir daquele momento, as relações entre espanhóis e Payaguá passaram a formar parte da história de Assunção. Até os primeiros anos do século XVIII, tratou-se de uma relação predominantemente de conflito: os Payaguá não aceitaram nem a conversão, nem o trabalho nas haciendas (em 1611, dos 6.000 indígenas desta etnia conhecidos, só 500 eram batizados ou encomendados), e um número muito reduzido de guerreiros emprestava, de vez em quando, as suas armas aos missionários nas lutas contra as tribos que se mostravam hostis à evangelização

140

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

episódio de conflito entre índios e missionários. Em 1719, um bando de Payaguá, provavelmente do grupo setentrional, matara os padres jesuítas Arce e De Blende, que tinham deixado as reduções de Chiquitos para mais uma tentativa de conversão daquele grupo, aliás, contra as indicações dos seus superiores (BARBOSA DE SÁ 1901, p. 15; JAVIER DE CHARLEVOIX 1916, tomo 3, pp. 188-189 e 324-332; SCHMIDT, p. 179; MOUTOUKIAS 1988). É provável que, para evitar as represálias dos ibéricos, o grupo de Payaguá fugiu rumo norte e que, o citado ataque aos portugueses de 1725, tenha sido uma conseqüência desta extensão de suas correrias. Provavelmente, o que seria uma fuga temporária se transformou em uma presença mais estável, devido às novas oportunidades oferecidas pela recente ocupação dos luso-brasileiros nas proximidades de Cuiabá. A presença dos novos invasores fez com que, ao longo da década entre 1720 e 1730, os Payaguá reforçassem as antigas alianças e inimizades, em torno de assentamentos que representavam para os índios uma nova reserva de gêneros de consumo e de prestígio. As primeiras vítimas foram os Guató, que se achavam na rota aquática percorrida pelos Payaguá rumo a Cuiabá (BARBOSA DE SÁ 1901; EREMITES DE OLIVEIRA 1996): desta maneira, os Payaguá tiveram acesso mais fácil, através do Pantanal, ao rio Taquari, passagem obrigada dos luso-brasileiros que de São Paulo se dirigissem a Cuiabá. Por outro lado, os Payaguá reforçaram - nas novas regiões por eles percorridas -, a aliança tradicional com os MbayaGuaikurú, os quais, com seus cavalos, podiam fechar, por via terrestre, as tentativas de fuga dos assaltados. As relações entre Payaguá e Guaikurú mantiveram, até os anos sessenta do século XVIII, as características de uma aliança de guerra, que reproduzia aquela já experimentada nas cercanias de Assunção e que tinha, desta vez, a forma de uma coalizão antiportuguesa. Esta coalizão se traduziu no fortalecimento da prática guerreira de integração das canoas Payaguá com os cavalos Guaikurú. Com efeito, poucos anos depois do primeiro ataque dos Payaguá aos portugueses, podemos averiguar os resultados desta

força conjunta. Conforme a crônica de Joseph Barbosa de Sá, em 1731 os vizinhos de Cuiabá armaram uma frota contra os Payaguá, composta por trinta canoas de guerra, cinqüenta de transporte e quatrocentos homens. Esta bandeira, que inicialmente parecia de pouca importância, logo se mostrou ser o primeiro sinal da força militar da renovada aliança indígena: enquanto, ao longo do rio, os portugueses perseguiam as canoas payaguá, os Mbaya-Guaikurú apareceram nas margens: Navegaraó Paraguai abaixo passada a Barra do rio Matetu viaó todos os dias canoas de payagoas de Longe lhes asenavaó faziaó vizagens e fugiaó que senaó podiaó alcansar (…). Navegando mais abaixo alguns dias viraó alé do rio hum troso de cavalleiroz que eraó ós gentios Aycurús abeirando armada o dito lugar, daltaró uma pessa de Artilharia e intraraó a asenar ao gentio que chegasse nisto foyse cobrindo o campo delle por entre muitas palmeiras de corda que por aly havia armadas de hansa arcos e freixas, e Lapços de corda, e ao mesmo tempo sobio do rio abaixo huma escolta de canoas de Payagoás saltaró em terra, e unidas com os cavaleiros intraraó aflorear e desafiar os Portugueses (BARBOSA 5 DE SÁ, 1901, p. 30).

As poucas informações disponíveis são suficientes para levantar a hipótese de que o grupo setentrional dos Payaguá, no período transcorrido entre o assassinato dos dois padres jesuítas e esta bandeira de 1731, tinha aperfeiçoado mecanismos políticos (aliança com os Guaikurú) e de guerra (integração canoa-cavalo) que teriam garantido, nos anos seguintes, uma presença estável na rota entre Cuiabá e Assunção, abrindo novas perspectivas deafirmação tribal, nas quais também o grupo meridional – os Tacumbú, que permanecia nas proximidades de Assunção – havia tido um papel importante.

141

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

porq el Casique no estava contento. Entonces su señoría, el dicho P. Comendador, y dicho Santiago Gallo bolbieron a reforçar más plata, alo que todos concurrieron generalmente. Y passando segunda ves a mostrar a dichos indios los que mas havian juntado; passaron dichos indios a sus canoas, y traxeron a dicha señora, dos mancebos, e dose negros, y mulatos, y fueron, y fueron rescatados, y recebidos con general compassión de todo el pueblo de verlo en el miserable estado en que los traían, en especial dicha señora, a quien havian rapado cejas, pestañas, y cabeça sin más vestuario, que unas nagues viejas, hechas pedaços, con q cobría su verguenças; lo más los traían desnudos 7 del todo, y rapados en la misma forma.

O desenvolvimento de uma fronteira étnica A citada bandeira, de 1731, tinha sido organizada como reação ao assalto dos Payaguá, efetuado o ano anterior. Com efeito, em 15 de março de 1730, partira de Cuiabá uma frota de 23 canoas, armada para levar a São Paulo, junto com outros portugueses, o ouvidor Antônio Álvaro Lanha Peixoto, que levava o quinto de ouro. Ao deixar o rio Cuiabá, esta armada entrou no rio Taquari, campo de ação dos Payaguá, que já a aguardava. O resultado do ataque indígena foi de 108 pessoas mortas, das quais 28 brancos; os índios só deixaram vivos, como prisioneiros, a jovem esposa de um português, uns adolescentes e 37 escravos negros.6 Quatro meses depois, no dia 15 de setembro, o bando de Payaguá entrou na cidade de Assunção, para tratar com os espanhóis a venda daqueles prisioneiros:

As sessenta canoas dos Payaguá registradas por Carlos de los Rios Valmaceda dão uma idéia do controle que este grupo tinha sobre rio, dois séculos após a fundação da cidade de Assunção; e de como os guerreiros payaguá puderam entrar, sem problemas, no coração da cidade de maior importância estratégica (ainda que não econômica) de ocupação espanhola na bacia do Prata. A carta mostra também um quadro expressivo dos rituais de encontros entre índios e ibéricos e, sobretudo, proporciona indicações importantes sobre a situação econômica e social da cidade de Assunção, além de dar informações sobre o papel que os Payaguá adquiriram dentro do novo contexto da fronteira. Durante os dias de negociações para o pagamento do resgate, os Payaguá ficaram na cidade, com uma atitude que mostra o longo hábito das relações mantidas com os espanhóis e, também demonstra o fato de que, além da tensão que sempre caracterizou o momento do escambo, estes indígenas eram bons clientes do pobre comércio de Assunção. Com efeito, enquanto os maiores da cidade faziam colheita de bens para os Payaguá, estes faziam compras, utilizando o ouro roubado aos portugueses quatro meses antes: apetrechos, comida, adornos eram adquiridos, sem cuidado algum pelo valor real das mercadorias:

El día 15 de septiembre de 1730, día en que empieza la novena de N. Sr. de la Merced, se aparecieron en la otra parte del Río de la ciudad 60 canoas de índios Payaguáz, de donde encharon una canoa en tierra con quatro indios muy emplumados, y armados con flechas, y lanzas, y almagrados los rostros, vestidos con uno(s) cassacones de cuero de tigres a dar parte al d.o Governador a los Españoles: y offreciendo su señoría que los descataría a todos, no quisieron dichos indios traerlos a la ciudad, si q les mostrase primero lo que les havían de dar por ellos; poniendo excesivo precio a una señora Portuguesa, e a dos mancebos fuera de otros, y mulatos, y corriendo esta noticia, pela ciudad, salió luego al punto el P. Comendador con toda su Comunidad a casa de su señoría a manifestar a los indios loque les havía de dar, poniendo mucha plata labrada de la del ornamento de su Yglesia, a lo que concurrió también su señoría, y con más empeño D. Santiago Gallo, quien es que pues quanto faltó de la plata, y otras cosas de la apetencia de los indios. Con esto passaran los dichos indios a traerlos, pero aviendo ido se bolbieron disiendo, era preciso se les diesse más:

142

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

En oro en polvo creo, que avran traído más de cien arrobas, las quales han vendido con tal abundancia, que por un platillo dan 8 onças, por una cuchara 3 y 4 por un pedaço de bayeta, e semterna colorada dan 6 y 8 onças, por quentitillas falsas, miel, mais, cuchillos, y a este tenor, por quanto ven; pues ay sujeto, que con 8 valor de 50 pesos ha comprado 20 libras de oro.

Com o estabelecimento da colonização espanhola e a fundação da cidade de Assunção, os Payaguá haviam estendido aos espanhóis as relações tradicionais de intercâmbio que, tal como Alvar Nuñez Cabeza de Vaca observou no século XVI, mantinham ao longo do rio Paraguai (CABEZA DE VACA 1906, pp. 202203; AGUIRRE 1947, p. 44). Os ataques Payaguá aos portugueses não tinham, portanto, significado o início das relações comerciais entre estes índios e os espanhóis. Porém, sem dúvida, tinham modificado seu perfil. No caso do episódio acima citado, presente na documentação seja espanhola, seja portuguesa, os escravos negros e os reféns foram trocados por objetos de prata, que tinham uma forte procura na esfera de escambo indígena, enquanto o ouro, que tinha um valor maior na esfera colonial, foi trocado por apetrechos e objetos de baixo preço no mercado dos ibéricos. Os Payaguá, desta maneira, com seus assaltos aos portugueses, introduziram o ouro nos circuitos internos do mercado colonial, fato que parece ter modificado a economia de Assunção, como testemunha Carlos de los Rios Valmaceda:

Estas observações acrescentam novos elementos à interpretação do avanço dos Cadigué no sentido norte, e do novo contexto das relações inter-étnicas na perspectiva dos Payaguá. As águas dos rios, âmbito de sua ação guerreira e de escambo, tinham-se tornado em uma via de comunicação, controlada por eles, entre os dois distintos grupos de colonizadores, de língua diferente, súditos das duas coroas ibéricas. A oportunidade dada aos Payaguá era de gerenciar este antagonismo político e econômico. Em tal perspectiva, o assalto em 1730 às canoas portuguesas que levavam o quinto de ouro ultrapassou o limite dos conflitos inter-étnicos locais para formar parte de um projeto indígena de escambo comercial com os espanhóis. Este escambo tinha também uma conotação política, nas dinâmicas de aliança e conflito da fronteira. Neste sentido, é possível trabalhar com a hipótese de que a atenuação dos conflitos entre os Payaguá e os espanhóis de Assunção, ocorrida a partir dos anos vinte do século XVIII, foi provocada pelo nascimento e expansão do conflito com os portugueses. De fato, isto permitia aos Cadigué, vale dizer, o grupo mais setentrional dos Payaguá, fornecer aos espanhóis de Assunção gêneros muito procurados e escassos no mercado da cidade: o ouro e os escravos. O começo da exploração das lavras do Cuiabá tinha então criado as circunstâncias favoráveis para que o “natural” habitat étnico - os rios que atravessavam o centro de América do Sul sofresse uma importante mudança qualitativa e fizesse com que os Payaguá fossem a ponte entre duas economias e duas sociedades distintas. Ademais, esta alteração deu um novo aspecto às conexões entre o mercado índio e o mercado colonial.

Aseguro que estamos por acá ricos de oro, ya que no tenemos plata, que ay sugeto, que quedará sin alaja ninguna, por dar a los indios por oro, ya que Diós le vino a ver, como a los demás. Oy se compran ya los géneros 9 de Castilla por oro, y no por yerva, ni tavaco […].

O relato de Valmaceda não faz entender a existência de um acordo prévio entre os Payaguá e o governo de Assunção. Porém, os portugueses tinham de alguma maneira a impressão de que a amizade de seus vizinhos com os índios canoeiros estava assentada em um acordo informal deste tipo, como denuncia Joseph Barbosa de Sá (1911, pp. 39-40), com referência ao ano de 1740, e Antônio Rolim de Moura, primeiro governador de Mato Grosso, uns dez anos depois10 . De qualquer maneira, parece improvável que os Payaguá tivessem se transformado em poucos anos em executores das ordens dos espanhóis de Assunção. É possível, porém, que o escambo de ouro, prata e escravos no mercado desta cidade (nas formas aqui descritas), formasse parte de uma

143

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

ampla circulação de gêneros, que envolvia a sociedade Payaguá e as suas relações externas, tecidas ao longo do eixo Assunção-Cuiabá. Os indícios que comprovariam esta hipótese encontram-se na documentação referida aos acontecimentos de uma década depois do referido episódio, quando se manifesta mais claramente a orientação que os Payaguá tiveram nesta fase da sua história. Com efeito, dez anos depois do escambo de reféns, o grupo meridional dos desta etnia, os Tacumbú, estabeleceu-se em Assunção, num setor separado da cidade (AZARA 1943, p. 143). Em 1740, enquanto os Payaguá do norte, os Cadigué, aproveitavam-se dos assaltos às frotas fluviais dos portugueses, os do sul se aldeavam em Assunção. Poder-se-ia entender que estava havendo diferenciações políticas na etnia com base territorial, e que se estava assumindo posturas diferentes em relação aos invasores: um grupo teria elegido à pacificação, outro teria continuado, nas regiões mais ao norte, os esquemas tradicionais de relações externas, com uma ênfase especial sobre a atividade guerreira. Estas diferentes posturas na política externa, porém, não expressaram uma ruptura interna no grupo; pelo contrário, há indícios suficientes para se pensar que se tratou de duas faces de uma estratégia comum. Se ainda não foram encontradas as fontes que evidenciem a existência de uma relação de parentesco entre Cadigué e Tacumbú, os documentos portuguesas oferecem elementos suficientes para atestar a existência de uma conexão de tipo territorial e econômico entre os dois grupos. Com efeito, em 28 de junho de 1753, Antônio Rolim de Moura escrevia ao governador de Assunção, pedindo a autorização (que nunca foi concedida) de ultrapassar os limites dos domínios de Sua Majestade Católica, para poder, finalmente, acabar com os Payaguá. O pedido, como explicava Rolim de Moura numa carta do mesmo dia dirigida a Lisboa, tinha a justificativa de que os portugueses não podiam vencer estes índios em território matogrossense, porque era impossível agarrá-los nas suas próprias aldeias, que estavam “muito adentro das demarcações pertencentes a Castelha, nas vizinhanças da Cidade de Assunção”11.

144

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

A extensão até o norte não significava então, nem para os Cadigué, o abandono da região de Assunção; o deslocamento nesta direção, as vitórias sobre os Guató, a consolidação da aliança com os Mbaya-Guaikurú, a oportunidade de conseguir ricos botins por meio dos assaltos aos portugueses não foram elementos suficientes para que os Cadigué decidissem se fixar longe do outro grupo. Os assentamentos às beiras dos rios eram provisórios; úteis como base, para o momento em que fosse necessária uma maior mobilidade das suas frotas. Não obstante, as aldeias permanentes continuavam em território espanhol e perto de Assunção, isto é, perto da cidade na qual residiam os Tacumbú. Os indícios da coesão étnica não se limitam ao aspecto territorial. Outro fator é até mais importante: em Assunção, o aldeamento dos Tacumbú não tinha significado, na visão deste grupo, a desestruturação da organização interna da aldeia. A paz foi assinada com os espanhóis desta cidade só quando estes garantiram aos Payaguá que não se intrometeriam na vida comunitária, nem nas relações tradicionais de conflito com as tribos inimigas: Estaba entre los artículos de sus propuestas, que la tribu tacumbú habríase establecido en Asunción, capital del Paraguay, aunque allí podían tranquilamente continuar sus propias costumbres, y el propio género de vida, y aunque no les fuese prohibido de hacer por cuenta propia guerra a los indios que no tuvieran comunicación, o tratado con los españoles (AZARA 1935, p. 10 123).

Desta maneira, em meados do século XVIII, os dois grupos de Payaguá não tinham renunciado aos signos mais importantes de sua cultura étnica12. Perseguindo objetivos comuns, Tacumbú e Cadigué tinham adotado duas atitudes distintas: os primeiros, mantendo a aliança com os espanhóis nos limites dos escambos comerciais12, controlando o governo do aldeamento e a gestão autônoma de uma parte das relações com as outras tribos; os Cadigué, mantendo o conflito aberto com os portugueses e a tradicional mobilidade territorial ao longo dos rios, e evitando uma aliança

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

formal com os espanhóis, com os quais mantinham, porém, relações comerciais. Ainda que as maneiras de conservação dos traços étnicos fundamentais dos dois grupos fossem diferentes, estes só podiam atuar numa perspectiva comum, que consistia, justamente, na diversificação grupal da política externa. Neste sentido, a expansão rumo ao norte dos Cadigué pode ser interpretada como a abertura de uma fronteira étnica, a qual permitiria a este grupo e aos Tacumbú desenvolver as atividades de escambo, adaptadas ao mercado colonial, e ainda manter as atividades guerreiras. Crise e decadência da fronteira payaguá O projeto payaguá de abrir uma fronteira ao norte, aproveitando-se dos cursos dos rios, teve sua atuação em pouco mais que trinta anos. Na década de sessenta do século XVIII, começa uma crise da qual, no momento, é difícil abarcar toda a dinâmica. Podem-se, porém, neste novo processo, distinguir duas datas fundamentais: 1768, ano da batalha contra os Mbaya-Guaikurú, e 1790, ano do definitivo aldeamento dos Cadigué na cidade de Assunção. Os fatores que estavam enfraquecendo a fronteira norte dos Payaguá procediam de duas distintas vertentes, índia e portuguesa. Com efeito, o projeto de Rolim de Moura de fechar e controlar os cursos dos rios com a finalidade de dificultar a retirada dos Payaguá rumo a Assunção, começou a se realizar por seus sucessores na década de 1770, com a fundação dos presídios militares de Coimbra e de Albuquerque (CORRÊA FILHO 1969, p. 91; VANGELISTA 2001). Os destacamentos militares e as fortificações impulsionaram um primeiro povoamento estável na faixa territorial, ao longo do rio Paraguai, e opuseram uma primeira, ainda que fraca e desorganizada, resistência ao vai-e-vem das canoas dos Payaguá14. As mudanças mais importantes se deram, contudo, no âmbito das relações indígenas, na fronteira fluvial em sentido norte. Em

145

poucas décadas, os Payaguá entraram em conflito com os Guaikurú, grupo que tinha uma política intertribal mais complexa: os índios cavaleiros não só possuíam uma aliança de guerra com os canoeiros, mas também uma relação de vassalagem-parentesco com os grupos arawak (os Chané), agricultores, também localizados ao longo da fronteira do rio Paraguai15. Já em 1727, no meio de uma bandeira contra os Payaguá, “um dos mais importantes caciques guaikurú” tinha oferecido aos portugueses sua própria amizade em troca de uma aliança contra os Payaguá16. A proposta foi recusada, porém se trata de um indício significativo da orientação dos Guaikurú: ao começo do século XVIII, os Cadigué, com seu manejo das canoas e o controle dos rios, eram um instrumento importante para os conflitos contra os portugueses. O fortalecimento das relações com os Chané e a aquisição de técnicas de navegação com Payaguá, fizeram com que, em meados daquele século, os Guaikurú pudessem excluir os índios canoeiros das correrias ao longo do Paraguai. De fato, a aliança entre Guaikurú e Payaguá quebrou-se em 1768, com um importante conflito, no qual os canoeiros foram vencidos, e os cavaleiros apropriaram-se do uso das canoas no rio (TAUNAY 1981, pp. 81-83; MÉTRAUX 1963, p. 224). Não se tratou de uma situação temporária (ainda que com todas as matizes das relações intertribais), porque na década de setenta, mesmo que os Payaguá causassem danos importantes aos portugueses ao longo dos rios, os Guaikurú praticamente os tinham substituído no eixo Assunção-Cuiabá. Em 1775 eles – os Guaikurú –reuniram, aos olhos dos lusitanos, todas as características das duas etnias. Luiz d'Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, governador de Mato Grosso, escrevia a Lisboa atribuindo a esses índios algumas das peculiaridades que, até então, foram assinaladas como específicas dos Payaguá: a velocidade de movimento sobre as canoas, os adornos de prata, o uso da língua espanhola, o comércio com Assunção17. Nos anos seguintes, os Payaguá não mais tiveram um papel importante nos conflitos ao longo dos rios mato-grossenses (TAUNAY 1981, p. 83).

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

1943, 143).

Os Cadigué estavam provavelmente preparando-se para o abandono daquele trecho do rio Paraguai, pois em 1790 apareceram em Assunção e se uniram, naquela cidade, com os Tacumbú, formando uma comunidade de mil pessoas (AZARA 1943, p. 143). No ano seguinte, em julho de 1791, dois chefes guaikurú, logo seguidos por muitos outros, firmaram, ante a presença do governador de Mato Grosso, a profissão de vassalagem ao rei de Portugal18. O quadro das relações dentro dos bandos indígenas seminômades estava mudando de maneira substancial. Durante a última década do século XVIII abriu-se, com efeito, um período no qual os povos indígenas situados ao longo do rio Paraguai começaram a se identificar com os territórios das duas distintas coroas. Se no caso dos Guaikurú esta evolução prolongou-se até as primeiras décadas do século XIX, para os Payaguá o processo se fecha em 1790, com o aldeamento dos Cadigué em Assunção. A fronteira dos Payaguá rumo norte cerrou-se definitivamente. De toda maneira, com a decadência das lavras mato-grossenses, os espanhóis não deviam estar muito interessados em apoiar os conflitos indígenas com os portugueses. Assim, o ano 1790 coincide com uma importante mudança territorial para os Payaguá: os dois grupos – Cadigué e Tacumbú – que sempre tinham mantido – ainda que com variações no curso do tempo – uma distinção territorial, encontraram-se reunidos no mesmo lugar, e com uma estrutura espacial inserida num contexto urbano. De acordo com Félix de Azara, os Cadigué, recémchegados, não manifestaram diferença cultural alguma com respeito aos Tacumbú, que moravam em Assunção já há várias décadas:

A resistência cultural tinha sido importante, a ponto de não permitir a um funcionário espanhol perceber mudanças significativas. Neste sentido, as observações de Félix de Azara são um bom indício do fato de que, no período da fronteira payaguá ao longo do rio Paraguai, os contatos dos Cadigué com os Tacumbú de Assunção devem ter sido constantes, indo além dos intercâmbios comerciais. O ano de 1790 trouxe para os Payaguá uma importante diminuição da mobilidade territorial e da liberdade na gerência das relações inter-tribais. Apresentava-se, então, para o povo reunido no aldeamento de Assunção, o problema da manutenção dos seus traços étnicos, num contexto em que as relações externas eram limitadas pela submissão política à coroa de Espanha. Há, contudo, indícios suficientes para afirmar que os Payaguá não entraram num processo de rápida assimilação. As dinâmicas, neste sentido, abandonaram a esfera territorial e da política externa para entrar na esfera cultural, demonstrando uma evidente resistência à evangelização. Segundo Azara, em Assunção as tentativas de conversão e de introduzir ritos de batismo aos meninos payaguá ameaçavam abertamente o equilíbrio entre os Payaguá aldeados e os espanhóis: Hubo un governador de la ciudad, que deseoso de hacer mérito en la corte hizo bautizar el 3 de noviembre de 1792 153 muchachos payaguá los cuales no llegaban a la edad de doce años. Pero se ha visto con la experiencia que estos recusan de ser cristianos, y que con el querer forzarlos se exitarían nuevamente a la guerra (AZARA 1934, p. 124).

[…] se establecieron los Siacuás o Tacumbús en la Asunción el año de 1740, y los Sarigués o Cadigués en 1790, componiendo un total de mil almas. No es posible distinguir unos de otros, pues aunque los tacumbús hacía cincuenta años que formaban un pueblo con los españoles, conservaban sus vestidos idiomas y costumbres, sin tomar cosa alguna de los españoles (AZARA

No imaginário payaguá, a vassalagem ao rei de Espanha não devia comprometer a autonomia étnica. Isto pode ser percebido também na elaboração do mito de origem, assim como o transmite de Azara:

146

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Nuestro primer padre fue el pez por nosotros llamado pacu, el vuestro fue aquél, al cual le dan el nombre de dorada; el padre de los guarany fue un sapo. En fuerza de si diversos orígenes vuestro color es más bello y claro, única ventaja que tenéis sobre nosotros porque los superamos en todos el resto; por el mismo motivo los guarany son despreciables y repugnantes como el sapo su padre (ibidem, p. 140).

que se manifesta na possibilidade de gerenciar uma chave tribal, na contraposição entre Cuiabá e Assunção, e na efetivação de uma aliança com os espanhóis. Esta se baseou num pacto comercial e político que evitou, por longa temporada, as relações com os missionários e os conseqüentes mecanismos da evangelização. O ano de 1740 representa-se como o momento final da primeira fase desta política de fronteira dos Payaguá. No interior do grupo, se acentua a separação territorial entre as aldeias dos Tacumbú e dos Cadigué. Estes assumem todas as características do grupo, assim como foi descrito pelos conquistadores espanhóis, a partir da fundação da cidade de Assunção: a vida sobre os rios, o uso da canoa, a agressividade, e mantêm, ao mesmo tempo, a tradicional aliança com os Guaikurú. Os Tacumbú, por sua vez, assentam-se em Assunção, dentro um aldeamento oficial da cidade. O novo quadro territorial pode ser interpretado como um pacto político e uma colaboração comercial, cuja condição é a conservação da estrutura da tribo e da administração autônoma das relações externas. É possível que os Payaguá, para enfrentar o impacto da nova etapa de colonização ibérica, tenham escolhido acentuar algumas das suas características étnicas referidas anteriormente. É possível, também, que esta orientação tenha implicado na progressiva formação de um grupo mais estável (os Tacumbú), aldeado na cidade, e outro móvel (os Cadigué), corsários dos rios. Graças a esta diferenciação interna, de caráter político, territorial e econômico, os Payaguá - no seu conjunto - abriram uma fronteira fluvial, atingindo o território ocupado pelos portugueses. A expansão ao norte das incursões dos cadigué garantiu a todos os Payaguá o desenvolvimento das atividades tradicionais de escambo, adaptadas, porém, à natureza do mercado colonial. Estes intercâmbios tiveram uma função mais complexa do que a de afirmação econômica do grupo; eles constituíram um mecanismo de conservação da etnia e de sua identidade, ampliado pelo uso dos conflitos entre portugueses e espanhóis. A fronteira payaguá teve o papel de afirmação étnica até os anos sessenta do século XVIII, Entre 1768 e 1790, o contexto

A origem diferente implicava em um futuro também diferente: os Payaguá afirmavam a existência de seu próprio paraíso, no meio de plantas aquáticas e de jacarés, um paraíso que não tinha nada a ver com o dos espanhóis (ibidem). Desta maneira, os Payaguá aldeados em Assunção afirmavam sua identidade étnica e exaltavam, na vertente indígena, a tradicional fratura com os Guarany que, aceitando as reduções jesuíticas, tinham podido pensar na existência de um futuro comum com os pálidos descendentes do peixe dourado. O aldeamento e a derrota na fronteira ao longo do rio Paraguai não havia, por enquanto, barrado a procura de novas formas de expressão dos traços étnicos tradicionais. Nos anos seguintes, os Payaguá aparecem ao lado das milícias espanholas e paraguaias nos conflitos de limites e na guerra contra a Tríplice Aliança, mantendo assim um papel não depreciável na fronteira do século XIX. Conclusões No começo do século XVIII, os rios do extremo oeste brasileiro, quase sempre coincidentes com os limites dos dois impérios ibéricos na América do Sul, passaram a ser percorridos por novos e numerosos atores sociais: os bandeirantes, à procura das lavras do ouro e, em seguida, os colonos, funcionários e escravos. A nova presença ibérica na região ativou também os interesses dos grupos indígenas, alguns dos quais viram na chegada dos portugueses um possível novo recurso, econômico e político. Neste contexto, este período marca a abertura de uma nova fase da política payaguá,

147

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

indígena e ibérico a põe em crise, até o fechamento das vias fluviais às correrias e guerras do grupo, com a progressiva afirmação dos Guaikurú no âmbito territorial português. Com efeito, na última década do século XVIII - para alguns dos povos da fronteira do rio Paraguai e de seus afluentes -, teve início um processo de identificação do território étnico com os domínios das duas coroas ibéricas, pelo menos a nível político. Qualquer que tenha sido a escolha dos diferentes grupos, podemos dizer que, entre o final do século XVIII e o começo do XIX, alguns dos grupos, que até aquele período haviam sido considerados irredutíveis, viram-se na necessidade de escolher um parceiro privilegiado: o futuro das etnias se decidia dentro dos limites territoriais produzidos pelas relações entre os dois países. O desenvolvimento, a crise e a decadência da fronteira payaguá jogam uma luz sobre o fato de que, para este grupo tribal, a relação com os espanhóis e seus sucessores aparecerá como o nó fundamental para a construção de futuros projetos de conservação, e às vezes de afirmação, dos traços étnicos fundamentais.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

__________. Viajes por la América Meridional. Madrid, Espasa-Calpe, 1934. BARBOSA DE SÁ, Joseph. “Relação das povoações do Cuyabá e Mato Grosso de seus princípios thé os presentes tempos”. Annaes da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1901, vol. 23, p. 5-58. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Monções. São Paulo, Editora AlfaÔmega, 1977. CABEZA DE VACA, Alvar Núñez. Relación de los naufragios y comentarios de Adelantado y Gobernador del Río de la Plata. Madrid, Librería General de Victoriano Suárez, 1906. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Do índio ao bugre. O processo de assimilação dos Terêna. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves Editora, 1976. CARDOSO, Armano Levy. Toponimia brasílica. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército Editora, 1961 . CARTA DE ANTÔNIO ROLLIM DE MOURA de 28 de junho 1753, Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), Mato Grosso, caixa 6, doc. n. 20.

REFERÊNCIAS AGUIRRE, Francisco. Discurso histórico que comprende el descubrimiento, conquista y establecimiento de los españoles en las provincias de la Nueva Vizcaya, generalmente conocidas por el nombre de Río de la Plata. Buenos Aires, Espasa-Calpe S.A., 1947.

CARVALHO FRANCO. Francisco de Assis. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil. São Paulo - Belo Horizonte, Livraria Itatiaia Ltda - Editora da Universidade de São Paulo, 1989.

ALBISETTI, César e VENTURELLI, Jayme. Enciclopédia bororo. Campo Grande, Museu Regional Dom Bosco, 1969-1972, 3 vols.

CORRÊA FILHO, Virgílio, Pantanais matogrossenses (devassamento e ocupação). Rio de Janeiro, IBGE, 1946.

ALMEIDA SERRA, Ricardo Franco de. Descripção da capitania de Mato Grosso s.d. (1797). Ms. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, códice 807.

__________. História do Mato Grosso. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1969.

AZARA, Félix de. Descripción e historia del Paraguay y del Río de la Plata. Buenos Aires, Editorial Bajel, 1943.

CORTESÃO, Jaime. Manuscritos da Coleção de Angelis, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro 1952, vol. 2.

148

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

EREMITES DE OLIVEIRA, Jorge. Guató. Argonautas do Pantanal. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1996.

MURIEL, Domingo. Historia del Paraguay desde 1747 hasta 1767. Madri, Librería General de Victoriano Suárez, 1919.

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. D. Antônio Rolim de Moura, primeiro conde de Azambuja (correspondência). Cuiabá, Imprensa da Universidade, 1982.

PAES E LEME, Pedro Taques de Almeida. Nobiliarquia paulistana. História e genealogia. São Paulo - Belo Horizonte, Livraria Itatiaia Ltda - Editora da Universidade de São Paulo, 1980, 3 tomos.

JAVIER DE CHARLEVOIX, Pedro Francisco. Historia del Paraguay. Madrid, Librería General de Victoriano Suárez, 1916, 6 tomos.

SAIGNES, Thierry. Ava i karai. Ensayos sobre la frontera chiriguano (siglos XVI-XX). La Paz, Hisbol, 1990.

JOÃO D'ALBUQUERQUE DE MELLO E CÁCERES A MARTINHO DE MELLO E CASTRO, Vila Bela, 9 de setembro de 1791, Arquivo Histórico Ultramarino, Mato Grosso, caixa 16, doc. nº. 57.

SANCHEZ LABRADOR, José. El Paraguay Católico, sus principales provincias convertidas a la Santa Fe y vasallaje de Rey de España (1770). Buenos Aires, Ed. Hermanos, 1910

LÉVI STRAUSS, Claude. Tristes Tropiques. Paris, Plon, 1955

SCHMIDEL, Ulrico. Relatos de la conquista del Río de la Plata y Paraguay 1534-155. (Norimberga, 1602), Madrid, Alianza Editorial, 1986.

LOZANO, Pedro. Historia de las revoluciones de la provincia del Paraguay, 1721-1735. Buenos Aires, Edición Cabant & Cia., 1905, 2 vols.

SCHMIDT, Max. “Los Payaguá”. Revista do Museu Paulista, N.S., vol. III, p. 129-269.

LUIZ D'ALBUQUERQUE DE MELLO PEREIRA E CÁCERES a Martinho de Mello e Castro, Vila Bela, 8 de junho de 1775, Arquivo Histórico Ultramarino, Mato Grosso, caixa 16, doc. nº. 49.

SUSNIK, Branislava. El indio colonial del Paraguay. Assunção, Museo Etnográfico “Andrés Barbero”, 1971.

MARTIUS, Carl F.P. Von. O estado de direito entre os autóctones do Brasil. São Paulo - Belo Horizonte, Ed. da Universidade de São Paulo Ed. Itatiaia Ltda, 1982.

TAUNAY, Afonso d'Escragnolle. História das bandeiras paulistas. São Paulo, Edições Melhoramentos, 1975, 3 tomos. __________. Relatos monçoeiros. São Paulo - Belo Horizonte, Editora da Universidade de São Paulo - Editora Itatiaia Ltda, 1981.

MÉTRAUX, Alfred. “Ethnography of the Chaco”. Em STEWARD, Julian H.(ed.). Handbook of South American Indians. New York, Cooper Square Publishers Inc., 1963, vol. I.

VANGELISTA, Chiara. “Confines políticos y relaciones interétnicas. Notas sobre la formación territorial de Brasil, entre colonia e imperio”. In: GONZÁLEZ, Elda, MORENO, Alfredo e __________. Confini e frontiere. Conflitti e alleanze inter-etniche in America Meridionale, sec. XVIII. Turim, Il Segnalibro, 2001

MORA MÉRIDA. José Luis. Iglesia y sociedad en paraguay en el siglo XVIII. Sevilla, Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, 1976. MOUTOUKIAS, Zakarías. Contrabando y control colonial en el siglo XVII. Buenos Aires, Centro Editorial de América Latina, 1988.

149

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

SEVILLA, Rosario. Reflexiones en torno a 500 años de historia de Brasil. Editorial Catriel, Madri 2001, p. 115-136.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

gueses naquella mesma cidade, e escrita por d. Carlos de los Rios Valmaceda". Em TAUNAY 1981, pp. 146-147. Transcrição literal. Carlos de los Rios Valmaseda era o filho do governador Diego; v LOZANO 1905, vol. 1, cap. I-VIII, e MORA MÉRIDA 1976, pp. 57-69.

VOLPATO, Luiza Ricci Rios. A conquista da terra no universo da pobreza. Formação da fronteira oeste do Brasil 1719-1819. São Paulo, Editora Hucitec, 1987. ZAVALA, G. Orígenes de la colonización en el Río de la Plata. México, Editorial de El Colegio Nacional, 1977.

8

“Vinda da Cidade do Paraguai […]”. Em TAUNAY 1981, p. 147.

9

“Vinda da Cidade do Paraguai […]”. Em TAUNAY 1981, p. 147.

10

V. também FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO 1982, p. 128. Sobre a aliança entre payaguá e espanhóis, v. ALMEIDA SERRA s.d. (1797), ms. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, códice 807.

NOTAS ¹ V. também: CORRÊA FILHO 1946, p. 43-45. Sobre a identificação dos Coxipones com os Bororo, v. ALBISETTI, e VENTURELLI 1969-1972, vol. II, pp. 217 e 760.

11

Carta de Antônio Rollim de Moura de 28 de junho 1753, Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), Mato Grosso, caixa 6, doc. n. 20. Sobre as estratégias de conservação da identidade étnica nos povos da região, v. o estudo do caso chiriguano de SAIGNES 1990, pp. 21-54.

² Sobre este tema, v. VANGELISTA 2001, pp. 115-136. ³ O contexto geral das políticas indígenas na fronteira do rio Paraguai no século XVIII e as interações entre os vários grupos étnicos está em VANGELISTA 2001.

12

Com o aldeamento em Assunção, o comércio dos Payaguá com os espanhóis aumentou de maneira significativa. V. AZARA 1934, pp. 123-124.

4

“Carta ânua da Missão de Todos os Santos de Guarambaré dirigida pelo padre Diogo de Boroa ao Provincial Diogo de Tôrres, 28.11.1614”, publicada por CORTESÃO 1952, vol. 2, p. 25.

13

Azara apontava que os Payaguá movimentavam-se somente via água e eram incapazes de resistir a ataques na terra firme (1934, pp. 146-147).

5

Sobre as bandeiras deste período, v. também TAUNAY 1975 e VOLPATO 1987.

14

Sobre as relações inter-tribais dos Mbaya-Guaikurú, v. SCHMIDEL 1986, SANCHEZ LABRADOR 1910, AZARA 1943, MARTIUS 1982, LÉVI STRAUSS 1955, MÉTRAUX 1963, CARDOSO DE OLIVEIRA 1976, SUSNIK 1971.

6

“Notícia dada pelo cap.m Domingos Lourenço de Araujo ao R.P. Diogo Soares sôbre as tropas, que vinham para S. Paulo no ano de 1730 […]”. Em TAUNAY 1981, pp. 30-31, 124-125, 141-145.

15

“Das minas de Cuiabá a Goiases, na Capitania de S. Paulo e Cuiabá, que da ao Rev. Padre Diogo Juares, o Capitão João Antônio Cabral Camello, sôbre a viagem que fez às Minas do Cuiabá no ano 1727”. Em TAUNAY 1981, p. 124.

7

“Vinda da Cidade do Paraguai a Nova Colonia do Sacramento como aviso de venda que fizeram os payaguás dos cativos portu-

150

ENTRE EL PILCOMAYO Y EL BERMEJO. LA VIDA DE LOS INDÍGENAS CHAQUEÑOS A MEDIADOS DEL SIGLO XVIII. Carlos D. Paz

RESUMO Com base nas crônicas do século XVIII, se analisa a vida dos grupos indígenas que habitavam o espaço compreendido entre dois rios do Grande Chaco, o Pilcomaio e o Vermelho. Nestas fontes, especial atenção é dada aos seguintes aspectos: a hostilidade do clima e a indolência das etnias que povoaram aquela região fluvial. Buscase descrever, analisar e explicar a relação entre os indígenas e seu meio-ambiente, mediante a análise das formas econômicas alcançadas, e entender os processos sócio-políticos ocorridos na franja do espaço que corre entre aqueles rios. Palavras-chave: rios do Grande Chaco, indígenas, meio-ambiente.

ABSTRACT

Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Based on accounts from the XVIII century, this paper analyses the lives of indigenous groups inhabiting the space between two rivers of the Great Chaco, the Pilcomayo and the Red River. From these sources, special attention is given to the following factors: the climate's hostility and the indolence of the indigenous people populating that fluvial region. The paper seeks to describe, analyze and explain the relationship between these indigenous people and their environment, by analyzing economic forms they have put into practice and understanding the socio-political processes occurring on the fringe of the space running between those two rivers. Keywords: rivers of the Great Chaco, indigenous people, environment.

NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

152

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

16

Luiz d'Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres a Martinho de Mello e Castro, Villa Bella, 8 de junho de 1775, Arquivo Histórico Ultramarino, Mato Grosso, caixa 16, doc. n. 49.

17

João d'Albuquerque de Mello e Cáceres a Martinho de Mello e Castro, Villa Bella, 9 de setembro de 1791, Arquivo Histórico Ultramarino, Mato Grosso, caixa 16, doc. nº. 57. O original da declaração de vassalagem encontra-se no mesmo fascículo.

153

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Dos son los aspectos más referidos en las crónicas del Gran Chaco: la ferocidad de su clima y la indolencia de los indígenas que lo poblaron. El calor del verano y los insectos, como opinaban algunos, fueron los mayores impedimentos para la sujeción y reducción de los indígenas chaqueños. Nos referimos, pues, a un espacio en el que las crónicas del XVIII¹ describen a la población nativa y al medio como un todo homogéneo; y nos proponemos ofrecer algunas explicaciones sobre la capacidad de respuesta de la sociedad indígena ante los ataques de la sociedad hispanocriolla. El objetivo de este trabajo es describir, analizar y explicar la relación entre los indígenas y su medio ambiente mediante una exégesis de las formas económicas alcanzadas. Así, conoceremos los procesos políticos y económicos que tuvieron lugar en la franja de espacio que corre entre los ríos Pilcomayo y Bermejo, con especial énfasis en la segunda mitad del siglo XVIII.

En cualquier mapa que veamos graficado el espacio chaqueño, se hacen presentes dos grandes ríos paralelos que desembocan en el río Paraguay: de norte a sur, el Pilcomayo y el Bermejo. En el Chaco Central, ambos ríos forman una suerte de Mesopotamia, dónde las inundaciones son moneda frecuente en la temporada de lluvias, un período que abarca aproximadamente desde mediados de octubre hasta fines de marzo o comienzos de abril. En ese período, las lluvias poseen una distribución dispar, presentándose la mayor cantidad en los terrenos que se ubican en las cercanías de las confluencias del Pilcomayo y el Bermejo con el Paraguay. Los informes de los naturalistas e ingenieros que acompañaron las campañas militares del siglo XVIII, así como aquellos reportes de fines del XIX, brindan una información valiosa para el conocimiento tanto del paisaje como de la geografía, así como también de las naciones indígenas que habitaban esas regiones. El río Bermejo es el que, naciendo en las serranías de Tarija [en la actual Bolivia], pasa por las inmediaciones de esta ciudad, donde toma el nombre de río de Tarija, y con el cual discurre por toda su jurisdicción, en donde le entra el río de las Salinas, y atravesando las cordilleras de los chiriguanos, sale a los famosos llanos de Manso, conocidos con el nombre de Gran Chaco Gualamba (FERNÁNDEZ CORNEJO 1969-1972, t. V, p. 459).

El espacio chaqueño. Ubicación de las principales ciudades, grupos étnicos y ríos de la región. Reelaboración de “Fundaciones jesuíticas del Chaco Austral, 17111767”, publicado en Ernesto MAEDER, Atlas Histórico del Nordeste Argentino. Resistencia. IIGHI. 1995, p. 69.

Así el río Bermejo, o Grande, como se lo refiere en algunos escritos, recorre el Chaco en toda su extensión de oeste a este. En sus márgenes se encontraban numerosas lagunas, donde los indígenas realizaban sus actividades económicas, sociales y políticas. Las virtudes de los espacios cercanos al río Bermejo eran elogiadas en 1790 por Adrián Fernández Cornejo, en la expedición que realizara entre fines del mes de junio y fines de agosto: Por todo el Chaco va formando el Bermejo hermosas vegas, particularmente hasta las reducciones, desde

154

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

donde corre más estrechado de barrancas: afuera se ven hermosos campos, de muy buenos pastos, y algunos montes altos de variedad de arboledas: se conoce que en sus crecientes se derrama a los campos por madrejones que tiene, donde forma lagunas que abundan de pescado (ibídem, pp. 460-461.)

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

Se observa, pues, que la importancia de este río se vinculaba con las necesidades de la extracción de plata. Recorrer el río Pilcomayo no era una tarea sencilla, ya que el tráfico de las embarcaciones se detenía por la presencia de árboles de maderas duras que entorpecían la navegación. Esos troncos a la deriva eran los mismos que se aprovechaban para la construcción de los ejes, en los ingenios y trapiches. Por lo tanto, si bien el Pilcomayo generaba dificultades para la navegación, aportaba maderas duras necesarias para las industrias mineras primero y azucareras después. Así, el ámbito ribereño era percibido como un espacio de riquezas pero con dificultades a superar. Por otra parte, debemos recordar que en las zonas costeras del Pilcomayo, al igual que en el caso del Bermejo, los indígenas se congregaban, porque esas tierras eran aptas para diversos cultivos. De este modo, tanto el paisaje como la población nativa eran problemas a resolver. Ahora bien, esta conformación del espacio va acompañada de una riqueza vegetal y animal sin par en el espacio chaqueño. Desde los primos años de las exploraciones realizadas por los sacerdotes jesuitas, se derejó constancia de que esta región era sumamente rica³ y daba lugar a la mayor concentración de grupos indígenas (VITAR 1997, p. 64). Estos se asentaban en las áreas cercanas a las riberas, ya que allí podían obtener los alimentos necesarios para su dieta. La caza, la pesca y la recolección eran posibles en estos espacios abiertos. Por otra parte, algunos cultivos brindaban una fuente más de sustento a los indígenas. Las parcelas de tierra localizadas en las márgenes de los ríos rápidamente fueron identificadas por los exploradores como parte de las riquezas de la región. Después de que el complejo productivo fuerte-haciendaobraje comenzara a cercar el área, junto con las ciudades que fueron naciendo y creciendo conforme a la presión colonial, los ganados vacunos y yeguarizos comenzaron a tener una presencia mayor en la vida indígena. Algunos de estos animales se escapaban de las haciendas españolas y encontraban en los márgenes de los ríos pastos de buena calidad con los cuales alimentarse. Las condiciones medioambientales eran favorables para la reproducción de los ganados, los cuales despertaban los intereses de los

Las exploraciones y los intentos de navegación de los ríos respondían a la necesidad de conectar los espacios altoperuano y porteño de forma relativamente rápida y económica. Esto impulsó toda una actividad tendiente a aportar datos para un mejor conocimiento de los ríos, del terreno circundante y de los grupos indígenas que habitaban la región. Sabemos que el Chaco es un espacio donde la inclinación del terreno se presenta, de noroeste a sudeste, en una proporción de 1 metro cada 5 kilómetros aproximadamente. A esto se suma que es tan copioso "el caudal de aguas vertidas por los contrafuertes orientales de los Andes, desde los grados 18 a 23 [que] puede decirse que todo el Chaco es del dominio de las aguas" (FONTANA 1977, pp. 49-50; 67) durante varios meses, hasta fines del mes de marzo, cuando las aguas comienzan a bajar y muchos espacios son nuevamente aprovechables. A su vez, debido a la escasa pendiente del terreno, los ríos experimentan cambios en su curso, lo que generó en más de una oportunidad cambios en los lugares de asentamiento de las poblaciones coloniales. Dentro de este mismo espacio se encuentra el segundo de los ríos de importancia para la región. Al decir del misionero catalán Joseph Jolís, El río Pilcomayo o Piscomayu (al sentir del Inca Garcilaso), que en lengua Peruana significa Río de los Pájaros, es el más grande del Chaco después del Paraná y Paraguay. Nace en la Provincia de las Charcas, entre los Montes de Potosí y de Porco hacia el sud, uniéndose a él muchas fuentes sobre el río Tarapacá en cuya vecindad están instaladas las máquinas de purificar la plata del rico cerro de Potosí (JOLÍS 1972, p. 63).

155

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

hacendados y de los nativos. En algunas oportunidades, los grupos indígenas de la región robaban ganados de las haciendas españolas o bien asaltaban establecimientos de indios reducidos. En las misiones, ellos recibían algunos animales como “regalo” para que aceptaran la reducción. Pero estos lugares, al no poseer guarnición militar para la defensa, eran un blanco fácil para los ataques. Los nativos, cuando pactaban pidiendo misión, pedían que las reducciones estuvieran cercanas a los cursos de los ríos. Por ello es que los ríos de la región y sus afluentes conforman un sistema que les permitía contar no sólo con fuentes de aprovisionamiento de algunos bienes sino que, también, posibilitaba la comunicación mediante la navegación entre distintas unidades residenciales indígenas. Por lo demás, los ríos no sólo eran vías de comunicación sino que, junto con las lagunas, constituían resguardos contra las incursiones hispanas, ya que las aguas suponían una limitación para las cabalgaduras que enfermaban con facilidad, y también contra los ataques de otros indios. Las etnias que poblaron el espacio chaqueño poseían una fuerte dinámica tanto de integración como de diferenciación, mediante contactos comerciales o por la vía de la enemistad4. El conjunto étnico que pobló el espacio era sumamente amplio5. Desde la óptica de los colonizadores, los indígenas podían ser agrupados bajo los rótulos de “indios de a pié” y los denominados “indios de a caballo”. Entre los “indios de a pié” encontramos grupos como los lule y los vilela. Estos últimos son

Los grupos que se oponían a los “indios de a pié”, siguiendo esa primigenia clasificación esquemática, eran los grupos que habían incorporado el caballo: tobas, mocobíes, abipones y matacos. Respecto de esta clasificación elaborada por los colonizadores, debemos hacer dos aclaraciones importantes, una concerniente a lo etnológico, la segunda sobre cuestiones socio-históricas de los pueblos indígenas. La dicotomía pedestre-ecuestre coincide en cierta medida con una dicotomía lingüística. En el espacio chaqueño, dos grandes familias lingüísticas convivían en el marco de una multiplicidad de grupos. Por un lado encontramos a los grupos identificados como hablantes de la lengua guaycurú, a saber, tobas, mocobíes y abipones. Los “hablantes”6 de esta lengua eran aquellos grupos, cuyos lugares de residencia se ubicaban “dentro” del Chaco. Eran además aquellos que hacían gala de sus dotes de jinetes, avezados en el uso del caballo y la lanza para los ataques a las fronteras hispano-criollas. Por otro lado se encontraba la familia lingüística mataco-maccá, que abarcaba a los grupos lules, vilelas, matacos y mataguayos entre otros, que no poseían cabalgaduras y que habían aceptado la vida de tipo reduccional. Hasta aquí, este esquema parece ser adecuado para maridar formas materiales de reproducción social con aspectos lingüísticos. Para los españoles, los grupos de a caballo permanecían en su indolencia7 debido a que el interior del Chaco era un lugar que no sólo les brindaba refugio sino que, por otra parte, los caballos les facilitaban rápidos desplazamientos luego de los asaltos perpetrados en los establecimientos productivos coloniales asentados en las fronteras. Las haciendas, obrajes y fuertes donde los indígenas realizaban sus asaltos, servían a modo de línea de contención y defensa de los bárbaros y salvajes. Empero si colocamos los nombres de los grupos sobre un mapa, rápidamente caemos en la cuenta de que aquellos presentados por las crónicas como dóciles, tenían sus ámbitos de morada en los espacios que habían quedado bajo la esfera de la dominación colonial. Las haciendas y obrajes, así como los hinterlands y forelands de algunas ciudades españolas, habían ocupado los

de buena disposición y acérrimos enemigos de los mocovíes y demás naciones bárbaras del Chaco, con quienes tienen continua guerra en que siempre sacan estos pobres el peor partido, por ser gente de a pie y tener los otros mucha caballería, no porque en el valor les excedan, antes sí les aventajan (Carta del Gobernador Esteban de Urizar al rey, A.G.I. Charcas 210; citado por VITAR 1995, p. 112.).

156

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

de razon no se mueben â ejecutarlo. No se valen pa con ellos razones sino dadivas. Con estas ô con las Armas se convierten. Unos son menos Barbaros q otros por qe unos son Labradores, ô Chacareros, y viven en casas, Pueblecitos con obediencia â sus Caciques (CARDIEL 1747, f. 1).

terrenos que tiempo antes de la expansión de las fronteras coloniales se encontraban en posesión de estos grupos nativos. Para comienzos del siglo XVIII, las campañas de colonización en el Chaco experimentaron un crecimiento. Estas campañas tenían como objetivo “pacificar los ánimos” indígenas. Así, a comienzos del siglo XVIII se observa un panorama de conflictividad creciente, ya que los grupos disputaban el control de sus espacios vitales, tanto con indígenas como con colonizadores. De este modo, verificamos que para los grupos lules y vilelas era casi imposible no adoptar el modo de vida de tipo reduccional descrito en el cuerpo documental. Pocas eran las alternativas que tenían, ya que el interior chaqueño no era un espacio que fuera reconocido como perteneciente a estos grupos por los otros con los cuales mantenían disputas8. La expansión de las fronteras generó nuevos conflictos, que se fueron incrementando por el rol de soldados étnicos que estos cumplieron en las entradas al Chaco. Sin embargo, es necesario mencionar que algunos lules y vilelas poseían cabalgaduras, aunque no desarrollaban actividades de intercambio con los caballos, como es el caso en el chaco santafesino, donde abipones y mocobíes ponían en circulación ganados tomados en sus fronteras (PAZ 2004). Algunos de éstos terminaban en manos de grupos tobas, ya fuera por el comercio entre mocobíes y tobas o bien por la vía del hurto directo a los abipones. Llegado este punto, es necesario dar a conocer la base económica de los pueblos que habitaban la zona, con el objetivo de comprender mejor la dinámica de estas poblaciones. Un aspecto al que siempre se hace alusión en las crónicas jesuíticas es que los indígenas abandonaban rápidamente los espacios misionales que se destinaban a los efectos reduccionales. La causa de esto, según los jesuitas, se encontraba tanto en su base material como en el ingenio de los mismos. En 1747, el sacerdote jesuita Joseph Cardiel de destacada labor entre los indígenas del Chaco – decía que

Como vemos, los nativos encontraron en la misión una forma de lograr el acceso a ciertos bienes que eran necesarios para su vida. Uno de los pedidos que siempre hacían a los sacerdotes eran armas de fuego, a lo que la respuesta siempre era un no. Sólo los guaraníes tenían el privilegio de portar armas y de tenerlas en las misiones. Además de estos artefactos, los indígenas pedían a los misioneros raciones de carne, atuendos hispanos y pequeñas herramientas de metal, tales como agujas. Sin embargo, los “regalos” de los sacerdotes no siempre lograban “conquistar” los ánimos de los indígenas para que se redujeran. Otro misionero, esta vez anónimo, nos informa que Una de las maîores dificultades que teniamos para la conversion de los gentiles del Chaco era, el que se acostumbrasen a permanecer en un sitio, y que vivieran juntos; porque estaban acostumbrados, â no estar muchos días en un punto ni a estar muchas familias juntas (RESEÑA HISTÓRICA 1768, s.p.).

Esta afirmación sobre el problema para la conversión nos pone delante de las formas mediante las cuales los indígenas se asentaban. La población en pequeñas unidades domésticas permitía una explotación del medio sin llegar a causar el agotamiento del mismo. Esta forma de relación con el medio ambiente era la base de una sociedad con un esquema de integración propio de la floresta tropical, es decir, pequeñas agrupaciones que en determinadas épocas del año se concentraban en puntos preestablecidos. Retomando la dificultad para los asentamientos de mayor porte, otro sacerdote exponía que "su modo de vivir no consiente

Los Infieles de esta Prova son delos mas Barbaros, q se encuentran en la America. Son de genio pueril. Creen facilmte lo q se les dice de nuestra S. Fe, pero por falta

157

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

que vivan juntos mucho gentio, porque en dos dias acabarian con la caza, pescas, y con los frutos [...]" (RESEÑA DEL CHACO 1768, s.p.). Esto debido a que “Se [nutrían] los indios con el mucho pescado que tiene el rio [...] y con el maíz, calabazas, sandías, y melones que siembran” (RESEÑA HISTÓRICA 1768, s.p.), a lo que debemos agregar las proteínas obtenidas del consumo de los huevos de las numerosas especies de aves. La referencia a los cultivos de sandías y melones es por demás importante. Con estos sembradíos, los naturales tenían una fuente de agua potable para una región en la cual las periódicas crecidas de los ríos en la temporada de lluvias no dejaban reservas de agua apta para el consumo humano. Los comentarios de los misioneros que recorrieron la zona son una buena prueba de este problema. Entre otras informaciones suministradas en lo que se refiere a respuestas a necesidades materiales específicas, como la falta de agua, se mencionaba que

cia en el tráfico ultramarino. El segundo era el corredor que comunicaba por vía fluvial a Buenos Aires con Asunción del Paraguay. Consecuentemente, la región ubicada entre los ríos Pilcomayo y Bermejo recibía también una atención subsidiaria en lo que refiere a las tareas de evangelización. Las labores de conversión se centraron en aquellos grupos cuyas territorialidades y rangos de acción podían poner en peligro el resguardo de la línea de fronteras. Un claro ejemplo en este sentido fueron las misiones jesuíticas que se emplazaron sobre la línea del Paraná, destinadas a “reducir” a mocobíes y abipones9. En cuanto a las misiones que resguardaban los intereses económicos, éstas eran erigidas en las inmediaciones de los fuertes, con el objetivo de que proporcionasen fuerza de trabajo para su manutención y para trabajar en las haciendas y los obrajes cercanos. Por otra parte, la cercanía de los dispositivos de poder fronterizo brindaba algunas ventajas a los indígenas. Encontramos un claro ejemplo en este sentido en 1790, cuando

entre el rio Salado y el Vermejo [...] suplían la falta de río y manantiales perene con la agua llovediza, que se recoge en ciertos baxíos de tierra, los quales cavaban, y profundizaban mas, para que la agua recogida [...] durase por mas tiempo (NACIONES DEL CHACO 1768, p. 26).

el cacique Clemente Anaya, invocando la probada fidelidad de su pueblo al amo colonial, pidió permiso para que los jóvenes de su tribu [se trataba de wichíes o matacos] entrasen a Salta a vender los productos de su región, en la confluencia del río Dorado y el Seco [donde] podrían ofrecer cera, miel, redes de pesca, chaguar, plumas y pieles de diversos animales (SANTAMARÍA y PEIRE 1993, p. 96).

LA ACCIÓN MISIONAL ENTRE LOS GRUPOS DEL ÁREA Las poblaciones indígenas del área chaqueña representaban un asunto conflictivo para la administración colonial y su defensa de las fronteras, por las coaliciones que podían conformar con otros indígenas, pero no llegaron a constituir un problema que, en sí mismo, requiriera de medidas drásticas. Los intereses económicos a resguardar en el espacio del Río de la Plata se correspondían, básicamente, con dos ejes. Uno de ellos – de hecho, el más importante debido a las ganancias que reportaba a la Corona - era el corredor que unía el Real Socavón de Potosí con el puerto de la ciudad de Buenos Aires, que para el siglo XVIII había adquirido mayor relevan-

Los productos que los indígenas iban a vender en la ciudad provenían de las áreas próximas al río. Así pues, las márgenes del Pilcomayo, además de ser el hogar de algunas unidades residenciales indígenas, permitían acceder a algunos productos que podían ser comercializados en las fronteras. Desde época temprana, las misiones emplazadas por los jesuitas en las inmediaciones de los ríos Pilcomayo y Bermejo se encontraban en total consonancia con las entradas que se hacían al interior del Chaco, es decir, no sólo buscaban ser un baluarte de civilización sino que servían para contar con gentes que luego

158

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

serían distribuidas entre las familias de notables. Un ejemplo de ello es la entrada que realizaron al territorio los jesuitas Diego Francisco de Altamirano y Bartolomé Díaz, quienes

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

que habían logrado huir de las huestes expedicionarias. Como vimos con anterioridad, los asentamientos indígenas se encontraban dispersos en las márgenes de los ríos. Luego de que una gran cantidad de nativos fueran repartidos en las ciudades, nuevas formas de relación comenzaron a construirse. Sabemos que los grupos asentados en “el interior” del Chaco se encontraban unidos por lazos de parentesco, los cuales eran renovados durante la temporada estival en las reuniones que realizaban y que tanto condenaban los conquistadores. En esas, se tejían nuevas alianzas y se gestaban nuevas uniones entre grupos, tanto para la celebración de festividades como para la construcción de su propia historia. Por otra parte sabemos que un sacerdote jesuita anotó en 1762 que "en el tiempo de sus borracheras […] Luego que comienzan á calentarse con la chicha, traen á la memoria todos los agravios pasados, y presentes" (RESEÑA DEL CHACO 1768, s.p.). Uno de los puntos que podrían tratarse en el debate de estos agravios eran las muertes y las deportaciones que algunos de sus parientes y allegados habrían sufrido. Las misiones no eran aceptadas - como sostienen las quejas de los contemporáneos - porque eran como una puerta vaivén (VITAR 1997, p. 272), por donde los indígenas canalizaban algunos de sus intereses. Aquellos que eran entregados a las familias de notables, y lograban escapar o comunicarse con los suyos, brindaban información sobre las fronteras indígenas, así como de las ciudades, fuertes y misiones. No debemos de olvidar que estas instituciones religiosas no eran espacios aislados del mundo hispano-criollo y mucho menos del indígena10. Por lo tanto, estas gentes comenzaban a transitar un nuevo camino sin que el río dejara de tener importancia en su vida. A pesar de que habían sido alejados de los suyos, no debemos pensar que los vínculos sociales se quebraron. Sabemos que los indígenas reducidos entregaban información a aquellos que no lo estaban. A comienzos del siglo XVIII, las entradas al Gran Chaco cobraron vigor como consecuencia de las presiones indígenas sobre las nuevas fronteras que comenzaban a constituirse, así como por la necesidad de mano de obra. En este proceso de expansión, la política misional desplegó su acción. Un ejemplo de ello lo

fundaron […] en 1673, la Reducción de San Francisco Javier con indios de varias parcialidades y naciones, [aunque] predominantemente Tobas. Esta misión estaba situada [a] cuatro leguas de la Ciudad [de Esteco], río abajo, hacia las tierras del Chaco [y] el número de personas [de la misma] subió a cuatrocientas, antes de que llegasen los que sacó el Gobernador con sus soldados (FURLONG 1939, p. 71).

A pesar de que las misiones que circundaban los espacios ribereños congregaban una multiplicidad de indígenas de distintas etnias, en las autoridades coloniales no se identifica una voluntad de conocer a cada grupo, por lo que se homogeneizó a los pueblos nativos bajo distintos rótulos (GIUDICELLI s.a.). Retomando las acciones que dieron lugar a la fundación de la Misión de San Francisco Javier, es necesario marcar un aspecto que luego se constituiría casi en una constante para la región. Este establecimiento tuvo una existencia efímera. Después que las tropas militares se retiraron del espacio chaqueño, los indígenas recuperaron el control del territorio entre el Pilcomayo y el Bermejo, no obstante la gran cantidad de hombres, mujeres y niños que habían sido tomados prisioneros durante la campaña. Al respecto, Furlong (1939, p. 72) menciona que unos 1300 indígenas fueron capturados en el tiempo que duraron las campañas y que ante la imposibilidad de crear una misión los individuos capturados, fueron repartidos entre las ciudades de Tucumán, Santiago del Estero, Jujuy, Salta, Catamarca, La Rioja y Córdoba. Por lo tanto, podemos afirmar que, para las autoridades coloniales, los espacios ribereños sólo eran necesarios para proveerse de fuerza de trabajo. Las misiones podían ser un reaseguro contra los ataques de los indígenas, pero una vez que las unidades residenciales de estos fueran desarticuladas, el espacio ribereño volvía a quedar en manos de los nativos

159

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Paisanes y otras parcialidades de esta nacion, que venian huyendo delos Mocobies, y Tobas, con todo su chusma y aguar" (ibídem).

encontramos en 1711 con la fundación de la Reducción de San Esteban de Miraflores, colindante con el presidio homónimo, a unas 30 leguas de Salta, conformada con indios lule. Tres años más tarde, esa misión se trasladó al paraje de Miraflores sobre el río Pasaje (FURLONG 1939, p. 78), más alejada del fuerte, en consonancia con la práctica jesuítica de establecer poblados alejados de los centros coloniales (MÖRNER 1999). Ahora bien, este movimiento de personas no pasó inadvertido para las poblaciones indígenas. Las campañas militares necesitaban guías que orientaran a los expedicionarios hacia el Chaco. Grupos ya reducidos, como los lule y los vilela, servían a modo de soldados étnicos. Esta función, junto con el traslado de las misiones hacia nuevos territorios, y el desalojo de algunos pueblos, como los mocobíes o los toba, comenzó a generar nuevos conflictos por viejos espacios. Veamos un ejemplo de este problema. Los paisanés

Las reducciones, como dijimos, se ubicaban en las cercanías de los cauces de agua, como el Pilcomayo y el Bermejo, siguiendo los preceptos doctrinales de la Compañía de Jesús. Aceptar vivir “dentro” de ellas daba algunas garantías a los indígenas. Una de ellas, y quizás la más importante, era poder contar con el auxilio de las tropas coloniales frente a posibles ataques de otros indios. A pesar de que las misiones eran un blanco fácil para los ataques, también eran una alternativa para resistir a los embates de grupos rivales y para contar con algunos de los bienes materiales que los sacerdotes entregaban a modo de contraprestación a la reducción. Por otra parte, dentro de la misión, mediante el reconocimiento que los misioneros otorgaban a algunos principales, éstos podían construir posiciones de poder y prestigio. Pero el proceso reduccional también generaba fricciones entre los distintos grupos indígenas, así como en el interior de una nación, debido a que no todos concordaban con la política de pactos mediante la cual se fundaba la misión. Veamos otro ejemplo de la segunda mitad del siglo XVIII. El padre Joseph Jolís en 1762 viajaba por el Chaco con unos tobas al mando del cacique Marini, con la intención de explorar el Río Bermejo. En su viaje,

Acozados de los españoles se retiraron al Rio Grande [o Bermejo], donde con la Cercanía de los Tobas, y Mocobies, y la comunicación con ellos, pasaron de indios de a pie, y buenos flecheros, á ser indios de á caballo (NACIONES DEL CHACO 1768, p. 26).

Sin lugar a dudas que, para los españoles, esa transformación suponía un nuevo escollo, ya que los indios de a caballo, o montaraces – como referían a los indígenas con cabalgaduras y procedentes de los montes -, eran temidos por sus acciones. Al adoptar el caballo, modificaron su forma de vida y comenzaron a requerir de mayores espacios para el mantenimiento de estos animales, así como de otros, como los vacunos, con lo cual el medio ambiente sufría una nueva presión. Junto con esto, la frontera saltojujeña con el Chaco estaba llegando a su circunscripción social y medio-ambiental. En el mismo año que lo relatado en relación a los paisanés,

"en agosto de 1762, alcanzaron el fuerte de los Pitos junto al Río Salado, que está cerca del Río Grande […] halló tres tropas de Tobas, que dirigían un ataque contra los Paisanes y Vilelas. Eran unos trescientos los Tobas, y con sus jefes Telegotí, Aglaiquín y Nogomidiní, quienes años atrás habían dado muerte a Alaiquín, cacique de los abipones. Dos días más tarde se les juntó Pahaiquín, con algunos Mocobíes, Tobas y Malbalaes, a los cuáles, aunque de diversa nación, llamaré Tobas […] porque estaban confederados con los Tobas. Habiéndolos convidado Jolís a formar Reducción, convinieron todos en ello con dos condiciones: la que se hiciese

"El año de [17]62, entro al Chaco el P. Roque Goroztiza á buscar álos Chunupies […] el mismo año entrando [...] Jolís [...] en busca [...] de tobas, encontraron con los

160

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

el pueblo allí dónde estaban y que se les dieran vacas del pueblo de Concepción" (FURLONG 1939, p. 123).

¿Qué nos dice esta extensa mención sobre lo que estaba sucediendo en el Chaco salteño? Dos son los puntos centrales sobre los que se pone el énfasis: el primero, que paisanes y vilelas se encontraban enfrentados con algunos grupos de tobas, que se encontraban coaligados con grupos de mocobíes, los que, a su vez, con ayuda de los primeros, mantenían disputas de la larga data con grupos abipones asentados en las cercanías de las fronteras santafesinas y cordobesas; el segundo - un aspecto mencionado en la historiografía, pero poco conocido -, a saber, que las misiones establecidas en los bordes chaqueños habían desestabilizado la geopolítica indígena. Analicemos el primero de los problemas. La presión sobre los ríos, producto de los asentamientos en sus inmediaciones para contar con agua para la subsistencia, así como con fuerza motriz para los trapiches y los ingenios, junto con la asistencia de algunas parcialidades, no sólo alimentaba rivalidades y movilizaba las venganzas, si no que acotaba los territorios que algunas naciones - en este caso los tobas - consideraban de su usufructo privativo. Recordemos que los ríos proveían de bienes que podían comercializarse en las fronteras. Dejar de acceder a los bienes que el río proporcionaba era no sólo dejar un espacio “ancestral”, si no que, además, quitaba posibles réditos económicos a los que allí vivían. Ante la superioridad de aquellos que contaban con mayores recursos posibles de ser movilizados, los grupos “más débiles” debían de integrarse en la política de fronteras bajo la forma de misiones o establecer nuevas coaliciones, como la de tobas y mocobíes para enfrentar a los abipones. Los recursos de los grupos más fuertes podían ser puestos en acción mediante las alianzas construidas por lazos de parentesco o por afinidades establecidas en función de enemigos comunes y – de acuerdo con lo que conocemos a través de la documentación - más aguerridos, como en el caso de los abipones. Indígenas de asentamiento ribereño se veían presionados por el frente colonizador hispano-criollo, que demandaba

161

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

cada vez más hombres y materias primas de las veras de los ríos. Por otra parte se veían acosados por grupos del interior chaqueño, que veían esas tierras como lugares de abastecimiento. Los indígenas que se encontraban asentados en las regiones adyacentes al Pilcomayo y el Bermejo tenían que tomar una resolución para poder continuar con su forma de vida y con lo que habían comenzado a construir en el nuevo marco de relaciones sociales del siglo XVIII. Nos referimos aquí al segundo asunto enunciado antes. Tobas, mocobíes y malbalaes querían que se les formara misión en el punto en cuestión y que el ganado que se les diera proviniera del pueblo de Concepción. Este pueblo es uno de los que se crearon para la reducción de una parcialidad de abipones, que se encontraba en las cercanías de Córdoba y recibía ganados de las estancias jesuíticas cordobesas. Lo relevante aquí, desde la perspectiva de la geopolítica indígena, es que los naturales intentaban hacerse con ganados destinados a la mantención de sus enemigos. Accediendo a este beneficio, además de la misión en las cabeceras del río Salado, tendrían a su favor armas estratégicas para enfrentar a sus rivales, que ya debían enfrentar distintos frentes de batalla (PAZ 2005). Quitando parte de los recursos a sus enemigos, podían tener una alternativa para continuar con sus formas de vida, que implicaban asentamientos dispersos y con varios poblados que respondían a distintos caciques. Esto explica las dificultades - relacionadas con la estructura política indígena - que enfrentó Jolís para crear una misión en ese espacio. Una de ellas, quizás la más importante, es que los grupos mocobíes de la región, al igual que los abipones y tobas, no acataban las decisiones de un líder11 que no detentara alguna concentración de poder, prestigio y riqueza. La estrategia de solicitar misión y doctrinero era una de las vías para acceder a cuotas de reputación y fortuna, que podían ser capitalizadas en favor de aquel que se presentara como cabeza de la negociación. Las entradas al Chaco continuaron así como las tentativas por formar misión, tentativas que luego del extrañamiento de la Compañía de Jesús continuarían los miembros de Propaganda Fide.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Conclusiones

individuos. Esto implicaba una presencia numerosa en las fronteras, debido no sólo a las necesidades de los indígenas sino al conocimiento que éstos tenían de las limitaciones de los hispano-criollos. Por las quejas jesuíticas conocemos que algunos indígenas, reducidos o no, traspasaban las fronteras para trabajar en los asentamientos productivos hispanos, lo cual generaba indefensión en las fronteras, siendo esto aprovechado por los “salvajes” del interior chaqueño. Poco era lo que las misiones jesuíticas podían ofrecer a unos y otros en el marco de esta situación general, donde un delicado equilibrio parecía alterarse con la llegada de los primeros calores primaverales. Ese delicado equilibrio entre guerra y paz en las tierras del Pilcomayo-Bermejo daba paso a las maquinarias de guerra a uno y otro lado de la frontera, continuando así hasta que el EstadoNación argentino tuvo la suficiente fuerza para cuasi despojar a los indígenas de sus condiciones de reproducción social. Aún hoy las tierras del Pilcomayo y el Bermejo son el medio dónde indígenas, y colonos pobres, subsisten entre estos “dos mundos” unidos y separados por los ríos.

“Muchos gobernadores jesuitas y eclesiásticos le han formado en reducciones, pero ninguna ha subsistido”, sostenía Azara (1945, cap. X) con relación a los tobas, que tenían como morada las tierras entre el Pilcomayo y el Bermejo. La misma afirmación podría ser extensiva para los demás grupos indígenas. Así, la pregunta que debemos responder es por qué las reducciones no prosperaron, obviando sí las respuestas basadas en el supuesto genio indolente de los naturales. Si bien los indígenas de la región se presentaban como un problema para las autoridades coloniales y para los intereses económicos de la región, las misiones no aparecían como una solución viable ni para los hispano-criollos ni para los indígenas. Ubicadas en las cercanías de los ríos eran un trampa de carácter doble. Disponer de las aguas y de los recursos que los ríos brindaban era algo por demás necesario para indígenas e hispano-criollos. Pero ni unos ni otros poseían la fuerza de choque necesaria para poder derrotar al enemigo, cuyo carácter era como el del río, unas veces indómito, otras, extraordinariamente benevolente. La misión era necesaria para los indígenas como forma de poder resistir los ataques de grupos hostiles y para poder acceder con mayor facilidad a los mercados coloniales. Para los hispano-criollos la reducción era necesaria como freno a las actividades de los indígenas hostiles, pero les impedía contar con la fuerza de trabajo que las mismas congregaban. La reducción, por sus características, sólo podía ser emplazada lejos de las ciudades y en las cercanías de los ríos. Allí los indígenas podían continuar con algunas de sus prácticas económicas, como la caza, la pesca y la recolección, pero esas actividades no alentaban la adopción del hábito de trabajo regular reclamado por los doctrineros. Las haciendas y obrajes requerían de grandes contingentes de fuerza de trabajo indígena únicamente durante la temporada estival, con lo cual tampoco se hacía mucho por dar un giro radical a la política de fronteras. El período en que se necesitaba mano de obra coincidía con el momento en que, en el interior chaqueño, se congregaba el mayor número de

162

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Referências

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

y moderna de las provincias del Río de la Plata, por Pedro de Angelis. Con prólogos y notas de Andrés M. Carretero. 8 vols. Buenos Aires, Plus Ultra, 1969-1972 [1836].

AZARA, Félix de. Descripcion e Historia del Paraguay y del Río de La Plata. Vol. I. Buenos Aires, Editorial Babel, 1945 [disponible on-line en Biblioteca Virtual del Paraguay: http://www.bvp.org.py/].

FONTANA, Jorge. El Gran Chaco. Buenos Aires, 1881 [reed. por Ernesto Maeder. Buenos Aires, Solar-Hachette, 1977].

CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. How to Write the History of the New World. Historiographies, Epistemologies, and Identities in the Eighteenth-Century Atlantic World. California, Standford University Press, 2001.

FURLONG, Guillermo, S.J. Entre los Vilelas de Salta. Buenos Aires, Academia Literaria del Plata, 1939. GIUDICELLI, Christophe (en prensa). “Encasillar la frontera. Clasificaciones coloniales y disciplinamiento del espacio en el área diaguito-calchaqui. (siglos XVI-XVIII)". Aceptado para su publicación en Anuario IEHS. Tandil – Buenos Aires, Argentina; núm. 21.

CARDIEL, Joseph. “Difficultades q ay en la conversion delos Infieles de esta Prova del Paraguay, y medios para vencerlas”. 20 de agosto de 1747. Archivo General de la Nación [Argentina] Colección Biblioteca Nacional. MS 4390, Cuerpo 2.

JOLÍS, José. Ensayo sobre la Historia Natural del Gran Chaco. Facultad de Humanidades. Instituto de Historia. Resistencia, UNNE, 1972 [1789].

CASTRO BOEDO, Emilio. Estudios sobre la Navegación del Bermejo y Colonización del Chaco. Buenos Aires, 1873.

LEVINTON, Norberto. “Las estancias de Nuestra Señora de los Reyes de Yapeyú: tenencia de la tierra por uso cotidiano, acuerdo interétnico y derecho natural (Misiones Jesuíticas del Paraguay)”. En: Revista Complutense de Historia de América. Universidad Complutense de Madrid. Madrid; vol. 31, 2005, pp. 33-51.

CLASTRES, Pierre. Arqueología de la Violencia: la guerra en las sociedades primitivas. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2004. COSTA, Maria de Fátima. “Deus e o Diabo em terras molhadas”. En: Territórios e Fronteiras. Revista do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá - Mato Grosso; vol. 1, núm. 1, 2000, pp. 63-84.

MÖRNER, Magnus. La Corona Española y los Foráneos en los Pueblos de Indios de América. Madrid, Agencia Española de Cooperación Internacional. Ediciones de Cultura Hispánica, 1999.

DOBRIZHOFFER, Martín, S. J. Historia de los Abipones. Resistencia, UNNE, 1968 [1783-1784]; 3 vols.

“NACIONES DEL CHACO” [1768]. Misiones del Chaco argentino. Misiones de los Padres Camaño, Andreu, Castro, Borrego, Jolís y Arto. Archivo de la Compañía de Jesús en Sant Cugat del Vallés – Barcelona.

FEBVRE, Lucien. La Tierra y la Evolución Humana. Introducción Geográfica a la Historia. Barcelona, Editorial Cervantes, 1925. FERNÁNDEZ CORNEJO, Adrían. “Expedición al Chaco por el Río Bermejo ejecutada por el Coronel D. Adrián Fernández Cornejo”. En: Colección de Obras y Documentos relativos a la Historia antigua

163

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

PAZ, Carlos D. ""La mente de los bárbaros no siempre es bárbara". Consideraciones sobre el funcionamiento de la economía indígena chaqueña en el marco de los intentos de incorporación estatal”. En: LANDAVAZO, Marco Antonio (ed.). Territorio, Frontera y Región en la Historia Americana. Instituto de Investigaciones Históricas. Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo. Morelia, Michoacán, México, 2003 A; pp. 111-144.

co? La problemática interétnica del Chaco centro-occidental en el siglo XVIII". En: Anuario de Estudios Americanos. Sevilla; tomo L, núm. 2, 1993, pp. 93-127. VITAR, Beatriz. "Mansos y salvajes. Imágenes chaqueñas en el discurso colonial". En: Pino, Fermín del y Lázaro, Carlos (coords.). Visión de los Otros y Visión de sí Mismos. Madrid, Biblioteca de Historia de América/Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1995.

__________. “El proceso histórico de conformación de una identidad común. La nación abipona en el siglo XVIII”. En: AA.VV. (coords.) Territorio, memoria y relato en la construcción de identidades colectivas. Rosario, UnR Editora, 2004; tomo III, pp. 81-90.

__________. Guerra y Misiones en la Frontera Chaqueña del Tucumán (1700-1767). Madrid, Biblioteca de Historia de América/Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1997.

__________. “El nudo gordiano de las políticas indígenas de los grupos chaqueños. Misiones, misioneros y guerras en la génesis de una sociedad de jefatura, segunda mitad del siglo XVIII”. En: Revista História UNISINOS. Universidade do Vale do Rio Dos Sinos. São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil; vol. 9, núm. 1, 2005, pp. 35-48.

WILDE, Guillermo. Antropología histórica del liderazgo Guaraní misionero (1750-1850). Tesis Doctoral. Universidad de Buenos Aires, 2003. .NOTAS ¹ Encontramos un análisis de las formas de narrativa del siglo XVIII en CAÑIZARES-ESGUERRA 2001. Algunos aspectos de la narrativa jesuítica fueron estudiados por COSTA 2000.

PAZ, Carlos y SORIA, Luis. “Análisis de las transformaciones medioambientales a partir de las actividades económicas indígenas. Un estudio comparativo de las Pampas y el Chaco. ca. 1750-1820”. En: Actas IX Jornadas Inter-escuelas / Departamentos de Historia. Mesa Temática Abierta: Relaciones sociales en los espacios de frontera latinoamericanos. Siglos XVIII-XIX. Córdoba, 2003 B.

² El río Bermejo es referido como “Grande” debido a la cantidad de aportes que recibe de otros ríos de menor caudal y extensión. Desde que el Bermejo entra en el actual territorio argentino en las cercanías de la ciudad de Orán, (Salta, República Argentina) en lo que se conoce como las Juntas del San Francisco (debido a la confluencia de los ríos Bermejo, Grande de Tarija, Iruya y San Francisco, entre los más importantes), hasta su desembocadura en el río Paraguay recorre una distancia de aproximadamente 600 km, siendo navegable en toda su extensión para las naos de la época. Para conocer en detalle los aspectos geográficos, hidrográficos, climáticos así como una relación de las principales expediciones al Bermejo, remitimos al lector a CASTRO BOEDO 1873.

“RESEÑA HISTÓRICA de la reducción de San José de Indios Vilelas” [1768]. Archivo Histórico de la Compañía de Jesús en Sant Cugat del Vallés – Barcelona. “RESEÑA DEL CHACO y de sus Misiones” [1768] Misiones del Chaco argentino. Misiones de los Padres Camaño, Andreu, Castro, Borrego, Jolís y Arto. Archivo Histórico de la Compañía de Jesús en Sant Cugat del Vallés - Barcelona. SANTAMARÍA, Daniel y PEIRE, Jaime A. "Guerra o comercio pacífi-

164

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

³ Un problema de suma importancia que debe de ser estudiado es el proceso de cambio climático de la región así como el proceso de extinción de especies animales y vegetales, y cómo este proceso global afectó – y continúa afectando- a las poblaciones indígenas. Una muy breve referencia a este problema se encuentra en PAZ y SORIA 2003.

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

algunos usos y costumbres. La lengua y el uso que se hace ella son parte de un proceso histórico social relacional que debe de ser estudiado abordando la mayor cantidad de variables posibles. 7

Según el Diccionario de la Real Academia Española, en el Diccionario de Autoridades de 1734, indolente es aquella persona insensible a la pena; por su parte se define la pena como el castigo impuesto a aquellos que quebrantan las leyes o preceptos. Por lo tanto la indolencia indígena se encontraba asociada al desconocimiento de toda escala de valores. Cf. el Diccionario en www.rae.es.

4

Estudiar los conflictos entre distintas unidades sociales indígenas es algo que puede ayudarnos a conocer aún más las dinámicas nativas. Ya no se trata de analizar las guerras nativas de la mano de la idea que presentaba a los indígenas como un-ser-para-la-guerra y como sociedades contra el Estado, sino que, de la mano de la renovación de la Historia Social y de la Nueva Historia Cultural, debemos ofrecer explicaciones de mayor alcance. La idea de sociedades contra el estado la desarrolló CLASTRES 2004.

8

Las formas de referencia a los distintos grupos indígenas que encontramos en el cuerpo documental son muy diversas y, las más de las veces, supone una limitación para el análisis de los distintos procesos de cambio. Los nombres de las sociedades indígenas que conocemos con anterioridad a la labor taxonómica jesuita son por demás variados y en algunas ocasiones un mismo grupo es denominado de distintas formas. Por ello es que la tarea de identificación de unos y otros es extremadamente compleja. Ya de la mano de la labor de los jesuitas, los etnónimos indígenas se redujeron a casi la totalidad de los que conocemos en la historiografía (v. g. tobas, matacos, mocobíes, abipones etc.). Estos nombres son el producto de formas de clasificación propias del siglo XVIII, donde había que crear un panorama inteligible de la población nativa.

Entre los indígenas chaqueños, constatamos tres formas de relación con el espacio y los bienes que pueden ser producidos en él. Dentro del territorio encontramos bienes y espacios que no necesitan de mayores aclaraciones y podían ser aprovechados de forma libre por los grupos indígenas en el marco de sus movimientos estacionales. En segundo lugar, podemos afirmar que algunos espacios eran de uso comunal, es decir, que aquellos que no eran reconocidos como miembros de una unidad social no podían usufructuar de los distintos cotos, lo cual llevaba en algunas ocasiones a disputas por los terrenos de caza, pesca y recolección. Dentro de los espacios comunales, a su vez, existían lares de propiedad privada, explotados por un individuo o por un grupo de individuos de una comunidad en particular. Esta última forma de producción sin lugar a dudas es la resultante de un proceso de creciente complejidad social, que dio lugar a posiciones de rango, mediante las cuales se organizó tanto la producción como la distribución. Sobre estas formas de organización del espacio y de la producción, remitimos a PAZ 2003 A.

6

9

5

Las clasificaciones lingüísticas, y el uso que se puede hacer de las mismas, sin lugar a dudas son por demás atractivas para poder conocer más sobre los procesos históricos por los que ha atravesado un pueblo. Sin embargo, debemos de tener el cuidado de no caer en una suerte de esencialismo a priori y suponer que, por el hecho de que dos pueblos utilicen lenguas distintas, no compartan

Las misiones jesuíticas de la línea del Paraná comenzaron a funcionar entre los grupos indígenas desde mediados del siglo XVIII, con un tímido intento de sujeción de los mocobíes en 1734, con la fundación de la Misión de San Francisco Xavier, y como una medida para poner fin a las acciones armadas que éstos emprendían contra los abipones. Para un primer acercamiento al problema, dónde se

165

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

presenta un análisis preliminar, concentrado exclusivamente en los enfrentamientos entre abipones y mocobíes, remitimos a PAZ 2005. Además, se puede confrontar el cúmulo de información que se presenta en DOBRIZHOFFER 1968, quién reseñó exhaustivamente la vida de los abipones y sus relaciones con otros conjuntos sociales. 10

La historiografía concerniente a las misiones jesuíticas en general, sin lugar a dudas, presenta un mayor desarrollo analítico en lo que concierne a las de guaraníes, debido a la relevancia que los guaraníes misioneros tuvieron en el curso de la Historia. Una de las imágenes más arraigadas, y recientemente cuestionadas por investigaciones de nuevo cuño, es aquella que presentaba a las misiones como espacios aislados y casi sin contactos con los indígenas no reducidos. Lo que conocemos hoy es que lejos de ser una suerte de paraíso perdido, estas instituciones se constituyeron como lugares dónde la presencia de individuos no pertenecientes al conjunto que se encontraba reducido, era moneda común. Esto tenía lugar no sólo en las misiones de guaraníes sino que también en otras. Al momento en que realizamos la descripción de los indígenas reducidos y los que no, presentamos un panorama dicotómico. Esta relación de los hechos sólo tiene validez como recurso heurístico, sin que por ello pensemos que la trama se presenta bajo la forma de conjuntos homogéneos contrastantes, entre neófitos e infieles. Sobre este problema, consultar LEVINTON 2005 y WILDE 2003.

11

Los grupos del Chaco, a grandes rasgos, no poseían una autoridad centralizada en la figura de una persona, más bien parece que el camino hacia una concentración de poder se debe, en buena medida, a los cambios internos de la sociedad, quizá como resultado de la complejización de las relaciones entre los distintos grupos indígenas y los colonizadores. El estudio del surgimiento y consolidación de posiciones de rango es un problema que espera investigaciones exhaustivas. Para un primer acercamiento, concerniente al caso de los abipones, cf. PAZ 2005.

166

RIO PARANÁ – ENTRE SUSSURROS E ESTRONDO DE TROVÕES Werner Steinbeiss

Resumo O presente artigo foi concebido na forma de uma narrativa de viagem pela corrente dos rios Paraná/Paraguai, registrando diversos momentos das observações realizadas in situ e recolhendo depoimentos dos habitantes dos espaços ribeirinhos e de personalidades da vida política e acadêmica da região. O foco de atenção são as transformações que estas correntes fluviais vêm sofrendo pela ação do homem desde a segunda metade do século XX e a ameaça de uma transformação radical dos singulares espaços naturais existentes nesta bacia, diante da perspectiva da construção de uma hidrovia. Palavras-chave: rios Paraná/Paraguai, ação antrópica, hidrovia.

Resumen

Edição Especial Rios e História

El presente artículo fue concebido en forma de una narrativa de viaje por la corriente de los ríos Paraná/Paraguay, en la cual se registran diversos momentos de la observación realizada in situ y se reúnen testimonios de los habitantes de los espacios ribereños y de personalidades de la vida política y académica de la región. Foco de atención de la mirada son las transformaciones que estas corrientes fluviales han experimentado por la acción del hombre durante la segunda mitad del siglo XX y la amenaza de una transformación radical de los singulares espacios naturales existentes en esta cuenca, ante la perspectiva de la construcción de una hidrovía. Palabras-llave: ríos Paraná/Paraguay, acción antrópica, hidrovía.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

167

REVISTA ELETRÔNICA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Quem viaja até aqui, procura as maravilhas dos trópicos, o encanto das cataratas do Iguaçu ou os deslumbramentos do Pantanal. Tudo isto ainda está em oferta; mas só ainda. Com o espírito empreendedor dos que chegam com atraso, argentinos e brasileiros trabalham seguindo o modelo das nações industrializadas, empenhando-se em subjugar seus grandes rios.

O

s rios são tempo tornado visível na paisagem. Nas suas margens não nos encontramos ante monumentos naturais petrificados; a água que corre eternamente nos lembra a cada instante que tudo flui. Também o panorama na beira dos rios é envolvido pelo movimento, e muda e se renova constantemente no fluxo das horas. Ao longo de muitas gerações, os habitantes no rio Paraná têm assumido que o rio interfere de forma recorrente nas suas vidas; às vezes até mais do que eles gostariam, mas ao final das contas, quase sempre são eles que ganham no jogo das águas. Particularmente fértil é o diálogo entre o rio e a paisagem nos lugares nos quais o Paraná – mais precisamente o seu principal tributário, o rio Paraguai - se expande anualmente muito além das suas margens e inunda um território quase tão vasto quanto a Alemanha Ocidental. Para o Pantanal, com seus 230.000 quilômetros quadrados, o sistema fluvial do Paraná – o segundo maior da América do Sul – fornece o único combustível que requer para sua existência produtiva: água, muita água. Ao nos aproximarmos do Paraná e do seu grande tributário, salta à vista que a paisagem não é uma 'natureza morta', mas sim um movimento perpétuo. ONDE JACARÉS E GADO CULTIVAM UMA BOA VIZINHANÇA Em ambos os lados da transpantaneira, sempre a mesma imagem: manadas de gado que fogem para o alto de colinas suaves, como se procurassem refúgio em arcas flutuantes, ao

168

tempo que pássaros de grande tamanho dão pernadas na água rasa. E de trecho em trecho, conjuntos de palmeiras carnaúba com suas folhas em forma de leque. As margens da pista de terra avermelhada que atravessa o Pantanal estão povoadas de jacarés (caiman crocodilus), os quais à esquerda e direita se escondem tão rapidamente que aos olhos do espectador parece como se abrissem uma cremalheira no mato. Ocasionalmente passa o estrondo de um caminhão com trabalhadores rurais pela estrada poeirenta, que aqui mais parece uma longa seqüência de pequenas pontes de construção rudimentar com curtos trechos de estrada entre uma e outra. Fora isto, a região úmida nos estados brasileiros de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul parece pertencer aos animais; os habitantes do gênero humano que moram isolados neste espaço, os pantaneiros, mais parecem visitantes ocasionais. A AÇÃO PURIFICADORA DAS CHEIAS O espaço de vida dos pantaneiros se limita às ilhas que as cheias não inundam. Porque nos meses de chuva, entre outubro e março, os afluentes do rio Paraguai, que contribuem para irrigar esta região, transbordam seus limites sempre que podem. Mas os pantaneiros não entram em pânico pelas massas de água. Bem pelo contrário. Ao invés de se proteger com diques e muralhas de concreto, anualmente aguardam ansiosos a chegada das inundações. "Caso que alguma vez a água não chegasse, no prazo de dois anos teríamos que sair à procura de outras terras, como outrora o fizeram os primeiros colonizadores". Já faz algumas décadas que o criador de gado e engenheiro agrícola Luis Vicente observa o ritmo de cheias e secas, e já houve épocas nas quais viu da varanda da sua casa que as terras não alagaram como esperava, mas apenas ficaram umedecidas. "Quando o rio recolhe as suas águas no período das secas, todo o lixo e os fatores mórbidos vão com ele. Porém, depois da fraca enchente de 1973, o mato cresceu a uma altura maior que de um homem. Mas no ano seguinte aconteceu a enchente do século e levou tudo, o húmus foi renovado e as ervas cresceram com força"

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

AGRICULTURA INTENSIVA NAS MARGENS DA MATA VIRGEM – UM ERRO CAPITAL

condições para a produção de todo tipo de fito e zooplâncton, que representam o primeiro escalão na longa cadeia alimentar. Multiplicidade nas águas significa a rica existência de comida para a diversidade animal em terra. Nesta paisagem anfíbia, fervilha todo tipo de répteis, mamíferos e pássaros. Nas lagunas mais profundas mergulham bandadas de biguás perseguindo peixes; como ilhas de cor rosa aparecem os flamingos alimentando-se de larvas e microorganismos na superfície das águas, e no meio de um bosque, com pernas desengonçadas circulam patos de todas as cores à procura de folhas.

O gado de Vicente tira vantagem deste ciclo. O pantanal é o lugar ideal para criar gado, mas só de maneira extensiva. As tentativas de alguns investidores de São Paulo que pretendiam introduzir a exploração agrícola intensiva fracassaram totalmente. Assim, por exemplo, ficaram só os restos de um dique de 400 quilômetros de comprimento de um projeto de milhões que pretendia fechar um espaço de 70.000 hectares. Irrigação artificial, herbicidas, pesticidas e adubo artificial, mas não serviu para nada; o solo do Pantanal sem as enchentes se transforma num deserto. Em troca, o dique levou as águas até mais de um metro de altura nas vivendas das fazendas vizinhas. As enchentes proporcionam à região alagadiça uma limpeza por ano, e para o Paraguai/Paraná o Pantanal contribui a manter seu curso equilibrado. Melhor do que o termo de "território úmido", essa enorme planície pode ser caracterizada com o termo de "delta interior". Muito antes do seu destino final, no Oceano Atlântico, o rio se ramifica como só acontece na proximidade do litoral, para evitar maiores retenções de água. Com um declive de apenas dois centímetros por quilômetro, o rio Paraguai não poderia evacuar a massa aquática com suficiente rapidez. As chuvas aumentam de norte a sul. Caso o rio Paraguai pudesse transportar imediatamente toda a água, se encontraria com as chuvas em algum lugar nos Pampas argentinos e provocaria catastróficas enchentes. Desta forma, não obstante, o Pantanal absorve o excesso de umidade como uma esponja e a utiliza como um crédito que o rio fornece para a produção de uma natureza realmente espetacular. A criação de gado não é mais do que uma pequena unidade industrial. A riqueza se encontra na água. Através de inúmeras lagoas, baías e canais, paulatinamente a água flui das enchentes, em direção ao rio Paraguai. O nível das lagunas, rios e riachos está em constante movimento. E, por sua vez, a variação de níveis da água traz consigo diversos conteúdos de oxigênio e diferentes graus de exposição solar; ambos são

OS PRIMEIROS QUE PERCORRERAM O RIO ERAM SONHADORES – SEU SONHO ERA O OURO Se os rios são paisagem no tempo, sentimo-nos seduzidos a nadar nessa corrente. Para os colonizadores do Velho Mundo, o Paraguai/Paraná era o único caminho para o interior daquelas terras que os levariam para o tão procurado Eldorado. Entretanto, inclusive depois que murchou o sonho do ouro, estes rios continuaram sendo quase a única via de acesso do mundo conhecido ao desconhecido, e se consolidaram como a principal no âmbito da região. Posteriormente, ao longo de muitas décadas, a chegada semanal do navio fluvial era a mais destacada interrupção do dia-a-dia. Com ele chegava o correio, alguma indispensável peça de reposição, latas de conservas e bebidas alcoólicas. E logo partia levando peças de carne de gado e peles de jaguatirica e jacaré. Hoje, isto evoca um sentimento de romantismo sul-americano de outrora. Bem diferente é a evocação que atualmente trazem os planos para a “Hidrovia Paraguai/Paraná”, que propõe a construção de uma via fluvial de 3.400 quilômetros, partindo do porto de Cáceres até o rio da Prata. Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai participam como promotores deste projeto do século, precisamente aqueles cinco estados que a inícios de 1995 se associaram no Mercosul, uma espécie de União Européia sulamericana.

169

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Trata-se, pois, de criar um caminho rápido e barato, que tem como destino os grandes mercados mundiais do outro lado do Atlântico. De maneira ininterrupta, vinte e quatro horas por dia, as barcaças deverão transportar os contêineres aos portos de Nova Palmira, Montevidéu e Buenos Aires. Com este propósito, deverão ser cortados por um canal transversal os amplos e elegantes meandros do rio Paraguai e se construirão diques. O Paraguai/Paraná, de leito arenoso e pouco profundo, deverá ser dragado para adaptá-lo às necessidades dos transportadores fluviais, isto é, a uns quatro metros na totalidade do seu curso.

cinco a dez anos, depois estará tudo perdido”. Isto porque o Pantanal se encontra na crítica encruzilhada que o colocaram as grandes monoculturas de soja que, de forma ininterrupta, rodeiam a região pantaneira. Assim como anteriormente as substâncias nutrientes chegavam ao Pantanal com as enchentes, o que hoje ele recebe são restos de pesticidas e terras erodidas procedentes das monoculturas. “Faz só alguns anos, meu gado ainda pastava por aqui”, comenta um fazendeiro, assinalando uma lagoa, “o rio abriu outro caminho, porque o antigo leito foi fechado pela areia”. E assim, muitos fazendeiros procuram abrir novos espaços para a pastagem. Com a soja, que futuramente deverá ser transportada rio abaixo, se exportará também o solo fértil. O grão com rico conteúdo em proteínas, que tanta falta faz no próprio país, irá finalmente nutrir as vasilhas da comida do gado bovino da União Européia. Que junto com esse produto os porões dos navios também levarão de forma oculta madeiras nobres dos trópicos é uma questão que ninguém quer mencionar de forma aberta; porém, os planos para o futuro, de uma rota fluvial do Orenoco, através do Amazonas até o rio da Prata, nos colocam diante de uma suspeita que se escuta aos gritos. O rio não é o único caminho para o mar. As carretas continuam rodando pelo país; e um único terra-tenente com mais de um milhão de hectares de campos de soja faz construir uma linha férrea; uma estrada para o Chile e uma conexão com a Amazônia já faz uma aparição fantasmagórica em muitas cabeças. Mas todos fazem referência às mesmas cifras de produção.

COMO SERÃO PLANEJADAS E POSTAS EM CENA AS FUTURAS ENCHENTES Depois de uma intervenção deste tipo, os rios Paraguai/Paraná serão outros. O diálogo com a paisagem seria silenciado. O regime das águas do conjunto do sistema fluvial seria transtornado, o Pantanal perderia seu natural efeito de esponja e as águas das enchentes retornariam com maior rapidez para o rio. Também seria menor o tempo para a evaporação da água. Isto significaria que mais águas chegariam à corrente principal num tempo menor, e o curso do rio Paraguai, acelerado pelas obras, se encontrará com os altos níveis das águas do Paraná. As conseqüências: níveis mais altos das águas, mais diques e muralhas de concreto, dessecação dos territórios úmidos e o conseqüente isolamento do rio em relação ao território. CEREAL COM ALTO CONTEÚDO DE PROTEÍNAS FLUI RIO ABAIXO Particularmente desoladoras serão as conseqüências que terá o projeto da hidrovia para o Pantanal. Para este espaço úmido ocorrerá o que podemos chamar de efeito da banheira: tira-se o tampão e as águas se esvaziarão sem obstáculo. A mudança do ambiente úmido para a estepe acontecerá em poucos anos. Um integrante da organização ambientalista ECO-TRÓPICA, de Cuiabá, manifesta preocupação neste sentido já na atualidade: “Nas condições de hoje só podemos trabalhar preventivamente de

ENQUANTO NÃO HÁ BARULHO DE PREPARAÇÃO DO CONCRETO, AINDA HÁ ESPERANÇAS O WWF-Alemanha não se cansa de apontar os erros nos cálculos de rentabilidade nos quais se sustenta o projeto da hidrovia. Em colaboração com o WWF-Brasil e outras organizações ambientalistas locais está empenhando-se, há anos, a evitar o desastre ecológico para o Pantanal.“A hidrovia ainda não foi

170

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

construída e ainda não se tomaram as decisões”, opina um ecologista que não quer perder as esperanças, “a discussão pública apenas tem começado”.

de semana das grandes metrópoles. Em princípio, o rio Grande não é o mais visível, apesar de que o crescente desmatamento o vai deixando mais e mais à vista. Nas ladeiras inferiores já desflorestadas da serra se elevam precariamente umas poucas araucárias, fantasmas de árvores que esticam seus galhos como os candelabros judaicos de sete braços. Elas já anunciam o final da infância do rio.

OS GRANDES RIOS CONTINENTAIS TAMBÉM TÊM UMA ORIGEM MODESTA Quando o rio Paraguai se encontra com o Paraná, este último já percorreu mais da metade do seu curso total: até aí tem sido mais uma carreira de obstáculos que um fluxo tranqüilo pelo próprio leito. Dirijamos agora o olhar do tributário para o cenário principal do sistema fluvial. Também o próprio Paraná tem suas fontes no Brasil. Voltemos, pois, para o país com dimensões continentais, desta vez longe das grandes extensões do interior para as regiões montanhosas, onde freqüentemente nascem os rios. O nascimento de um dos inumeráveis riachos que descem da Serra de Mantiqueira, localizada entre o Rio de Janeiro e São Paulo, aparece identificado no mapa como formador do rio Paraná. O curso fluvial, que segundo a tradição Guarani era o "pai das águas", tem numerosos rebentos que no final conformam o majestoso Rio da Prata. Uma jornada a pé através dos poucos espaços que se conservam da mata atlântica, seguindo as pegadas de Pedro, o guarda florestal, nos conduz à fonte do Paraná. Pedro nos mostra o rio Grande entre os juncos e fetos de um metro ou mais de altura. Uma chuva tropical que cai regularmente permite que o arroio, o pequeno rio Grande, saia do seu esconderijo. Não é mais que uma pequena amostra dos 15.0000 metros cúbicos por segundo que o rio Paraná transportará no seu último trecho através da Argentina. Oculto, longe do acesso humano e sob a proteção do Parque Natural de Itatiaia, o rio abre caminho serra abaixo pela mata atlântica ainda virgem neste espaço. Mais para baixo, onde a mata cedeu a campos de pastagem, os sinos das vacas evocam o cenário acústico de um vale dos Alpes. Com ele combina o turismo estruturado sobre a base de cabanas de madeira e um regime sadio a base de mel e leite, que é oferecido àqueles que pretendem fugir durante o final

80.000 SOLDADOS FORAM CHAMADOS PARA MATAR UMA QUEBRADA Do outro lado da serra se encontra o estado de Minas Gerais, uma região brasileira fortemente industrializada, que também avança com seus tentáculos em direção ao rio. Após 1.300 quilômetros, fortalecido pelo Parnaíba, o outro afluente formador que desce da Serra de Preneos, e já com o nome de Paraná, suas águas vão cair nas garras dos fabricantes de energia; num trecho de 2.000 quilômetros serão conduzidas pelas turbinas de 14 centrais hidroelétricas. Ao longo do seu curso brasileiro, o Paraná parece mais uma longa escada de eclusas que um rio. O fato de sobreviver sem graves prejuízos até a 14ª estação do seu calvário põe em evidência sua vitalidade. Foi aqui que o Brasil da década dos 60 montou um monumento às suas pretensões de grande potência. No verão de 1978, o que poderia ter sido entendido como uma mobilização militar em grande escala, de fato serviu à destruição de um monumento da natureza. 80.000 soldados foram estacionados na região nos arredores de Guaíra. Ao longo de 5 quilômetros, o Paraná criou um canhão de até 60 metros de profundidade, onde bramam as águas do Salto de Guaíra. Quando estiveram prontos todos os explosivos, foi chamado o exército brasileiro para controlar o espaço. As massas de rocha arrebentada se encontram hoje sepultadas no fundo da barragem de Itaipu, de 200 quilômetros de extensão. O Paraná e seus afluentes se incharam como veias que experimentam um crescimento doentio. "Pedra que canta" – Itaipu – chamavam ao lugar os índios Guarani, onde hoje uma monstruosa construção se apropria dos serviços do Paraná. Mas as massas de concreto já não cantam.

171

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

EXISTE ALGUM ARGUMENTO PARA OPOR AO QUILOWATT-HORA?

em direção da planície. Trata-se da mesma pedra basáltica que os jesuítas utilizaram desde inícios do século XVII para construir seu “reino dos céus na terra”. A mais nórdica das províncias da Argentina, Misiones, recebe seu nome das missões cristãs, aqueles enclaves do “ora et labora”. Faz já muitos anos que a floresta se reapropriou das muralhas avermelhadas das catedrais e conjuntos monásticos em toda a província, e os restos fragmentários das ruínas muitas vezes apenas se sustentam com auxílio das raízes das árvores. Os índios Guarani, que encontraram refúgio dos caçadores de escravos luso-brasileiros no interior das muralhas das construções jesuíticas, hoje não são mais que um povo esquecido. Expulsados dos rios, que outrora lhes proporcionavam abundante pesca, e também das florestas, onde caçavam, os índios acabaram como peões de lavradio com salários miseráveis ou emigraram rumo às favelas das grandes cidades.

Com o tom altivo próprio do espírito da engenharia moderna, os luxuosos prospectos da empresa anunciam os seus números superlativos: a maior barragem do mundo, com uma capacidade de produção de 75 milhões de quilowatt-hora. Com o ferro e o aço utilizado, também poderiam ter sido construídas 380 Torres Eiffel. E a terra deslocada, se fosse carregada numa caravana de carretas, daria uma fileira de 128.000 quilômetros, vale dizer, mais de três voltas em torno da linha do Equador. Dificilmente algum dos 5.000 turistas que são conduzidos diariamente através deste complexo chega a dar uma olhada no pequeno museu sobre meio ambiente montado pela empresa. Aí se encontra documentada - com uma boa dose de vergonha – a destruição do habitat de bugios, macacos uivadores, capivaras e veados-campeiros. Um filme rodado no espírito das relações públicas narra com pateticismo heróico a história da construção dessa obra monumental. Utilizando imagens rápidas, os autores se empenham por construir um fio argumental que leve das águas artificialmente desviadas até as cataratas do Iguaçu, localizadas 35 quilômetros mais abaixo. Não obstante a comparação seja plausível, neste contexto ganha o sentido de uma desculpa frágil. Antes do Iguaçu entrar no Paraná oferece um belo espetáculo: numa largura de quase três quilômetros e disposto em forma de um anfiteatro, suas águas caem com estrondo à razão de 1.700 metros cúbicos por segundo desde uma altura de até 82 metros. No vapor de água se formam uma e outra vez os arco-íris, com tanta nitidez que parecem sair diretamente de um prisma. O espaço é sobrevoado por bandadas de tucanos, papagaios e urubus, que no cair da tarde procuram um lugar para passar a noite nos cumes da floresta atlântica subtropical.

O GÊNIO BONDOSO DOS ÍNDIOS SE CHAMA MARX E VEM DA ALEMANHA Já não é com muros de mosteiros que o padre Josef Marx – um homem de uns 60 anos, natural de Silésia - procura evitar que esse destino se cumpra. Com o propósito de que os aproximadamente 3.000 Guarani que ainda vivem na província de Misiones não se vejam forçados a emigrar, o sacerdote se esmera em organizar a distribuição dos seus produtos artesanais, procura terras onde possam cultivar mandioca e milho, manda os jovens a escolas gerenciadas de forma autônoma e orienta os professores a que procurem os mais velhos, na esperança de que assim as crianças não percam os vínculos com as suas famílias. “Sim, certamente percebo um paralelo com o trabalho que fizeram os jesuítas; de fato, aqui estamos bem perto da redução de São Inácio. Porém, hoje essa estrutura de pensamento jesuítica já não teria utilidade para mais ninguém. Eu simplesmente contribuo para que os Guarani conservem a sua pátria”, afirma o padre Marx enquanto faz circular o chá mate. A cada passo, o padre Marx identifica traços da presença alemã em Misiones. Junto aos nomes espanhóis dos lugares aparecem ainda letreiros de ruas, já desgastados, que

MAIS UMA VEZ, O “REINO DO CÉU SOBRE A TERRA” SE TORNA O INFERNO VERDE Depois de ter recebido o Iguaçu, o Paraná flui sem ondas e rigorosamente delimitado pelas suas margens de pedra basáltica

172

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

ainda lembram os imigrantes alemães que se instalaram preferencialmente nesta província desde meados do século XIX: “Colonia Teutonia”, “Hohenau”, “Nueva Germania”. Foi um engenhoso imigrante quem desenvolveu a erva mate como um produto agrícola industrializado, a partir do mate silvestre, que os Guarani utilizavam já ancestralmente como bebida ritual, com um efeito vigorizador e calmante da fome. Para os colonizadores alemães, as folhas de mate passaram a ser o “ouro verde”, um lucrativo objeto de exportação. Ainda hoje, a província de Misiones abastece o resto do país com erva mate, que representa uma parte essencial dos objetos de consumo dos argentinos. O rio, que aqui marca a fronteira nacional, separa Posadas da cidade paraguaia Villa Encarnación. Não obstante, as duas cidades sempre constituíram uma unidade econômica. E a nova ponte, de três quilômetros de comprimento, as une hoje ainda mais.

empresa – habituados a formular promessas com bons efeitos para o grande público – não resolveram nos seus projetos. Os Guarani chamam de Shajá a indivíduos que fazem uso de palavras muito sonoras, evocando um pássaro que tem a capacidade de aumentar com ar o volume da sua figura, enganando desta maneira os caçadores que os perseguem na esperança de encontrar muita carne nos seus ossos. Assim, o estado interiorano do Paraguai, a quem pertence a metade de Itaipu, em curto prazo poderá falar de si mesmo como um dos maiores exportadores de energia do mundo. No oeste de Posadas, o Paraná perde a clara definição do seu contorno. O basalto que acompanhava as margens do seu curso como um fio condutor avermelhado cede lugar a uma argila cinzenta de consistência barrenta. Afluentes serpenteiam em torno de ilhas cobertas de árvores. O rio se apresenta despido da floresta atlântica subtropical nas suas duas margens e hoje se alçam de ambos os lados, naquela terra avermelhada de rico conteúdo mineral, árvores de crescimento rápido que deverão proporcionar madeiras úteis. A beira do rio, entre Posadas e Ituzaingo, fornece a matéria prima para um artesanato arcaico. O Paraná deposita aí, nas margens, a argila que vem arrastando e que os oleiros aproveitam para a fabricação de tijolos. Para muitos, este é um material de construção muito bem-vindo que substitui os bem mais custosos tijolos de fabricação industrial, e para alguns milhares de oleiros isto representa uma fonte de existência. Também eles perderão seu espaço de vida com a construção da barragem de Yaciretá. E desde que foi construído o muro de Itaipu, que interrompe a circulação dos peixes do Paraná, no período das enchentes, as redes dos oleiros já escassamente caçam sabalos, dourados ou barbos.

A BARRAGEM ESTÁ PRONTA PARA O ENCHIMENTO, MAS O DINHEIRO JÁ NÃO FLUI Porém, num futuro próximo, se distanciarão novamente, quando se conclua a construção da barragem de Yaciretá, 100 quilômetros rio abaixo, e dos dois lados se inunde meio quilômetro do espaço urbano. Os blocos de concreto já foram fundidos, mas a inundação do território vem dilatando-se faz mais de dez anos. A maior parte das ilhas fluviais se afoga lentamente, com a primeira inundação parcial. Por cima das águas, só aparecem as copas das árvores, como mãos procurando auxílio no momento de afogar-se. Há muito tempo as vinte turbinas de Yaciretá estão prontas para entrar em ação, porém o dinheiro para completar a infra-estrutura continuará faltando por muitos anos. Deveriam construir-se pontes por cima das estradas inundadas: mas, com quais recursos? Em Posadas e Villa Encarnación, o nível do rio subirá uns dez metros; 50.000 pessoas deverão ser evacuadas e precisam de moradia. Nenhuma destas duas cidades gêmeas possui sistemas de purificação e os esgotos ameaçam dispersar-se pela paisagem. Não são mais do que problemas de detalhe, que os promotores da

A RESERVA GENÉTICA DO PARANÁ DEVE SER CONSERVADA O limnólogo Dr. Roba, da Universidad Nacional de Misiones em Posadas, intenta resgatar o que ainda é possível

173

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Ele pensa na possibilidade de que os oleiros se estabeleçam nos afluentes e riachos que não serão inundados. Os solos contêm o mesmo tipo de argila, o que permitiria continuar com sua utilização como material de construção. De acordo com o projeto do Dr. Roba, as lagoas que vão surgindo podem ser entrelaçadas criando uma série na qual se desenvolva uma cultura aquática, a maneira de reservatórios de água para a criação de peixes, permitindo também conservar a reserva genética do rio. Deste modo, aspira poder recuperar o equilíbrio ecológico destruído pela inundação. Por outra parte, considerando que os oleiros são bastante hábeis na pescaria fluvial, o plano de Roba prevê o desenvolvimento da pesca esportiva sob os seus cuidados. O aluguel de espaço de pesca de um quilômetro de riacho rende mais do que a pesca comercial. E se os negócios florescem, tanto os oleiros como os camponeses terão boas razões para lutar em defesa da qualidade das águas nos riachos e afluentes.

Paraná constituiu seu próprio museu. Mas trata-se de um museu no qual se encontra um rico conteúdo de vida. Os pântanos quase inacessíveis são o espaço no qual as garças, os jabirus, as águias, os abutres e os jacarés circulam sem serem incomodados. Com a barragem de Yeciretá nas costas e ainda 1.400 quilômetros até a baía do Rio da Prata, finalmente o Paraná se encontra na situação de dispor de si mesmo. Num dos seus meandros, exatamente ao sul de Confluência, entram as águas do Paraguai neste rio. Como dois líquidos que não se misturam, os dois fluxos aquáticos se aprisionam por mais de 400 quilômetros num único curso; duas tonalidades de vermelho, delicadamente diferenciadas, marcam a pertença. "Encontramos um rio nas cores de um leão", escreveram os primeiros espanhóis ao seu rei. AS ILHAS FLUTUANTES SEMPRE FORAM BARCAS DE TRANSPORTE DA NATUREZA Nas águas do Paraná encontra-se tal quantidade de partículas de areia que a coloração vermelho-marrom representa um traço constante de sua identidade. Para os camalotes, a compacta massa de vegetais flutuantes, as águas do Paraná representam uma fonte alimentícia ideal. Estas plantas têm preferência pelas lagoas pouco profundas e riachos laterais mais calmos, nos quais o Pistia Stratiotes ou o Eichhornia Crassipes pode chegar a configurar uma espécie de floresta baixa, se consegue fixar suas raízes nas margens. Mas o crescente nível das águas e a aceleração das correntes freqüentemente as arrastam até os cursos principais e rio abaixo do Pantanal até o Rio da Prata. E no meio das plantas aparece todo tipo de animais, insetos, cobras, inclusive onças e jacarés; ao longo de milhares de quilômetros é transportada uma multidão de variedades animais por esses jardins flutuantes. No caso de que os camalotes algum dia devam concorrer com os comboios de contendores pelo espaço do rio, certamente eles levarão todas as desvantagens. Já sabemos que, no mundo inteiro, o comércio tem prioridade. É difícil acreditar que em Corrientes o Paraná ainda tem 1.200 quilômetros por percorrer até chegar ao Atlântico. O leito do

O CAMINHO ATÉ O DELTA A ameaça de uma mudança radical – que medida em tempos do próprio rio está acontecendo da noite para a manhã – convida o observador a pensar no demorado processo de configuração destes espaços. Foi no Paleolítico que o rio se abriu numa multidão de braços de diversos tamanhos. Por movimentos tectônicos, as artérias que circulam no interior foram separadas do curso principal. Unicamente mediante imagens de satélite é possível identificar os antigos cursos fluviais, que com o tempo têm constituído um espaço pantanoso com uma superfície de 12.000 quilômetros quadrados. Lagoas, pântanos e pequenos riachos se confundem no meio de terrenos onde crescem, densamente e em diversas tonalidades de cor verde, os juncos e as gramas de savana. Aí o solo arenoso se encontra a menos de um metro abaixo do nível das águas, e a vegetação é menos densa e de um verde mais pálido onde a profundidade é maior. Na perspectiva aérea, os pântanos oferecem o aspecto de um tecido tipo jacquard, com diversos tons de verde sobre fundo azul. Nos "Esteros de Iberá", o

174

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

rio tem aí uma largura de 14 quilômetros, parecendo mais um delta que um rio. "Isto é normal para o rio de uma planície, com apenas 5 centímetros de declive em um quilômetro e extremos muito marcados no regime das águas", comenta o limnólogo e pesquisador do Paraná, o senhor Bonetto. "O sistema do ParanáParaguai oferece um exemplo emblemático de um rio que, de fato, está formado por uma sucessão de planícies fluviais". Esta é uma boa razão para deixá-lo agir de acordo com sua natureza, já que jamais poderá ser submetido. No tempo das crescidas – se o rio é aprisionado num leito artificial -, as águas desbordariam nos lugares menos esperados e se tornaria absolutamente incontrolável.

Santa Fé existe um bom número deles. Não é o espaço dos pilotos fluviais profissionais, para os quais o antiquado porto dia a dia oferece menos possibilidades de trabalho, mas sim dos navegantes amadores, aqueles apaixonados que circulam em mais de uma dúzia de clubes náuticos. Este é o caso de Ezequiel Balbarey, que tem passado todo o seu tempo livre navegando no rio. Cada ilha, cada passo através dos juncos de mais de um metro de altura está registrado na sua carta de navegação pessoal. Ele também conhece o mundo de Mark Twain dos que, cansados do mundo civilizado, têm se refugiado nas ilhas do rio e vivem ai da pesca e da caça de capivaras. Só as enchentes os obrigam a emigrar temporariamente à cidade e assumir trabalhos ocasionais. Os estudiosos do rio têm concordado em definir que o início do delta do Paraná começa em Diamante. O fluxo das águas tem se reduzido ao mínimo, chegando a um valor próximo do zero. A areia continua depositando-se em grandes quantidades e o rio abre novos caminhos, seja desbordando o seu leito, seja através de inúmeros braços que contornam os bancos de areia. Juncais e matorrais vão crescendo lentamente nas novas margens e constroem uma tímida borda de areia.

OS PESCADORES TEMEM O PARANÁ NAS SUAS CASAS, MAS PIORES SÃO OS APARTAMENTOS NA CIDADE Ao sul de Corrientes, o braço principal do Paraná se orienta mais e mais em direção da sua íngreme margem oriental. O território entre os rios Paraná e Uruguai se situa a uns 60 metros por cima do nível da pampa, localizada no ocidente. Nas ladeiras menos íngremes se têm estabelecido alguns casarios de pescadores. O fato de que nem nesses lugares os habitantes estão a salvo das crescidas é uma experiência pela qual os moradores de Alto Verde, em Santa Fé, têm passado com bastante freqüência. Não obstante, depois de cada uma das crescidas, eles retornam ao rio e voltam a construir suas casas de adobe. Também as vivendas que são oferecidas na cidade de Santa Fé não são suficientemente atrativas; para eles, a vida sem o rio é inconcebível. O braço principal se reduz neste trecho a apenas três quilômetros de largura; mas as lagoas, os braços laterais, as ilhas fluviais e os canais se estendem ao longo de 17 quilômetros pela planície. Da veemência que ainda aí pode chegar a manifestar o rio dão mostra os restos da ponte de aço suspensa em Santa Fé.

O RIO CONCLUI SILENCIOSAMENTE SUA VIAGEM ATRAVÉS DE AMÉRICA DO SUL Os quatro braços principais do Paraná serpenteiam através de um labirinto de ilhas com vegetação densa. O vermelho intenso da eritrina indiana aparece como um emblema diante do fundo verde. Longas gerações de ditadores – dos que a Argentina tem tido em abundância – têm se empenhado por "limpar" de piratas, fugitivos políticos, contrabandistas ou simplesmente de românticos o delta de difícil acesso. Hoje se acede às ilhas através de escadinhas pintadas de branco, marcando assim a propriedade de terrenos na beira do rio, às quais se atribuem sonoros nomes como "Villa de la Plata" ou "Isla del Sol". Pelos canais avançam barcas carregadas com madeiras, verduras e frutas em direção do pequeno porto de Tigre. Os habitantes de Buenos Aires chegam de passeio aos restaurantes

O ELDORADO DOS CAPITÃES DOMINGUEIROS NAS PORTAS DE BUENOS AIRES Nesse labirinto, só os iniciados conseguem se orientar. Em

175

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

flutuantes de Paraná de las Palmas, o maior dos quatro braços. A quietude apenas é interrompida pelo passo de navios; são freqüentes aí os esportistas que praticam o esqui aquático. E já finalmente o Paraná muda de nome e de aspecto. O forasteiro sempre é corrigido: "No señor, no es mar, es río". ... É COMO SE AS ILHAS QUISESSEM CONQUISTAR O ATLÂNTICO PARA A ARGENTINA O Rio de la Plata percorre ainda 300 quilômetros na forma de uma grande baía, até chegar ao Atlântico. E ainda então, no sol do final da tarde, diferencia suas águas largas de cor vermelho-marrom, quase dourado, do azul esverdeado do oceano. No final da baía de água doce, em Hudson, quase já em contato com as águas salgadas, os camalotes compõem floridas ilhas flutuantes de vários quilômetros quadrados de superfície. É como se o rio ainda quisesse conquistar o Atlântico.

Nota dos editores: O sociólogo e jornalista Werner Steinbeiss escreveu este ensaio a meados da década de 1990, por encomenda do World Wildlife Fund – WWF, o Fundo Mundial para a Vida Selvagem e Natureza, tendo como base uma viagem realizada através dos rios Paraguai e Paraná. O autor traduz aqui as suas impresões de primeira mão numa linguagem literária, expressando as prementes preocupações que provocava, há uma década e meia, o projeto de transformar esta corrente fluvial numa hidrovia, concebida com o intuito de facilitar o escoamento da produção agrícola das terra interioranas. Este artigo constitui um destacado documento sobre a recepção que, por aqueles anos, teve o projeto de transformação a que se pretendia submeter a bacia do Paraná/Paraguai; foi publicado originalmente em versão alemã no livro Lebenslinien. Grosse Strömme der Erde [Manifestações de Vida. As grandes correntes do planeta] (World Wildlife Fund – WWF (ed.), Munique, 1996). Tradução do alemão para o português: Pablo Diener

176

AGUA PARA CIUDADES SEDIENTAS: LA DESECACIÓN DE LA ZONA LACUSTRE EN LA CUENCA ALTA DEL RÍO LERMA (MÉXICO) Y LA CONFORMACIÓN DE NUEVOS PAISAJES Alba González Jácome

Resumo A bacia do Alto Rio Lerma é atualmente uma planície onde se entrecruzam lugares cuja densidade populacional se expressa na abundância de zonas densamente urbanizadas, com construções habitacionais, lugares com comércio de todo tipo e escala, e fábricas. Estes elementos do cenário atual estão conectados mediante numerosas estradas e caminhos que cruzam a planície formadora da bacia de três sistemas lacustres. Nesta paisagem do presente se perderam as paisagens do passado, onde uma zona lacustre formada pelo nascimento do rio Lerma e seus três sistemas, faziam parte da economia, da vida cotidiana e da cosmovisão dos antigos moradores do vale de Toluca. Este artigo conta a história desta mudança e os processos que coadjuvaram para a dessecação deste espaço. Palavras-chave: mudança ambiental, rio Lerma, zona lacustre.

Abstract Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

The High Lerma River basin is currently a plain where places intersect. Its population density is expressed by the abundance of densely urbanized zones, with housing construction, places of commerce of all kinds and scales, as well as factories. These elements of the present landscape are joined by numerous roads and paths crossing the plains forming the basin of three lacustrine systems. Past landscapes have been lost in the present day landscape, where a lacustrine zone, formed by the source of the Lerma River and its three systems, had taken part of the economy, daily life and the world view of ancient inhabitants of the Toluca Valley. This paper discusses the history of this change and the processes which joined together provoking this space's desiccation. Keywords: environmental change, Lerma River, lacustrine zone.

177

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

LA CUENCA LERMA-CHAPALA-SANTIAGO

(incluyendo la cuenca alta del río Lerma) tiene una ocupación humana muy temprana. Su clima es templado, con agua abundante y suelos adecuados para la agricultura. En esta área los pobladores construyeron obras para utilizar y conservar el escurrimiento de las aguas, lo que posibilitó la ampliación de los asentamientos humanos y el crecimiento de la producción agrícola. Algunas de estas obras datan de tiempos prehispánicos, pero fue a partir de los inicios del siglo XX cuando se empezaron a realizar las de mayor magnitud y escala (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 17).

E

l sistema hidrográfico Lerma-Chapala-Santiago tiene una extensión de 126.000 km2 y se asienta en el centro de la República Mexicana, comprendiendo la totalidad del estado de Aguascalientes, parte de los estados de México, Michoacán, Querétaro, Guanajuato, Jalisco, Zacatecas, Nayarit y pequeñas extensiones en Durango y San Luis Potosí. Su régimen es errático; en algunos puntos su corriente es torrencial y descarga sus aguas en el Océano Pacífico. Este sistema hidrográfico es el segundo en importancia del país; por su situación geográfica, a lo largo de su recorrido cruza por varios centros urbanos densamente poblados del Altiplano central, de gran importancia económica (AHA, Fondo Aprovechamientos Superficiales [en adelante AS], Caja 3372, Exp. 46112, f. 16). La primera sección del sistema hidrográfico conocida como alto Lerma, nace en los manantiales de Almoloya del Río, en el valle de Toluca, al sur-sureste del volcán Xinantécatl (o Nevado de Toluca) y desciende a través de planicies y cuencas escalonada, drenando una amplia área, en su recorrido inicial de 500 km. En su descenso, incrementan su caudal varios ríos y arroyos, hasta verter sus aguas en el Lago de Chapala, que divide al sistema hidrográfico en dos secciones: el alto y el bajo Lerma, y que funciona como vaso regulador de las aguas, aportando 35% del área de la cuenca (GONZÁLEZ 2000, pp. 168-169). Chapala es considerado como uno de los últimos vestigios de los lagos que existieron en la altiplanicie mexicana en tiempos antiguos. Es el más importante del país, tiene una forma alargada y una dirección oriente-poniente, su longitud es de 80 km y su área media de 80.000 hectáreas, siendo su capacidad total de unos 6.000 millones de m3. El río Santiago es la sección final del bajo Lerma; desciende de oriente a poniente cortando la cadena montañosa de la sierra Madre Occidental, para precipitarse por profundos cañones y descargar sus aguas en el Océano Pacífico (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, ff. 16-17; GONZÁLEZ 1995). Por sus características ambientales, el Altiplano central

LA CUENCA DEL ALTO LERMA La cuenca alta del río Lerma, a unos 50 km al oeste de la Ciudad de México, ocupa en el valle de Toluca los municipios de Rayón, Almoloya del Río, Texcalyacac, San Antonio la Isla, Atizapán, Chapultepec, Mexicaltzingo, San Mateo Atenco y Lerma. Su altitud en el cerro Tenango, el pico medio de mayor importancia, es de 3.540 msnm; cubre una superficie aproximada de 554,85 km2 y una precipitación media anual de 751 mm. En la zona de su nacimiento se encontraban los vasos de tres sistemas lagunares, interconectados, asentados en tres ligeras depresiones escalonadas de unos 29 km de longitud, que estaban cerradas por los estrechamientos que comunicaban los vasos y descargaban en el cauce del río Lerma (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 17; GONZÁLEZ 2000, pp. 169-170). Los vasos de la laguna de Lerma, en la zona más baja de la depresión comprendida entre la sierra del Ajusco y el Nevado de Toluca, conformaban una vasta planicie cubierta por los acarreos de los arroyos tributarios, en la que destacan algunos promontorios rocosos donde se conformaron los principales centros de población (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 20; GONZÁLEZ 1995 y 2000). Su clima predominante, según la clasificación Thornthwaite, es semiseco con invierno seco; semifrío, sin una estación invernal definida. La temperatura media anual es de 12.7° C y una máxima de 26° C, que se presenta durante el mes de mayo;

178

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

la mínima es de -3° C, que ocurre en los primeros días del mes de febrero. Los meses más fríos son de octubre a febrero, cuando se presentan temperaturas mínimas absolutas inferiores al 0° C (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 20). La precipitación media anual es de 751 mm, con una máxima de 996 mm y una mínima de 729 mm; ésta ocurre en un promedio de 126 días al año y se concentra entre mayo y octubre. La evaporación media anual es de 1.588 mm (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 20). La antigua zona lacustre se formaba por tres vasos: Chignahuapan (o ciénaga de Almoloya), Tultepec y San Bartolo (vasos 1, 2 y 3 respectivamente), que corrían de norte a sur. Vázquez (1998, p. 27) dice que al conjunto se le denominaba laguna de Lerma o Chimaleapan. Estos cuerpos de agua se localizan entre la latitud 19°10´ y 19°20´ norte y la longitud 99°30´ y 99°35´ oeste (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 21; AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 20; LÓPEZ 1999; ROMERO 1974, p. 13). El vaso de Chignahuapan (Almoloya del Río) tiene una altitud media de 2.590 msnm y una extensión aproximada de 2.900 hectáreas. El segundo vaso (Tultepec), tiene 4.000 hectáreas. El tercero (San Bartolo), abarca 3.320 hectáreas. Su extensión total era de 10.220 hectáreas (AHA, Fondo CT, Caja 182, Exp. 1462, f. 5). Un documento técnico establece para Chignahuapan una extensión aproximada de 2.000 hectáreas; para Tultepec, de 2.500 hectáreas y para San Bartolo, una extensión difícil de precisar, porque estaba dividido por bordos, construidos por los ejidatarios para formar cajas de agua y controlar las inundaciones; además de estar cruzado por una red de drenaje construida por la Secretaría de Recursos Hidráulicos (AHA, Fondo Consultivo Técnico [En adelante CT], Caja 182, Exp. 1462, f. 14). Según la arqueóloga Yoko Sugiura (2005, p. 238), las tres lagunas se encontraban en un estado avanzado de senectud natural y el fenómeno fue acelerado por el proceso de explotación excesiva de los acuíferos subterráneos de la zona. Tal modo de utilización produciría el exterminio de los manantiales y la desecación casi completa de las lagunas, convertidas actualmente en un conjunto de ciénagas unidas por el curso del río Lerma. Solamente en el primero de los vasos se conserva una

cantidad suficiente de agua para hacerse perceptible, aunque en un nivel muy inferior al existente antes de la construcción y puesta en funcionamiento del Sistema Lerma. Al iniciarse el proceso de desecación de las lagunas, las instituciones estatales realizaron diversos trabajos para formar un cauce principal y conducirlo a los principales arroyos tributarios. Debido a la escasa pendiente, a la reducida capacidad de los encauzamientos y a los grandes volúmenes acarreados en ocasiones de lluvias intensas, el sistema no ha funcionado adecuadamente, habiendo frecuentes inundaciones, pérdida de las cosechas y de bienes materiales en los asentamientos humanos (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 20). En los 1960 la Secretaría de Recursos Hidráulicos realizó un estudio edafológico que cubrió 60.000 hectáreas, incluyendo los vasos de la laguna de Lerma, cuya topografía es sensiblemente plana. Los suelos de los vasos son de la serie Lerma; es decir, aluvial, ricos en materia orgánica de origen lacustre y profundos, con espesores de hasta de más de cuatro metros. Por su escasa pendiente el drenaje natural es deficiente y el área sufre inundaciones periódicas por las lluvias, las descargas de los arroyos tributarios y las filtraciones de los manantiales. El subsuelo tiene una textura dominante de arcilla o migajón arcillo-arenoso, es muy rico en materia orgánica de origen lacustre y con residuos de raíces transformadas en humus. Todos los suelos son de primera clase, exceptuando los promontorios rocosos donde se ubicaban originalmente los pueblos (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, ff. 20-21) LOS RECURSOS Y LA VIDA LACUSTRE ANTES DE LA DESECACIÓN Para una buena parte de la población asentada en el área, la laguna de Lerma era fuente básica de alimentos y un elemento de importancia económica y social. Cuando los pobladores lo requerían, los recursos lacustres eran la base de su alimentación y de actividades económicas diversas. Albores (1995, p. 428) señala que los recursos del medio lacustre y su aprovechamiento

179

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

posibilitaron el inicio y desarrollo de la agricultura, que permitieron la sobrevivencia exitosa de las sociedades prehispánicas locales. Su productividad posibilitaba a la población cubrir sus necesidades básicas y generar productos para el comercio, los rituales, la ornamentación, o las terapias medicinales (ibídem, p. 423). El área fue lugar de asentamiento para poblaciones humanas desde tiempos preagrícolas y sus recursos lacustres tenían un carácter estacional (patos y otras aves silvestres), pero otros se obtenían todo el año. Sugiura (1997, p. 128) encontró más de 10 tipos de peces diferentes, que eran obtenidos estacionalmente por los pobladores. Otros productos de la fauna lacustre eran ranas, ajolotes, acociles, tepocates, padrecitos y fauna de tamaño menor. Las ranas estaban disponibles durante todo el año, siendo la época de lluvias la temporada en que aumentaba su número y ocurría su reproducción. Estos recursos aportaban un alto contenido de proteínas a la dieta de los consumidores. Los productos incluían la caza de aves y anfibios; la captura de patos que representaba una importante fuente de ingresos, tanto a nivel de las autoridades municipales como en lo individual (ibídem, pp. 130-131). Cuando las aves migratorias llegaban a la laguna acudían visitantes nacionales y extranjeros, practicantes de la caza de carácter deportivo. Los pobladores ribereños desarrollaron técnicas individuales y colectivas para la pesca (ibídem, pp. 169-170). Las individuales incluían: pesca con red desde la canoa, la del tipo vaquero, pesca volteando la plancha, empujando la red, picando con garrocha, con fisga y con anzuelo. No se considera como técnica la pesca con la mano. Entre las colectivas estaba la pesca con chinchorro, el jarabeo, las presas, el rebotado, el azotado y el ruedo con mantas (ibídem, p. 144). Los implementos para pescar eran propiedad de la persona que la practicaba, pero podían ser préstamos de un familiar o amigo. La pesca se hacía en días sin lluvia, ni viento excesivo, que la dificultaran (ibídem). La recolección era individual o familiar. Se recogían vegetales comestibles (berros, jaras, papas de agua, cabezas de negro) y huevos de ave, principalmente de pato (ibídem, pp. 183-186). Otros

recursos colectados importantes, pero no comestibles, eran el tule ancho, el tule redondo, los céspedes y el zacatón. A partir del aprovechamiento de los tules se desarrollo la cestería, actividad económica de importancia pues, además de ofrecer la materia prima, había trabajo especializado en la manufactura de diversos utensilios (ibídem, pp. 197-214). Los recursos lacustres fueron básicos en la vida cotidiana de los pobladores de las comunidades ribereñas, quienes obtuvieron productos para entrar en los circuitos comerciales de escalas local y regional. Algunos de éstos iban a centros de comercio nacional como el mercado de la Merced, en la Ciudad de México, donde periódicamente llegaban los productos de la cuenca del Alto Lerma. Las economías locales dependían del ambiente lacustre; Camacho (2007, pp. 45-47) señala, que las poblaciones entre Almoloya del Río y Atenco subsistieron hasta los finales del siglo XIX, con los productos de la laguna, tanto para su alimentación como para la comercialización de los excedentes. Los ayuntamientos se beneficiaban con el arrendamiento de la laguna, porque el arrendatario podía usufructuar de ella sin las restricciones temporales de caza, pesca y recolección, a las que debían sujetarse en ciertas épocas del año. Entre 1855 y 1860, las autoridades de Almoloya del Río rentaban su sección de laguna (conocida como Almoloyita o Agua Blanca), a los vecinos del lugar. Para evitar conflictos se les permitía usar libremente la laguna, para la pesca, la recolección de tule y pastos, ya que los vecinos se mantenían principalmente de esos productos. Este arrendamiento no implicaba la desaparición de la propiedad comunal, pero establecía ciertas condiciones individuales de uso favorable, con carácter temporal. Otro tipo de negociaciones entre los pueblos tenía beneficios comunes y los ayuntamientos asentados en zonas ambientales diferentes intercambiaban el uso de recursos. Así, vecinos de pueblos con zonas boscosas podían cazar, pescar y recolectar en la laguna, a cambio de permitir que los pobladores ribereños recolectaran leña de sus montes. Las autoridades locales y los vecinos de los pueblos eran conscientes de los beneficios colectivos e individuales

180

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

LOS ANTECEDENTES DE LA DESECACIÓN

obtenidos por el manejo de la laguna. Los conflictos por el control de determinadas secciones, más o menos amplias, eran una tendencia común, que involucraba a los hacendados, individuos, pueblos y ayuntamientos. Una muestra fue el conflicto que en los 1860 surgió entre los poblados de Almoloya del Río y Santa Cruz Atizapán, que llevaría a la escisión y erección municipal del segundo. Las disputas intermunicipales se continuaron hasta la actualidad.

En 1853 se crea el Ministerio de Fomento y Colonización, encargado de ejecutar las obras públicas: caminos, canales, e incluso el desagüe de la Ciudad de México. A los ríos y canales se les daba gran importancia económica, por su utilización como medios de comunicación y transporte para personas y mercancías; además de ser el medio con el que las tierras, a través del riego, podían hacerse productivas (ibídem, p. 71). Mariano Riva Palacio era el gobernador mexiquense promotor de las obras para hacer navegable el río Lerma. En un estudio preliminar, los funcionarios del Ministerio de Fomento y Colonización opinaron que, por su extensión, sería ventajoso hacerlo navegable; pero debían estudiarse detalladamente los hechos, porque su corriente era muy rápida, tenía varías caídas hasta su llegada al lago de Chapala y su caudal era escaso en el estío. El gobierno estatal señalaba que, en las entidades de México, Michoacán y Jalisco (por donde pasaba su cauce), se crearían condiciones expeditas de comunicación, incluyendo el centro, el noreste del país y el Océano Pacífico. La obra era viable si antes se desaguaba la laguna de Lerma, incrementándose el caudal del río, porque a través de éste se extraería el agua estancada en las ciénagas (ibídem, p. 75). Las obras asociadas para la navegación en el río estaban acordes con las ideas liberales del progreso nacional; además, se ganaban medios para el transporte y comercialización de los productos agrícolas de las tierras ganadas a la laguna (ibídem, pp. 76-77). El proyecto de desecación de las lagunas de Lerma fue una obra implementada por iniciativa de políticos y hacendados de la región, quienes, en un primer momento, fueron apoyados por los pueblos ribereños, que buscaban crear nuevas opciones para el aprovechamiento de los recursos ambientales y la obtención de ganancias económicas. Su objetivo principal era desecar las aguas estancadas de la zona cenagosa del río Lerma, incrementando el potencial agrícola del valle de Toluca. Los gobernantes liberales del siglo XIX veían estas zonas pantanosas, o anegadizas, de los valles

AGUA PARA LA EXPANSIÓN AGRÍCOLA: LA DESECACIÓN DE LA LAGUNA DE LERMA En el siglo XIX, los esfuerzos y las luchas entre conservadores y liberales para conformar el Estado mexicano llevaron a los liberales a plantear la necesidad de desamortizar los bienes de la iglesia y de hacer productivas las tierras ociosas que poseía, haciéndolas de propiedad privada. En 1824, las discusiones en los congresos mexicanos giraban en torno a la pertinencia de cómo alcanzar el progreso nacional y los liberales seguían dirigiendo su proyecto a la privatización de los bienes comunales y corporativos (CAMACHO 2007, pp. 67-68). A mediados del siglo XIX, los liberales consiguieron la aprobación de la Ley Lerdo, donde el Estado mexicano desamortizaba los bienes del clero. En el Estado de México, la corporación municipal ostentaba y dirigía la titularidad de los bienes de los pueblos y una parte importante de la laguna de Lerma era explotada de manera comunitaria por sus habitantes. El progreso formaba parte importante de las ideas y del discurso de los liberales del siglo XIX, lo que significaba ideas y prácticas sobre la historia nacional, las actividades económicas, especialmente la agricultura comercial y la industria, que estaban estancadas. A través de obras de infraestructura, debían promoverse las inversiones y la introducción o modernización de la maquinaria. En este contexto, se inicia el proyecto de desecación para liberar las tierras que fueran ganadas a la laguna y venderlas a pequeños propietarios, que participaran en el fortalecimiento agrícola de la entidad (ibídem, p. 70).

181

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

centrales, como un obstáculo para el progreso, una limitante para la producción económica y la creación de riqueza, en la que consideraban debían participar tanto el pueblo como las élites agrarias (ibídem, pp. 79-81). El proyecto fue aprobado por el gobernador mexiquense y los propietarios de las principales haciendas ribereñas de los distritos de Toluca y Tenango. En 1870 se incluyó al distrito de Lerma, formado a partir de la agrupación de población y territorio tomados de los primeros distritos mencionados. En 1857 se consideraba que ocho pueblos del partido de Tenango (Jajalpa, San Pedro Techuchulco, San Mateo Texcaliacac, Almoloya del Río, Santa Cruz Atizapán, Capulhuac, Ocoyoacac y San Pedro Tultepec) y dos haciendas (Texcaltenco y Atenco) eran los más perjudicados por las inundaciones del río Lerma, además del partido de Toluca, que con la misma problemática incluía tres pueblos (Lerma, San Miguel Ameyalco y San Mateo Atenco), tres haciendas (San Nicolás Peralta, Doña Rosa y Atizapán) y dos ranchos (Amomolulco y Alta Empresa) (ibídem, pp. 81-82). El 8 de enero de 1857, los representantes de los pueblos y las haciendas crearon una Junta General para los trabajos de desecación de las lagunas de Lerma (ibídem, pp. 82-83). El ingeniero Francisco de Garay fue el encargado de realizar el proyecto de las obras de desagüe, que fue interrumpido por la guerra de Reforma (1858-1861); la guerra contra los franceses (18611864) y el Segundo Imperio de Maximiliano de Habsburgo (18641867) (ibídem, pp. 88-89). A fines de 1869, finalizaron los conflictos y el proyecto de la desecación fue retomado por el gobernador Riva Palacio. El proyecto de Garay canalizó 109 caballerías (4.665 hectáreas) de tierras anegadas de los pueblos y haciendas (ibídem, pp. 95-96). En 1871, la Junta Menor Directiva, responsable directa de la administración de los trabajos de desecación de las lagunas de Lerma, convocó a la Junta General para informar sobre el estado de las obras, las cantidades recaudadas, las inversiones y créditos pendientes y para que resolviera las dificultades encontradas. Además, reseñaban los eventos de la obra de la siguiente manera:

la desecación de las lagunas comenzó el 1º de mayo de 1870, realizándose a partir de ese momento los trabajos estipulados en las bases aprobadas por la Junta General el día 15 de enero de 1870, que establecían las condiciones para recaudar las cuotas mensuales entre los pueblos y los propietarios particulares, su importe dependía de la extensión de terreno anegado (ibídem, pp. 95-96). La recaudación de los particulares fue regular.Con pocas excepciones se cumplió con el compromiso; sin embargo, los poblados, ya fuera por verdadera falta de recursos, o porque no estaban convencidos de la utilidad de la desecación, hicieron aportaciones parciales, en dinero, o con trabajo de algunos moradores (JMD 1871, pp. 2-4, en MOLINA 2009). Como el avance de las obras no correspondía con lo proyectado, ni con las erogaciones realizadas, se decidió contratar una parte de la obra al señor Isidoro de la Torre. El contrato implicaba construir la parte faltante del canal de desagüe, por un total de $71.000 pesos. Los pagos se harían según los avances mensuales, que se calculaban en $3.000 pesos. Este acuerdo implicaba reconocer el tramo realizado, el gasto en la compra de algún equipo, que fue entregado a de la Torre, la parte proporcional para gastos imprevistos y su sueldo de $1.400 pesos (JMD 1871, p. 4, en MOLINA 2009). Poco después, la Junta se vio imposibilitada para seguir erogando el gasto mensual de $3.000, pues los poblados seguían sin entregar sus cuotas y los particulares comenzaron a fallar cada vez más frecuentemente. La falta de recursos hacía pensar que la obra no se concluiría y solamente se hicieron cuatro pagos mensuales al contratista. Además, los propietarios particulares cuestionaban la manera como se había formalizado el acuerdo para la realización de los trabajos (JMD 1871, pp. 4-5, en MOLINA 2009). De la Torre formalizó el contrato en una notaria de la ciudad de Toluca y lo hizo obligatorio para ambas partes, continuando con la obra y financiándola con sus propios recursos. Aceptó cobrar una vez que las cuotas se recogieran con normalidad, o con la medida extrema, pero contemplada en las bases generales de operación, el remate

182

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

de los terrenos de propiedad de los morosos (JMD 1871, pp. 5-6, en MOLINA 2009). el Tesorero Melchor Carrasco y el Secretario Manuel Gómez Tagle (JMD 1871, p. 16, en MOLINA 2009). Este proyecto de desecación no fue concluido; al parecer, el desinterés de los habitantes de los poblados ribereños y su oposición harían fracasar los proyectos posteriores, hasta la intervención del Estado en la ejecución del Sistema Lerma, para el abastecimiento de agua potable a la Ciudad de México. Entre 1857 y 1875, los proyectos de desecación de las lagunas de Lerma se enfrentaron con diversos actores y sus intereses. En un primer término, las gestiones de los empleados municipales y estatales justificaban sus salarios; las arcas municipales recibían ingresos monetarios importantes por el arrendamiento de las lagunas; los hacendados y altos funcionarios estatales ampliaban considerablemente las tierras destinadas a las labores agropecuarias, así como los ingresos obtenidos de estas actividades, ya que eran los representantes de las elites políticas y económicas. Por otra parte, los habitantes de los pueblos ribereños obtenían buena parte de sus ingresos de los productos de la pesca, caza y recolección que les ofrecía el ambiente lacustre y no contaban con el capital necesario para invertir en la agricultura o ganadería. El conflicto de intereses causó, en buena medida, el fracaso del proyecto. En el 24 de septiembre de 1906, la Secretaría de Fomento e Industria puso a consideración y aprobación el contrato celebrado el 5 de septiembre de ese mismo año entre el Presidente Porfirio Díaz, y el licenciado Gumersindo Enríquez, para la desecación de la laguna de Lerma, ubicada en los Distritos de Tenango y Lerma del Estado de México. La Secretaría consideraba conveniente llevar a cabo el proyecto relacionado con dicho contrato, para mejorar las condiciones de salubridad de las poblaciones ribereñas y desaguar gran parte de tierras “feraces”, que puestas en explotación agrícola aumentarían la riqueza pública. El contrato fue aprobado por el H. Congreso de la Unión, el 9 de noviembre de 1906, expidiéndose el decreto correspondiente, que fue publicado en el Diario Oficial de

los Estados Unidos Mexicanos, el 8 de diciembre del mismo año (AHA, Fondo Documental Aguas Nacionales [En adelante AN], Caja 10, Exp. 163, Leg. 2, f. 6). Según los artículos 8 y 9 del contrato, Enríquez haría el reconocimiento del terreno antes del 8 de junio de 1907, presentando los planos correspondientes el 8 de diciembre de ese año, previa aprobación de la mayoría de los colindantes de la laguna de Lerma para la ejecución de las obras. Sin este requisito, las obras no podían comenzarse. El 17 de mayo de 1907, el ingeniero Rozensweig inició los trabajos de reconocimiento, pero en noviembre solicitó prórroga por un año, para la entrega de los planos y la memoria correspondiente. Según Gumersindo Enríquez, no se pudo establecer un arreglo definitivo con los vecinos colindantes a la laguna; además, solicitó autorización para la expropiación de los terrenos, lo que no se le concedió. El contrato se reformó el 9 de noviembre de 1907, en sus artículos 8º y 9º; los planos y la memoria debían presentarse antes del 6 de diciembre de 1908. La construcción de las obras debía iniciarse antes del 6 de diciembre de 1909 y terminarse antes del 6 de diciembre de 1914. El contrato con sus modificaciones fue aprobado por decreto el 10 de diciembre de 1907 (AHA, Fondo Documental AN, Caja 10, Exp. 163, Leg. 2, f. 5). El 13 de octubre de 1908, fecha cercana al cumplimiento del plazo fijado para la entrega de los primeros documentos, Enríquez presentó un escrito manifestando que por causas ajenas a su voluntad, por la crisis que atravesaba el país y por el obstáculo que habían impuesto los colindantes de los terrenos ocupados por la laguna de Lerma, no había podido cumplir con las obligaciones del contrato. La oposición se manifestaba, tanto para el levantamiento topográfico necesario para elaborar los planos, como a cualquier obra que se pretendiera realizar. Buscaba vencer la resistencia mediante arreglos con los propietarios y sus representantes, tratando de comprobarla mediante cartas con las que acompañó su escrito. Estas cartas son de su representante en la ciudad de Toluca, quien le informa que los vecinos no quieren firmar la escritura de convenio, hasta que se arregle definitivamente la cuestión

183

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

de arbitraje. En esto fundaba su solicitud para que se le prorrogara por un año los plazos fijados en la concesión (AHA, Fondo Documental AN, Caja 10, Exp. 163, Leg. 2, f. 5). Tras el recurso interpuesto por Gumersindo Enríquez, el Presidente Porfirio Díaz, a través del Secretario de Fomento, Colonización e Industria, licenciado Olegario Molina, le otorga una prorroga por un año a los trabajos concesionados. El contrato firmado el 4 de diciembre de 1908 establece que: el 6 de diciembre de 1909 el concesionario entregará a la Secretaría de Fomento los planos y perfiles del proyecto de las obras para la desecación de la laguna de Lerma, por triplicado y a escala métrica decimal apropiada, solicitando la aprobación. Además, establece que, dentro del plazo que terminará el 6 de diciembre de 1910, el licenciado Gumersindo Enríquez dará principio a la construcción de las obras, que deberán finalizarse antes del 6 de diciembre de 1915. Las restantes estipulaciones del contrato original quedaban igual, para su cumplimiento (AHA, Fondo Documental AN, Caja 10, Exp. 163, Leg. 2, f. 7). El Secretario de Fomento envía la modificación del contrato al Congreso de la Unión para su aprobación, que se publica en el Diario Oficial de los Estados Unidos Mexicanos el 19 de mayo de 1909 (AHA, Fondo Documental AN, Caja 10, Exp. 163, Leg. 2, ff. 8-19). El 30 de diciembre de 1910, Olegario Molina recibe una lista con notas aclaratorias: sobre la hacienda Atizapán, el Sr. Gómez Tagle, uno de los dueños, dijo tener derechos sobre parte de la laguna, amparados por títulos que mostraría cuando se le requiriera. Al propietario del Rancho Alta Empresa no fue posible contactarlo, pero los vecinos argumentaban que se creía con derechos sobre parte de la laguna y que el ayuntamiento de Lerma los cuestionaba. Además, se advertía que casi todos los interesados en la laguna tenían desavenencias entre sí, por lo que no era raro que alguno negara los derechos de los otros. Para precisar quienes tenían derechos legítimos era necesario realizar una revisión exhaustiva de títulos y planos de propiedad. Las obras concesionadas a Gumersindo Enríquez no se llevaron a cabo; en un primer momento, por la inconformidad de los vecinos

propietarios de las tierras que circundaban a la laguna de Lerma; posteriormente, los cambios políticos provocados por la Revolución mexicana, de 1910-1921, también contribuyeron a impedir su realización. AGUA PARA LA CIUDAD DE MÉXICO El 12 de agosto de 1920, el general Benjamín G. Hill y el señor Miguel Gómez presentaron ante la Secretaría de Fomento, Dirección de Aguas, Departamento de Concesiones, un escrito aclaratorio, posterior al ingresado el día 30 de julio de ese año. Hill pedía al Secretario de Fomento se le concesionaran las aguas que brotaban de los manantiales de Almoloya, ubicados en el Distrito de Tenango del Estado de México, en toda la cantidad que pudieran producir, calculada por ellos en una constante de 2.100 litros/seg. El agua se destinaría al uso doméstico de la Ciudad de México y poblaciones circunvecinas (AHA, Fondo AS, Caja 359, Exp. 7308, f. 6). La respuesta de la Secretaría (27 de agosto de 1920), decía que para poder darle trámite había que definir previamente la propiedad de las aguas, para lo que se estaban recopilando los datos oficiales correspondientes y que, en cuanto se tuvieran, le serían comunicados (AHA, Fondo AS, Caja 359, Exp. 7308, f. 4). El 15 de octubre de 1920, la Secretaría de Fomento ordena la publicación, en el Periódico Oficial del Gobierno del Estado de México, de la solicitud para el aprovechamiento de las aguas de los manantiales de Almoloya, presentada por Hill y Gómez. La publicación en la Gaceta del Gobierno se realizó el 13 de noviembre de 1920 y en dos ocasiones posteriores (27 de noviembre y 11 de diciembre de 1920) se ofrecieron algunos datos técnicos del proyecto (AHA, Fondo AS, Caja 359, Exp. 7308, ff. 19-23): Las aguas se tomarán en el mismo lugar en que se hallan los manantiales, y es donde se ejecutarán las obras de captación, para de allí llevarlas por medio de un canal de longitud de 9747 metros que terminará en un estanque

184

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

donde se elevarán las aguas por medio de un sistema de bombas a la altura de los Llanos de Salazar, y de ahí se traerán por medio de una tubería hasta la capital de la república.

noviembre y 11 de diciembre del año de 1920. Para la autoridad, no se presentaron en el tiempo legalmente establecido en las constancias de publicación, razón por la cual se les tomaba como desistidos de la solicitud (AHA, Fondo AS, Caja 359, Exp. 7308, f. 24). En la década de 1920, la Compañía Agrícola del Lago de Lerma, que en algún momento del Porfiriato operó bajo la representación del licenciado Gumersindo Enríquez, gerente y apoderado de la compañía, continuaba con el proyecto de trasladar el agua potable al valle de México y utilizar las tierras desecadas para labores agrícolas. Esta empresa encontró el rechazo de los pobladores ribereños de Almoloya del Río, Santa Cruz Atizapán, San Mateo Texcalyacac, Santa María Rayón, San Lucas Tepemajalco y San Antonio la Isla, que enviaron varios escritos a la Secretaría de Agricultura y Fomento y una solicitud de revisión de sentencia al Poder Judicial de la Federación, manifestando su oposición al proyecto, entonces dirigido por el general Abundio Gómez y Luis G. Zaldívar (AHMAR, Presidencia, Vol. V, Año 1927). El escrito de revisión de la sentencia en el juicio de amparo número 243/926, promovido por Luis G. Zaldívar, fue dirigido al Juez 2º Supernumerario del Distrito Federal. A través de la Secretaría de Agricultura y Fomento y a nombre del Presidente de la República, se interpone el recurso legal frente a la protección dada por la Justicia de la Unión a la Compañía Agrícola del Lago de Lerma SA, en contra de los actos consistentes en el acuerdo de fecha del 15 de abril de 1926, por el cual se declaraba insubsistente el contrato de concesión del 5 de septiembre de 1906, entre la Secretaría de Fomento y el licenciado Gumersindo Enríquez, ya que existía inconformidad con los términos de la decisión de referencia (AHMAR, Presidencia, Vol. V, Año 1927). Entre los agravios señalados, se menciona que una de las obligaciones de la compañía era demostrar la conformidad de la mayoría de los colindantes de la laguna para la ejecución de las obras de desecación. La Secretaría de Fomento consideró cumplida tal obligación mediante un acuerdo comunicado al concesionario el 27 de septiembre de 1911. Pero, éste no era del todo cierto, pues solamente consideraba el aval de los

Adicionalmente al aprovechamiento de las aguas para uso doméstico de la Ciudad de México y poblaciones circunvecinas, los señores Hill y Gómez las solicitaban para su aprovechamiento como fuerza motriz, sumando a su solicitud original lo siguiente (AHA, Fondo AS, Caja 359, Exp. 7308, ff. 19-23): En el trayecto que deben recorrer las aguas a esta Capital, podemos utilizar la fuerza motriz que sean susceptibles de desarrollar, y a este efecto deseamos que se nos otorgue concesión para utilizar como fuerza motriz, las aguas de los manantiales de Almoloya en la cantidad (de 2100 (dos mil cien) litros por segundo. Como se ha dicho, las aguas se tomarán de los mismos manantiales, y por medio de un canal y un sistema de bombas, se ascenderán a la cima y Llanos de Salazar, y a 4 kilómetros más acá de Salazar, aprovecharemos la primera caída; en seguida y a una distancia de 8150 metros, aprovecharemos una segunda caída y a 495 metros, la tercera caída. Las aguas no se devolverán a su cauce, pues se traerán a la capital de la república para sus usos domésticos. A la muerte del general Hill, su viuda y albacea Carmen D. viuda de Hill y Miguel Gómez informaban al Secretario de Fomento que, de conformidad con el oficio No. 50499 girado por la Dirección de Aguas, se habían realizado las publicaciones exigidas sobre la solicitud correspondiente y para su constancia acompañaban la misiva, firmada el 5 de abril de 1921, con los periódicos relativos marcados con los números 39, 43 y 47 de fechas 13 y 27 de

185

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

ayuntamientos y no el de los propietarios de las tierras ribereñas, como debía hacerse. La resolución de las autoridades era errónea y la anuencia se revocó definitivamente el 31 de marzo de 1925 (AHMAR, Presidencia, Vol. V, Año 1927). Posteriormente, los pobladores manifestaron su oposición al proyecto de desecación. El 10 de junio de 1926, el Presidente Municipal de Almoloya del Río (José Arellano), nombra a Gabriel Castro representante municipal para realizar las gestiones pertinentes en contra de la Compañía Agrícola del Lago de Lerma SA. El 2 de octubre de 1926, el Ayuntamiento de Almoloya del Río y vecinos del municipio dirigen un escrito al secretario de Agricultura y Fomento, señalando su inconformidad con la desecación, aclarando que aquello que generalmente se conoce como laguna de Lerma se refiere a la porción cubierta por las aguas, que dan origen al río del mismo nombre y también a las extensiones de tierra firme que de manera periódica se anegaban durante la estación de lluvias, además de la porción de terrenos cenagosos a donde llegaba la influencia de la corriente del río. Sobre estas tierras, los pobladores aducían tener derechos de propiedad y posesión, reconocidos en la administración de Porfirio Díaz. Equiparan la solicitud del licenciado Gumersindo Enríquez, con las acciones de despojo realizadas por Iñigo Noriega y las autoridades virreinales a los pobladores de la laguna de Chalco (AHMAR, Presidencia, Vol. V, Año 1926). En el escrito señalaban que las aguas del río Lerma y sus márgenes les producían importantes medios de vida, obtenidos en la explotación de la pesca, el tule y el forraje para el ganado. Además, las tierras desecadas serían salitrosas e impropias para la agricultura, o quedarían en manos de una sola persona, como había sido asentado en la solicitud respectiva. La oposición creció, pues si el proyecto de Enríquez, que consideraba traspasar el 50% de los terrenos ganados a los pueblos ribereños, no fue aceptada, la propuesta de Gómez y Zaldívar ni siquiera consideraba esa posibilidad. Otros puntos importantes del documento se referían a los trastornos ambientales, erosión y ruptura del ciclo del agua, que causaría la desecación (AHMAR, Presidencia, Vol. V, Año 1926).

Vázquez (1998, p. 116) señala que desde 1899 el señor W. Makenzie propuso la captación del agua proveniente de los manantiales del río Lerma para satisfacer las necesidades del líquido en la Ciudad de México. En los 1920, Andrew Makenzie solicitó a la Secretaría de Agricultura y Fomento la concesión de derechos del uso y aprovechamiento de las aguas de los manantiales de Almoloya del Río, ubicados en el municipio del mismo nombre, Distrito de Tenango, Estado de México. Solicitaba la obtención de un caudal de 3.000 litros/seg., para alcanzar un volumen total anual de 94.608,000 m3 y abastecer de agua potable al Distrito Federal. El agua se tomaría directamente de los manantiales, tras efectuar las obras de captación mediante un canal cubierto, al pie del monte de Salazar, donde se perforaría un túnel para salir por la cara de la montaña visible a la Ciudad de México, cuya altura sería suficiente para facilitar su distribución (AHA, Fondo Documental AN, Caja 1, Exp. 14, Leg. 1, f. 1). La Secretaría negó la solicitud a Makenzie, aduciendo que se estaba realizando un estudio para reglamentar el uso de las aguas del Lago de Chapala y de los ríos Lerma, Santiago y sus afluentes. Además, existía con anterioridad una petición de los señores Benjamín Hill y Miguel Gómez para el aprovechamiento de las aguas de los manantiales citados (AHA, Fondo Documental AN, Caja 1, Exp. 14, Leg. 1, f. 1). En diciembre de 1929, la Secretaría de Agricultura y Fomento consideró que la solicitud de los señores Hill y Gómez no impedía dar trámite a la Makenzie, dado que los primeros no habían presentado, en el tiempo establecido, la publicación de su petición hecha en el Periódico Oficial del Estado, además de haber dejado de realizar trámites desde 1921 (AHA, Fondo Documental AN, Caja 1, Exp. 14, Leg. 1, f 1). En el escrito para la Secretaría, del 19 de noviembre de 1929, Makenzie solicita se le informe sobre el estado que guarda el expediente para la concesión de las aguas de los manantiales de Almoloya, pues había realizado en la ciudad de Londres gestiones para reunir el capital necesario y construir las obras propuestas. También decía que, una vez firmado el contrato respectivo, traspasaría la concesión al Gobierno del Departamento Central.

186

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

El 3 de enero de 1930, el director de la Secretaría, Gumaro García de la Cadena, responde que la autoridad estaba esperando que la Suprema Corte de Justicia de la Nación dictase el fallo definitivo sobre un amparo interpuesto por la Compañía Agrícola del lago del Lerma, que afectaba las aguas de los manantiales de Almoloya, antes de resolver si podía continuarse, o no, la tramitación de la solicitud presentada (AHA, Fondo Documental AN, Caja 1, Exp. 14, Leg. 1, ff. 2-3). La propuesta de Makenzie de traspasar la concesión al Departamento Central motivó que el Oficial Primero de la Secretaría, Salvador Cuevas, propusiera a la superioridad que se sometiera a la consideración de la Comisión Nacional de Irrigación y se consultara al Departamento Central de Distrito, si no había inconveniente en otorgar la concesión solicitada a Makenzie (AHA, Fondo Documental AN, Caja 1, Exp. 14, Leg. 1, f. 2). Otra solicitud para el aprovechamiento de las aguas de los manantiales de Almoloya fue presentada el 2 de febrero de 1932, por Andrés Villafaña. El ingeniero solicitaba la utilización de las aguas mansas de los manantiales, u ojos de agua de Almoloya, del Municipio de Almoloya, Estado de México y afluentes de la laguna de Lerma, en la cantidad de 7.000 litros/seg. durante todos los días del año, comprendidos de enero a diciembre, a razón de 24 horas diarias, hasta completar un volumen anual de 220.752.000 m3 para usos domésticos de la Ciudad de México y demás poblaciones del Distrito Federal. Villafaña recibió respuesta el 9 de febrero de ese mismo año, donde se le indicaba que debía completar su solicitud con los documentos previstos por el reglamento de la Ley de Aguas (AHA, Fondo AS, Caja 359, Exp. 7308, f. 24).

sur y este del vaso de Chicnahuapan, incluyendo los manantiales de Almoloya del Río, Texcaltenco, Alta Empresa y Ameyalco, así como el acueducto para su conducción a la Ciudad de México. La obra aprovechaba la diferencia de altitud de 273 metros, existente entre la cuenca del Lerma y la de México (MOLINA 1949). El proyecto quería captar y conducir solamente las aguas superficiales; pero la creciente demanda, o en la impericia técnica para manejar un sistema de tal magnitud, llevó a que se dinamitaran los manantiales, para obtener mayor cantidad de agua. Sin embargo, se produjo la perdida de los veneros, la aparición de amplios resumideros, la desecación de la laguna de Chicnahuapan y la extinción paulatina del ambiente lacustre. En septiembre de 1941, la Dirección de Aguas y Saneamiento realizó contrataciones entre los pobladores ribereños para la ejecución de los trabajos; en 1942 les pagó cuatro centavos por m2 de terreno que hubiese sufrido daños y perjuicios en las cosechas, causados por las obras de captación y conducción de los manantiales del río Lerma a la Ciudad de México (AHMAR, Presidencia, Vol. XI, Año 1941; AHMAR, Presidencia, Vol. XII, Año 1942). En un escrito (marzo de 1941) al Jefe del Departamento del Distrito Federal, firmado por el Presidente Municipal de Almoloya del Río (Raymundo Guzmán), fueron presentadas algunas de las necesidades, que la población esperaba fueran satisfechas por las autoridades, a manera de compensación por la extracción del agua que se pretendía llevar a cabo (AHMAR, Presidencia, Vol. XI, Año 1941). Estas eran las siguientes: : 1. Al pueblo de Almoloya del Río le pertenecen 13 metros de la ribera en colindancia con las Aguas Federales, en cuya limitación se encuentran las 162 vertientes más las que se encuentran en el fondo de la laguna. 2.El pueblo no se opone a que las aguas sean introducidas a esa Ciudad que usted dignamente regentea, para abastecer a sus habitantes, pero pide como recompensa

LA DESAPARICIÓN DEL AMBIENTE LACUSTRE En 1938, el Distrito Federal tenía 1.200.000 habitantes y se retomó el plan de abastecimiento de agua potable desde los manantiales del Lerma. Las obras se iniciaron en 1942, siendo Presidente del país Manuel Ávila Camacho. La primera fase del proyecto comprendía la captación de las aguas de las márgenes

187

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

algunas mejoras para el bien del mismo pueblo, por ser uno de los más pobres que puedan existir en el Estado de México. 3.Pide se construyan dos edificios adecuados con los adelantos modernos, que serán destinados para escuelas, en sustitución de las que ya existen, con sus respectivos excusados ingleses y su campo deportivo. 4. La edificación de un Palacio Municipal, donde se encuentren establecidas todas las Oficinas Municipales. 5.La construcción de un Mercado. 6.La construcción de una Planta Hidroeléctrica que abastezca al poblado, que tiene luz pública, suministrada por la Compañía de Luz y Fuerza de Toluca SA, pero que los ayuntamientos pasados dejaron sin pagar y el pueblo adeuda a la Compañía dos mil pesos y, para evitar en los sucesivo esas deficiencias de parte de los ayuntamientos venideros se desea tener Luz propia, pero antes también se pide ayuda para pagar la deuda. 7. El vecindario carece de drenaje y las aguas corren por las calles en perjuicio de la salud pública, por lo que se solicita la pavimentación de las calles públicas, se construyan unos abrevaderos para los animales y el drenaje, para que las aguas negras no se filtren a las cristalinas. 8. La compra de un reloj público y el pago del adeudo que se tiene al respecto, que es de nueve mil pesos. 9. Se dote a este poblado de un pedazo de monte, para proveerse de leña, lo que a la fecha hace mediante arrendamiento al Ayuntamiento de Ocuilan de Arteaga. 10. La edificación de un establecimiento de

Beneficencia para la gente pobre, de esta población y de los demás poblados. Lo que anteriormente se pide, está de acuerdo con las necesidades del sufrido pueblo de Almoloya del Río, quien ahora espera los beneficios del gobierno de la Revolución Mexicana. El 19 de septiembre de 1939, los vecinos de Almoloya comunicaron su interés por acogerse a los beneficios derivados del decreto, que establecía las bases para el otorgamiento de permisos para la explotación agrícola de terrenos en zonas federales y aguas de propiedad nacional. Querían saber si se había demarcado el cauce o vaso de la laguna de Lerma y si se había considerado el acuerdo dictado por la Secretaría de Agricultura y Fomento (6 de mayo de 1933), donde se declaraba exenta de la zona federal a la parte de la laguna de Chiconahuapan, donde brotaban los manantiales, cuyos linderos eran: al oriente, el predio de Santiago Vázquez y al occidente, el predio de María Segura y la calle o camino vecinal que circundaba al pueblo. Solicitaron a la autoridad proporcionarles los informes sobre la demarcación de la superficie del vaso, para que pudieran solicitar concesiones individuales en su beneficio (AHA, Fondo Documental AN, Caja 677, Exp. 7779, Leg. 1, ff. 1-3). Los pobladores de Almoloya dirigen un oficio al Director de Aprovechamientos Hidráulicos, firmado por el Presidente Municipal Santiago Vázquez el 22 de diciembre de 1948, donde, sobre el reparto de tierras de Almoloya del Río y de la ciénaga de Chiconahuapan (o laguna de Lerma), declaran: que la comunidad no pretendía reclamar derechos de propiedad sobre la parte del vaso de la laguna de Lerma que había venido aprovechando desde tiempo inmemorial, puesto que sabían que el artículo 27 constitucional definió como propiedad de la nación los cauces, lechos o riberas de los lagos y corrientes anteriores en la extensión que fijara la ley, pero que esperan el otorgamiento de los beneficios arriba señalados (AHA, Fondo Documental AN, Caja 677, Exp. 7779, Leg. 1, ff. 1-3).

188

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

En carta del 7 de julio de 1949, el Secretario de Recursos Hidráulicos, ingeniero Adolfo Orive Alva, comunicaba al licenciado Fernando Casas Alemán, Jefe del Departamento del Distrito Federal, que la Secretaría a su cargo no había formulado el proyecto para la desecación de la laguna de Lerma, que hasta entonces sólo habían realizado trabajos topográficos y recopilación de datos, susceptibles de ser utilizados en la formulación del proyecto de desecación. Aunque cualquier acción de recuperación de tierras debería estar sujeta a los resultados, obtenidos en observaciones precisas del funcionamiento de las obras de captación y conducción de las aguas de los manantiales de la región, para el abastecimiento de agua potable al Distrito Federal (AHA, Fondo CT, Caja 178, Exp. 1427, ff. 52-53). Informaba también, que había girado las instrucciones pertinentes para que no se otorgara ningún nuevo permiso agrícola, o de otra índole, dentro del vaso y la zona federa de la laguna, para que permaneciera sin otra alteración. Los permisos otorgados que en ese momento estaban vigentes no autorizaban a realizar obras de ninguna naturaleza ni otorgaban derecho de propiedad al concesionario, pues sólo se permitía el cultivo temporal, con el riesgo inherente que pudiera perderse la cosecha por alguna fluctuación en los niveles del agua (AHA, Fondo CT, Caja 178, Exp. 1427, ff. 52-53). El 10 de marzo de 1952, el Presidente Municipal de Almoloya del Río (Joel Núñez Martínez), solicitó la intervención del Coronel Pablo Rocha Gómez, Secretario General de la Confederación Campesina de la República Mexicana, para que el Departamento Central del Distrito Federal realizara las obras compensatorias por las aguas que le eran trasladadas. En términos generales, eran las arriba señaladas. En el escrito se reporta la construcción de los baños anexos al campo deportivo municipal y empedrado que estaba realizando el Departamento del Distrito Federal, pero cuyo proceso constructivo había sido detenido porque, de acuerdo con los responsables, se habían agotado las partidas respectivas (AHMAR, Presidencia, Vol. XV, Año 1952). Para 1953, las necesidades

seguían sin cubrirse, el 16 de abril, el Presidente Municipal solicita al Gobernador del Estado de México su intervención para que el gobierno de la capital recompense por el agua extraída a la población (AHMAR, Presidencia, Vol. XV, Año 1953). Seis años después, un funcionario de esa administración respondía a los cuestionamientos y las molestias entre los pobladores de Almoloya del Río siguieron hasta 1959. El Presidente Municipal presentó al Secretario de Recursos Hidráulicos, Alfredo del Mazo, una serie de quejas, por el incumplimiento de las obras de compensación ofrecidas por el Departamento de Distrito Federal, así como la reparación de daños ocasionados por los trabajos para la extracción del agua (AHA, Fondo AS, Caja 3642, Exp. 50439, ff. 13). Del Mazo solicitó informes al presidente de la Comisión LermaChapala-Santiago, ingeniero Antonio Rodríguez, sobre dichas inquietudes. El ingeniero Felipe Sánchez se encargó de responder (28 de septiembre de 1959) y muestra el punto de vista del funcionario sobre la problemática de la desecación de la laguna de Lerma y las responsabilidades asumidas por el gobierno (AHA, Fondo AS, Caja 3642, Exp. 50439, ff. 1-3). 1. Manifiesto a Ud. que el Presidente Municipal falta a la verdad cuando afirma que se destruyeron cientos de casas y solamente fueron 22 “jacales” que se destruyeron, pero en cambio a cada uno se les compensó con una casa de mampostería de 2 pisos. 2. Los terrenos de labor que se ocuparon no ocupan mucha extensión y además fueron pagados de acuerdo con el avalúo en que intervinieron la Contraloría del Departamento y Secretaría que se llamaba entonces de Bienes Nacionales […]. 3. En compensación a las aguas que se captaron en los manantiales de Almoloya se les dotó de una Escuela Primaria y si ahora es insuficiente no hay culpa para las Obras de

189

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

l Lerma de que los de Almoloya del Río sean muy prolíficos. 4. Se les perforo un pozo, se les instaló una bomba de pozo profundo y se construyó una red para agua potable en toda la población. Se construyeron baños y lavaderos públicos y se les niveló el terreno para un Campo Deportivo. 5. El agua del pozo no es potable bacteriológicamente y se les instaló un sistema pequeño para clorinar el agua pero los vecinos en forma muy agresiva se opusieron al procedimiento y hubo que suspenderles la potabilización […]. 6. Así como el Presidente Municipal ha asentado falsedades como las que he señalado al principio, es de suponerse que no son verdad las palabras que pone en boca del C. Don Alfredo del Mazo […]. 7. Si en algunos lugares los pueblos ribereños están invadiendo terrenos de la Zona Federal no es al Departamento del Distrito Federal a quien toca resolver el caso, pero si es de recomendarse que no se permitan esas invasiones porque sería un grave inconveniente para las Obras del Sistema del Lerma […]. 8. En cuanto a las demás obras que señala el Presidente Municipal no las podrá realizar el Departamento del Distrito Federal porque los fondos de su presupuesto son insuficientes para las distintas obras urgentísimas que se realizan y otras que se llevarán a cabo en breve tiempo, ya que son obras inaplazables […]. 9. Ignoro si el Lic. Javier Rojo Gómez prometió ejecutar las obras que enumera el Presidente Municipal, pero en aquella época no hubiera sido suficiente el presupuesto de un año del DF

para realizar las obras que pedían entonces no sólo el Ayuntamiento de Almoloya del Río sino de todos los poblados cercanos al Acueducto. Sin embargo a todos los pueblos se les pagó los terrenos ocupados y se realizaron obras por valor de $12 millones de pesos antes de la desvalorización de nuestra moneda. Los sistemas de agua potable en los pueblos afectados, tanto en su conservación como en su mantenimiento están atendidos, desde entonces por las Obras del Lerma. CONCLUSIONES: LOS BENEFICIOS DE LA DESECACIÓN Los beneficios en infraestructura no llegaron como compensación por la construcción y operación del sistema, pero sobre las tierras ganadas para otros fines se puede señalar que, de los vasos que ocupaban las lagunas inferiores del Lerma: Tultepec y San Bartolo, unas 7,500 hectáreas eran aprovechables para fines agrícolas y una parte se ocupó en esas actividades. También sirvieron para crear nuevos asentamientos poblacionales, que se inundan en años de abundante lluvia y afectan parte del área (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 19). Las inundaciones se producen por la descarga anual de los arroyos tributarios, cuyas cuencas de captación están en la ladera occidental de la sierra del Ajusco y en las faldas del Nevado de Toluca, así como por las aportaciones de manantiales y la precipitación pluvial. Estas cantidades de agua varían anualmente, pero al no encontrar salida por la escasa pendiente del terreno y la mermada capacidad del río Lerma, forman concentraciones, que desaparecen tras prolongados períodos de infiltración y evaporación, con las consiguientes pérdidas en las cosechas y destrucción de infraestructura urbana. Entonces, en años de abundante lluvia, las depresiones tienden a recuperar su carácter original de lagunas y ocurren inundaciones (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 19).

190

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Los campesinos del municipio se enfrentaron a la disyuntiva de sembrar las parcelas en tierras ganadas a la laguna, con el riesgo de perder las cosechas en años de alta pluviosidad,o no realizar ninguna actividad agrícola, perdiendo así posibilidades para enfrentar las necesidades cotidianas. En estos primeros años, cuando la desecación comenzaba, la actividad agrícola llegó a su mayor extensión en 1958, a partir de esa fecha decreció notablemente. En estos tiempos comenzaron a surgir nuevas actividades Tabla 1 e n l o s Hectáreas cultivadas en los vasos de la laguna de Lerma pueblos, pero (1952-1960) sólo en la década de 3000 1970 se tornan 2500 importantes. 2000 La crisis recrudecida 1500 por la falta de 1000 trabajo en 500 o t r a s 0 actividades 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 l l e v ó a Año algunos a optar por Tultepec Chignahuapan S an Bartolo m i g r a r definitivamen Fuente: AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 68. t e a l o s c e n t r o s urbanos del país o hacia los Estados Unidos. El proceso irreversible de desecación de la laguna de Lerma comenzó en 1951, cuando el Departamento del Distrito Federal terminó las obras de captación del agua de los manantiales y perforó una serie de pozos, interceptando la red de flujo subterráneo del lado occidental. El volumen de agua que se llevaba al valle de México, en los 1960, ascendía en promedio a unos 44.000.000 m3 anuales, integrado por parte del escurrimiento Hectáreas

superficial del río Lerma, parte de los volúmenes ganados al proceso de evaporación que ocurría en la superficie libre del agua de las lagunas y por las aguas del subsuelo extraídas por bombeo. El volumen anual extraído de la cuenca del río Lerma representaba un 37% del escurrimiento virgen a la salida de las lagunas (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, f. 19). La utilización de dinamita, con impericia, también aceleró el proceso de desecación, perdiéndose los veneros de los manantiales de Almoloya. En noviembre de 1960, tres hundimientos en el suelo (resumideros) provocaron la salida del agua. Los resumideros, uno frente a Almoloya del Río y dos cerca de Santa Cruz, crearon hundimientos con diámetros de unos 10 metros y la tendencia a adoptar la forma de embudo, por donde escurría el agua. La resequedad del suelo creó agrietamientos profundos en el antiguo vaso de la ex laguna. Los vecinos de las riberas intentaron taponar con piedras estos hundimientos, pero fracasaron y, por las condiciones del suelo, se esperaba aumentaran de tamaño. La sobreexplotación del acuífero tuvo su mayor impacto en la desaparición de los manantiales de Almoloya y el 8 de abril de 1960 se suspendió el bombeo de agua en el cárcamo de captación Ávila Camacho, pues la galería quedó totalmente seca (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, ff. 162-165). En una visita a la zona, en enero de 1961, se comprobó que el cárcamo estaba vacío y las seis bombas estaban sin funcionar. Solamente el agua, que se conducía al acueducto Miguel Alemán, era extraída directamente desde los pozos cercanos. Estos fenómenos indicaban el abatimiento del nivel freático por el excesivo bombeo de agua subterránea; el hecho que hubiera aumentado considerablemente el consumo de energía en la operación mostraba que, de seguirse incrementando la extracción, el agua se obtendría a mayor profundidad y su costo de explotación aumentaría (AHA, Fondo AS, Caja 3372, Exp. 46112, ff. 162-165). El paisaje lacustre de un pasado no tan lejano, quedó extinto para la década de 1980; actualmente los relictos lagunares apenas alcanzan un kilómetro de extensión. En 1975 el Estudio socioeconómico del proyecto Orígenes

191

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

167-188. JUNTA MENOR DIRECTIVA (JMD). Breve reseña histórica de los trabajos de desecación de las lagunas de Lerma. México, Toluca, Instituto Literario, 1871. MOLINA HAMPSHIRE, Daniel. “De la Laguna de la Abundancia a la Tierra del Buen Vestir. El programa Lerma: sus impactos ambientales y socioculturales en Almoloya del Río, Estado de México”. Tesis de Doctorado en Antropología Social. México, Universidad Iberoamericana, 2009. MOLINA, Eduardo. “El proyecto Lerma”, en “Las Obras de Lerma”. Trabajos presentados al Primer Congreso Internacional de Ingeniería Civil México, Ciudad de México, abril-mayo de 1949. SECRETARÍA DE RECURSOS HIDRÁULICOS (SRH). Estudio socioeconómico del proyecto Orígenes del Lerma, México. México, SRH, 1975. SUGIURA YAMAMOTO, Yoko. La caza, la pesca y la recolección. Etnoarqueología del modo de subsistencia lacustre en las ciénagas del Alto Lerma. México, Universidad Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Antropológicas, 1997. __________. Y atrás quedó la Ciudad de los Dioses. Historia de los asentamientos en el valle de Toluca. México, Universidad Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Antropológicas, 2005. VÁZQUEZ CASTILLO, Jaime. Almoloya del Río. Monografía Municipal. Toluca, Instituto Mexiquense de Cultura, 1998.

del Lerma México, realizado por la Secretaria de Recursos Hidráulicos, señalaba que en 1973 operaban unos 353 pozos, ocasionando el desecamiento paulatino de lagos y lagunas y, con ello, la eliminación de actividades laborales en perjuicio de la población que dependía directa o indirectamente de la economía del lugar (SRH, 1975, p. 7). La desecación de las lagunas y fuentes acuíferas produjo la desaparición de muchos centros de actividades y la emigración de la población a lugares como Toluca y el Distrito Federal (SRH, 1975, p. 166)

Referencias ALBORES ZÁRATE, Beatriz. Tules y sirenas. El impacto ecológico y cultural de la industrialización en el Alto Lerma. Toluca, El Colegio Mexiquense, AC, 1995. ARCHIVO HISTÓRICO DEL AGUA (AHA), Fondo Aprovechamientos Superficiales (AS): Caja 359, Expediente 7308; Caja 3366, Expediente 46031; Caja 3372, Expediente 46112; Caja 3538, Expediente 48942; Caja 3538, Expediente 48943; Caja 3642, Expediente 50439. ARCHIVO HISTÓRICO DEL AGUA (AHA), Fondo Consultivo Técnico (CT): Caja 178, Expediente 1427; Caja 182, Expediente 1462. ARCHIVO HISTÓRICO DEL AGUA (AHA), Fondo Documental Aguas Nacionales (AN): Caja 1, Expediente 14; Caja 10, Expediente 163; Caja 348, Expediente 3718; Caja 677, Expediente 7779. ARCHIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE ALMOLOYA DEL RÍO (AHMAR), Presidencia, Vol. V, Año 1926, Vol. V, Año 1927, Vol. XI, Año 1941, Vol. XII, Año 1942; Presidencia, Vol. XV, Año 1952; Presidencia, Vol. XV, Año 1953. CAMACHO PICHARDO, Gloria. Agua y liberalismo. El proyecto de desecación de las lagunas del Alto Lerma, 1850-1875. México, Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social-Archivo Histórico del Agua, 2007. GONZÁLEZ JÁCOME, Alba. “Población y Agricultura en Ambientes Aluviales: la cuenca del Alto Lerma”. En: Papeles de Población, Centro de Estudios Avanzados de la UAEM, vol.1, 1995, p. 46-62. __________.“La Cuenca del Alto Lerma: Agricultura y Manejo del Agua”. En: Análisis Territorial de los Cambios Socioeconómicos y Medioambientales de las Grandes Ciudades en las dos últimas Décadas del Siglo XX; Polonia, Universidad de Varsovia, Facultad de Geografía y México, UAEM, 2000, pp.

192

EL RÍO DE LAS AVENIDAS, PACHUCA (MÉXICO). RETOS AMBIENTALES PARA UN JOVEN ESTADO Patricia Dussel Francisco A. Rubio Durán

Resumo Neste trabalho se discute a viabilidade de realizar reconstruções dos fatores ambientais mais visíveis, mediante o tratamento das fontes documentais adequadas e utilizando dados não tradicionais, tais como os que são fornecidos pelos jornais. A análise se atém a história do Estado de Hidalgo, México, no final do século XIX, estudando o comportamento anômalo do curso do Rio das Avenidas. Focaliza-se um desastre ocorrido em 1888, observando que este foi resultado da conjunção de fatores climáticos (chuvas e ventos intensos) e antrópicos, além da interação socioeconômica específica. A sucessão de fatos adversos que se descrevem põe de manifesto a estreita relação existente entre a dinâmica fluvial e o alto grau de vulnerabilidade da sociedade de Hidalgo naquele momento. Procura-se enfocar a história na interface com a história ambiental. Palavras-chave: Rio das Avenidas, ação do clima, ação antrópica.

Abstract Edição Especial Rios e História

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

This paper discusses the viability of accomplishing reconstructions of more visible environmental factors, through the usage of adequate documental sources and utilizing non-traditional data, such as those provided by newspapers. This analysis limits itself to the history of the State of Hidalgo, Mexico, at the end of the XIX century and to studying the anomalous behavior of the Rio de las Avenidas' course. It focuses on the disaster which occurred in 1888, observing that this had resulted from the conjunction of climatic (rain and intense winds) and antropical factors, as well as specific socio-economic interaction. Successive adverse factors described make manifest the direct relation between fluvial dynamics and Hidalgan society's high degree of vulnerability at that time. This papers aims to focus history on its interface with environmental history. Keywords: Rio de las Avenidas, climatic action, antropical action.

193

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

INTRODUCCIÓN

con su impacto socioeconómico y con las formas en que las sociedades se acomodan o responden a ellas. El conocimiento sobre el clima y sus fluctuaciones se ha incrementado considerablemente en los últimos 25 años y provee de informaciones irreemplazables, al brindar un conocimiento estacional o mensual del tiempo meteorológico, pero fundamentalmente al lograr discernir entre las variaciones meteorológicas naturales y las originadas por el hombre (PRIETO 1985, p. 109). El sistema climático, compuesto por atmósfera, océanos, criósfera, superficie continental, biomasa y procesos físicos del clima, posee una variabilidad que se manifiesta en un amplio rango de escalas de tiempo y puede ser periódica o cíclica. Se evidencia a través de la variación – tanto espacial como temporal – de los elementos climáticos (precipitaciones, temperatura, nubosidad, etc.). La variabilidad puede ser estacional, interanual, o presentar tendencias que se traducen en ciclos de diez, quince, veinte y hasta ochenta años (ibídem, p. 110). Existe, además, gran variedad de episodios climáticos de corto término – horas, días, hasta meses – que producen desastrosos impactos sobre las actividades económicas y sociales. Son las denominadas anomalías climáticas, que se apartan de la media considerada para una región, país o continente. Se incluyen entre estos extremos las inundaciones, grandes precipitaciones, sequías, granizo, heladas, olas de frío, etc. Para nuestro estudio, partimos de la base que los ecosistemas y las sociedades, aún las más complejas, están íntimamente relacionados. El análisis de esta complicada relación implica un enfoque que pretende entrelazar la climatología histórica y las estructuras socioeconómicas desde la perspectiva globalizadora y procesual de la historia ambiental (PRIETO, DUSSEL, ABRAHAM y HERRERA 2003). De todas formas, si aceptamos la influencia que tiene actualmente el clima en la sociedad, no podemos soslayarlo como un factor explicativo más en el pasado. Sin embargo, surge el temor de caer en determinismos ya obsoletos, pero esto sólo acontece si

L

a ciudad mexicana de Pachuca, en el Estado de Hidalgo, está inserta al norte de la Cuenca de México. En esta área, el cauce principal es el Río de las Avenidas, el cual presenta la característica ausencia de drenaje exterior del resto de la cuenca. Debido a las especiales condiciones de su entorno físico y biótico, dicho cauce ha sufrido intensos procesos de deterioro ambiental através de su historia. Este río, que recorría y atravesaba la ciudad hasta desembocar en la laguna de Zumpango - desecada en el siglo XX - actuaba y actúa como indicador del nivel de lluvias que afectan al área. Buena parte de las actividades económicas de esta zona depende en gran medida del nivel de precipitaciones. Por esta razón, es objetivo prioritario de este trabajo indagar en los procesos naturales y las consecuencias socioeconómicas que tienen los eventos extremos del Río de las Avenidas; resaltar en este contexto el proceso de interrelación de lo ambiental, lo político y lo socioeconómico, mediante el análisis de fuentes poco trabajadas hasta el momento con el mencionado enfoque. El análisis de dicho proceso propicia la caracterización de la relación entre “política” y sociedad en la zona y de los elementos de continuidad y cambio que contribuyen a dinamizar esta dicotomía desde una visión ambiental. En este caso, hemos considerado el comportamiento del cauce del Río de las Avenidas como uno de los indicadores más relevantes no sólo para determinar los ciclos en que se produjeron las grandes crecidas e inundaciones originadas por copiosas lluvias, sino también para analizar la interrelación político-socioambiental anteriormente mencionada. El clima es uno de los componentes del ambiente natural que desde siempre ha ejercido una gran influencia en la sociedad y en la economía. Las investigaciones más recientes sugieren que los cambios y fluctuaciones del clima se producen desde siempre y continuarán produciéndose (PRIETO y RICHARD JORBA 1988, p. 25). De allí la importancia del estudio de estas variaciones en relación

194

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

se toma al clima como única causa determinante de procesos históricos, sobre todo los socioeconómicos. Por lo tanto, nuestro trabajo pretende centrarse en esta perspectiva, la cual supone el análisis de la relación existente entre las grandes crecidas del Río de las Avenidas y las consecuencias socioeconómicas de las mismas en la zona objeto de estudio, mediante el uso de fuentes históricas, boletines oficiales, periódicos, documentos, mapas, descripciones de viajeros y científicos, etc., complementadas con trabajos en el terreno y análisis de imágenes satelitales. En esta ocasión, se enfatiza el estudio del grado de vulnerabilidad de los sectores que componen una sociedad de fines del siglo XIX caracterizada por una serie de contradicciones estructurales determinantes a la hora de definir el comportamiento de cada uno de sus sectores integrantes frente a los eventos extremos.

de estudios sobre las fluctuaciones del clima en general, sino también en el caso de los que apuntan a precisar los cambios climáticos asociados o para reconstruir secuencias cronológicas de eventos interanuales como El Niño o las periódicas crecidas de algunas corrientes fluviales. En aquellas investigaciones que pretenden abarcar un dilatado marco cronológico resulta primordial contar con un fondo documental que pueda aportar información directa o “de primera mano”, rica en matices descriptivos y, sobre todo, completa. El ideal estaría representado por los recursos que posibilitan la elaboración de series homogéneas exentas de huecos o carencias tanto en la fuente en sí como en los datos relativos a los factores climáticos que se pretenden analizar, hasta el punto de poder llegar a establecer una secuencia valorativa muy prolongada de cada una de las variables de interés para el investigador. Pero, aunque pueda parecer una obviedad lo que acabamos de exponer, por desgracia no siempre podemos contar con dichas series dada la dificultad intrínseca que plantea la obtención de datos secuenciales. Por tal razón, tan importantes como estos últimos pueden resultar las referencias puntuales que algunos documentos aportan de fenómenos climáticos específicos, anomalías ambientales y factores meteorológicos que acontecen en determinadas fechas y lugares, que si bien no permiten el establecimiento de series representativas desde el punto de vista estadístico, son mucho más generosas en las descripciones cualitativas de las variables climáticas objeto de estudio, posibilitando un registro de datos significativo no sólo para determinar la frecuencia de los fenómenos acaecidos, sino la intensidad de los mismos (RUBIO DURÁN 2006). Es conocida la gran cantidad de documentación emanada desde todos los niveles jerárquicos de la administración en América, acumulada en archivos locales, regionales y nacionales. Con la consolidación del estado moderno a mediados del siglo XIX, con el positivismo y la valorización de la ciencia por parte de las clases dirigentes, se manifiesta mayor interés por parte del Estado en el uso de instrumentos para registrar los eventos meteorológicos

PERSPECTIVAS Y FUENTES La temática del clima en relación con los eventos extremos desde el punto de vista histórico ha tomado auge en los últimos años. Se parte de la base que las contingencias adversas, sobre todo las relacionadas con el clima y los cauces fluviales, pueden reiterarse en los mismos sitios a través del tiempo. La localización de los lugares de alta vulnerabilidad es una forma importante de prevención y salvaguarda de la población involucrada. A pesar de su importancia, el estudio histórico, en América Latina, de las anomalías climáticas y sus consecuencias en torno a los cauces fluviales no había sido considerado por los historiadores hasta hace muy poco tiempo. El objetivo de la Climatología Histórica consiste en la búsqueda y recopilación de la información sobre el clima, con el fin de lograr una reconstrucción climática rigurosa y objetiva de las últimas centurias. Para la reconstrucción de las variabilidades climáticas, existen diferentes tipos de registros. A pesar de su relevancia, las fuentes escritas como origen de datos climáticos no han sido suficientemente explotadas en América, no sólo en el caso

195

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

destacan las Sierras de Pachuca y de Tezontlalpan al norte. Dentro de esa superficie existen numerosas elevaciones de estas mismas características orogénicas que delimitan varios valles fluviales todos con drenaje endorreico (ESCURRA 1995, pp. 5-6) (figura 1). Esta amplia altiplanicie constituye una de las regiones del país más estudiadas desde diversos enfoques analíticos, sin embargo es mucho lo que falta para comprender algunos elementos esenciales de su devenir histórico. El denominado “valle de Pachuca-Tizayuca” queda inscrito

en la Región Hidrológica del Río Pánuco, comprendiendo las subcuencas del Río Amajac y del Río de las Avenidas. Esta última, con una superficie de 1.941 km2, ocupa la mayor parte de la zona de estudio y se caracteriza por una amplia superficie rodeada de sierras, cerros y lomeríos aislados de mediana a escasa altura; se encuentra drenada por numerosos arroyos intermitentes de corta longitud, cauce reducido y laderas accidentadas que desaparecen al llegar a la planicie (COEDE-UAEH 2003, p. 13). El Río de las Avenidas supone la corriente principal y la única en la región de tipo perenne ya que, a pesar de su carácter torrencial, hoy en día suele llevar agua en todas las épocas del año. Su caudal en la estación de lluvias se origina de las escorrentías y precipitacio nes pluviales q u e s e registran en la sierra de Pachuca, mientras que durante el período de sequías prácticame n t e s e abastece tan sólo de las aguas residuales Figura 2. Cauce del río de las Avenidas. Fuente: elaboración d e l a s propia (sobre imagen satelital de la zona realizada por localidades Google Earth. 2006). q u e atraviesa (CAMARGO CRUZ 2000, p. 9). Transita en dirección nortesur por el sureste de la entidad federativa de Hidalgo, surcando su capital y desembocando en la presa "El Manantial"; a partir de ésta, su curso cruza la localidad de Tizayuca en el sentido noreste-sureste, penetrando al municipio de Zumpango, donde descarga en la

Figura 1. Esquema general de la cuenca de México. La línea limítrofe es la divisoria de aguas principal. Fuente: ZAMORANO OROZCO, J.J, TANARRO-GARCÍA, L.M., LUGO-HUBP, J. y SÁNCHEZ-RUBIO, G. (2002). “Evolución geológica y geomorfología del complejo dómico Los Pitos, norte de la Cuenca de México”. En: Revista Mexicana de Ciencias Geológicas, 19(1), p. 67.

196

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

laguna del mismo nombre. Los mantos freáticos se localizan hoy en día a una profundidad promedio de 3,00 m. Al poniente y al sur de dicha cuenca se desarrolló un sistema de riego parcialmente incorporado al sistema general mediante canales. Del análisis de diversos indicadores ambientales en el mismo, deviene su caracterización como caudal con un altísimo grado de contaminación causado por desechos agroindustriales, industriales y urbanos vertidos al cauce y a los canales de riego sin tratamiento alguno (HUIZAR ÁLVAREZ 1993, p. 78). Los escurrimientos superficiales en la cuenca son bajos y, sin embargo, históricamente las localidades circunvecinas fueron propensas a padecer frecuentemente graves riadas. La cuenca (figura 2) genera un promedio anual de escurrimiento superficial de 0,106 m³/segundo que, como ya hemos indicado, incluye la descarga de aguas residuales de los poblados circundantes. El caudal máximo histórico instantáneo registrado es de 5,5 m3/segundo en la estación “El Manantial” (ibídem, p. 81). Debido a estos escasos volúmenes de agua, las áreas urbanas más expuestas a procesos de inundación severos en la cuenca son las más cercanas a la cabecera de la misma – especialmente, la ciudad de Pachuca de Soto –, donde los niveles promedio de escurrimiento superficial son mayores dadas las fuertes pendientes en los cerros que las circundan. Al margen desus características hidrogeológicas, una Figura 3. “Mapa de las de las peculiaridades lagunas, ríos y lugares q u e l l a m a que circundan a poderosamente la

atención de este cauce es su mismo nombre, una antigua denominación que hace referencia a los históricos aluviones y crecidas – y los subsecuentes severos procesos de inundación – que desde tiempo inmemorial protagonizó dicho cauce. El Río de las Avenidas a su paso por la ciudad de Pachuca de Soto discurre fluidamente por el alto nivel de escurrimiento superficial en esta zona, producto de una fuerte pendiente del terreno y una escasa cobertura vegetal esquilmada desde tiempos de la colonia. En las épocas de lluvias se producían frecuentes desbordes del cauce, que se agudizaron por la gradual elevación del nivel de su lecho, a causa – entre otras razones – de la gran carga de azolve depositada, producto de los “jales” de las explotaciones mineras. Al respecto, en 1888 la Jefatura Política del Distrito de Pachuca informa que: [...] el lecho del río que atraviesa la ciudad estaba levantado a mayor altura que el piso de la del centro de la población que le son adyacentes, por la inmensa cantidad de azolve transportado por el agua de los terreros de las minas en explotación y por las lamas o residuos del beneficio que salen de las haciendas existentes en el norte de Pachuca [...] (Periódico Oficial del Gobierno del Estado de Hidalgo. Tomo XXI. Pachuca, jueves 13 de septiembre de 1888; núm. 37, p. 577). FACTORES DESENCADENANTES: PRECIPITACIONES Y MANEJO DE RECURSOS EN EL ENTORNO Está aceptado que uno de los factores más decisivos de la variabilidad interanual de precipitaciones en el continente americano (así como en otras muchas partes del resto del mundo) es El Niño-Oscilación Sur (ENSO). Estudios recientes indican que los regímenes de lluvias de invierno y verano en Mesoamérica se ven afectados ante su presencia (ESCOBAR BRIONES 2001). Los patrones

197

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

promedios de las anomalías de la lluvia en años de El Niño o La Niña suponen una buena guía para conocer las condiciones climáticas de la región. Sin embargo, existen variaciones en la estructura local de las anomalías de la lluvia entre un evento ENSO y otro, en lo que se le conoce como variabilidad entre eventos de El Niño (MAGAÑA 2001, p. 17). Sin conocer aún el impacto ni el patrón de comportamiento climático ante la aparición del fenómeno ENSO en la región objeto de estudio, hemos considerado la gran inundación de 1888 en Hidalgo como un buen indicador de una posible manifestación de la vinculación existente entre su aparición (en cualquiera de sus dos variantes) y el surgimiento de anomalías climáticas en dicha zona. Sin embargo, debe quedar claro que este fenómeno sólo explica parte de la variabilidad interanual de las lluvias en México. Es por dicha razón que se debe tener en cuenta el análisis de otros factores que inciden en la aparición y en la caracterización de anomalías climáticas como la examinada. Anteriormente mencionamos que en las últimas centurias los cambios más dramáticos en los ecosistemas se han producido por la acción del hombre y no sólo debido al clima. Los ejemplos abundan y en Pachuca los conocemos bien: la deforestación de los cerros, el vertido incontrolado de residuos de todo tipo y tantos otros (INSTITUTO NACIONAL DE ECOLOGÍA 1996). Pero cuando la acción depredadora del hombre y el clima se potencian negativamente, pueden dar cabida a eventos realmente catastróficos. El caso más notorio es el de la secular deforestación de los bosques circundantes y su relación con el aumento gradual de la frecuencia y la intensidad de los aluviones que azotan la ciudad de Pachuca desde siempre. Como consecuencia de los cambios económicos, sociales y demográficos que trajo consigo el auge de la explotación minera en la zona, el núcleo urbano y sus alrededores fueron creciendo, la extracción y uso de los recursos del entorno se volvieron más intensos, sin respetar la cuota que el funcionamiento del ecosistema requiere, provocando su empobrecimiento y degradación. A fines del siglo XIX, el creciente sector industrial de la región – igualmente

espoleado por el desarrollo de los ferrocarriles –, también requería madera. El Porfiriato marcó la más grande agresión sobre los bosques de México desde la era colonial (SIMONIAN 1998, p. 81). En 1865, José M. Romero, un miembro de la comisión científica de Pachuca, hacía notar, indignadamente, que "el hacha del leñador se había convertido en un terrible enemigo de estos bosques". Guardaba su mayor resentimiento para la Compañía Real del Monte, que había cortado todos los bosques cercanos para alimentar sus máquinas de vapor, fábricas y sitios de amalgamación. Romero aseguraba que el desprecio de la empresa para las leyes forestales había conducido a "fatales resultados que afligían a todas las clases de Pachuca". Notó que los manantiales, antes abundantes, que proveían de agua a la ciudad de Pachuca estaban casi secos porque la tala de los árboles se había traducido en una mayor evaporación y una menor filtración de agua al suelo (ALMARAZ 1864, p. 86). En otros testimonios de la época se mostraba una frustración similar. Tomás Mancera, un minero de la zona, observaba el estado de los bosques de la región a mediados de la década de 1860: La tala de árboles sigue de tal forma que los deliciosos y abundantes bosques del Mineral (de Pachuca) permanecen sólo de nombre [...], esto con notable perjuicio a la salud pública ya que las corrientes de agua se secaron por falta de árboles (SIMONIAN 1998, p. 71). Esta idea se reafirma en otro estudio elaborado por el ingeniero José C. Haro en 1891, en el que se indicaba que las causas principales que incidían en el crecimiento del nivel del río eran: - la naturaleza propia de las rocas superficiales, que se desagregan fácilmente bajo influencias exteriores (léase torrentes formados por la acción climatérica); - la destrucción de los bosques por la tala indiscriminada; - la escasez de vegetación herbácea en los cerros

198

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

(MONTERUBIO 1995, pp. 140-141). Por lo tanto, la expoliación de la vegetación que contribuía a frenar las furiosas corrientes que bajaban de los cerros, aceleró por otra parte los procesos de erosión. Es evidente la estrecha relación existente entre el deterioro de la serranía y el aumento de los desastres ocasionados por los aluviones. En la época de lluvias, el cauce del Río de las Avenidas al recibir la fuerte precipitación pluvial concentrada en un breve lapso, se transforma en un verdadero torrente de agua, barro y piedras que se desborda siguiendo la pendiente natural atravesando el núcleo urbano. Analizando la ocurrencia de crecidas durante el último cuarto del siglo XIX podemos verificar la coincidencia entre la intensificación de la acción antrópica sobre el entorno y las grandes crecientes que asolaron la ciudad de Pachuca y las localidades vecinas. A esto se debe agregar la falta de defensas efectivas contra este fenómeno en las últimas décadas del siglo XIX, situación que examinaremos posteriormente. En síntesis, la relación entre el factor climático, el proceso de degradación ambiental del entorno y las inundaciones del cauce del Río de las Avenidas que se abalanzan sobre la ciudad, aparecen reflejadas en los registros documentales de la época. En la exigua serie analizada resalta la creciente de 1888. La coincidencia con un fenómeno ENSO de alto impacto supone una posible explicación de la fuerte intensidad así como el amplio margen de incidencia de esta crecida en la zona. EL RÍO DE LAS AVENIDAS Y LOS EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS: LA CRECIDA DEL AÑO DE 1888 La ciudad de Pachuca a mediados del siglo XIX se ubica al pie de la serranía del mismo nombre y la mancha urbana apenas rebasa los límites de la cañada del Río de las Avenidas. El caserío estaba: [en el extremo de una gran llanura] rodeándole

199

de muy cerca la serranía por la parte del norte y del poniente; sus casas están esparcidas ocupando un gran espacio. Atraviesa por [el pueblo] un arroyo... los laboríos de minas, que en otro tiempo dieron con abundancia plata [...] (Archivo de la Real Academia de la Historia, Madrid, “Descripción del camino de Guanajuato a Real del Monte”, fol. 194 v°.). En 1864, la ciudad presenta una imagen de contrastes. Junto a grandes construcciones civiles y religiosas, aparecían pobres casas de adobe y techos de tejamanil o de paja. Son casas bajas de mala construcción y sin mérito arquitectónico. El ingeniero José María Romero ofrece la siguiente descripción: Pachuca es irregular en su construcción. De sus calles dos o tres están casi en línea recta y a nivel, aunque son de poca anchura; las demás son, en lo general cortas, estrechas, tortuosas y desniveladas. El abandono que en todas épocas ha existido, sobre las mejoras materiales de esta ciudad, es la causa de graves inconvenientes (ALMARAZ 1865, p. 76). Este es el contexto donde tuvo lugar el evento ambiental que nos ocupa. Las primeras referencias sobre la crecida extraordinaria del Río de las Avenidas, de septiembre de 1888, aparecen en el Periódico Oficial del Estado de Hidalgo. De acuerdo con esta fuente, el evento climático extremo se inició con las abundantes lluvias que comenzaron a caer la noche del 7 de septiembre, acompañadas de un “violento aire del norte”, precipitaciones que fueron aumentando a lo largo del siguiente día. “[...] y ya el día ocho el río que atraviesa la ciudad traía una enorme cantidad de agua [...]” (Periódico Oficial del Gobierno del Estado de Hidalgo. Tomo XXI. Pachuca, jueves 20 de septiembre de 1888; núm. 38, p. 593.). Tal y como refleja el informe citado,

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

jueves 20 de septiembre de 1888; núm. 38, p. 595). Si bien este evento afectó a muchas otras localidades y áreas rurales del Estado, sus efectos fueron especialmente graves en aquellos núcleos ubicados en el curso medio del Río de las Avenidas, particularmente en el Municipio de Tizayuca. El reporte realizado por la Presidencia Municipal informaba que una gran crecida inundó la población en la mañana del lunes 10 de septiembre, “la plaza principal y las calles del centro, en donde nunca había penetrado el agua, eran verdaderos torrentes que parecían acabar con la población [...]” (ibídem. Tomo XXI. Pachuca, jueves 20 de septiembre de 1888; núm. 38, p. 598). EFECTOS DE LAS INUNDACIONES Y VULNERABILIDAD Las anomalías climáticas, así las que se producen a un nivel local como aquéllas que se dan a escalas mayores, deben ser relacionadas con los cambios socioeconómicos cuando provocan la destrucción de vidas humanas, recursos, bienes de producción y de consumo, etc. Generan, además, respuestas a corto plazo en el comportamiento de la sociedad que se enfrenta con eventos destructores. Por lo cual, al estudiar las interrelaciones entre anomalías ambientales y sociedad debemos tener en cuenta el grado de vulnerabilidad de ésta para inferir el nivel de intervención del ambiente y, en particular, del cauce sobre la estructura socioeconómica. La vulnerabilidad de una sociedad se puede detectar a través de la capacidad que la misma tiene de acumular recursos como para resistir o no un fenómeno natural con características de catástrofe. Se deben considerar los recursos tecnológicos y humanos de la misma, así como el grado de diversificación de la economía y su capacidad de intercambio intra y extrarregional. También hay que tener en cuenta la capacidad de esa sociedad para enfrentar el riesgo del impacto cuando eventos extremos recurrentes aumentan su frecuencia en el largo o mediano plazo (PRIETO y RICHARD JORBA 1988, p. 28). Otro tipo de vulnerabilidad es el que se detecta entre las

poblaciones que habitan áreas críticas para la subsistencia, sobre todo en relación con la existencia o carencia de recursos hídricos o con la presencia de otras condiciones ambientales extremas, es decir, áreas donde el contexto o los estados climáticos se agudizan haciendo casi imposible la vida. En este caso, nos interesa especialmente considerar los diferentes estratos dentro de una misma sociedad, pues las calamidades ambientales inciden mayormente sobre los grupos más desfavorecidos. Los sectores dominantes pueden defenderse mejor haciendo abandono de la ciudad, reuniendo las reservas que les permiten contrarrestar los efectos económicos de las catástrofes o simplemente especulando, como lo señala Brooke Larson (1988, p. 122). Provenientes de una concepción ideológica positivista y liberal, “Orden, Paz y Progreso” son los ecos repetidos incansablemente a fines del siglo XIX por los hermanos Cravioto, que se alternaron en el poder estatal en Hidalgo durante buena parte del Porfiriato (RUIZ DE LA BARRERA 2000, p. 130). Si bien este trabajo se inscribe en este período de pleno auge del capitalismo liberal, al analizar las referencias documentales para la ciudad de Pachuca nos encontramos con otra realidad: una sociedad estructuralmente contradictoria y desigual tanto en lo económico como en lo social. Una supuesta “urbe” que crecía a un ritmo precipitado, en la que se empiezan a edificar bellas casas para la élite y monumentos o edificios públicos de elevado porte, apenas si puede modificar el aspecto deprimente que presentaba la misma, como lo atestiguan los versos populares que circularon impresos en 1894:

200

Casas de adobe mal hechas perros flacos de a montón callejas largas y estrechas retorcidas como mechas [...] y con su río estercolero de chupa y ... trae la viejita Se agrega al original una parroquia caduca

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

la hora avanzada en que principió la inundación, hora en que naturalmente todas las familias se encontraban en sus domicilios abrigándose desde el día anterior contra el terrible temporal desatado sobre la ciudad, ha contribuido sin duda alguna, a que el siniestro que lamentamos haya adquirido las proporciones que han causado la consternación de la sociedad (ibídem. Tomo XXI. Pachuca, jueves 13 de septiembre de 1888; núm. 37, p. 578).

precisas en su caracterización. El relieve irregular de la ciudad, condicionó el recorrido de la avenida. Roto el dique generado por el grueso estribo que hacía las veces de parte aguas en el puente de Mina, la corriente se lanzó con el vigor que debe suponerse, por las calles de Zaragoza, Allende, Plaza de la Independencia, Matamoros, Guerrero [...] es decir las calles situadas al oeste del río, inundando en su trayecto las casas cuyo nivel es con poca diferencia el de la vía pública [...] en algunas subió el agua más de un metro sobre el piso (ibídem, p. 578).

El nivel del cauce del río comenzó a subir de forma extraordinaria en el noreste de la ciudad, en el sector más próximo a la cabecera del mismo, amenazando con el derrumbe del puente de Mina.

Figura 4. Fuente: elaboración propia. Trayectoria de la avenida de 1888 y zonas anegadas sobre el plano de la ciudad de Pachuca realizado en 1900 (publicado en: Memoria de las Obras del Sistema de Drenaje Profundo del Distrito Federal. Departamento del Distrito Federal, Secretaría de Obras y Servicios, 4 vols., Ciudad de México, DDF, 1975).

[...] El aumento considerable del mismo por el levantamiento de su lecho no era posible que diese cabida al gran volumen de agua que por todas partes se precipitaba en él, aumentando el peligro (ibídem). En la misma fuente se anota que [...] Después de una lluvia abundantísima y que se prolongó por treinta y tantas horas, cerca de las 12 de la noche del día 8 del actual, ocurrió la catástrofe ya presentida por la inusitada persistencia de un temporal tan rudo [...] (ibídem, p. 577).

El aluvión continuó hacia la periferia de la ciudad por el poniente, perjudicando severamente muchos barrios de dicho cuadrante entre los que se destacan los de “[...] Españita, Loreto, San Lunes, La Zorra, Texas, etc.” (ibídem. Tomo XXI. Pachuca, jueves 20 de septiembre de 1888; núm. 38, p. 595). El aluvión continuó hacia la periferia de la ciudad por el poniente, perjudicando severamente muchos barrios de dicho cuadrante entre los que se destacan los de “[...] Españita, Loreto, San Lunes, La Zorra, Texas, etc.” (ibídem. Tomo XXI. Pachuca,

El día 9 empezó a remitir el ímpetu del evento y se pudieron comprobar las consecuencias que ocasionó a lo largo de estos tres días. En cuanto a la trayectoria del aluvión, las fuentes son muy

201

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

para tener de Pachuca la vera efigie cabal (BALLESTEROS GARCÍA 2003, p. 172). El predominio del capital sobre la estructura social se manifestaba en la subordinación de la esfera política a las necesidades económicas. En la traza urbana podemos ver con claridad los condicionamientos directos impuestos por los medios de producción (minas y haciendas de beneficio), en la conformación de los barrios populares. Prendidas en las laderas de cerros y cañadas, las viviendas se habían construido sin ningún plan preestablecido, sólo condicionadas por las limitaciones topográficas y, sobre todo, por el determinante y ventajoso factor que suponía la cercanía de las viviendas a los laboríos mineros (MONTERUBIO 1995, p. 131). El grado de vulnerabilidad de los colectivos que conformaban la sociedad pachuqueña del momento viene determinado por estas desigualdades socioeconómicas. Al efectuar un análisis de los efectos y consecuencias originados por el evento, las fuentes reflejan este panorama diferenciador. En los primeros reportes del día 13 de septiembre, elaborados apenas ocurrida la inundación, se resaltan los daños sufridos en las propiedades y pertenencias de los sectores dominantes ubicados en el centro de la ciudad. Se enumeran “las considerables pérdidas en el menaje, las alfombras y los muebles” de las casas particulares y negocios del Sr. Ortuño, del Licenciado Tomás Mancera, del Sr. Lescale, de la Express Wells Fargo y Cía. y de otros “notables” que tenían sus viviendas y establecimientos mercantiles en las calles de Matamoros, Zaragoza, Allende o en la Plaza de la Independencia (Periódico Oficial del Gobierno del Estado de Hidalgo. Tomo XXI. Pachuca, jueves 13 de septiembre de 1888; núm. 37, p. 578). Sin embargo, prácticamente no se hace mención de las víctimas y terribles consecuencias que el evento ocasionó en los barrios populares y en las localidades y distritos aledaños. El interés del Periódico Oficial se centra en evaluar los perjuicios ocasionados en los sectores “pujantes” de esta sociedad,

tal es el caso de las constantes y detalladas referencias a las interrupciones del servicio de tranvías, del ferrocarril, el correo, el express, el telégrafo, etc. (ibídem, p. 578). De igual modo, las primeras medidas paliativas y de defensa que se toman por acuerdo de los ingenieros, se ejecutan en este mismo sector: [se determina realizar] una zanja o cortadura que en la plazuela de Allende va del lugar que ocupaba la barda destruida a la esquina de la calle de Allende con el objeto de que, en el caso no remoto de una nueva creciente, tomase esa vía, derramándose en las calles el excedente de las aguas que el río pueda llevar (ibídem, p. 579), derivando, así, la trayectoria de la crecida hacia sectores periféricos del núcleo urbano. Con posterioridad (8 días después), la Jefatura Política del Distrito elabora ya un pormenorizado informe de las desgracias y pérdidas ocasionadas en los barrios populares, resaltando que [...] todos los dueños de las casuchas destruidas que en su mayor parte pertenecen a la clase menesterosa, han quedado sin hogar hallándose refugiados en los puntos más elevados que pudieron ganar. Mucha gente, aún de la medianamente acomodada, han abandonado sus habitaciones por estar anegadas en su totalidad [...] (ibídem. Pachuca, jueves 20 de septiembre de 1888; núm. 38, p. 598). A continuación se enumeran las víctimas por derrumbes y ahogos en la corriente. También se citan los daños materiales causados por hundimientos y desplomes en los caseríos de los cerros del poniente de la ciudad, se declaran así los daños en pulquerías,

202

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

ni explica por sí sólo una alteración social en su totalidad Sin embargo, estas anomalías y extremos ambientales acompañan en forma permanente el devenir de las sociedades, afectando especialmente a aquellas menos desarrolladas y a los sectores más desfavorecidos de las mismas – y, por lo tanto, más vulnerables –, reforzando y agudizando la tendencia constante a la inestabilidad económica y social de estos colectivos en el pasado. COMENTARIOS FINALES Se ha mostrado a lo largo del trabajo la factibilidad de realizar – a través del tratamiento de la fuente documental adecuada – reconstrucciones temporales de los factores ambientales más conspicuos, utilizando datos no tradicionales, como son los proporcionados por los periódicos. El análisis y seguimiento efectuado del comportamiento anómalo del cauce del Río de las Avenidas durante el evento de 1888, evidencia que este desastre fue el resultado de la conjunción del factor climático (lluvias y vientos intensos) con causas antrópicas y de interacción socioeconómica específicas. La sucesión de hechos adversos descritos pone de manifiesto la estrecha relación existente entre la dinámica fluvial y el alto grado de vulnerabilidad de la sociedad hidalguense a fines del siglo XIX. Con este enfoque se pretendió entrelazar, por una parte, la historia y, por otra, un conjunto de disciplinas vinculadas por la perspectiva integradora de la historia ambiental. Esta necesita partir de un profundo conocimiento del ambiente actual para remitirse posteriormente al pasado. Las interrelaciones entre estas dos variables, nos permiten obtener explicaciones sobre el deterioro actual de algunos ecosistemas y contribuir con ello a la generación de óptimas políticas de manejo de los recursos naturales en zonas vulnerables, no sólo desde el punto de vista ambiental, sino también social y económico.

REFERENCIAS ALMARAZ, Ramón. Memorias de los trabajos ejecutados por la Comisión Científica de Pachuca en el año de 1864. México, Imprenta de Andrade y Escalante, 1865. BALLESTEROS GARCÍA, Víctor. “La evolución urbana de Pachuca hasta 1910”. En: Apuntes Hidalguenses. Núm. 3. UAEH. Pachuca, Hidalgo, 1992. BALLESTEROS GARCÍA, Víctor (coord.). Canto de Sol. Hidalgo. Tierra, historia y gente. México, UAEH - Sistema de Educación Pública de Hidalgo, 2003. CAMARGO CRUZ, Timoteo. Inventario de aguas superficiales del Estado de Hidalgo. Pachuca, Hidalgo, Universidad Autónoma del Estado de Hidalgo, 2000. CASTRO HERRERA, G. Los trabajos de ajuste y combate. Naturaleza y sociedad en la historia de América Latina. La Habana/Bogotá, Casa de las Américas/Colcultura, 1995. COEDE-UAEH. Ordenamiento ecológico territorial de la región denominada Valle Pachuca-Tizayuca. Propuesta ejecutiva del modelo. Pachuca, Hidalgo, Consejo Estatal de Ecología de Hidalgo - UAEH, 2003. ESCOBAR BRIONES, E. et al. (coord.). Los efectos del fenómeno El Niño en México 1997-1998. México, CONACYT, 2001. ESCOBAR OHMSTEDE, Antonio. Desastres agrícolas en México. Catálogo histórico. 2 tomos. México, Fondo de Cultura Económica, 2004. ESCURRA, Ezequiel. De las chinampas a la megalópolis. El medio ambiente en la cuenca de México. México, Fondo de Cultura Económica, 1995. FLORESCANO, E. (coord.). Análisis histórico de las sequías en México. México, SARH, 1980. FLORESCANO, E. y SWAN, S. Breve historia de las sequía en México. Xalapa, Universidad Veracruzana, 1995. GARCÍA ACOSTA, Virginia et al. Análisis histórico de desastres. México, CIESAS. Sistema Estatal de Protección Civil de Veracruz, 1996.

203

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

GARCÍA ACOSTA, Virginia (coord.). Historia y desastres en América Latina. Vol. II. Lima, LA RED-CIESAS-ITDG, 1997. GARCÍA HERRERA, R. et al. “The use of Spanish and British documentary sources in the investigation of Atlantic hurricane incidence in historical times”. En: MURNANE, J. y LIU, K.-B. (eds.). Hurricanes: Past, Present and Future. Nueva York, Columbia University Press, 2004. GARCÍA MARTÍNEZ, B. y GONZÁLEZ JACOME, A. (comps.) Estudios sobre historia y ambiente en América. I. Argentina, Bolivia, México, Paraguay. México, El Colegio de México/IPGH, 2000. GARCÍA MARTÍNEZ, B. y PRIETO, María del Rosario (comps.). Estudios sobre historia y ambiente en América. II. Norteamérica, Sudamérica y el Pacífico. México, El Colegio de México/IPGH, 2002. GARZA SALINAS, Mario y RODRÍGUEZ, Daniel (coords.). Los desastres en México. Una perspectiva multidisciplinaria. México, UNAM/Universidad Iberoamericana/UAM-Xochimilco, 1998. GIODA, A. y PRIETO, M. “Variabilidad climática y recursos hídricos en Bolivia entre los siglos XVI y XIX. La relevancia de la evidencia histórica para estudiar las lluvias y las sequías del pasado”. En: Número especial del Boletín del Instituto Francés de Estudios Andinos (IFEA) y ORSTOM. Lima, 2000. GONZALEZ DE MOLINA, M. Historia y Medio Ambiente. Madrid, Eudema, 1993. GONZÁLEZ DE MOLINA, M. y MARTÍNEZ ALIER, J. (eds.). Historia y Ecología, Col. Ayer 11. Madrid, Marcial Pons, 1993. HUIZAR ÁLVAREZ, Rafael. Carta hidrogeológica de la cuenca Río de Las Avenidas de Pachuca, Hgo. México. Investigaciones Geográficas. Boletín del Instituto de Geografía. Número 27, 1993. INEGI – Instituto Nacional de Estadística, Geografía e Informática. Anuario Estadístico. Hidalgo. México, 2002. INSTITUTO NACIONAL DE ECOLOGÍA-SECRETARÍA DE MEDIO AMBIENTE RECURSOS NATURALES Y PESCA. Gaceta Ecológica. Núm. 40. México, 1996. LARSON, Brooke. Colonialism and Agrarian Transformation in Bolivia: Cochabamba, 1550-1900. Princeton, New Jersey, Princeton University Press, 1988. MAGAÑA, V. et al. “El fenómeno El Niño-Oscilación Sur (ENOS) y sus impactos en México”. En: ESCOBAR BRIONES, E. et al. (comps.). Los efectos del fenómeno El Niño en México 1997-1998. México, CONACYT, 2001. MANZANO, Teodomiro. Anales del Estado de Hidalgo. Gobierno del Estado de Hidalgo. Pachuca, Edic. Orig, 1927; 3 vols. MONTERUBIO, Antonio L. Arquitectura, urbanismo y sociedad en Pachuca. Gobierno del Estado de Hidalgo. México, SEPH. Consejo Estatal para la

Cultura y las Artes, 1995. ORTLIEB, L. Historical reconstruction of ENSO events from documentary sources from Chile, Perú, Brasil and Mexico: evidences for variability of the teleconnection regime in the last centuries. Extended Abstract. Pages Meeting. Quito, 1998. PRIETO, María del Rosario. “Determinación de posibles cambios climáticos mediante la comparación del régimen de precipitaciones de los siglos XVIII, XIX y XX en Mendoza”. En: Geoacta. Buenos Aires, 1985, 13, 1, pp. 107-118. PRIETO, María del Rosario y RICHARD JORBA, Rodolfo. “Anomalías climáticas en la cuenca del Plata y el N.O.A. y sus consecuencias socioeconómicas durante los siglos XVI, XVII y XVIII”. En: Leguas. Buenos Aires, 1988. PRIETO, M. R., HERRERA, R. y DUSSEL, P. “Variaciones climáticas recientes y disponibilidad hídrica en los Andes Centrales Argentino-chilenos (18851996). El uso de datos periodísticos para la reconstitución del clima”. En: Meteorológica. Buenos Aires, 2000. PRIETO, M. R., DUSSEL, P., ABRAHAM, E. y HERRERA, R. “Transformaciones de un ecosistema palustre. La gran ciénaga del Bermejo- Mendoza, siglos XVIII y XIX”. En: I Simposio de Historia Ambiental. 54° Congreso Americanista. Chile, 2003. QUINN, W.H. and V.T. NEAL. “The historical record of El Niño events”. En: BRADLEY, R. and P. JONES (eds.) Climate since A.D. 1500. Londres y Nueva York, Routledge, 1992; pp. 623-648. ROJAS RABIELA, Teresa. Investigaciones sobre las obras hidráulicas prehispánicas y coloniales. México, INAH, 1974. RUBIO DURÁN, Francisco A. “Fuentes documentales para la Historia Ambiental”. En: SÁNCHEZ BAENA, Juan José y PROVENCIO GARRIGÓS, Lucía (eds.). El Mediterráneo y América. Actas del XI Congreso Internacional de la Asociación Española de Americanistas. Tomo II. Murcia, Editora Regional de Murcia, 2006. RUIZ DE LA BARRERA, Rocío. Breve historia de Hidalgo. México, Fondo de Cultura Económica/El Colegio de México, 2000. SIMONIAN, Lane. La defensa de la tierra del jaguar. Una historia de la conservación en México. México, SEMARNAP, CONABIO, Instituto Nacional de Recursos Naturales Renovables, A.C., 1998. TORTOLERO VILLASEÑOR, Alejandro (coord.). Tierra, agua y bosques: Historia y medio ambiente en el México central. Centre Française d'Études Mexicaines et Centraméricaines. Instituto Mora. Guadalajara, Jalisco, Potrerillos Edits. S.A. de C.V./Universidad de Guadalajara, 1996.

204

A INTERAÇÃO RIO-CIDADE E A REVITALIZAÇÃO URBANA: EXPERIÊNCIAS EUROPÉIAS E PERSPECTIVAS PARA A AMÉRICA LATINA Martin Coy

Resumo A relação entre os rios e as suas cidades é de vital importância para ambas as partes. Mesmo que os pontos da interação tenham mudado ao longo do tempo, estes sempre atingem questões decisivas; às vezes, o rio constitui uma importante via de comunicação para o núcleo urbano, noutras, a cidade constrói suas atividades econômicas em função do curso fluvial, ou este participa substancialmente na valorização social e econômica das áreas habitadas, ou, enfim, o rio se apresenta como o eixo das atividades de lazer da cidade. Este artigo identifica e analisa alguns dos campos desta interação e as formas através das quais o planejamento urbano contemporâneo tem enfrentado os desafios em cidades com crescimento explosivo e rios em situação cada vez mais degradada. Paris é tomado como um caso paradigmático e se traçam as linhas reitoras para analisar a situação latino-americana. Palavras-chave: rios e urbanismo, reabilitação ambiental, Paris. Edição Especial Rios e História

Abstract UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL NDIHR

The relationship between rivers and their cities is of vital importance for both parts. Although changing throughout time, their points of interaction always have a decisive affect on certain issues; at times the river constitutes an important means of communication for the urban nucleus; in other cases, the city builds its economic activities around the course of the river, or the fluvial course may take a fundamental part in the social and economic valorization of inhabited areas; furthermore, the river may even become the axis of a city's leisure activity. In this paper, some fields of this interaction are identified and analyzed, as well as the forms through which contemporary urban planning has faced challenges in cities that have undergone explosive growth and in the

205

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

situation of rivers that are more and more degraded. Paris is selected as a paradigmatic case and the principle aspects of the situation in Latin America are delineated and analyzed. Keywords: rivers and urbanism, environmental rehabilitation, Paris.

RIO E CIDADE: UMA INTERAÇÃO EM TRANSFORMAÇÃO

D

esde os princípios até hoje, a relação rio-cidade revela-se sendo um aspecto primordial para o desenvolvimento urbano. A disponibilidade de água constituía sempre um dos principais fatores para o estabelecimento definitivo e a localização específica de povoamentos humanos. Neste sentido, os rios não forneceram somente a água como recurso escasso para a população ou para a agricultura irrigada, mas serviram também como os principais meios de comunicação, como vias de transporte para as mercadorias etc. O gerenciamento do recurso água tem marcado durante toda a história a organização das sociedades e a relação de poder entre os seus membros. Assim, a “teoria hidráulica” pode ser vista como uma das mais relevantes entre as diferentes teorias sobre o surgimento da cidade como forma de habitat humano, como centro econômico e de poder. Daí, então, a relação vital entre rio e cidade, que permeia toda a história urbana, por exemplo, na Europa (cf. LE GOFF 1998). A história dos rios (Danúbio, Reno, Meno, Elba, Tâmisa, Sena, Ródano etc.) corresponde, em grande escala, à história das suas cidades: pontos de passagem, lugares de encontro, centros de intercâmbio, locais de proteção (cf. para o exemplo do rio Danúbio MAGRIS 2007, para o exemplo do rio Reno FEBVRE 1994). Portanto, a dinâmica do desenvolvimento de uma cidade tem muito a ver com as funções do seu rio; a importância fluvial revela-se, via de regra, na organização espacial da cidade. Pontes, cais, embarcadouros, portos fluviais formavam, durante séculos, em muitas cidades européias – e continuam formando em muitos casos -, os pontos estratégicos, os espaços de alta centralidade e, finalmente, os lugares emblemáti-

cos nos centros urbanos. O rio torna-se parte integrante da paisagem urbana, assim como a cidade pertence imprescindivelmente à paisagem fluvial. Desta maneira, são os rios que atribuem uma identidade específica a muitas cidades: o Tâmisa a Londres, o Sena a Paris, o Reno a Colônia, o Elba a Dresden, o Danúbio a Budapeste, o Moldava a Praga. Mas a relação rio-cidade não é estática – nem estável. Ela depende de muitos fatores: de mudanças econômicas, das formas de comunicação e de transporte, do direcionamento dos processos de expansão urbana, das políticas e do planejamento urbano, do comportamento dos habitantes. A relação rio-cidade foi submetida, nos últimos séculos e nas últimas décadas, a mudanças cíclicas, pelo menos nas cidades européias, entre decadência / degradação por um lado, e revalorização / revitalização por outro. Neste sentido, pode-se observar nos anos recentes, em quase todas as cidades européias que se localizam na beira de rios - após um longo período durante o século XX em que os rios caíram no esquecimento -, uma re-configuração das relações rio-cidade em direção a uma revalorização / revitalização, convertendo áreas decadentes e degradadas em lugares de alta atratividade e em focos atuais de desenvolvimento urbano. Este artigo está dedicado a esta tendência atual, tomando como exemplo as mudanças que transformam a relação rio-cidade na Europa e mais especificamente em Paris. A abordagem desta contribuição é geográfica, dando ênfase à organização espacial na interface rio-cidade, às lógicas atuais da produção do espaço urbano, assim como aos atores envolvidos. O RIO E A CIDADE PRÉ-INDUSTRIAL: Na cidade antiga e na cidade medieval, período em que o maior número das cidades européias foi fundado, o rio formava uma parte central da cidade. Isto pode ser mostrado claramente no exemplo de Paris, onde a cidade se estruturava, no decorrer do seu desenvolvimento, de maneira diferenciada nos dois lados do rio Sena. O poder profano e eclesiástico localizava-se na Cité, na ilha no rio Sena, as instituições acadêmicas predominavam na margem esquerda do rio (o atual Quartier Latin), que, conseqüentemente, era chamado de Université,

206

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

e a cidade “burguesa” dos comerciantes, dos artesões etc. expandia-se principalmente na margem direita do rio, que era denominada de Ville (de certa maneira, encontram-se traços desta subdivisão histórica ainda na Paris dos dias de hoje). A ligação entre estas partes da cidade era garantida pelas pontes, via de regra, construídas com casas de comércio e moradia. Isto significa que o rio, na verdade, ficava “desaparecido”, submerso na cidade medieval altamente saturada. Somente em períodos posteriores, o rio “ressurgia” como espaço urbano com as margens valorizadas por palácios e outras edificações representativas. Foi principalmente durante o século XIX que as margens do rio foram integrando-se, cada vez mais, nas obras urbanísticas planejadas para uma “aeração” e o embelezamento da cidade. Para o caso de Paris, vale lembrar, além das grandes mudanças urbanísticas iniciadas pelo Barão Eugène de Haussmann, a importância das exposições universais que, a partir de 1855, transformaram através de grandes empreendimentos urbanísticos – temporariamente, mas também de maneira duradoura - a paisagem urbano-fluvial no Oeste de Paris, particularmente, sendo as obras mais conhecidas a Tour Eiffel (exposição de 1889), o Pont Alexandre III, a Gare d'Orsay e o Grand e o Petit Palais (exposição de 1900), assim como o atual Palais de Chaillot (exposição de 1937) (cf. AGEORGES 2006).

terminais de carga e as instalações industriais. Iniciou-se, assim, um processo de separação funcional dentro do espaço urbano entre as áreas portuário-industriais por um lado, que tendem a formar, cada vez mais, um “mundo a parte” com acessibilidade limitada e caracterizada pelas funções exclusivamente econômicas e, por outro, a cidade da vida cotidiana. No contexto da industrialização, muitos rios europeus foram submetidos a grandes obras de correção e regularização para serem transformados em grandes hidrovias. Estas obras de engenharia influem também na convivência rio-cidade, contanto que foram construídos diques de proteção contra as inundações. Em suma, pode-se dizer que os rios foram domados com o objetivo da sua melhor valorização econômica. Por sua vez, eles tinham que pagar também os custos da industrialização por sua poluição progressiva, fato este que mudou fundamentalmente a percepção da população em muitas cidades perante os seus rios. O RIO E A CIDADE PÓS-INDUSTRIAL: Diante de um processo progressivo de desindustrialização que se observa em quase todas as cidades européias durante os últimos 30 anos, a interação riocidade tende a transformar-se novamente. Observa-se o “redescobrimento” do rio por parte dos políticos, dos planejadores, dos investidores e, a fim de contas, também por parte dos habitantes. Cada vez mais, o rio é percebido como lugar atrativo que dá uma identidade específica à cidade, causando uma valorização progressiva das margens urbanas através de diversas funções. Os maiores potenciais para esta re-valorização e revitalização das margens dos rios resultam duas mudanças recentemente ocorridas nos setores econômicos, principalmente no setor industrial e de transporte. Em função dos freqüentes deslocamentos industriais – em escala intra e inter-regionais, assim com em escala internacional -, muitas instalações perderam seu uso original, especialmente aquelas que foram construídas no século XIX nas margens das cidades antigas e que, hoje, se encontram, em função da expansão das cidades, em plena área urbana. O mesmo ocorre com os portos fluviais, instalados

O RIO E A CIDADE INDUSTRIAL: No período industrial, a inter-relação entre rio e cidade transforma-se de maneira significativa. A disponibilidade de água é um fator localizacional importante, causando a concentração de indústrias perto dos rios. Os embarcadouros e portos antigos não corresponderam mais aos novos navios. Simultaneamente, as infra-estruturas portuárias tornaram-se cada vez mais sofisticadas e precisaram de áreas cada vez maiores, não somente para os cais de embarque, mas também para as docas, armazenagens, processamentos in loco, ou ainda para a baldeação para outros meios de transporte, principalmente o ferroviário. Na maioria dos casos, estas circunstâncias causaram o deslocamento dos portos fluviais dos centros urbanos para as periferias, buscando a proximidade com os

207

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

e expandidos durante os últimos cem anos. Muitas vezes, estes portos não correspondem mais ao tamanho dos navios modernos (por exemplo, os navios petroleiros ou os navios de container) que precisam de um maior calado, fato este que causa muitas vezes o deslocamento das instalações portuárias modernas para as embocaduras dos rios (exemplos significativos são os portos fluviais de Bremen, Hamburgo, Nantes, Rouen, entre outros). Além disso, as formas pós-fordistas de produção favorecem outros meios de transporte, através do princípio just-in-time, aos custos do transporte fluvial. Em conseqüência, grandes áreas nas margens dos rios estão, hoje em dia, disponíveis para outros usos – e isto em localizações altamente favoráveis e valorizadas que permitem um crescimento urbano “para dentro” em vez da contínua expansão urbana para as áreas suburbanas, que caracterizava o desenvolvimento urbano europeu no período pós-guerra. Isto constitui, grosso modo, o contexto dos grandes projetos Waterfront nas cidades européias: London Docklands em Londres, Speicherstadt e HafenCity em Hamburgo, projetos em Lisboa, Barcelona, Oslo, Roterdã, Marselha ou Bordeux, para citar os mais significativos (cf. contribuições em HELLWEG, OLTMANNS 2000; SCHUBERT 2001). Isto também é o contexto de grandes operações urbanísticas em cidades fluviais como Paris. DE FRENTE OU DE COSTA AO RIO? A BEIRA-RIO E AS FUNÇÕES URBANAS Sob o ponto de vista urbanístico, a interação entre rio e cidade depende principalmente das funções que as margens do rio exercem – ou podem exercer – no contexto do conjunto urbano e como elas se inserem no dia-a-dia de uma cidade. As seguintes funções podem ser destacadas: A FUNÇÃO DE TRABALHO: A análise das transformações da relação rio-cidade no decorrer dos tempos mostra que o rio – e conseqüentemente as suas margens – forneceu em muitas cidades trabalho para os habitantes: nos portos e na sua administração, no setor de transporte, nos armazéns, nas usinas, nos frigoríficos e

abatedouros que, em muitas urbes, se localizaram na beira das correntes fluviais etc. Esta configuração influenciou a percepção do rio e das suas margens, prevalecendo freqüentemente – sobretudo nas cidades portuárias - a função econômica na memória coletiva. Com as transformações ocorridas, muitas destas formas “tradicionais” de trabalho tendem a diminuir, ou mesmo a desaparecer. Portanto, isto não significa necessariamente que a função de trabalho desapareça das margens de rio. Ao contrário, o trabalho braçal, que dominava antigamente, é gradativamente substituído pelo setor de serviços, pela logística nas instalações portuárias, mas também por empreendimentos que não se relacionam mais diretamente com o rio, tendo em vista que a maioria dos projetos Waterfront se caracteriza pela pluralidade das funções (serviço / moradia). São, então, as empresas do setor financeiro, do setor de informática ou de administração (por exemplo, nos London Docklands), o setor público ou as universidades (por exemplo, na HafenCity Hamburg) que substituem cada vez mais o trabalhador portuário ou industrial. Assim, o mundo de trabalho nas margens de rio é submetido a uma progressiva terceirização. A FUNÇÃO DE TRANSPORTE: Sob a perspectiva urbanística, é interessante analisar a inserção das margens dos rios nas vias de comunicação intra-urbana e intermunicipal. Em função do desenvolvimento e da estruturação do espaço urbano, as avenidas beira-rio exercem hoje, no tempo da motorização, muitas vezes a função de corredores para o acesso às áreas centrais de uma cidade (Paris é um bom exemplo para esta situação). Ao mesmo tempo, estes corredores de alta densidade de trânsito podem formar barreiras entre o rio e a cidade, dificultando a passagem de pessoas para as margens do daquele e deteriorando a qualidade ambiental (ruído e outros impactos). Nestes casos, é importante achar alternativas que possibilitem uma re-aproximação entre rio e cidade. O transporte fluvial propriamente dito é dedicado normalmente à condução de cargas.Fora das cidades “aquáticas” (por exemplo, Veneza ou Amsterdam) o transporte de pessoas se restringe aos barcos de passeio. Em alguns casos,

208

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

no entanto, observa-se também uma revitalização do transporte fluvial, sendo este considerado como uma alternativa rápida para as estradas sobrecarregadas (tentativas respectivas existem recentemente, por exemplo, na comunicação entre Viena e Bratislava no rio Danúbio). A FUNÇÃO DE MORADIA: Morar perto do rio foi sempre uma situação privilegiada. Durante muito tempo, encontravam-se nesta localização principalmente os artesões que precisavam da proximidade da água para exercer suas atividades. Já no século XIX, no entanto, algumas localizações fluviais, sobretudo aquelas longe das instalações portuárias e industriais, foram altamente valorizadas pela burguesia como lugar de moradia (bons exemplos são a Binnen- e a Außenalster em Hamburgo ou ainda o Schaumainkai em Frankfurt am Main). Espaço, vista, aeração eram alguns dos relevantes fatores localizacionais. Hoje em dia, morar perto da água e, ao mesmo tempo, dentro da cidade é considerado, cada vez mais, sendo um privilégio que tem, aliás, um preço elevado. A maioria dos atuais projetos Waterfront baseia-se nesta re-valorização da moradia beira-rio, sendo os clientes visados grupos de poder aquisitivo elevado, executivos ou ainda os famosos yuppies que pretendem destacar-se da média dos moradores pelas suas formas de moradia. São fatores localizacionais relevantes, além da situação paisagística, a proximidade ao trabalho e à vida urbana. A FUNÇÃO CULTURAL E DE LAZER: O rio, as pontes e as suas margens (revitalizadas) formam uma paisagem urbana específica e podem dar uma identidade inconfundível a uma cidade. São as beira-rios – suposto que o acesso esteja assegurado – que convidam para passeios e que oferecem potencial para as mais diversas atividades, como por exemplo, esportes fluviais etc. (cf. HAAS 2005). Desta maneira, podem formar áreas intra-urbanas de lazer. Muitas administrações urbanas reconhecem este potencial e tentam valorizá-lo por diversas ações, como a construção de instalações permanentes ou temporárias. Exemplos são as diversas festas beira-rio, por exemplo, o Mainuferfest e o Museumsuferfest em Frankfurt am Main, ou ainda a ação Paris-Plages em Paris, que

desde 2002, a cada ano, transforma, durante dois meses no verão, partes das margens do Sena em praia intra-urbana, ou os grandes eventos esportivos, como o public-viewing, organizado em Frankfurt am Main nas margens do rio, entre outros. Novas instalações permanentes fazem parte de muitos projetos Waterfront, como marinas, restaurantes e bares, salas de exposição e principalmente museus. Todo isto faz parte de uma grande mis-en-scène pública dos rios e das suas margens, que pode ser interpretada como exemplo explícito da festivalização da política urbana pósmoderna em muitas cidades européias (HÄUSSERMANN, SIEBEL 1992). Diante das transformações sócio-econômicas ocorridas nas cidades européias e considerando as diversas funções que caracterizam a relação entre rio e cidade, muitas cidades reconhecem o grande potencial dos rios e das suas margens no âmbito das respectivas políticas de revitalização urbana. Resta perguntar, portanto, como e para quem as revitalizações das margens dos rios são realizadas. RIOS E REVITALIZAÇÃO URBANA: POTENCIAIS E OS INTERESSES DOS ATORES Os terrenos ao longo dos rios suscetíveis para uma revitalização urbana se evidenciam em função das transformações mencionadas: instalações portuárias ociosas, isto é, terminais, docas, armazéns etc., instalações industriais fechadas, isto é, usinas, frigoríficos, moinhos, abatedouros, instalações ferroviárias, e outros mais. Via de regra, trata-se de terrenos vastos que oferecem um potencial de reciclagem para múltiplos usos. Um problema sério é desconstituir os resíduos contaminantes, que têm que ser eliminados antes da revitalização, muitas vezes a alto custo. As seguintes perguntas se colocam diante a realização de projetos de revitalização: Ÿ Como as revitalizações planejadas se inserem no quadro geral das políticas locais para o desenvolvimento urbano? ŸComo se apresentam as condições para a aquisição das áreas previstas para a revitalização?

209

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

Ÿ Existe um potencial de restauração das edificações existentes e existe um interesse para mantê-las no sentido da memória coletiva? Ÿ Quais serão os usos novos – usos monofuncionais (por exemplo, escritório ou moradia) ou usos mistos (por exemplo, escritório e moradia etc.)? ŸComo se reali zará a relação entre espaço público e espaço privado nas áreas revitalizadas? Ÿ Como será a relação entre espaço construído e espaço verde / aberto nos projetos de revitalização? ŸQuais serão os grupos alvos dos projetos de revitalização? ŸComo a sociedade civil participará no planejamento e na realização dos projetos de revitalização? ŸDe que forma os interesses de grupos atingidos pelos projetos de revitalização serão tomados em consideração? ŸQuem financiará e executará os projetos de revitalização: o poder público, o capital privado ou ainda a public-privatepartnership (parcerias público-privadas)?

da image da cidade diante da concorrência cada vez maior das cidades no que diz respeito à atração de investimentos de alta qualidade. Mais recentemente, observamos, no entanto, uma passagem gradativa do poder público para o capital privado como ator principal nos projetos de revitalização nas margens dos rios. Isto tem a ver com os princípios da política neoliberal que também penetram a esfera local, com as deficiências financeiras do setor público e, naturalmente, com um maior interesse do setor privado de engajar-se em revitalizações urbanas. Este interesse decorre principalmente das tendências no mercado imobiliário. Em muitas grandes cidades existe um negócio promissor para novos escritórios em função do processo acelerado de terceirização. Existem dois tipos localizacionais para a expansão das superfícies de escritórios: novos centros comerciais e de serviço nas áreas suburbanas por um lado, e por outro, áreas geralmente mais valorizadas, nos centros urbanos. Os projetos de revitalização nas margens do rio se inserem, na percepção dos investidores, exatamente nesta última alternativa. O poder público, por sua vez, tende a preferir uma multiplicidade de usos para os novos projetos de revitalização, em vez de usos monofuncionais. Isto corresponde aos modelos urbanísticos atuais que consideram os múltiplos usos e o adensamento interno como princípios básicos para o desenvolvimento urbano sustentável no sentido da “cidade compacta”. O uso habitacional nos projetos de revitalização é, neste sentido, prioritário para o poder público. Isto é compatível pelo menos com os estilos de vida dos novos urbanites, executivos, yuppies, dinks (double income no kids - renda dupla sem filhos) e outros, que preferem uma moradia em áreas centrais, perto dos lugares de trabalho e da vida urbana. Assim, existe também um segmento significativo no mercado imobiliário habitacional de alta categoria na percepção dos investidores privados. Conseqüentemente, eles se engajam também voluntariamente na construção de apartamentos luxuosos nos projetos de revitalização. Um segmento muito mais complicado,

Obviamente, não existem respostas únicas a estas questões. Elas dependem de cada caso específico, do quadro políticoinstitucional in loco, das relações de poder, dos interesses de eventuais investidores e de outros fatores mais. Observam-se, portanto, algumas tendências gerais nas cidades européias que poderiam ser sistematizadas da seguinte maneira: O poder público percebeu, em muitos casos, que a revitalização das áreas ociosas nas margens dos rios, pelo menos num primeiro tempo, era uma oportunidade para realizar grandes obras de interesse comum. A transformação de instalações portuárias, de estações ferroviárias ou de usinas antigas em museus, ou ainda, a transformação de áreas degradadas em parques públicos são exemplos para esta posição com referência à revitalização (o exemplo de Paris revela isto claramente). Isto depende, naturalmente, das possibilidades do cofre público. O interesse do Estado, neste caso, visa geralmente o melhoramento da qualidade urbana e, assim, pelo menos indiretamente, também

210

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

e muitas vezes somente realizável com a ajuda financeira pública, constitui a construção de moradias sociais. Desta situação disparataria no mercado imobiliário habitacional, resulta freqüentemente uma tendência de “gentrificação” dos novos projetos de revitalização nas margens de rio. O planejamento, a realização e a comercialização dos projetos de revitalização urbana cabem, hoje em dia, na maioria dos casos nas cidades européias a developers, que se compõem, muitas vezes, de capitais privado e público sob a forma de publicprivate-partnerships. Estas companhias mistas, geralmente formadas para a execução de um projeto específico, têm maior agilidade na realização de suas diferentes etapas. Freqüentemente, a aquisição dos terrenos não constitui um problema maior, porque estes se encontram, via de regra, nas mãos de um ou de poucos proprietários, do estado, de companhias ferroviárias e outros. Esta forma de realização de projetos limita ou dificulta, portanto, a participação da sociedade civil e de possíveis grupos atingidos, porque as lógicas de ação dos developers obedecem antes de mais nada, às regras de mercado. Isto faz com que muitos projetos de revitalização urbana se tornem objetos de conflitos de interesse e de resistência dos atingidos. Cabe ao poder público lidar com estas situações eventuais e integrar mecanismos de diálogo e de mediação nas fases de planejamento e de execução.

CHEMETOFF, LEMOINE 1998). Desde muito tempo, as margens do Sena foram objeto de grandes intervenções urbanísticas. Os vestígios do período medieval se materializam na catedral NotreDame, os do período absolutista no Hotel des Invalides. O século XIX e o início do século XX se inscrevem na paisagem rio-cidade pelos eixos hausmannianos e pelas grandes obras das exposições universais (Tour Eiffel, Gare d'Orsay, Pont Alexandre III, Palais de Chaillot e outras) (cf. SIMON 2007, TEXIER 2005). Tudo isto se vincula às partes centrais e aos beaux-quartiers, os bairros burgueses na parte oeste de Paris. A parte leste da cidade e da interface rio-cidade, no entanto, era muito mais caracterizada pelas instalações portuárias, ferroviárias, pela indústria e pelos bairros dos trabalhadores. Atualmente, são exatamente estas localidades no leste parisiense que estão submetidas a grandes intervenções urbanísticas (cf. COY 2003a). Algumas das grandes obras do presidente François Mittérand formaram nos anos 80 o ponto inicial para esta fase mais recente da revitalização nas duas margens do rio Sena: a transformação da Gare d'Orsay em museu do século XIX, a construção do Institut du Monde Arabe e principalmente a transferência do Ministério da Fazenda e da Biblioteca Nacional para o leste parisiense, o primeiro na margem direita, a segunda na margem esquerda do Sena. Na continuação, respectivamente em torno destas duas grandes obras, foram (e continuam sendo) realizadas duas das maiores intervenções urbanísticas do Paris atual: a ZAC Bercy na margem direita e a ZAC Paris Rive Gauche na margem esquerda. Estes dois megaprojetos fazem parte de uma estratégia mais ampla para a reabilitação do Leste Parisiense que já foi concebida no início dos anos 80 (Plan-Programme de l'Est de Paris) (TEXIER 2005. A abreviação ZAC significa Zone d'Aménagement Concerté (zona de planejamento concertado), um instrumento de planejamento urbano criado nos anos 60 que permite a realização de grandes intervenções fora dos regulamentos urbanísticos normais. A execução das ZAC é atribuída às chamadas Sociétés d'Économie Mixte (companhias de economia mista),

DA PERIFERIA PARA O CORAÇÃO DA CIDADE: REVITALIZAÇÃO URBANA NAS MARGENS DO RIO NO LESTE DE PARIS A proximidade ao rio Sena pode ser considerada uma particularidade de Paris em comparação com outras cidades européias. Os cais ao longo do rio pertencem aos lugares mais emblemáticos, eles reúnem os locais mais monumentais e ao mesmo tempo mais folclóricos da cidade. Encontram-se aqui os sítios mais fotografados e mais filmados da metrópole francesa. O rio, as pontes e os cais formam uma paisagem urbana particular que é essencial para a identidade e para o genius loci de Paris (cf.

211

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

empresas sob o controle do poder público, em parte com participação de capital privado, que funcionam como developers, cuidando do planejamento, da comercialização dos terrenos, da realização e coordenação dos trabalhos previstos. De certa maneira, o instrumento das ZAC oferece aos planejadores a possibilidade de dar continuidade ao espírito hausmanniano das grandes intervenções que tinha tantos impactos na configuração espacial de Paris (cf. TEXIER 2005). A ZAC Bercy se estende sobre uma área de 51 hectares entre o Ministério da Fazenda e o Terminal de Cargas Bercy. Ela foi instalada em 1988; as obras foram concluídas em finais de 2005. O objetivo principal era a reintegração de uma antiga área industrial (a área era utilizada como entreposto de vinho) que se encontrava – em função da sua ociosidade a partir dos anos 60 – em situação “ilhada” no contexto urbano. Foi prevista a realização de um bairro novo, em torno de um grande parque, com funções mistas: habitação, escritório e principalmente lazer. No conjunto urbano, este novo projeto se insere de certa maneira nos grandes eixos oeste-leste que estruturam, desde os períodos absolutistas, o espaço da cidade parisiense. O acesso ao novo bairro – como também ao projeto vizinho da ZAC Paris Rive Gauche – foi assegurado pela implementação de uma das mais novas e modernas linhas de metrô, a linha Météor. Foram instalados 1.500 apartamentos (40% deles de caráter social), as devidas instalações sociais, um complexo hoteleiro para cerca 700 hóspedes, 130.000 m² para escritórios, 90.000 m² para comércios e outros serviços, um mega-cinema com 18 salas, assim como estacionamentos de carro (SEMAEST 2006). Já havia sido realizado antes um grande centro esportivo, o Palais Omnisports, com 17.000 lugares. O centro da obra é formado por um parque público de 14 hectares de um lado e, de outro, por um conjunto comercial-gastronômico, Bercy Village, que foi instalado nos antigos entrepostos de vinho restaurados e modernizados e que se vincula diretamente com o mega-cinema UGC. Em 2006, foram concluídas as obras para uma nova ponte pedestre ultramoderna e ampla sobre o rio Sena, a Passerelle Simone de Beauvoir, que integra o Parque de Bercy com outro

megaprojeto à margem esquerda do rio, a ZAC Paris Rive Gauche. Deste lado esquerdo do rio Sena, está se desenvolvendo entre 1996 e 2015 a maior obra de revitalização urbana da capital francesa sob forma de bairro misto: a ZAC Paris Rive Gauche. No seu coração, encontra-se a nova Biblioteca Nacional, obra arquitetônica de Dominique Perrault concluída em 1995, um conjunto de quatro torres, que durante e após sua realização foi muitas vezes criticado por seu caráter e sua funcionalidade, mas que, por outro lado, é, sem dúvida alguma, uma das realizações mais emblemáticas da arquitetura pós-moderna em Paris. O lugar da nova biblioteca e da ZAC, uma superfície total de 130 hectares, era ocupado antes pelas instalações ferroviárias da próxima Gare d'Austerlitz e por estabelecimentos industriais: um grande moinho, uma usina de gás, frigoríficos e armazéns. Os planejamentos para este megaprojeto de requalificação urbana começaram no início dos anos 90, mas logo foram fortemente criticados por diversas entidades da sociedade civil pela preferência que foi dada inicialmente à predominância de escritórios e pela falta de espaços públicos e áreas verdes. Após uma série de correções dos planos originais, as obras da ZAC iniciaram-se em 1996. Dos 130 hectares totais, 26 se encontram numa plataforma em cima das trilhas da estrada de ferro. Estão previstas, até a conclusão dos trabalhos, a realização de moradias para 15.000 pessoas (5.000 unidades – sendo 2.000 de caráter social e 1.000 para estudantes), a instalação de escritórios para cerca de 60.000 empregados (700.000 m²), 660.000 m² para estabelecimentos públicos, dos quais 250.000 m² para a nova Biblioteca Nacional; a maior parte do restante é reservado para a transferência da Université Paris VII – Denis Diderot, que se instalará em parte em estabelecimentos industriais restaurados e adaptados (Grands Moulins) e que será freqüentada por mais de 30.000 estudantes (informações SEMAPA 2007). Os edifícios novos nas cinco subdivisões da ZAC serão realizados por arquitetos de alto reconhecimento internacional, em grande parte na base de conceitos inovadores (por exemplo, no que diz respeito à relação entre espaço construído e espaço livre). À primeira vista, este megaprojeto parece realmente ser um passo decisivo

212

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

para a reconquista da parte leste da interface rio-cidade, que se encontrava, durante muito tempo, em função do seu caráter industrial, às margens da vida urbana, e, assim, um passo em direção a um equilíbrio entre o Oeste e o Leste parisiense. Portanto, vale lembrar que a realização de megaprojetos deste porte tem também os seus custos, resulta em críticas legítimas e causa conflitos de interesse. Neste sentido, é interessante observar que, no meio dos novos edifícios pós-modernos, persiste ainda uma “ilha alternativa” nos antigos frigoríficos (les frigos), um estabelecimento industrial que foi ocupado, após o seu fechamento no início dos anos 80, por grupos de artistas que ali instalaram no decorrer dos anos uma verdadeira “cidade da arte”, que tem as suas regras internas e que vive do seu espírito liberal e alternativo. Existe, portanto, o perigo de que esta ilha seja, a médio e longo prazo, “sufocada” pelo entorno dominado pelo business, pelos apartamentos chiques e gerenciado por uma filosofia orientada às regras do mercado. Os ocupantes, por sua vez, se organizaram diante desta situação em associação para poder defender os seus interesses frente aos novos vizinhos e ao poder público. Vale mencionar também que o atual governo socialista da cidade de Paris interferiu, logo no início da sua gestão, na realização da ZAC no sentido de aumentar a porcentagem de domicílios de caráter social para evitar, desta maneira, o óbvio perigo da “gentrificação” no novo bairro, que resultaria numa segregação e fragmentação em relação ao entorno (cf. PINÇON, PINÇON-CHARLOT 2004). Os exemplos dos megaprojetos ZAC Bercy e ZAC Paris Rive Gauche mostram que o espírito hausmanniano das grandes soluções urbanísticas impregna ainda as recentes iniciativas de revitalização urbana nesta parte do Leste Parisiense. As margens do rio Sena, privadas – ou liberadas - do seu passado industrial, continuam sendo, assim, o palco das intervenções de cima para baixo que produziram durante séculos e continuam produzindo paisagens monumentais e representativas. Hoje em dia, cria-se com estes mega-empreendimentos ambientes artificiais com certa esterilidade, nos quais a memória do passado industrial e do mundo dos trabalhadores sobrevive, quando muito, sob forma de

Disneylândias intra-urbanas, como no caso de Bercy Village, onde os yuppies tomam os seus drinks ou o seu café nos mesmos lugares (restaurados e modernizados, é claro), aonde, antigamente, os trabalhadores nos entrepostos tinham que carregar os barris de vinho. É preciso, portanto, que a população tome conta destas novas paisagens produzidas, para torná-las espaços vividos e para evitar que elas formem ilhas segregadas no conjunto urbano. Somente assim poder-se-á desenvolver, a médio e longo prazo, uma identificação com os novos espaços criados; e somente assim, os megaprojetos de revitalização urbana poderão contribuir para uma re-configuração do genius loci e para uma re-definição da identidade local. A freqüência de pessoas que se pode observar nos lugares novos, principalmente no Parque Bercy e em Bercy Village, é um sinal na direção certa. RIO E CIDADE: CONVERGÊNCIAS OU DIVERGÊNCIAS COM A AMERICA LATINA? Os projetos Waterfront nas cidades européias seguem, como tentamos mostrar nesta contribuição, geralmente as mesmas estratégias de revitalização urbana: antigas instalações portuárioindustriais são substituídas por novos bairros adensados e com estrutura funcional mista. A cidade industrial é cada vez mais substituída pela cidade terceirizada. Ocorre, simultaneamente, uma troca dos atores, assim como dos estilos de vida. Esta transformação organiza-se, via de regra, sob forma de megaempreendimentos, seguindo as regras dos public-privatepartnerships e subordinada às lógicas de mercado. Resulta disto a produção de espaços típicos para a cidade pós-moderna que atribuem uma nova qualidade à interação rio-cidade. Quais são, então, as lições que podem ser aprendidas para a situação nas cidades na América Latina? Em primeiro lugar, observa-se a existência de constelações similares em muitas urbes latino-americanas. A conversão de antigas áreas portuárioindustriais ou ferroviário-industriais, assim como o saneamento das margens de rios ou ainda a requalificação dos centros urbanos são temas de alta relevância para o contexto

213

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

latino-americano (cf. exemplos em RIVIÈRE D'ARC, MEMOLI 2006). Existem, portanto, convergências entre as cidades latinoamericanas e o caso europeu, por exemplo, no que se refere às estratégias aplicadas nos projetos de conversão e revitalização. Sendo os projetos Waterfront hoje em dia um fenômeno global e globalizado, muitos políticos e planejadores latino-americanos se orientam - no seu pensamento e nas suas concepções urbanísticas nas experiências européias ou norte-americanas. Isto é válido também no que diz respeito às formas de implementação e execução de respectivos mega-empreendimentos. Diante da influência das políticas neoliberais, a public-private-partnership e os developers já tomaram conta da revitalização urbana e da execução de projetos Waterfront em muitas urbes da América do Sul. Um bom exemplo para isso constitui o megaprojeto Puerto Madero, na cidade de Buenos Aires (cf. KNUPP 2002). No entanto, as conseqüências sócio-espaciais de tais projetos me parecem ser muito mais graves em comparação com as cidades européias. Isto constitui uma divergência que tem a ver com o quadro sócio-econômico geral e as formas díspares de desenvolvimento urbano na América Latina. A cidade latinoamericana se apresenta hoje altamente fragmentada, e sua estrutura sócio-espacial pode ser resumida com a metáfora das “ilhas de riqueza num oceano de pobreza” (cf. para maiores detalhes COY 2003b). Condomínios fechados, centros empresariais e shopping centers caracterizam cada vez mais a produção da cidade pelo capital privado, enquanto grande parte da população urbana se encontra na cidade informal dos bairros marginalizados, das invasões, dos cortiços e nas áreas de risco altamente vulneráveis, entre outras nas margens dos rios. Os projetos Waterfront, assim como muitos empreendimentos de revitalização dos centros históricos nas urbes da América do Sul, tendem a aprofundar esta fragmentação através da exclusão de grandes partes da população. Diante deste quadro, é um grande desafio para as cidades latino-americanas, que estão na busca de estratégias para a reintegração dos seus rios na paisagem urbana, encontrar

caminhos para uma revitalização que seja compatível com a memória coletiva, que fortaleça a identidade local em harmonia com o genius loci e que seja, ao mesmo tempo, integradora com respeito à participação de todos os segmentos atingidos da população local. Isto pressupõe uma gestão urbana democrática e participativa. Somente assim, a revitalização da interação riocidade pode corresponder a um passo decisivo para um desenvolvimento urbano sustentável. REFERÊNCIAS AGEORGES, Sylvain. Sur les traces des expositions universelles. À la recherche des pavillons et des monuments oubliés. Paris, Parigramme, 2006. CHEMETOFF, Alexandre e LEMOINE, Bertrand. Sur les quais. Un point de vue parisien. Paris, Picard, 1998. COY, Martin. "Paris - aktuelle Entwicklungstendenzen und Ansätze der Stadterneuerung in einer europäischen Megastadt". Em: Petermanns Geographische Mitteilungen, 147, 4 (2003a), pp. 60-69. COY, Martin. "Tendências atuais de fragmentação nas cidades latino-americanas e desafios para a política urbana". Em: Iberoamericana, 3, 11 (2003b), pp. 111-128. FEBVRE, Lucien. Der Rhein und seine Geschichte. Frankfurt am Main, Campus Verlag, 1994 [versão em português: O Reno. História, Mitos e Realidades. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000]. GÖTZE, Karl-Heinz. Immer Paris. Geschichte und Gegenwart. Munique, Pantheon, 2007. HAAS, Heiner (ed.). Stadt am Wasser. Neue Chancen für Kommunen und Tourismus. – Schriftenreihe Lebendige Stadt, vol. 4. Frankfurt am Main, Societäts Verlag, 2005. HELLWEG, Uli; OLTMANNS, Jörn (eds.). Wasser in der Stadt. Perspektiven einer neuen Urbanität. Berlim, Transit Buchverlag, 2000. HÄUSSERMANN, Hartmut e SIEBEL, Walter (eds.). Festivalisierung der Stadtpolitik. Opladen, Westdeutscher Verlga, 1992. KNUPP, M. "Puerto Madero in Buenos Aires. Erfolgreiches Beispiel einer Waterfront Revitalization?". Em: Geographische Rundschau,

214

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

bajo la supervisión de especialistas. Al mismo tiempo, los periódicos comienzan a informar sistemáticamente sobre los fenómenos del tiempo en relación con la agricultura y la ganadería (PRIETO, HERRERA y DUSSEL 2000, p. 82). En este contexto, y para el caso de la vertiente norte de la cuenca de México, sólo se cuenta con datos meteorológicos que se extienden desde 1895 en adelante, provenientes especialmente de las estaciones meteorológicas de Pachuca y Real del Monte (32º 27'S -33º 20'S; COEDE-UAEH 2003, p. 18). Este exiguo registro climático ha reducido la posibilidad de concretar investigaciones encaminadas a lograr un conocimiento más amplio acerca de las pautas del clima del área y su influencia en la dinámica fluvial. Sin embargo, en nuestro proyecto nos proponemos completar esos registros con información relevante proveniente de otras fuentes históricas, con el objeto de reconstituir el marco de influencia del entorno climático en el comportamiento del cauce del Río de las Avenidas y la evolución de las precipitaciones pluviales en un lapso lo más extenso posible, para detectar anomalías, observar la variabilidad climática y detectar ciclos o períodos secos y húmedos en esa porción del territorio. Para este trabajo, se seleccionó como fuente primaria de información al Periódico Oficial del Gobierno del Estado de Hidalgo, la única publicación periódica local que presentó una prolongada continuidad desde fines del siglo XIX. Entre 1895 y 1910 el periódico publicó la información meteorológica aportada en gran parte por los observatorios mencionados, elaborando un reporte quincenal en el que se reseñan los datos referidos a dicho período. Sin embargo, en el caso de acontecimientos ambientales excepcionales, como inundaciones, graves crecidas, sequías, fuertes nevadas, etc., el periódico agrega crónicas y reportes detallados, así como informes elaborados por las autoridades de las zonas afectadas. Se trata de una fuente riquísima que permite estudiar los eventos anómalos en toda su magnitud. Supone una información puntual y – en la mayoría de los casos – testimonial. Llama la atención la percepción que sus redactores tenían acerca del

tiempo meteorológico, factor que nos permite calibrar tanto el alcance de los eventos ambientales como la propia concepción del clima y el profundo conocimiento empírico de los fenómenos naturales que demuestran los coetáneos. Las observaciones son más rigurosas e imbuidas del espíritu político y “científico” propio de la época, contrastando con la ingenua percepción que ofrecen otras fuentes. Los datos que se publican en el citado periódico presentan mayor confiabilidad. Las referencias al clima o al comportamiento del río no son casuales, en muchos casos constituyen el objetivo principal del emisor, por lo tanto las posibilidades de deformación de la realidad son menores. En todo caso, se deben tomar ciertos recaudos al usar estos datos, pues esta fuente presenta una tendencia a registrar solamente los extremos climáticos o catástrofes, sin aludir a los años normales o lo hace tangencialmente. Por otra parte, al tratarse de un documento de carácter oficial, los informes publicados han pasado por varios niveles de elaboración por parte de sus autores, lo que les agrega una alta dosis de subjetividad, que responde a intereses políticos y socioeconómicos concretos. Para validar esta información y cubrir las mencionadas carencias utilizamos recursos documentales complementarios como boletines, mapas y planos de época, documentos empresariales, descripciones de viajeros y científicos, etc. En los datos que ellos aportan se puede observar una clara evolución de las circunstancias que rodean y condicionan tanto esas percepciones climáticas como el vínculo establecido entre el cauce fluvial y el entorno social, que pasan de la simple analogía comparativa a las descripciones más complejas y detalladas. CARACTERÍSTICAS HIDROGEOLÓGICAS DEL ÁREA DE ESTUDIO: EL RÍO DE LAS AVENIDAS El ámbito espacial donde se inscribe nuestro trabajo es el noreste de la gran Cuenca de México. Con aproximadamente 8.000 km2 y a más de 2.230 metros sobre el nivel del mar, la Cuenca de México es una región geológica e hidrológicamente bien definida por los relieves volcánicos que la rodean, entre los que

215

REVISTA ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

l 54, 4 (2002), pp. 46-51. LE GOFF, Jacques. Die Liebe zur Stadt. Eine Erkundung vom Mittelalter bis zur Jahrtausendwende. Frankfurt am Main, Campus Verlag, 1998 [versão em português: Por amor às cidades. São Paulo, Ed. Unesp, 1998]. MAGRIS, Claudio. Donau. Biographie eines Flusses. Munique, DTV, 2007. PINÇON, Michel e PINÇON-CHARLOT, Monique. Sociologie de Paris. Paris, Ed. La découverte, 2004. SCHUBERT, Dirk (ed.). Hafen- und Uferzonen im Wandel. Analysen und Planungen zur Revitalisierung der Waterfront in Hafenstädten. Berlin, Leue Verlag, 2001. RIVIÈRE D'ARC, Hélène e MEMOLI, Maurizio (eds.). Le pari urbain en Amérique latine. Vivre dans le centre des villes. Paris, Armand Colin, 2006. SEMAEST. ZAC Bercy. Paris 12ème. Paris, 2006. SIMON, Philippe. Paris Visite Guidée. Architecture, urbanisme, histoires et actualités. Paris, A & J Picard, 2007. TEXIER, Simon. Paris contemporain. De Haussmann à nos jours, une capitale à l'ère des métropoles. Paris, Parigramme, 2005.

216

Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.