A transcendência dos motivos determinantes no controle incidental de constitucionalidade - The incident of Unconstitutionality - Ratio decidendi - Full bench - Binding effects.

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A transcendência dos motivos determinantes no controle incidental de constitucionalidade Gilberto Schäfer Doutor em Direito pela UFRGS. Professor no Mestrado em Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis (Porto Alegre). Juiz de Direito em Porto Alegre. E-mail: .

Roger Raupp Rios Doutor em Direito pela UFRGS. Pós-Doutor pela Universidade de Paris II. Professor do Mestrado em Direito do Centro Universitário UniRitter (Porto Alegre). Juiz Federal em Porto Alegre. E-mail: .

Aline Araújo Curtinaz da Silva Bacharel em direito, trabalho de conclusão do Centro Universitário Ritter dos Reis (Canoas), sobre a transcendência do motivo determinante aprovado com nota máxima. E-mail: .

Resumo: O presente trabalho aborda a chamada transcendência dos motivos determinantes no controle difuso/incidental de inconstitucionalidade. Num primeiro momento, situa o modelo difuso dentro do ordenamento brasileiro para que sejam compreendidas as suas exigências constitucionais e processuais, especialmente a regra da reserva do plenário (art. 97 da CF) e a formação do incidente de inconstitucionalidade. Depois aborda os significados do motivo determinante e da atribuição de efeito vinculante ao motivo determinante, buscando estabelecer os graus diversos de obrigatoriedade que o efeito vinculante assume no ordenamento jurídico. Por fim, vai justificar a possibilidade de que mesmo sem atribuir efeito vinculante em sentido próprio, o motivo determinante dispensa a formação do incidente de inconstitucionalidade com supedâneo na racionalização do sistema em consonância com a duração razoável do processo. Palavras-chave: Incidente de inconstitucionalidade. Motivos determinantes. Reserva do plenário. Efeito vinculante. Sumário: Introdução – 1 Controle difuso de constitucionalidade e reserva de plenário – 2 Casos de dispensa de formação do incidente de inconstitucionalidade – 3 Motivo determinante e efeito vinculante – 4 A transcendência do motivo determinante e a busca do efeito vinculante em sentido próprio (forte) – 5 A aplicação do motivo determinante no controle incidental/difuso – Considerações finais – Referências

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Introdução O controle difuso de constitucionalidade, primeiro modelo jurisdicional adotado no Brasil, no início da República, constou expressamente da Constituição de 1891.1 Este modelo teve como base o direito dos Estados Unidos, mas sem a adoção do instituto do stare decisis,2 o que ocasionava os inconvenientes de decisões díspares,3 já que a sua eficácia era apenas inter partes. Esses inconvenientes só foram minorados pela solução de compromisso adotada pela atribuição de efeitos erga omnes pela intervenção do Senado Federal. Apesar da expansão do modelo concentrado (ADI, ADC, ADPF, ADO) atualmente adotado no direito brasileiro, o modelo difuso mantém a sua importância. Ele é a principal forma de controlar as normas municipais e continua a ser “a única via acessível ao cidadão comum para a tutela de seus subjetivos constitucionais”,4 pois as vias diretas só podem ser acessadas pelos legitimados elencados na Constituição Federal (art. 103). O presente trabalho, num primeiro momento, vai situar o modelo difuso no ordenamento brasileiro, para que sejam compreendidas as suas exigências constitucionais e processuais. Depois, fará uma exposição do significado do motivo determinante e dos sentidos em que se adota a concepção de efeito vinculante. Por fim, fará uma proposta de justificação para que o motivo determinante dispense a formação do incidente de inconstitucionalidade nesta modalidade de controle.

1  Controle difuso de constitucionalidade e reserva de plenário No controle difuso de constitucionalidade cabe a qualquer juiz ou tribunal a competência para julgar a questão da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1981. “Art. 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...] §1º Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas”. BRASIL. Constituição (1891). 2 Importante registrar o conceito de stare decisis de Charles D. Cole, reproduzido por Zavascki: “A doutrina do stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos simplesmente significa que, uma vez que a Corte de última instância no sistema judiciário federal ou estadual decida um princípio de direito para o caso em julgamento, estabelecendo assim um precedente, a Corte continuará a aderir a este precedente, aplicando-o a casos futuros em que os fatos relevantes sejam substancialmente os mesmos, ainda que as partes não sejam as mesmas. Portanto, o ‘precedente’ é a regra jurídica usada pela Corte de última instância no local em que o caso foi decidido, aplicando aos fatos relevantes que criaram a questão de mérito levada perante a Corte para decisão. Stare decisis é a política que exige que as Cortes subordinadas à Corte de última instância que estabelece o precedente e ‘não mudem a questão decidida’”. COLE apud ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 27. 3 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 28-29. 4 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 89. 1

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A transcendência dos motivos determinantes no controle incidental de constitucionalidade

arguida incidentalmente em processo cujo objeto do mérito seja outro,5 “independente da posição que ocupe na respectiva hierarquia, inclusive o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça (sistema difuso), no julgamento de causa que lhe incumba, originariamente ou em grau de recurso”.6 O pressuposto para que haja a possibilidade da declaração incidental de inconstitucionalidade é a necessidade de “existência de um processo, uma ação judicial, um conflito de interesses no âmbito do qual tenha sido suscitada a inconstitucionalidade de lei que deveria reger a disputa”.7 A alegação de inconstitucionalidade é uma questão prejudicial ao mérito da demanda principal, razão pela qual, para que o mérito seja analisado, necessariamente tem que haver o enfrentamento da alegada inconstitucionalidade. O controle incidental de inconstitucionalidade não é apenas a defesa contra a aplicação de uma lei ou ato normativo inconstitucional, mas sim, a verificação de uma questão concreta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, aplicável ao caso.8 No direito brasileiro há dois momentos no controle de constitucionalidade: “o 1º) que é a competência ou o poder de verificação ou exame; e o 2º) que é a competência ou poder de apresentação ou, ao contrário, de rejeição — caso considerada a norma inconstitucional”.9 No controle incidental de inconstitucionalidade realizado pelo juiz singular, não há necessidade de observar qualquer procedimento específico, ou seja, no Brasil, desde a república, o juízo monocrático sempre teve o poder de verificar e o de rejeitar. Já no controle incidental realizado junto aos tribunais, quando for realizado pelos órgãos fracionários, há a necessidade de se adotar o procedimento de declaração incidental de inconstitucionalidade, em função da cláusula de reserva do plenário.10 A cláusula de reserva do plenário tem sua origem no direito norte-americano, na chamada regra do “full bench”, que foi elaborada pela jurisprudência dos tribunais nos Estados Unidos no século XIX. Segundo esta regra, para que houvesse a declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, deveria ser observado o quorum de maioria absoluta dos membros que compunham o tribunal.11

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973). 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 5. p. 31. 6 MOREIRA, op. cit., p. 33. 7 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 89. 8 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1129. 9 SOTT, Airton José. A possibilidade do controle judicial de constitucionalidade – incidental, concreto e difuso – Direito brasileiro anterior à Constituição Federal de 1988 – em conexão com os direitos fundamentais. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 31, n. 93, p. 9-24, mar. 2004. 10 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973). 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 5. p. 34. 11 AMARAL JUNIOR, José Levi Mello do. Incidente de argüição de inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da constituição e aos arts. 480 a 482 do código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 19-20. No direito brasileiro, em 1902, já havia uma norma que previa quorum para apreciação de questão 5

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Atualmente, o princípio de Reserva do Plenário vem instituído na Constituição no seu art. 97: “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.12 A maioria absoluta “configura-se quando obtida quantidade superior ao número inteiro diretamente acima da metade da totalidade de todos os membros de uma assembleia”,13 consoante definição do STF.14 Portanto, em regra, o órgão fracionário não tem competência para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, nem mesmo poderá deixar de aplicar algum dispositivo por entendê-lo inconstitucional, na forma da Súmula Vinculante nº 10.15 Os órgãos fracionários, em regra, só têm a competência para a apresentação da questão ao pleno. Consoante ao que dispõe os art. 480 e 481 do Código de Processo Civil, se o órgão fracionário acolher a alegação de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, ele deverá lavrar o acórdão e encaminhar a questão constitucional incidental ao pleno ou órgão especial do Tribunal.16 Apenas o plenário ou órgão especial do tribunal tem competência para julgar a questão atinente a inconstitucionalidade da norma, ou seja, a questão incidental, sendo que após deverá devolver os autos ao órgão fracionário, para que este prossiga com o julgamento da lide principal, o qual deve fazer observando a decisão do pleno ou órgão especial, ocorrendo a chamada “cisão funcional da competência”.17



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constitucional, o art. 1º do Decreto nº 938, de 29.12.1902. Já a incorporação da cláusula de reserva do plenário na Constituição ocorreu somente com a Constituição Federal de 1934, que no seu art. 179, previa que “Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público”. Ainda, a Constituição Federal de 1988, no seu art. 93, XI, o qual foi incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, faculta a criação do órgão especial, nos seguintes termos: “nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do Tribunal Pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo Tribunal Pleno”. AMARAL JUNIOR, José Levi Mello do. Incidente de argüição de inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da constituição e aos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 29. A questão matemática do motivo do arrendondamento para o número superior foi explicada pelo Ministro Luiz Galloti, no REnº 68.419/MA: “Maioria absoluta. Sua definição, como significando metade mais um, serve perfeitamente quando o total é número par. Fora daí, temos que recorrer à verdadeira definição, a qual, como advertem Scialoja e outros, deve ser esta, que serve, seja par ou ímpar o total: maioria absoluta é o número imediatamente superior à metade. Assim, maioria absoluta de quinze são oito, do mesmo modo que, de onze (número de Juízes do Supremo Tribunal), são seis, e sobre isso não se questiona nem se duvida aqui”. Dito de outro modo, sempre deve haver o arredondamento para o número imediatamente superior. Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. “Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo. Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno. Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 5. p. 40-42.

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Todavia, no Supremo Tribunal Federal não ocorre esta “cisão funcional da competência” (art. 177, RISTF). O órgão fracionário, ao entender que há inconstitucionalidade, deve remeter ao pleno do STF todo o processo para que este possa analisar a questão da constitucionalidade e apreciar também o mérito da demanda principal.18 O pleno ou órgão especial somente poderá analisar aquilo que foi acolhido pelo órgão fracionário, ou seja, se o órgão fracionário afastou parcialmente a inconstitucionalidade, o pleno ou órgão especial irá analisar apenas a parte em que o órgão fracionário entendeu que havia a inconstitucionalidade.19 Contudo, o plenário não fica restrito aos fundamentos da arguição, nem a uma “suposta causa petendi”, pois de acordo com Barbosa Moreira “a arguição não constitui ‘pedido’ em sentido técnico, e as questões de direito são livremente suscitáveis, ex officio, pelos órgãos judiciais, na área em que lhes toque exercer atividade cognitiva”.20 No tocante aos legitimados para arguir a inconstitucionalidade, é facultado a qualquer dos atores da relação processual essa arguição, sendo que o Ministério Público pode fazer a arguição tanto quando atua como fiscal da lei ou como parte no processo. Silenciando as partes, o juiz ou tribunal também pode conhecer de ofício a inconstitucionalidade.21 “Por outro lado, em qualquer hipótese, é ao colegiado julgador que caberá suscitar ou não o incidente de inconstitucionalidade”.22 O CPC dispõe que podem se manifestar no incidente de inconstitucionalidade23 os titulares do direito de propositura da ADI, e garante a presença de amici curiae, ou seja, pessoas e órgãos com representatividade de forma a que se pluralize e amplie o debate a respeito da questão constitucional.24 Esta manifestação tem como objetivo legitimar a decisão, considerando ainda os seus efeitos nos casos futuros.25 Regimento Interno do STF. “Art. 177. O Plenário julgará a prejudicial de inconstitucionalidade e as demais questões da causa”. 19 Questão interessante foi enfrentada Arguição de Inconstitucionalidade nº 70041334053 do Tribunal de Justiça, em que, no Agravo de Instrumento que deu origem ao Incidente, discutia-se despesas dos oficiais de justiça, mas o órgão especial, por maioria, conheceu também no atinente a custas e emolumentos, ou seja, em maior extensão do que o órgão fracionário havia sustentado inicialmente. 20 MOREIRA, op. cit., p.47. 21 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.90. 22 AMARAL JUNIOR, José Levi Mello do. Incidente de argüição de inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da constituição e aos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 56-57. 23 “Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento §1º O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem, poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal. §2º Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendolhes assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos. §3º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades”. 24 Estes participantes não se tornam parte do processo. Nesse sentido SCHÄFER. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 85. Humberto Theodoro Júnior defende a possibilidade de atuação até mesmo de entes despersonalizados que demonstrem o interesse social, despertamdo possíveis reflexos da questão constitucional em discussão. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. 1. p. 706. 18

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No caso do Ministério Público, a sua intimação é imprescindível, ficando a seu talante se manifestar ou não no incidente, ao contrário do que vinha sendo exigido pelos regimentos internos das respectivas casas (art. 199 do RI do STJ e art. 176 do RI do STF).25 Quanto ao cabimento de recurso das decisões nos processos onde ocorre a “cisão funcional da competência” em razão do incidente de inconstitucionalidade, a Súmula nº 513 do Supremo Tribunal Federal dispõe que somente caberá recurso ordinário ou extraordinário da decisão do órgão fracionário que decide a lide principal e não da decisão do plenário que julga a questão incidental de inconstitucionalidade.

2  Casos de dispensa de formação do incidente de inconstitucionalidade Apesar de a regra constitucional exigir a apreciação pelo plenário, a jurisprudência26 fez uma construção para permitir que em certos casos o órgão fracionário fique dispensado de fazer esta apresentação.27 Essa orientação jurisprudencial, que tinha como escopo evitar a repetição de julgados e obter a segurança jurídica com as decisões anteriormente pronunciadas, foi transformada posteriormente em lei (Lei nº 9.756, de 1998), acrescentando o parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil. Há assim possibilidade de dispensa da formação do incidente de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento do plenário ou do órgão especial do Tribunal ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. A legislação estabelece essa exceção porque já houve julgamento do pleno ou do órgão especial do Tribunal reconhecendo a inconstitucionalidade da mesma lei ou ato normativo em outro processo ou porque o próprio pleno do STF já fez esse julgamento. Essa decisão terá efeitos para além do caso concreto: “será paradigma (leading case) para todos os demais feitos — em trâmite no tribunal — que envolvam a mesma questão constitucional”.28 Há aqui uma transcendência da parte dispositiva

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos. Processos e incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 5. p.434. 26 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 34-35. 27 Essa orientação foi estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Ag. Reg nº 168.149-RS (DJU 1, 04 ago. 95, STF). Também no RE nº 190.727, 1ª Turma, DJ, 13 dez. 1996, voto do Ministro Ilmar Galvão. Gilmar Mendes vai mais adiante e entende que no caso há uma sinalização “(ainda que tímida) a equiparação entre efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle incidental com os efeitos da declaração em controle concentrado. Decide-se autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal proferida incidenter tantum”. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 1137. 28 AMARAL JUNIOR, José Levi Mello do. Incidente de argüição de inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da constituição e aos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 39. 25

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da decisão proferida pelo plenário, ou seja, a decisão passa a gerar efeitos para além do caso concreto em que foi proferida. Havendo o confronto entre a norma de direito pré-constitucional e a atual Constituição, não haveria necessidade de formação do incidente de inconstitucionalidade, visto que a lei foi simplesmente revogada pela atual Constituição, não há falar em inconstitucionalidade, sendo resolvida de acordo com o princípio do direito intertemporal de que a lei posterior derroga a lei anterior (conforme ADI nº 2). Mas há outra hipótese que deve ser examinada: a possibilidade de que o motivo determinante também tenha efeitos transcendentes. Para essa avaliação deve-se fazer um exame do que se entende por motivo determinante.

3  Motivo determinante e efeito vinculante Os motivos determinantes estão incluídos no conteúdo da fundamentação da decisão. Para que se obtenha o motivo determinante, é necessário que, sendo individualizado na fundamentação, “mostre-se como premissa sem a qual não se chegaria à específica decisão”.29 Assim, os motivos determinantes são os principais fundamentos jurídicos que constituem a decisão. Na linguagem da commom law, ela pode ser designada de ratio decidendi ou Holding, e na linguagem do direito alemão, de tragende gründe. A ratio decidendi se constitui no fundamento jurídico que sustenta a decisão.30 Cruz e Tucci propõe, para inferir a ratio decidendi, uma operação mental “mediante a qual, invertendo-se o teor do núcleo decisório, indaga-se se a conclusão permaneceria a mesma, se o juiz tivesse acolhido a regra invertida. Se a decisão ficar mantida, então a tese originária não pode ser considerada ratio decidendi; caso contrário, a resposta será positiva”.31 De acordo com Rupert Cross,32 trata-se de um passo necessário do juiz para alcançar a sua conclusão. Por outro lado, a partir da common law contrapõe-se a ratio decidendi da obiter dicta que seriam os argumentos que são expostos apenas de “passagem da motivação do julgamento que contém argumentação marginal ou simples opinião, prescindível para o deslinde da controvérsia”, não podendo ser utilizado com força vinculativa por não ter sido determinante para a decisão.33 No controle de constitucionalidade em abstrato, a teoria da transcendência dos motivos determinantes pretende atribuir força vinculante aos motivos determinantes contidos na fundamentação da decisão.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 293. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 175. 31 Ibidem, p.177. 32 CROSS, Rupert. Precedent in English Law. 3. ed. Oxford, Claredon Press, 1991. 33 TUCCI, loc. cit.

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A expressão “efeito vinculante” não é unívoca, comportando uma imensa gama de situações às quais se dirige. Podemos (re)formular a concepção de efeito vinculante de acordo com os diversos graus de obrigatoriedade que a decisão do tribunal encerra.34 No entanto, em geral, quando se utiliza a expressão vinculante, exprime-­ se uma concepção tradicional de efeito vinculante, ou seja, o efeito vinculante em sentido próprio, que permite a utilização da reclamação constitucional (art. 102, I, “l”, CF). Mas o emprego do termo expressando outros graus de vinculação pode nos permitir que o conceito seja reformulado, de modo a comportar esses graus diversos de vinculatividade, levando-se em conta sempre os instrumentos que asseguram a sua vinculatividade.35 A conformação desses instrumentos — e do modo como se relacionam e se implicam com outros instrumentos e da sua força — permite falar em efeito vinculante forte ou fraco. Assim, há possibilidade de nominar a força vinculante fraca — a tradicional força meramente persuasiva — até a força forte — efeito vinculante propriamente dito — que permite o uso da reclamação constitucional.36 A aplicação da Súmula Vinculante também se fará mediante a conjugação de outros instrumentos que potencializam os efeitos da jurisprudência dominante, dos precedentes e das demais Súmulas. Os novos instrumentos que foram sendo criados — como os poderes do Relator,37 o não recebimento da apelação,38 o julgamento antecipadíssimo da lide,39 a

No sentido do texto: “os precedentes (independentemente de serem vinculantes ou não) parecem exercer uma variada gradação de sua força normativa, que independe das circunstâncias relativas à imposição de uma vinculação formal legal ou constitucional” (MAGALHÃES, Breno Baía; SILVA, Sandoval Alves da. O grau de vinculação dos precedentes à luz do STF: o efeito vinculante é absoluto. In: ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direitos humanos e direitos fundamentais – Diálogos contemporâneos. Juspodivm, p. 59). 35 Neste sentido: SCHÄFER, Gilberto. A atividade de Pretor Romano: antecedentes remotos do processo de sumularização. Revista da Ajuris 132, ano XL, p. 143 a 166, dez. 2013, na Seção de Doutrina Nacional, Porto Alegre. 36 Magalhães e Silva (O grau de vinculação dos prededentes à luz do STF) denominam de efeito vinculante em sentido formal o que chamamos de efeito vinculante em sentido próprio. 37 O atual art. 557 do CPC demonstra esse aumento dos poderes do Relator. Há, de fato, uma busca pela valorização das Súmulas e dos precedentes, superando unicamente a questão do requisito de admissibilidade dos recursos, sempre realizados pelos Magistrados competentes para receber o recurso. Ver: DINAMARCO, Cândido Rangel. O relator, a jurisprudência e os recursos. In: ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda; NERY JR., Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei n. 9.756/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 131. 38 O que era algo restrito aos Tribunais foi transferido para o primeiro grau. O §1º do art. 518 do CPC prescreve que “o Juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”. Trata-se de uma inserção infraconstitucional da chamada Súmula Impeditiva de Recurso, quando o próprio Juiz deixa de receber a apelação por entender que a decisão se encontra em conformidade com Súmula do STJ ou do STF. Esse mecanismo exige consonância da posição do Juiz com os precedentes das Cortes Superiores, especialmente os sumulados, sob pena de apenas prolongar a via recursal, transferindo a questão para o Agravo. 39 “Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. §1º Se o autor apelar, é facultado ao Juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. §2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso”. 34

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não ocorrência de reexame necessário40 — reforçam a obrigatoriedade da jurisprudência e ficam claros em superlativos41 como jurisprudência dominante e jurisprudência sumulada. Assim, fica claro que se agregou algo, além da velha força meramente persuasiva, em que o precedente era destinado apenas para convencer os órgãos judiciários.42 Isso permite falar em efeito vinculante em sentido fraco, estabelecendo uma relação do instrumento (mecanismo processual) que garante a obrigatoriedade de uma súmula, como a expansão da sua força em casos de recursos. Portanto, mesmo que não se crie uma obrigatoriedade, no sentido estrito do termo, este efeito vinculante (em sentido fraco) inibe divergência e a recalcitrância judicial, ultrapassando o caráter meramente dissuasório. Esse reforço, portanto, é que pode ser visto como uma das espécies de efeito vinculante, mas em seu sentido fraco. Para Mancuso,43 não é estranho que tenha o legislador reforçado o papel da jurisprudência, mas isso não deixou de disponibilizar recursos e incidentes para se unificar esta última. São recursos, na sua forma endógena, como os embargos infringentes e de divergência e, na sua forma exógena, como os recursos especial e extraordinário. Nas suas palavras,44 “o sistema reconhece a virtualidade do dissenso pretoriano, mas, por assim dizer, não se conforma com ele, e assim labora, seja para preveni-lo (caso do incidente de uniformização de jurisprudência — art. 476 do CPC), ou superá-lo, se já instaurado (caso dos embargos de divergência, no STF e STJ — CPC, art. 546)”.45 Por outro lado, o efeito vinculante em sentido forte ou próprio tem um reforço adicional de um instrumento especial: a reclamação, ação constitucional, prevista com finalidade de garantir a autoridade dos Tribunais Superiores e do STF (art. 102, I, “l”

Também o art. 475 do CPC, §3o, com redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001, DOU, 27 dez. 2001, dispensava o reexame necessário, quando a sentença estiver fundada em Jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula do Tribunal ou do Tribunal Superior competente. 41 A expressão está em MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula Vinculante e a EC n. 45/2004, p. 680. In: ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda (Coord.). Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 42 O Direito brasileiro vem mitigando a atividade do julgamento dos recursos pelo Colegiado. Os Relatores já possuíam poderes monocráticos no âmbito dos Tribunais; entretanto, recentemente, devido a razões especialmente de Economia Processual, em virtude da proliferação das demandas de massa, tais poderes para proferir decisões monocráticas foram aumentados. Lenio Luiz Streck sustentou que estes dispositivos que aumentam o poder do Relator apresentam uma espécie de efeito vinculante. Ver: STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do Efeito Vinculante. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 145-149. 43 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula Vinculante e a EC n. 45/2004, p. 680. In: ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda (Coord.). Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 44 Para ver tal concepção de gradação no Direito italiano e em perspectiva comparativa ver: MARINELLI, Vicenzo. Ermeneutica Giudiziaria: modelli e fondamenti. Milano: Giuffrè Editore, 1996. 45 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula Vinculante e a EC n. 45/2004, p. 680. In: ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda (Coord.). Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, 689. 40

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da CF). O efeito vinculante é um reforço que se dirige ao cumprimento — ou seja, que agrega à eficácia erga omnes —, porque obriga a aplicação do comando pelos Poderes Públicos. Nas palavras de Zavascki, “o efeito vinculante confere ao julgado uma força obrigatória qualificada, com a consequência processual de assegurar, em caso de recalcitrância dos destinatários, a utilização de um mecanismo executivo — a reclamação — para impor o seu cumprimento”.46 Dessa forma, estabelecido que também podemos empregar o efeito vinculante em sentido forte e fraco, vamos enfrentar a questão do motivo determinante no controle incidental.

4  A transcendência do motivo determinante e a busca do efeito vinculante em sentido próprio (forte) Para Gilmar Mendes e Ives Gandra Martins da Silva,47 o efeito vinculante pressupõe a ideia de que a vinculação abrange os motivos determinantes. Argumenta-se que a “limitação do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão tornaria de todo despiciendo esse instituto, uma vez que ele pouco acrescentaria aos institutos da coisa julgada e da força de lei”,48 e que esta concepção contribuiria para a “preservação e desenvolvimento da ordem constitucional”.49 O referencial para o seu modelo de efeito vinculante é a PEC nº 130/1992, apresentada pelo Deputado Roberto Campos em que se distinguia a eficácia geral (erga omnes) do efeito vinculante, buscando assegurar força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende gründe). Para Roberto Campos, a declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo “não obsta a sua reedição, ou seja, a repetição de seu conteúdo em outro diploma legal. Tanto a coisa julgada quanto a força de lei (eficácia erga omnes) não lograriam evitar esse fato”. No entanto, a adoção dos fundamentos determinantes (tragende gründe) obrigaria “o legislador a observar estritamente a interpretação que o Tribunal conferiu à Constituição”.50 Aponta-se ainda a possibilidade de utilizar esta proposta para o que ele chama de normas paralelas ou o que no STF já foi denominado de leis de idêntico teor,51 que ocorre quando se declara inconstitucional determinado ato normativo de um estado-­ membro e outro estado repete este ato.

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 53. 47 SILVA MARTINS; MENDES, loc.cit. Ver também: MENDES, 1999, op. cit. p. 435 et seq. 48 SILVA MARTINS; MENDES, 2009, op. cit., p. 600-601. 49 SILVA MARTINS; MENDES, 2009, op. cit., p. 600-601. 50 Exposição de motivos Vinculante da PEC nº 130/1992, apresentada pelo Deputado Roberto Campos. 51 RCL 4987 ajuizada pelo município de Petrolina-PE (). 46

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Há defensores desta tese do efeito vinculante, antevendo-se inicialmente que seria uma tese de fácil aceitação no STF,52 como se pode ver na Reclamação 1.987.53 A questão não foi apreciada ainda pelo plenário do STF,54 e quando se teve oportunidade, na Rcl nº 4219/SP, Rel. Min Joaquim Barbosa, 07.03.2007, devido a um pedido de vista e o falecimento posterior do reclamante, a reclamação não foi julgada por perda do objeto.55 Hoje se percebe que não há a aceitação pacífica da transcendência dos motivos determinantes pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade. Há decisões que salientam que não cabe o ajuizamento de reclamação alegando o descumprimento de uma decisão proferida pelo STF em ação direta de inconstitucionalidade, notadamente quanto aos seus motivos determinantes, quando a ato normativo do qual se está insurgindo na reclamação não foi o seu objeto.56 Há de fato óbices para aplicar o efeito vinculante no controle abstrato, como a da identificação do motivo determinante — até que ponto uma referida decisão pode servir de paradigma — e a questão relativa à publicidade dos motivos determinantes. A publicação da parte dispositiva permite produzir segurança jurídica,57 por ser de fácil conhecimento e de cumprir a presunção de conhecimento do direito e das decisões vinculantes. A previsibilidade jurídica se dá com a publicação da parte dispositiva e de que muitas vezes, em longos acórdãos, para cada ministro há um motivo determinante.58 Além disso, serão os julgadores dos novos casos que tem o dever de examinar a identidade de casos, bem como as distinções e superações que forem necessárias.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1462. 53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 1.987, Rel.. Min. Maurício Corrêa, 2004: “A questão fundamental é que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADI 1.662, como, essencialmente, está em confronto com os seus motivos determinantes. A propósito, reporto-me à recente decisão do Ministro Gilmar Mendes (RCL 2.126, DJ de 19.08.02), sendo relevante a consideração de importante corrente doutrinária, segundo a qual a ‘eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da Constituição devem ser observados por todos os Tribunais e autoridades nos casos futuros’, exegese que fortalece a contribuição do Tribunal para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional”. 54 PIÑEIRO, Eduardo Schenato. O controle de constitucionalidade: direito americano, alemão e brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2012. p. 210-211. 55 Também ver na doutrina a contrariedade, especialmente em NOVO, Karla Brito. Reflexões sobre a transcendência dos motivos determinantes nas decisões do STF. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 92, p. 40-52, nov. 2010. 56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Reclamação nº 11.479/Ceará. Rel. Min. Cármen Lúcia. 2013. 57 Lei nº 9.868/99: “Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão”. 58 SCHÄFER, Gilberto. Súmulas vinculantes: análise crítica da experiência do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 97. 52

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5  A aplicação do motivo determinante no controle incidental/difuso A aplicação da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso também encontra objeções, considerando a eficácia inicial inter partes e a necessidade de atuação do Senado Federal para eficácia erga omnes (art. 52, X da CF).59 No entanto, há a defesa de um caráter expansivo das decisões produzidas pelo STF defendido na doutrina que enxerga uma aproximação entre o controle difuso e o concentrado.60 Exemplo dessa expansão é o caso do Município de Mira Estrela,61 julgado pelo STF, que reduziu o número de vereadores. A decisão — em que pese ter sido declarada incidentalmente apenas a inconstitucionalidade da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela — irradiou seus efeitos a todos os municípios brasileiros de acordo com uma resolução do TSE.62 O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também tem enfrentando essa questão. Foram encontrados onze casos em que houve a aplicação da transcendência dos motivos determinantes,63 sendo que cinco (Apelação Cível nº 70034491779,64 Apelação Cível nº 70034130799,65 Apelação Cível nº 70030995799,66 Apelação

Para Gilmar Mendes, houve uma mutação constitucional do art. 50, X, da Constituição Federal, pois “não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa”. Assim, segundo ele, o Senado teria apenas o papel de dar publicidade a decisão do STF. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1252. 60 ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de; BARROS, Luciano José Pinheiro. O estreitamento da via difusa no controle de constitucionalidade e a comprovação da repercussão geral nos recursos extraordinários. In: XV CONGRESSO PREPARATÓRIO DO CONPENDI, 15., 2006, Anais eletrônicos. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2013. Curial, portanto, esclarecer que, na medida em que o Supremo Tribunal Federal concede efeitos transcendentes à decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma, em sede de controle difuso (via Recurso Extraordinário), naturalmente está-se diante de uma aproximação do modelo difuso ao modelo concentrado de controle de constitucionalidade, eis que os fundamentos daquela decisão, aparentemente utilizados apenas na fronteira do processo inter partes, passam a transcender o próprio processo, aplicando-se a outros casos, desenhando uma espécie de efeito geral (efeito típico de decisões oriundas de um controle concentrado). Ou, em outro enfoque, passa-se a admitir algo parecido com o chamado stare decisis do direito norte-americano, em que os precedentes, havidos em processos subjetivos, passam a ser de observância obrigatória para além das fronteiras do processo primitivo, aplicando-se de maneira geral. 61 Recurso Extraordinário nº 197.917/SP interposto pelo Ministério Público. 62 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 21.702. “Art. 1º Nas eleições municipais deste ano, a fixação do número de vereadores a eleger observará os critérios declarados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 197.917, conforme as tabelas anexas”. 63 Estes foram os casos disponíveis em consulta realizada no dia 27 de outubro de 2013, sendo digitado no campo de pesquisa “transcendência dos motivos determinantes”. 64 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70034491779. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2010. 65 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70034130799. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2010. 66 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70030995799. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2009. 59

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Cível nº 70029420171,67 Apelação Cível nº 7002773571168) tratam da questão referente a incidência do terço constitucional sobre os 45 dias de férias dos profissionais da área do magistério dos municípios, outros dois casos (Apelação Cível nº 70029412525,69 Agravo de Instrumento nº 7002786588070) referem-se a Lei Municipal que proíbe a abertura do comércio local do município aos domingos, e os últimos quatro casos (Agravo de Instrumento nº 70054149380,71 Apelação Cível nº 70053217576,72 Agravo de Instrumento nº 70050009752,73 Agravo de Instrumento nº 7004973935274) são referentes à Lei Municipal que determina o empacotamento pelo supermercado dos produtos comprados pelos clientes. Assim, em razão da repetição dos casos e considerando que os argumentos utilizados pelo relator para aplicar a transcendência dos motivos determinantes se repetem, será analisado apenas um caso de cada assunto. Em todos os casos se identifica a ocorrência da chamada “lei de idêntico teor” em que há repetição de ato normativo de idêntico conteúdo por outro ente federado. A primeira série de casos, representado pela decisão monocrática proferida nos autos do Recurso de Apelação nº 70027735711,75 refere-se ao pagamento do terço constitucional de férias somente sobre o período de 30 dias, apesar de proporcionar o período de 45 dias de férias, de acordo com a sua lei municipal (art. 108, inc. I, da Lei Municipal nº 1.363/91). O Relator, em julgamento monocrático, entendeu que não seria necessária a remessa ao órgão especial, em decorrência da declaração de

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70029420171. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2009. 68 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70027735711. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2008. 69 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70029412525. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2009. 70 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70027865880. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2009. 71 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70054149380. Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro. 2013. 72 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70053217576. Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro. 2013. 73 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70050009752. Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro. 2012. 74 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70049739352. Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro. 2012. 75 DECISÃO MONOCRÁTICA EM APELAÇÃO CÍVEL. MUNICÍPIO DE TAPES. PROFESSORA MUNICIPAL. TERÇO CONSTITUCIONAL. PERÍODO DE INCIDÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. SÚMULA VINCULANTE Nº 10 DO STF. Inconstitucionalidade do art. 115 da Lei Municipal nº 1.363/91 reconhecida em face da declaração do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade nº 70011465416, declarando a inconstitucionalidade de norma de idêntica natureza. Incidência da teoria da transcendência dos motivos determinantes, aplicando-se ao caso concreto a mesma ratio decidendi. Precedentes do STF (ADI nº 3345/DF, Rcl. 2986 nº MC/SE e Rcl. nº 2475). Vício de inconstitucionalidade do dispositivo que afronta o disposto nos arts. 29, IX da Constituição Estadual e 7º, XVII da Constituição Federal. Precedentes jurisprudenciais. Recurso de apelação a que se nega provimento. (Apelação Cível nº 70027735711, Tribunal de Justiça do RS, Terceira Câmara Cível, Rel. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. 22.12.2008). RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70027735711. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2008. 67

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inconstitucionalidade pelo referido órgão de uma lei de idêntico teor do estado do Rio Grande do Sul, no Incidente de Inconstitucionalidade nº 70011465416. Outro grupo de casos são as decisões proferidas nos autos dos Processos nº 7002941252576 e nº 70027865880, oriundas do mesmo processo de primeiro grau, um mandado de segurança impetrado contra o ato do Prefeito Municipal de São Valentim, que impossibilitava a empresa impetrante de abrir seu estabelecimento comercial nos domingos e feriados, impondo uma penalidade em função da Lei Municipal nº 2.227/2008. A impetrante argumentava que somente à União cabe legislar sobre o funcionamento do comércio, já havendo legislação específica da União para a aplicação neste caso concreto (Lei Federal nº 10.101/2000). No primeiro grau houve o indeferimento do pedido de antecipação de tutela, e inconformada, a parte impetrante apresentou agravo de instrumento, ocasião em que o Tribunal de Justiça reformou a decisão e concedeu a liminar postulada. Na sequência, foi proferida sentença, em que o juiz negou a segurança postulada. Interposto o recurso de apelação, a questão foi objeto de nova apreciação pelo TJRS. Tanto no agravo de instrumento, quanto na apelação, o relator entendeu que a matéria referente ao funcionamento de estabelecimento comerciais em domingos e feriados é de competência da União, razão pela qual reconheceu a inconstitucionalidade da lei municipal. Aqui mais uma vez vem à tona a questão da necessidade de submissão da análise incidental da inconstitucionalidade ao órgão especial. Nesse caso, o relator entendeu que não haveria a necessidade de remessa da questão incidental ao órgão especial, visto que já havia decisão deste reconhecendo a inconstitucionalidade de outra norma com idêntico conteúdo. Nos últimos quatros casos, a controvérsia gira em torno da constitucionalidade da Lei Municipal nº 11.130/2011, a qual “obriga hipermercados, supermercados e similares a realizar o acondicionamento e empacotamento das mercadorias compradas pelos seus clientes, ensejando a contratação de pessoal”.77

Desse modo, em última análise, por medida de racionalização da jurisdição, que evita levar ao conhecimento do Órgão Especial questões que já tenham sido por ele reiteradamente analisadas, tem-se admitido a autorização para reconhecer-se, de antemão, a eficácia irradiante de inconstitucionalidade, quando esta já tenha tido aplicação precedente de igual conteúdo. Segundo a doutrina moderna acerca da teoria da decisão, entende-se que a norma geral do caso concreto pode ser aplicada para os casos similares, muito embora as partes não sejam idênticas. Com isso não se está a ofender o art. 97 da CF e, tampouco, a Súmula Vinculante nº 10 do STF, em vista do art. 481, parágrafo único, do CPC, que autoriza o julgamento por órgão fracionário, quando já houver sido reconhecida a inconstitucionalidade da norma em decisão do órgão de cúpula. Aplicase, assim, a teoria da transcendência dos motivos determinantes, que confere eficácia irradiante à declaração de inconstitucionalidade, quando configurado os mesmo motivos a serem aplicados no caso em espécie. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70029412525. Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. 2009. 77 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70053217576. Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro. 2013. 76

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O relator entendeu que a lei municipal era inconstitucional. A necessidade de contratação de mais funcionários para realizar o empacotamento dos produtos comprados pelos clientes estaria ferindo os princípios da livre-iniciativa e livre concorrência (artigos 22, I, e 170 da CF). O reconhecimento da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo foi dispensado também pelo órgão fracionário, pois já havia decisões reconhecendo a inconstitucionalidade de normas de outros municípios com idêntico conteúdo, tanto do órgão especial do tribunal, bem como o plenário do STF. O relator decidiu a questão com fundamento nos motivos determinantes que levaram o órgão especial e o plenário do STF a reputar inconstitucional as normas com conteúdo igual a que estava em discussão. Sustentou a sua posição na força normativa e no princípio da supremacia da Constituição que, segundo o relator, “promove a abstrativização do controle difuso a partir da própria ratio decidendi do julgamento, irradiando-se o fundamento essencial que motivou o resultado do precedente para aplicação uniforme aos demais casos em controle difuso”.78 Diante desses casos, verifica-se que em todas as decisões a transcendência dos motivos determinantes foi aplicada para justificar a dispensa da formação do incidente de inconstitucionalidade, dando competência ao órgão fracionário declarar a inconstitucionalidade de lei municipal com base nos motivos determinantes das decisões do plenário do STF e do órgão especial do TJRS, que declarou a inconstitucionalidade de lei — com conteúdo idêntico — de outro município. Ainda, destas onze decisões oriundas do TJRS, em apenas uma houve a interposição de recurso extraordinário,79 o que permite que o STF analise a questão, na medida em que há o reconhecimento da repercussão geral. Esses exemplos permitem que seja justificada a assunção do motivo determinante através da racionalização do controle de constitucionalidade, prestigiando o princípio constitucional da razoável duração do processo80 que informa o valor de dar

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70049739352. Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro. 2012. 79 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recurso Extraordinário nº 70056010119. Rel. Des. Guinther Spoder. 2013. 80 A duração razoável do processo está prevista como direito fundamental no art. 5º, inc. LXXVIII da CF, conforme a redação da EC nº 45/2004: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Também está prevista no Pacto de San Jose da Costa Rica: “Artigo 8º Garantias judiciais. 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Artigo 25º Proteção judicial. 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”. 78

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uma resposta efetiva e útil de modo a atuar como legitimador da própria jurisdição e do papel do juiz, reconhecendo a face racional da economia processual.81 O princípio da economia processual objetiva também a racionalização técnica dos mecanismos processuais e da finalidade econômica de política judiciária. Ele pressupõe uma intervenção legislativa, mas também é um critério fundamental para o juiz, no exercício dos seus reforçados poderes de direção, formal e material, que tendem à concentração e aceleração do processo. Por isto, o juiz deve buscar a sua aplicação, em consonância com contexto das garantias constitucionais em que ele vem anunciado, e não esperar unicamente a sua conformação pelo legislador.82 A utilização do motivo determinante evita que o processo principal fique suspenso junto ao órgão fracionário aguardando a resolução da controvérsia constitucional pelo pleno ou órgão especial. Esse mecanismo, para dispensar a utilização do incidente de inconstitucionalidade, está dessa forma justificada principiologicamente, de modo que seja prestigiada a jurisprudência do plenário do próprio Tribunal ou do STF. No entanto, há que se fazer a adequação terminológica: não se trata de efeito vinculante em sentido próprio, mas em sentido mais fraco, aquele mesmo efeito vinculante que criou outras formas de dispensar o incidente de inconstitucionalidade, antes que a própria legislação o fizesse. Trata-se de prestigiar a economia processual, o devido processo legal, mas sempre tomando o cuidado de que seja devidamente avaliado o caso paradigma e que não se apresentem distinções ou superações a serem feitas no caso. Do ponto de vista procedimental, sempre que forem alegadas distinções relevantes pelas partes de modo a estabelecer uma exceção, estas devem ser levadas em conta pelo órgão fracionário e devidamente debatidas. Igualmente, se forem alegadas distinções relevantes em relação ao motivo determinante, a presunção deve, nesse caso, socorrer a dinâmica da regra da reserva do plenário de modo a não fragilizá-la. Um exemplo interessante que mostra a necessidade de verificar se estão presentes distinções é o da Súmula nº 646, que estabelece que “ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos

COMOGLIO. Luigi Paolo. Etica e tecnica del “giusto processo”. p. 89 e 90. “Ora, tale ‘principio’ di economia processuale (o di economia dei giudizzi) che viene unanimemente accolto e talora riconosciuto come espresione attuativa di un ‘interesse superiore della giustizia’, sembra oggi trovare, con la garanzia della ‘ragionevole durata’ (art. 111, secondo comma) un riscontro costituzionale diretto — nemmeno integralmente, però, se ci si sofferma sul riferimento testuale alla dimensione cronologica della ‘durata’ (ossia al fattore ‘tempo’ — soltanto in quello che la tradizione designa come significato collaterale, complementare e derivato, ma non anche quello primario, di natura tecnico-processuale. Ma questa sarebbe, io credo, una inferenza affrettata e superficiale, poiché pare agevole percepire — sia pure in ruoli formalmente invertiti, rispetto all’impostazione tradizionale — l’interazione e la combinazione necessaria fra i due significati (in perfetta armonia, d’altronde, com l’interpretazione giurisprudenziale del concetto di délai raisonnable, enunciato nell’art. 6, §1 della Convenzione europea...”. 82 Neste sentido, Maristela da Silva Alves. O tratamento processual do fato superveniente constitutivo, paper, 2012, p. 85. 81

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comerciais do mesmo ramo em determinada área”. Os precedentes que originaram este caso foram somente de farmácias e drogarias, “e o próprio STF reconhece a constitucionalidade dessa limitação quando se trata de postos de gasolina (RE nºs 204.187 e 235.736)”.83 O STF dispõe de outros instrumentos para evitar os inúmeros processos em que há discussão de questões constitucionais idênticas, como a repercussão geral no recurso extraordinário e a possibilidade de edição de súmula vinculante. Todavia, no âmbito dos demais Tribunais — especialmente de Justiça onde há seguidamente o questionamento de leis de vários municípios com idêntico conteúdo —, não há previsão de qualquer mecanismo que possa ser utilizado para ao menos reduzir o número de incidentes de inconstitucionalidade. A aplicação da transcendência dos motivos determinantes seria um instrumento pelo qual esses tribunais conseguiriam reduzir o número de processos encaminhados ao pleno ou órgão especial e conseguir maior celeridade processual nos casos em que há reiteradas discussões sobre questões constitucionais idênticas. Além disso, a possibilidade de utilização do recurso extraordinário, ou de Recla­ mação com base na Súmula Vinculante nº 10, permite controlar qualquer equívoco, por exemplo, na interpretação dos motivos determinantes da decisão.

Considerações finais O presente artigo procurou justificar a possibilidade de que o motivo determinante seja utilizado para dispensar a atuação do plenário, especialmente quando se trata das chamadas leis de idêntico teor. Trata-se de prestigiar a jurisprudência do pleno, racionalizar a atuação dos tribunais e, especialmente, de prestigiar a jurisprudência do próprio STF. Isso está em consonância com uma nova leitura do significado de efeito vinculante e da leitura do processo civil a partir da ótica dos direitos fundamentais em que avulta a duração razoável do processo. É preciso não descurar a importância do controle exercido pelo próprio STF sobre esta possibilidade de atuação e, por isto, é importante que não se fale em efeito vinculante em sentido próprio, aproximando a possibilidade do motivo determinante das hipóteses de dispensa do incidente de inconstitucionalidade já presentes no parágrafo único do art. 480. Há uma importância técnica em diferenciar as várias faces do efeito vinculante, de modo que não se fique refém da linguagem incidindo no erro de pensar a questão do motivo determinante unicamente a partir do conceito de efeito vinculante próprio ou formal. MAUÉS, Antonio Moreira; MAGALHÃES, Breno Baía. Direito à igualdade e transcendência dos fundamentos determinantes. Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo/SP, nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009, p. 5720.

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Sinala-se que não se está a defender que a aplicação da teoria venha a conferir efeito vinculante aos motivos determinantes das decisões proferidas pelo STF em controle concentrado em que a reclamação acabe por se transformar em sucedâneo da ADI, mas sim, a possibilidade de a transcendência dos motivos determinantes ser utilizada como exceção a cláusula de reserva do plenário. Dessa forma, não poderia, por exemplo, haver o ajuizamento de reclamação junto ao STF caso o órgão fracionário julgasse em desacordo com os motivos determinantes da decisão do STF, constitui-se faculdade do relator do processo no órgão fracionário decidir pela submissão ou não da questão ao pleno ou órgão fracionário ou decidir com base nos motivos determinantes de decisões proferidas pelo STF ou pelo próprio tribunal.

Abstract: This paper explain the call of transcendence motives for the diffuse/incidental control of unconstitutionality. At first, the diffuse model lies within the Brazilian legal system so that they understood their constitutional and procedural requirements, especially the rule of reservation of the plenary — full bench — (Article 97 of the Constitution) and the formation of Incident unconstitutional. Then discusses the meanings of the subject and determining the allocation of binding the decisive ground effect, giving new meaning to the binding effect as the varying degrees of obligation assumes that the binding effect in law. Finally, will justify the possibility that even without giving binding effect in the strict sense, the decisive reason dispense the formation of the incident unconstitutional footstool with rationalize the system in line with the reasonable duration of the process. Key words: The incident of unconstitutionality. Ratio decidendi. Full bench. Binding effects.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): SCHÄFER, Gilberto; RIOS, Roger Raupp; SILVA, Aline Araújo Curtinaz da. A transcendência dos motivos determinantes no controle incidental de constitucionalidade. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 8, n. 29, p. 263-282, maio/ago. 2014.

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