A producao habitacional do PAC UAP no Rio de Janeiro: Um estudo de caso sobre a experiencia do Complexo do Alemão

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A produção habitacional do PAC-UAP no Rio de Janeiro Um estudo de caso sobre a experiência do Complexo do Alemão RESUMO O artigo analisa a evolução da produção habitacional nos primeiros projetos selecionados pelo Programa de Aceleração do Crescimento - Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP) no Rio de Janeiro, com foco particular no Complexo do Alemão. Propõe-se uma análise dos projetos desenvolvidos no âmbito do projeto de urbanização do assentamento, avaliando-se a evolução das soluções apresentadas em diferentes momentos, desde os Projetos de Desenvolvimento Urbanístico (PDU) elaborados ainda no âmbito do Programa Favela-Bairro, até às soluções adotadas no PAC-UAP e posteriormente no Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Esta pesquisa foi realizada através de uma análise exploratória dos documentos referentes aos projetos e informações recolhidas em campo a partir de entrevistas com projetistas e gestores públicos. A análise permitiu identificar as alterações que foram sendo realizadas nos projetos, buscando compreender os fatores que determinaram a evolução dos tipos adotados. A avaliação empreendida mostrou como uma estratégia inicial de implantações dispersas no interior do assentamento e de tipologias desenvolvidas e adaptadas ao local modificou-se para uma concentração em núcleos habitacionais na periferia do assentamento e projetos padronizados. Com base nesta análise discute-se a política habitacional e o papel/relações dos agentes envolvidos, a saber Estado, Construtoras, e Projetistas. 1. CONTEXTUALIZANDO A ANÁLISE: Política para assentamentos precários no Brasil e no Rio de Janeiro A favela surge no Rio de Janeiro no final do século XIX, permanecendo “invisível” (VALLADARES, 2005) para os poderes públicos durante algumas décadas, sendo finalmente descoberta na década de 1930, quando aparecem as primeiras medidas oficiais para o enfrentamento desse “problema”. Ao longo do tempo, as políticas públicas, tanto no Rio de Janeiro quanto em outras cidades brasileiras, vão adotando diversos enfoques, que vão desde a erradicação até o reconhecimento, passando pela “tolerância” e pela manipulação eleitoral da “permissão para ocupar” e da política da “bica d’água” (LEEDS & LEEDS, 1978; MEDINA, 1964). Na metrópole do Rio de Janeiro, o momento mais dramático nessa história foi certamente a política de remoções, desenvolvida em duas etapas: a primeira (1962-1965) sob a orientação do Governo do Estado da Guanabara e a segunda já sob a égide do governo federal, através da ação da CHISAM (Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana), órgão do Banco Nacional de Habitação (BNH) voltado para a erradicação das favelas através da remoção para conjuntos habitacionais situados em áreas periféricas da cidade (BURGOS, 2004) 1.

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Cabe ressaltar que ainda durante o período em qua a CHISAM atuava no Rio de janeiro, outro órgão governamental, ligado ao governo do Estado, a CODESCO (Companhia de Desenvolvimento de Comunidades) desenvolvia a urbanização de 3 favelas, o que mostra a ambiguidade que acompanha a postura do estado em relação ás favelas.

Todavia, já no final do período, o BNH iria interromper a política de remoção e iniciar um programa de urbanização e de regularização fundiária, o PROMORAR. Com a extinção do Banco, em 1986, o período subsequente mostrará uma progressiva perda de centralidade da política habitacional na agenda do governo federal, cabendo nesse momento aos governos locais a responsabilidade pelo desenvolvimento de ações que, em linhas gerais caminharão no sentido do reconhecimento dos direitos de permanência das populações de favelas, direito reconhecido e legitimado pela Constituição de 1988 através do princípio da função social da propriedade. A partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades e da Secretaria Nacional de Habitação, começa estruturar-se uma nova política habitacional, cujo primeiro ciclo vai até 2007, com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Após um período inicial de organização do Ministério e de discussões amplas envolvendo atores diversos (movimentos sociais, empresários, representantes do setor público e especialistas) foram produzidos documentos básicos para cada setor, publicados após discussão e aprovação no Conselho das Cidades: os “Cadernos MCidades”2. O volume 4 apresentava a política de habitação que pressupunha três elementos fundamentais: ampliar significativamente a produção de unidades novas, promover a urbanização das favelas e outros assentamentos precários e criar condições para o desenvolvimento institucional, principalmente do setor público, criando condições mais adequadas para a participação dos atores responsáveis pela sua implementação. Essas prioridades se mostram claramente na definição dos objetivos da Política Nacional de Habitação (PNH): - universalizar o acesso à moradia digna em um prazo a ser definido no Plano Nacional de Habitação, levando-se em conta a disponibilidade de recursos existentes no sistema, a capacidade operacional do setor produtivo e da construção, e dos agentes envolvidos na sua implementação; - promover a urbanização, regularização e inserção dos assentamentos precários à cidade; (Cadernos MCidades, vol 4, p. 31) Entre os componentes da Política Nacional de Habitação, são citados: a integração urbana de assentamentos precários, ações de desenvolvimento institucional e produção de habitação.

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Os Cadernos não estão mais disponíveis no site do Ministério das Cidades, mas podem ser ainda encontrados em https://erminiamaricato.net/cadernos-mcidades.

2. COMPONENTES DA POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO 2.1. Integração urbana de assentamentos precários A necessidade de construção de uma política habitacional com foco na integração urbana de assentamentos precários, especialmente na garantia do acesso ao saneamento básico, à regularização fundiária e à moradia adequada, articulada a outras políticas sociais e de desenvolvimento econômico, é essencial na implementação de qualquer estratégia de combate à pobreza e perspectiva de sustentabilidade urbana. (Cadernos MCidades, vol 4, p. 36) A adoção explícita de um programa de urbanização de favelas no âmbito do governo federal se configura como a consolidação das experiências desenvolvidas pelas administrações municipais de um conjunto de cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Santo André, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, entre outras. Além disso, a experiência do Programa Habitar-Brasil-BID, desenvolvido pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, ainda no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, irá estabelecer alguns elementos básicos do modelo que será adotado pelo Ministério das Cidades, particularmente no que diz respeito à articulação com ações de Desenvolvimento Institucional e com a introdução mais forte do Trabalho Social. A partir de 2005, será progressivamente adotada uma política de apoio a ações de urbanização de assentamentos precários, desenvolvidos sob a responsabilidade dos governos locais, principalmente dos municípios. Esse programa se consolida com a aprovação pelo Congresso da lei de criação do SNHIS (Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social) e do FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social). Os objetivos gerais da Política Nacional de Habitação se configuram no FNHIS na forma de 3 Programas: Urbanização de Assentamentos Precários, Produção de Unidades Novas e Desenvolvimento institucional (apoio a realização de Planos Locais de habitação de Interesse Social, etc.). Em 2006 foi aprovado um novo programa – Ação de produção Social da Moradia, que permitia aos movimentos sociais acessarem diretamente os recursos para produção de unidades em regime de autogestão. Com isso, ampliou-se a demanda pela modalidade de produção de unidades novas. O SNHIS contou com recursos na ordem de R$ 1 bilhão por ano, totalizando cerca de R$ 3,6 bilhões entre 2006 e 2008. Os resultados dos investimentos realizados no âmbito do FNHIS podem ser vistos no quadro abaixo3.

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Dados do Balanço do FNHIS, elaborado pela Secretaria Nacional de Habitação e apresentados na 13ª. Reunião Ordinária do Conselho gestor do FNHIS, em 16/10/2009.

FNHIS - Distribuição dos recursos por porte dos municípios (2006-2008) Faixa Populacional Menor que 20.000 Hab

Entre 20.000 e 150.000 Hab

Entre 150.000 e 500.000 Hab

Maior que 500.000 Hab

BRASIL

Modalidade

Quant.

Total HIS UAP Total HIS UAP Total HIS UAP Total HIS UAP Total HIS UAP

1.086 1.058 28 1.694 1.512 182 457 325 132 261 188 73 3.498 3.083 415

VI (R$) 264.364.684,13 235.094.806,80 29.269.877,33 1.388.228.556,37 586.084.187,96 802.144.368,41 1.073.867.492,79 163.509.058,38 910.358.434,41 832.967.998,63 237.072.974,86 595.895.023,77 3.559.428.731,92 1.221.761.028,00 2.337.667.703,92

Fonte: Ministério das Cidades – Secretaria Nacional de Habitação Em 2007, o governo federal lança o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como uma das estratégias para alavancar o crescimento, a partir de um pacote de investimentos em infraestrutura. No âmbito do PAC, é incluído um grande programa de urbanização de assentamentos precários, que realizou, na primeira etapa (PAC-1), um investimento de R$ 20,8 bilhões para a urbanização de 3.113 assentamentos precários em todo o país. Relançado em 2012, o PAC 2 irá contratar 415 novas ações em assentamentos precários, que totalizam investimentos de R$ 12,7 bilhões, em 337 municípios de 26 estados. O grande aumento de recursos aplicados na urbanização de favelas torna evidente a centralidade que a política de habitação passará a ter a partir de 2007 Se, por um lado, isso representou de fato uma mudança tratamento do problema das favelas, ao mesmo tempo a intervenção em favelas foi inserida em um procedimento administrativo que não previa a participação popular e o controle social4. Todo o processo decisório de alocação de recursos e aprovação de projetos passa a ser feito pela equipe da SNH e pela Caixa Econômica, gestora financeira dos empreendimentos contratados. Como já foi referido, o Rio de Janeiro tem a favela como uma das marcas de sua história. Da mesma forma, as políticas federais para as favelas tenderam a se concentrar no Rio, seja pela anterior condição de capital do país, seja pela maior “representatividade” do fenômeno nessa metrópole, seja ainda pelo fato de o Rio ser de alguma forma a “caixa de ressonância” da nação. Mas também os governos locais buscaram de alguma forma atuar sobre as favelas, alternando, de forma ambígua, atitudes de repressão ou de tolerância e, algumas vezes, programas de melhoramentos, como foi o caso do período do SERFHA (Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas) entre 1956 e 1960.

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Conforme Balanço do PAC-2, disponível em http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/divulgacao-dobalanco/balancos-anteriores, consultado em 25/07/2016.

Na década de 1980, após a brutal experiência de remoção massiva de favelas empreendidas pelo governo Militar, e já no contexto da redemocratização, novos programas de urbanização começam a tomar corpo na cidade. Foi marcante, nesse sentido, a experiência da CEHAB no Governo Brizola (1983-1987) que estabeleceu os princípios básicos de intervenção, buscando respeitar os limites e a implantação urbanística do assentamento, criando vias de acesso e de circulação interna, permitindo assim a passagem de veículos e ainda estabelecendo melhorias significativas de infraestrutura e de equipamentos sociais. Em 1993, tendo a urbanização de favelas sido reconhecida tanto na Lei orgânica quanto no Plano Diretor da Cidade (NUNES, 2012), a prefeitura cria o programa Favela Bairro, que irá contar com recursos do BID e que se manterá ao longo dos anos e governos que se seguem, até 2010, quando a prefeitura lança um novo programa – o Morar Carioca. O Favela Bairro tinha como objetivos a integração das áreas de Favela à cidade formal, com implantação de serviços básicos, infraestrutura regularização de acessos viários e regularização fundiária. (MENDES, I 2006). Foram realizadas intervenções no total de 147 Favelas. O programa foi considerado bem-sucedido, tendo sido “exportado” para outras cidades, do Brasil e do exterior. Pode-se considerar que o projeto Habitar-Brasil/BID foi um desdobramento do Favela Bairro, já que o BID buscou ampliar a experiência, dandolhe uma dimensão mais nacional. Originalmente esse programa era voltado para favelas de porte médio e a partir dessa experiência inicial a prefeitura desenvolveu dois subprogramas, o “Bairrinho”, dirigido para pequenas favelas e o “Grandes Favelas” (Cardoso; Araújo; Coelho, 2007) cujo principal projeto foi desenvolvido para a favela de Rio das Pedras, na região da Barra da Tijuca. Baseada nesta experiência, a prefeitura desenvolveu uma nova abordagem para grandes favelas: os Planos de Desenvolvimento Urbanístico (PDU). "(...) depois disso de Rio das Pedras levou a uma consciência maior de se criar um plano de desenvolvimento urbano, um PDU, que foi feito para o Alemão como para Manguinhos. Que era um Plano macro, não era algo imediatista, era um plano de gestão pública de 4 em 4 anos (...)"Entrevista 2 Na década de 2000 o Governo do Estado, começa interessar-se pela urbanização de favelas, principalmente quando Luis Paulo Conde assume como Vice-Governador e Secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente no governo de Rosinha Garotinho (2003-2006), realizando, junto com o Instituto de Arquitetos do Brasil o concurso de ideias para o projeto de urbanização da favela da Rocinha. A prefeitura publica o PDU do Complexo do Alemão em Diário Oficial em 20 de dezembro de 2006, um mês antes do anuncio do PAC. Conforme o preâmbulo que consta no decreto, o Plano não era um plano de intervenção imediato, era um "(Y) instrumento legal na configuração espacial e sócio-econômica da área, através do controle do uso do solo, do volume das edificações e da densidade populacional". (DECRETO Nº 27470/06 Quando é lançado o PAC, portanto, já havia alguns estudos em desenvolvimento, no âmbito da prefeitura ou do governo do Estado, que permitiram que o Rio de Janeiro pudesse receber uma parcela significativa dos novos recursos.

Cabe ainda ressaltar a importância de um aspecto dos projetos de urbanização de favelas que será focalizado nesse texto: a produção de unidades. Embora os programas de urbanização de assentamentos precários sejam tradicionalmente geridos pelos órgãos de habitação dos governos, a intervenção se configura fundamentalmente, mais como uma ação de provisão de infraestrutura do que efetivamente de habitação, em sentido estrito. Trata-se de realizar obras referentes a sistema viário, contenção de encostas, drenagem, e instalação de redes de saneamento e eletricidade, além da construção de equipamentos de uso coletivo5. No entanto, para realizar essas obras é sempre necessário o “desadensamento”, ou seja, a remoção de uma parte das habitações, e o reassentamento de parte da população, para viabilizar a abertura do viário e a instalação das infraestruturas. Além disso, muitas vezes é também necessária a retirada de população que mora em áreas consideradas de risco (por exemplo áreas sujeitas a derrocadas). Desta forma, um projeto que tem como principal referência a realização de obras de infraestrutura acaba também implicando a construção de novas unidades para abrigar essas populações (DENALDI, 2003). No caso do Favela Bairro, a Prefeitura combinou ações de produção de novas unidades com as indenizações, que deveriam permitir às famílias buscar moradias no mercado, em outros assentamentos, ou no próprio se fosse viável. O número de moradias a serem construídas para abrigar a população a ser reassentada é frequentemente objeto de disputas. No caso do Favela Bairro, o BID estabelecia um limite máximo, o que era contestado pelos técnicos da Prefeitura. De qualquer forma, é consenso entre os técnicos do setor de que será necessário um certo grau de reassentamentos, dependendo das condições locais e do projeto final. Existe ainda alguma compreensão de que esses reassentamentos devem ser feitos preferencialmente em áreas situadas no interior das favelas ou em sua periferia imediata. Esse é um tema importante, pois, como veremos adiante no caso da urbanização do Complexo do Alemão haverá uma permanente tensão em relação aos projetos para as novas unidades habitacionais que viabilizariam o desadensamento. A 28 de Novembro de 2007 o decreto nº 6.276 aprova o primeiro repasse de recursos para projetos de urbanização de assentamentos precários. Na cidade do Rio de Janeiro são cinco os projetos aprovados: Complexo do Cantagalo/Pavão/Pavãozinho, Complexo de Manguinhos, Complexo do Alemão, Rocinha e Colônia Juliano Moreira. Exceto a Colônia Juliano Moreira, onde o agente promotor foi a Prefeitura, em todos os outros foi o Governo do Estado o responsável pelo projeto e pela obra. Embora, a gestão 2003-2006 já houvesse se interessado pelo assunto, o Governo do estado não dispunha de uma estrutura técnica e institucional nem de experiência acumulada no campo da urbanização de favelas, diferentemente do que ocorria com a Prefeitura do Rio.

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Cabe ressaltar que algumas experiências no Brasil aliaram programas de urbanização com ações de melhoramentos habitacionais, o que configura uma atuação mais abrangente. Não foi o caso do Favela Bairro, já que a Prefeitura considerava que os melhoramentos ocorreriam como fruto dos investimentos privados dos próprios moradores, não cabendo á Prefeitura qualquer atuação nesse setor.

Fig 1 - Localização das Intervenções PAC-UAP no Município do Rio de Janeiro:

"Eu acho que a escolha de ser usado em Favelas foi uma oportunidade, que o PAC criou não vejo como não ser uma oportunidade política muito boa. Se você pensar que tem ali 80 mil pessoas e pensar que você tem 30 a 40 mil votos só focadas ali, é uma oportunidade política. Eu acho que a escolha foi em função do PDU, já tinha um trabalho direcionado, tanto que o PAC, entrou nessas duas áreas, falo dessas duas áreas, porque a Rocinha veio depois, logo depois, meio a reboque" Entrevista 1 "Bem, o Rio tinha uma experiência o Favela Bairro, um programa exitoso que correu mundo a fora, ou seja havia já um produzido, um elemento de referencia , um solo adubado do qual partir, então evidentemente quando surge o PAC como possibilidade de investimento muito maior dentro da urbanização de Favelas, tanto que se chama, PAC -UAP PAC- Urbanização de Assentamentos Precários, então , quando surge o Programa para Alemão e Manguinhos já tinha a componente urbanistica não era só a habitação." Entrevista 2 Outro fator apontado para a inclusão da urbanização de Favelas ser incluída no PAC é o interesse do setor da construção civil em obras inéditas e de grande escala. Ao optar por grandes intervenções sem precedentes seria possível ter maior controle no preço final das obras, uma vez que não haveria a possibilidade de comparação de preços. "Eu acho que as empresas, quando se falou em obras grandes, existiam poucas obras com esses valores, e as empresas como era uma coisa inédita diferente, tinham muitos itens novos, eles acharam que iam ter um conforto muito grande." Fonte: Entrevista 3

A opção pelo Governo do Estado em detrimento da Prefeitura - que possuía corpo técnico e mais informações sobre assentamentos precários - decorre do cenário pós-eleitoral de 2006. A prefeitura em 2007 tinha como prefeito César Maia que era oposição ao executivo Federal e Estadual. O PAC se apoiava em uma estrutura institucional conforme o quadro abaixo:6

Fig 2 Estrutura institucional do programa - Elaboração própria a partir de TRINDADE, Claudia 2012

No caso do Complexo do Alemão, o escritório MPU - Metrópolis Projetos Urbanos - foi contratado por concorrência pelo Governo do Estado para desenvolver o projeto básico7.O vencedor da licitação de obra foi um consórcio de grandes empresas da construção civil denominado Consórcio Rio Melhor (Consórcio), na qual se incluem as construtoras Norberto Odebrecht (Líder), Construtora OAS e Delta Construções 8. Cabe ressaltar que uma vez licitada a empresa construtora, cabe a esta a responsabilidade pelo desenvolvimento do projeto executivo, a partir do projeto básico desenvolvido pelas empresas de projeto, sob a gerência do órgão estadual. É nesse momento – do projeto executivo- que decisões cruciais são tomadas, particularmente no caso da urbanização de favelas, em que o nível de imponderável na execução tende a ser bastante maior do que no caso de projetos de obras novas ou mesmo em áreas mais consolidadas da cidade.

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Para maior detalhe sobre a estrutura do PAC-UAP ver TRINDADE, Claudia 2012 "Não se faz omelete sem quebrar os ovos" Política Pública e Participação Social no PAC Manguinhos - Rio de Janeiro Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História 7 http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/200/nova-morada-191210-1.aspx 8 https://www.crea-rj.org.br/blog/construtoras-retomam-as-obras-do-pac-no-complexo-do-alem%C3%A3o/

3. O CASO DO COMPLEXO DO ALEMÃO 3.1. Território e Projetos PAC-UAP - Breve contextualização Não sendo o objetivo do artigo uma caracterização exaustiva do território faz-se necessário uma resumida descrição contextual.9 O Complexo do Alemão é um bairro situado na zona norte do Rio de Janeiro e oficializado como bairro pelo município em 1993, no entanto é comumente caracterizado como um conjunto de favelas.

Fig 3 - Localização do Complexo do Alemão e divisão territorial - Elaboração própria a partir de IPP e Projeto Básico

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Para uma caracterização mais completa consultar entre outros: RODRIGUES. R.I.& COUTO, P.B.,Rute Imanishi "A gramática da moradia no Complexo do Alemão: história, documentos e narrativas." IPEAFAPERJ; "Vida social e política nas favelas : pesquisas de campo no Complexo do Alemão / Rute Imanishi Rodrigues (org) IPEA, 2016; SILVA, Heitor "Política e estruturação do território: PAC e UPPs no Complexo do Alemão" Tese de doutorado IPPUR-UFRJ 2015

A identificação "Complexo do Alemão" é recente coexistindo com outras identificações não reconhecidas pelo poder público. O bairro enquanto região administrativa abrange uma área de 296 hectares e segundo censo do IBGE de 2010 contava com uma população de 60.583 habitantes. No entanto, o Censo Favela (Março 2010) feito pela EGP (Escritório de Gerenciamento de Projetos do Governo do Estado) apontava para uma estimativa superior de 89.912 habitantes. O bairro tem como limites a Serra da Misericórdia a Noroeste, Bairros de Olaria e Ramos a Norte e Nordeste, Bonsucesso a leste e Inhaúma a Sul/Sudeste. (RODRIGUES. R.I.& COUTO, P.B. 2013) Por volta dos anos 20 do séc.XX predominava o casario disperso entre usos agrícola e uma estrutura fundiária de grandes propriedades. A partir dos anos 30 começam a instalar-se na região diversas indústrias (Curtume Carioca, Coca-Cola, Fábrica de Papel Tannuri, Tecidos Esperança). A abertura da Av.Brasil reforçou a concentração de indústria e nos anos 80´s a região era considerada o principal pólo industrial do Rio de Janeiro. O setor fabril atraiu mão de obra sendo um fator determinante para o crescimento populacional do território, que, com o consentimento e/ou inação por parte do Estado, foi gerando o atual complexo de favelas. (PDS - Complexo do Alemão) (SILVA,H 2016). A ocupação e adensamento vão sendo graduais ao longo do tempo, primeiro com a venda de lotes para habitação e ocupações de lotes, posteriormente vendidos para Associações de Moradores. Também se registram invasões coletivas e ocupações consentidas em terras públicas através do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários que havia comprado terrenos na região. Outra lógica de acesso é via trabalho através de loteamentos organizados pelas indústrias locais. Ao longo da década de 80 e 90 o rearranjo produtivo decorrente da globalização e a crise socioeconômica brasileira resultaram num processo de desindustrialização da região. Estima-se que se tenham perdido cerca de 20.000 postos de trabalho na região. A crise econômica, a omissão por parte do Estado e o fortalecimento do poder paralelo dos narcotraficantes que disputam o domínio pelo território, retroalimentam-se. O Complexo do Alemão é midiatizado como símbolo da violência carioca, cenário que se agrava progressivamente culminado na ocupação militar do território (também ela fortemente midiatizada) e instalação da UPP(Unidade Policia Pacificadora). 3.1.2. Resumo das intervenções do PAC-UAP Embora a Prefeitura também tenha atuado no âmbito do PAC, o foco desta análise são as intervenções a cargo do Governo do Estado. O resumo aqui apresentado pretende apenas contextualizar a produção habitacional no programa, não sendo objetivo avaliar aqui as componentes de participação da população, trabalho social entre outras dimensões.10 O repasse do Governo Federal é realizado em Novembro de 2007, (Decreto

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Para maior detalhe sobre a avaliação do PAC Complexo do Alemão consultar_ Vida Social e Política nas Favelas pesquisas de campo no Complexo do Alemão RODRIGUES, Rute (org) et all IPEA 2016; e Política e estruturação do território: PAC e UPPs no Complexo do Alemão SILVA, Heitor (Tese) IPPUR/UFRJ 2015

nº 6.276) e as obras começam um ano depois em Novembro de 2008. Para uma periodização da implementação do programa são de referir os seguintes momentos: as eleições municipais de Outubro de 2008 que alteram a relação com a prefeitura passando esta a estar alinhada politicamente com o Governo Estadual e Federal. Este fator será importante no decorrer do projeto, sobretudo na articulação com a Secretaria de Urbanismo responsável pelas aprovações de projetos. Outro evento importante serão as chuvas de 5 e 6 de Abril de 2010 que resultam em deslizamentos de terra, destruição de casas e famílias desabrigadas. "As chuvas ressignificaram a questão da moradia no programa e na arena política. As unidades habitacionais, ao mesmo tempo que se tornaram moeda de troca, materializaram o direito à moradia. Sujeitos até então esquecidos tornar-se-iam peças fundamentais no jogo da política eleitoral." (OLIVEIRA,Bruno 2016) Cabe referir o calendário eleitoral, uma vez que o PAC-UAP se encaixa precisamente entre as eleições de 2006 e 2010, o que resultou numa pressão para o projeto possibilitar inaugurações e articulações do tipo clientelista. Estas articulações "promoveram um gestor territorial a vereador e reelegeram o governador" (OLIVEIRA,Bruno 2016). Esta contextualização ilustra o caráter de urgência com que os projetos passaram à fase de obra o que leva os envolvidos a caracterizarem o PAC como "rolo compressor". "É inegável. Tem que inaugurar, tem eleição chegando, eleição no Estado, eleição Federal, não só municipal. Às vezes eleições de algumas associações. Alguns foram se reelegeram, nesse processo todo. (...) A questão desse planejamento que não houve, é que alguns projetos tiveram que ser em maioria junto com a obra. E ai é inegável que vai ter o rolo compressor." Fonte: Entrevista 1 A intervenção tinha como objetivo "Planejar e implementar de forma integrada as políticas públicas, executar obras de urbanização e desenvolver social e economicamente as áreas consideradas socialmente de risco " descrevendo dez eixos de atuação: acessibilidade, mobilidade, habitação, saneamento, educação, cultura, esporte, lazer, geração de empregos e meio ambiente. 11. Cabe ressaltar que o investimento não se restringe a obras. Do total de investimentos de R$764 milhões anunciados cerca de 13%, (R$101.721) correspondem a Trabalho Social (2.32%), Projetos (1,33%), Regularização Fundiária (0.98%), Alojamento Provisório (0.15%) e ainda duas parcelas significativas de Assistência Técnica ( 2.42%) e Serviços Preliminares (6.11%).

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O resumo aqui descrito baseou-se em informações do Governo do Estado do Rio de Janeiro._Noticia "Estado inaugura novas unidades habitacionais no complexo do alemão" Disponível em http://www.rj.gov.br acessado em 27/07/2016, na apresentação inicial do PAC disponível em < http://www.chs.ubc.ca/consortia/events/E-20080916/GovernoRJ-Complexo_do_Alemao.pdf> Acesso: Julho de 2016 e nos mapas do PDU e Projeto Básico disponíveis em http://www.jauregui.arq.br/favelas_alemao.html

Contrução de Unidades de Relocação Compra Assitida

O Teleférico corresponde a um terço 8% do total do investimento. Além do custo 4% 13% desta parcela isolada teríamos que Teleférico 8% associar recursos de Infraestrutura Infraestrutura urbanística 3% Urbanística, bem como de demolições 3% Indenizações 33% e indenizações à construção do teleférico uma vez que parte da 28% Equipamentos Sociais abertura de vias, e consequentes Demolições remoções de casas existentes, se Ações não Físicas relacionam com a necessidade de Fig 4 - Divisão do investimento por ações Elaboração própria a acesso aos pilares do teleférico. O partir de dados do Governo do Estado "Teleférico" não constava no PDU que propunha "uma rede estrutural de sistema viário", um sistema de vias pedestres e ciclovias, complementada por "um sistema de ônibus articulando as centralidades, conectando o Complexo também ao metrô" (Decretonº27471/2006). O Teleférico tem como referencia a experiência colombiana de Bogotá e Medellín, sendo legitimado tanto pelos projetistas como pelos responsáveis políticos pelo caráter simbólico e "re-significador" do lugar. (IPEA 2010) Na fase de Projeto Básico os equipamentos sociais, embora mais concentrados do que o previsto no PDU estavam ainda assim dispersos no território (ver Fig5). Os depoimentos recolhidos relatam que após licitação da obra, o projeto básico foi sendo alterado por solicitação do Consórcio quando os projetistas já não estavam contratualmente vinculados ao Governo do Estado, mas subordinados ao Consórcio. "(Y)a verificação desses custos começaram a inviabilizar todos esses projetos. Então um artifício levado ao governo do Estado pelo executor era levar esses equipamentos para dentro das estações, então você hoje olha o resultado final da intervenção do Alemão no território, nós temos o teleférico, é muito marcante, a abertura das vias, não só ao teleférico, mas aos pilares, e os equipamentos ficaram nem digo fragmentados, eles ficaram rarefeitos(Y)"Fonte: Entrevista 1 Pesquisas feitas no território mostram uma crítica à precariedade de execução de obras, entre elas a infraestrutura e sistema viário inacabados, demolições incompletas que possibilitaram reocupações, falta de participação real da população no projeto com consequente defasamento entre as demandas da população e as intervenções, bem como uma desarticulação e caráter clientelista/eleitoralista da atuação do poder público. (SILVA, Heitor 2015) (MESQUITA, Wania 2014) (OLIVEIRA,Bruno 2016). A opção por uma obra "emblemática" funcionou com um concentrador de recursos que maximizou a visibilidade da intervenção em detrimento das transformações sócio-urbanisticas que almejava o programa. Em pesquisa realizada a moradores, 74% afirmaram que os recursos poderiam ter sido usados noutras áreas apontando educação, saneamento básico e saúde como principais carências. (SANTOS, Lidia 2014)

Fig 5 - Intervenções do PAC-UAP no Complexo do Alemão - Elaboração própria a partir do Projeto Básico e Projetos Legais de Arquitetura e Urbanismo

3.2. Inserção - Da distribuição equitativa à concentração espacial A inserção urbana que consta do PDU previa áreas de adensamento habitacional distribuídas no interior do território. Estas áreas deveriam estar articuladas com a implantação de equipamentos reforçando ou formando centralidades no território. "Art. 8.o Em cada uma das áreas populacionais e espaciais dos Setores Urbanos – SU, estão previstas áreas para instalação dos Centros Setoriais – CS, (Y)" "Art. 9.o Na periferia imediata destes Centros Setoriais – CS, serão associadas áreas de adensamento contendo diversas tipologias habitacionais novas, com a finalidade de permitir o re-assentamento dos usuários deslocados pelas necessidades espaciais de locação dos Centros Setoriais e das áreas necessárias a passagem de vias componentes do novo sistema viário" (Decreto Nº 27470/06) A Fig6 pretende ilustrar a diferença da lógica de inserção proposta no PDU em 2006 e os empreendimentos que de fato foram executados, pelo PAC-UAP e posteriormente PMCMV. Fig. 6 - Evolução da inserção dos empreendimentos - Elaboração própria a partir dos mapas do PDU e Projeto Básico e Projetos Legais de Arquitetura e Urbanismo

No terreno da Av.Itaóca 1174 ("D" na Fig6) funcionava um depósito da empresa de remoção de entulhos "Terra Prometida" sendo o primeiro núcleo habitacional a iniciar a obra em Abril de 2008, seguido em Maio de 2008 pelo terreno da "1833" ("F" na Fig6). Em Abril de 2009 inicia-se a construção dos dois blocos situados na Rua Pedro Avelino, "Adeus" ("C" na Fig6), que se localizam dentro da AEIS sendo o núcleo habitacional que melhor se insere no território. Em Junho de 2009, inicia-se a construção do conjunto habitacional da "POESI" localizado na a encosta leste do vale da Estrada do Itararé em terreno anteriormente ocupado pela "Fábrica de Lingerie Poesi" cujos galpões foram implodidos em Dezembro de 2008. Embora se insira dentro da AEIS, veremos mais adiante como a implantação do empreendimento não se articula com a comunidade. Já após as chuvas de Abril de 2010 se começa a construir o último núcleo habitacional do PAC-UAP, nos terrenos da antiga fábrica Helio Gás que se localiza próximo da Estrada do Itararé do lado oeste, fora da AEIS, ou seja, inserindo-se em área "formal". A produção habitacional do PAC-UAP não solucionou a situação habitacional de muitas famílias que permaneciam em aluguel social provisório, seja devido às remoções em virtude das próprias obras do PAC, ou devido à situação de desabrigo resultante das chuvas de 2010. É de referir que parte das unidades habitacionais produzidas foram destinadas a alojar moradores de Manguinhos. Em Outubro de 2010 para lidar com a população vitima das chuvas o Governo do Estado aproveita então o PMCMV e compra dois empreendimentos, o "Residencial Acácias" e "Residencial Palmeiras" (582 apartamentos) que estavam a ser concluídos fora do âmbito do PAC na Estrada do Itararé nos antigos terrenos da fábrica Coca-Cola.12 Em Janeiro de 2014, 1.338 famílias do Alemão continuavam em aluguel social, juntamente com outras 400 famílias que estariam sendo cadastradas no mesmo período.13 Após conclusão do PAC o Governo do Estado recorre ao PMCMV para complementar a produção habitacional para alojar famílias do Alemão e de Manguinhos que recebiam aluguel social, contratando a empresa Bairro Novo Empreendimento Imobiliário S/A pertencente ao Grupo Odebrecht 5 empreendimentos. Todos estes empreendimentos se localizam ao longo da Av.Itaóca. Até à data, apenas dois conjuntos tinham sido entregues: o condomínio "Jardim Canário" e o condomínio "Jardim Beija-Flôr". No lado Oeste do terreno da "1174", que funcionou como canteiro de obras e canteiro social, esteve prevista a construção de uma grande área de lazer. Esta intenção foi abandonada e o terreno foi destinado ao condomínio "Jardim Canário" ("E" na Fig 6) inaugurado em 2014. O condomínio "Jardim Beija-Flôr" foi construído nos terrenos da antiga fábrica Skol ("G" na Fig 4). Como é possível verificar na Fig 6, os terrenos onde foram executados os núcleos habitacionais situam-se predominantemente na parte baixa do território ao longo dos eixos viários Av. Itaóca e Estrada do Itararé em terrenos relativamente planos. Apenas

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Estes dois empreendimentos só serão analisados na componente de inserção urbana e implantação uma vez que não foi possível ter acesso ao projeto legal dos mesmos. 13 Segundo coordenadora do PAC-Social Ruth Jurberg _http://www.rj.gov.br/web/seobras/exibeconteudo?article-id=1917385

dois terrenos têm topografia mais acentuada, o terreno da "Poesi" ("A" na Fig4) e o terreno do "Adeus" ("C" na Fig4). Esta área é caracterizada por ter terrenos de grandes dimensões onde estavam instaladas antigas fábricas que o Governo do Estado desapropriou. Se no PDU se propunha uma distribuição equitativa no interior da AEIS (Área de Espacial Interesse Social) no Projeto Básico é visível a tendência para aglomeração da produção habitacional, concentrando-se ou dispondo-se ao longo dos eixos. Quando questionados sobre as diferentes opções, os envolvidos nos programas tendem a concordar que a solução de uma inserção dispersa seria mais adequada, tanto que durante o processo se tentou viabilizar este tipo de solução. "A gente tentou fazer dois bloquinhos lá no Adeus, provocado também pela oportunidade que no Adeus tinha uma área vazia, as remoções abriram uma área ainda maior, mais vazia no entorno da estação. Teve uma proposta de se colocarem dois bloquinhos lá em cima, como lá em baixo (Rua Pedro Avelino), que depois foi freado." Fonte: Entrevista 1 Os depoimentos apontam duas ordens de fatores: o gerenciamento da obra e a oferta de terrenos. No entanto estes fatores aparecem normalmente como uma pressão por parte do consórcio com o respaldo político do Governo do Estado. "(...) A otimização da obra, muito melhor num núcleo habitacional, e a oferta de terrenos era nessas áreas, dessa herança [usos industriais], desses terrenos. A POESI é emblemático, a fábrica de tecidos.(...)há uma pressão, ou uma indicação que tem que ser assim. Foi também, de se ter que construir em aglomerados de se construir em núcleos, porque para a obra isso é notório a gente sabe, não para o projeto, para a obra é melhor, do que fazer dois bloquinhos lá no adeus. (...)Por uma questão logística, teve também questões políticas, então é assim, infelizmente o PDU, foi feito corretamente, mas as políticas publicas esbarram nos interesses dos políticos e econômico. Então infelizmente foi isso. (...)" Entrevista 1

3.3 Implantação Fig 7 - Empreendimentos na Av. Itaóca 1174 Planta de Implantação e informações

Núcleo "D" - "1174"

Fig 9 - Análise do acesso ao núcleo habitacional - Elaboração própria a partir de Google Street View

A implantação do primeiro núcleo habitacional construído pelo PAC caracteriza-se pela abertura de um logradouro público que conecta a Av.Itáoca à Rua Ozéas Mota. Esta via divide o lote, sendo que no lado norte se implantou o Centro de Geração de Trabalho e Renda e do lado sul 10 Blocos habitacionais Fig 8 Vista aérea do conjunto em 2009 ainda sem os dois agrupados em pares. A grande maioria do Blocos "H" construídos nos fundo do lote. espaço livre é de acesso público com a Fonte: www.jauregui.arq.br exceção dos pequenos pátios entre cada par de blocos, resultando numa quebra de uma quadra de grandes dimensões, favorecendo assim a permeabilidade. A implantação promove a relação dos edifícios com os espaços públicos ao alinhar um par de blocos ao longo da Rua Ozéas Mota compondo a fachada urbana desta via valorizando o papel da rua enquanto gerador de sociabilidade e articulação entre os

moradores do núcleo habitacional e do entorno. Os fundos deste conjunto de edifícios compõem, com os restantes blocos dispostos perpendicularmente, um espaço de lazer entre a massa edificada e o novo espaço público. Esta área de lazer dá acesso às vias pedestres que fazem a distribuição para espaços semi-públicos de acesso aos edifícios de habitação, ou seja, espaços de acesso público majoritariamente de uso a moradores. Segundo os projetistas o fator determinante para a implantação setorizada em duas grandes "zonas" - "zona habitacional" e "zona do equipamento" - se deveu ao processo burocrático de desapropriação do terreno uma vez que o lado da "zona habitacional" ficou disponível para construção mais rapidamente enquanto que no setor onde se implanta o equipamento social o processo foi mais demorado. A articulação do terreno com o entorno verifica-se na relação com a Rua Ózeas Mota e a abertura da via para a Av.Itaóca, no entanto a relação com a restante quadra permanece estanque através de muros ou barreiras. Uma vez que todo o terreno é considerado público nada impediria a abertura de acessos dos lotes do entorno ao novo espaço criado o que reforçaria a articulação com o entorno. No entanto, esta solução não foi possível devido à inserção do terreno em local fora da AEIS e da área de intervenção do PAC o que não permite que o entorno dos conjuntos habitacionais seja alvo de urbanização. Isto reforça a ideia de "ilha" habitacional e Fig 10 - Blocos "H" ( à esquerda) construídos no fundo do entre projeto de lote ser articulação com núcleo inicial (à direita) Fonte: desarticulação Divulgação PAC (2012) urbanização e produção habitacional. Entre 2011 e 2012 são construídos dois Blocos "H" no fundo do lote na divisa com o canteiro de obras e onde posteriormente seria construído o Condomínio "Jardim Canário". Estes dois edifícios são dispostos perpendicularmente à via interna, não havendo uma conexão com o restante núcleo habitacional.

Fig 11 - Blocos "H" em primeiro plano com núcleo original em segundo plano. Fonte: Divulgação PAC (janeiro 2012)

Núcleo "E" - Condomínio "Jardim Canário"

Fig 12 - Análise do acesso ao Condomínio "Jardim Canário" - Elaboração própria a partir de Google Street View

A implantação desenvolve-se ao longo de uma via interna privada ao Condomínio que conecta a Av.Itaóca com a Rua Ozeas Mota, localizando-se no lado norte desta via 3 blocos de edifícios que se dispõem ao longo da geometria irregular do polígono que limita o terreno. A sua disposição resulta do aproveitamento máximo da área de implantação respeitando o afastamento legal Fig 13 - Condominio "Jardim Canário" Espaço de lazer Fonte: Caixa - Créditos da imagem Wendel Pires

de 3 metros face às divisas.

O espaço de lazer entre estes três blocos resulta assim do espaço sobrante da sua implantação. Os outros dois blocos dispõem-se paralelamente à Av.Itaóca, no entanto os acessos aos blocos são feitos através da via interna. Os espaços livres que resultam do afastamento obrigatório por lei entre edifícios e afastamentos das divisas não receberam tratamento paisagístico que incentive o seu uso. A solução de condomínio totalmente murado e cercado, e de acesso restrito a moradores impossibilita a articulação com o entorno não tomando partido da situação privilegiada de esquina do terreno,

Fig 14 - Núcleo Habitacional na Rua Pedro Avelino Planta de Implantação e informações

Núcleo da Rua Pedro Avelino - "Adeus"

Fig 15 - Análise da relação com o entorno - Elaboração própria a partir de Google Street View

Os dois blocos estão implantados num platô que resulta da contenção necessária para a abertura da via de acesso à Estação de Teleférico do Adeus. A partir deste platô os espaços de lazer desenvolvem-se escalonadamente adequando-se à topografia do local, conectados entre si por escadarias e rampas. É perceptível, sobretudo nas divisas norte e este, a dificuldade de implantação de uma tipologia "padronizada" de edifício a um terreno íngreme originando cortes e aterros que resultam de barreiras físicas e espaço livre ocioso. Ou seja, não existiu uma integração entre projeto arquitetônico e urbanístico que permitisse resolver a topografia de forma mais adequada. Apesar dos fundos do lote por conta da contenção do terreno não possibilitarem a permeabilidade face ao entorno, a sua testada é ocupada por uma quadra de futebol pública o que oferece a possibilidade de sociabilidade e integração com a malha urbana existente. O espaço entre os dois edifícios compõe um espaço de lazer semi-público de usufruto dos moradores.

Fig 16 - Núcleo Habitacional na Av. Itaóca 1833 e Condomínio "Jardim Beija-Flôr" - Planta de Implantação e informações

Núcleo Av.Itaóca nº1833

Fig 17 - "1833"- Análise da relação com o entorno - Elaboração própria a partir de Google Street View

O conjunto caracteriza-se pela pouca dimensão (50m) da testada na Av.Itaóca e desenvolvimento longo no sentido perpendicular (330m). O fundo do lote é caracterizado pelo alargamento do terreno sendo a divisa feita em aclive com a Faixa Marginal de Proteção do Rio Timbó. No sentido de resolver o acesso foi projetada uma via interna que termina em "cul-desac"14. A opção dos projetistas era de não restringir o acesso e criar na frente do lote Fig 18 - Vista Aérea do conjunto um espaço de lazer público, no entanto foi Foto:Divulgação EMOP erguida uma cerca resultando assim num espaço ocioso. As restantes divisas são muradas e segundo os envolvidos, utilizou-se o artificio de formalizar o conjunto como condomínio para facilitar o processo de aprovação. A implantação dos edifícios realiza-se de duas formas: 7 edifícios do tipo "H", dispostos perpendicularmente ao longo da via interna, e uma segunda lógica nos fundos do lote, com a implantação de 5 edifícios do

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"cul-de-sac" é uma tipologia de rua sem saida com balão de retorno.

tipo "pré-moldado" em fita, que se distribuem ao redor do "cul-de-sac". A aglomeração dos edifícios em fita, em redor do "cul-de-sac" e os espaços de lazer desta zona apesar de bastante segregados da rua conformam ainda assim um espaço de sociabilidade entre Fig 19 - Disposição do edifícios em fita no fundo do lote. moradores. De referir ainda a falta de Foto do autor tratamento paisagístico do fundo do lote na divisa com o Rio Timbó. Questionados sobre as razões de não tomar partido urbanístico desta oportunidade os envolvidos refiram que "Houve o estudo, mas foi desconsiderado porque sairia do limite contratado." Condomínio "Jardim Beija-Flôr"

Fig 21 - Análise da relação com o entorno - Elaboração própria a partir de Google Street View

O condomínio caracteriza-se pela testada reduzida face ao seu desenvolvimento perpendicular à Av.Itaóca. A leste e sul faz divisa com a Faixa Marginal de Proteção da linha de água afluente do Rio Timbó, bem como da faixa de servidão da linha de transmissão da Light. O desenho urbanístico caracteriza-se por uma via interna terminando em "cul-de-sac" na qual se implantam ao longo 7 edifícios Fig 20 - Disposição de Blocos "H" ao longo da via Foto do tipo Bloco "H". Na frente do lote são Divulgação Governo do Estado do RJ www.rj.gov.br dispostos 2 edifícios paralelos à Av.Itaóca completando a fachada urbana do lote vizinho. Nos fundos do lote, localiza-se um último edifício e nos espaços restantes foram implantadas áreas de lazer. Tal como no conjunto "1833" não se tomou partido da área livre pública da linha de água, sendo o condomínio totalmente murado e cercado e de acesso restrito a moradores.

Fig 22 - Núcleos Habitacionais "POESI" e "HelioGás" - Planta de Implantação e informações Foto em cima: Vista aérea do núcleo habitacional "POESI" Fonte: Divulgação PAC (julho 2011)

Núcleo da Estrada do Itararé - 690 - "POESI"

Fig 23 - Análise da relação com a Estrada do Itararé - Elaboração própria a partir do Google Street View

O núcleo habitacional construído no terreno da antiga fábrica POESI localiza-se no sopé da encosta do morro. O terreno foi subdivido sendo que além do conjunto habitacional foi construída a Escola de Ensino Médio. A frente do lote é uma testada de grande dimensão onde se localizam espaços de lazer e equipamentos comunitários (academia). Esta proximidade entre equipamentos sociais, espaços de lazer, a rua e os equipamentos comunitários poderia ser um fator gerador de sociabilidade, no entanto pode-se verificar que se optou por segregar cada um destes usos criando cercas ou barreiras que impossibilitam o seu potencial integrador. O projeto aproveita parte dos platôs onde estavam localizados os galpões demolidos e algumas das vias existentes. Os edifícios agrupam-se em duas cotas: um primeiro grupo de 13 blocos praticamente à cota da Estrada do Itararé separados por uma via de acesso, e um segundo grupo na parte alta do terreno. Analisando a planta de implantação torna-se evidente o reduzido aproveitamento do terreno, (comparando, por exemplo, com a morfologia do entorno), devido à escolha da tipologia Bloco "H". A não adaptação do projeto de arquitetura à topografia gera platôs, contenções originando espaços livres ociosos. Apesar da proximidade com a "favela", não se articulou o conjunto com o aglomerado habitacional existente optando-se por murar ou cercar as divisas do lote. Apesar do cercamento do lote o acesso ao conjunto não é restrito, não existindo portão ou guarita, o que "formalmente" não se poderia denominar como condomínio, mas que na prática se aproxima deste conceito. Núcleo "B" - Condomínio da Paz - "HelioGás". O conjunto implantado no terreno da antiga Fig 24 - Acesso ao Condomínio da PAZ - HelioGás fábrica "HelioGás" foi desmembrado em dois lotes, sendo que a parte que faz divisa com a Estrada do Itararé se destinou à construção do Equipamento de Saúde. O lote onde se implanta o condomínio habitacional insere-se numa quadra "formal" de geometria regular com testada para a Rua Manoel Segurado. O terreno situa-se a uma cota superior ao logradouro o que resulta num desnível na testada, que foi resolvido através de muros de arrimo. A distribuição faz-se ao longo de uma via interna em "L" que termina em "cul-de-sac". Os edifícios são implantados no espaço entre a via interna e polígono das divisas respeitando o afastamento de 3 metros. Na frente do lote projetou-se um espaço de lazer que poderia potenciar a articulação entre moradores e o entorno, no entanto devido à diferença de cota è opção de cercamento do lote, este espaço de lazer não tira partido da proximidade da rua. Fig 25 - Via interna do Condomínio da Paz Fontes: Divulgação PAC (janeiro 2012)

3.4 Tipologias Habitacionais

Fig 27 - Análise da tipologia e modo de agrupamento das unidades habitacionais - Tipologia Duplex

Esta tipologia tem como referência o projeto do Favela-Bairro no morro dos Macacos. Os fatores determinantes para a solução foram a adaptabilidade a terrenos de testadas de pouca dimensão, terrenos íngremes e de lotes pequenos em áreas de Favela. O apartamento desenvolve-se em dois pavimentos separando a zona intima (quartos) da zona comum (sala, cozinha e banheiros), numa largura de apenas 3.5m o que permitiria um agrupamento de unidades escalonado acompanhando a topografia. Por ser uma tipologia duplex a unidade dificilmente seria adaptada a PNE (portadores de necessidades especiais). No Alemão foi agregado um espaço de entrada (Hall/espaço de trabalho) que foi tomado como referência de uma casa visitada onde uma moradora dava aulas de reforço escolar em casa, e resulta também num filtro entre o espaço de circulação comum e áreas de estar. Apesar da sua relação com o espaço público é possível manter a privacidade dos espaços íntimos. Os apartamentos agrupam-se em banda geminados e em grupos espelhados o que permite que no térreo existam espaços livres privados. (pequeno quintal). O acesso aos apartamentos térreos é feito diretamente através do espaço público e no terceiro pavimento através de uma passarela. A circulação é pública, mas pela sua conformação resulta num espaço Fig 26 - Espaço circulação pedestre entre edifícios Foto divulgação www.jauregui.arq.br semipúblico de convivência de moradores.

Fig 28 - Análise da tipologia e modo de agrupamento das unidades habitacionais - Edificio "pré-moldado" em fita

Esta tipologia foi desenvolvida para o PAC do Alemão e Manguinhos e também Rocinha, para responder à demanda de rapidez da execução através da pré-fabricação da estrutura. No Alemão foi utilizada no núcleo da "1833" e no "Adeus". Os apartamentos desenvolvem-se num polígono bastante compacto sem circulação interna o que não permite separar a zona íntima (quartos) da zona comum (sala, cozinha e banheiros), havendo 3 variações: os apartamentos do meio menores, os das pontas maiores e apartamentos adaptados para PNE no térreo são com redução da sala e cozinha para permitir aumento do banheiro. Os apartamentos agrupam-se em fita, em 4 pavimentos, sendo a circulação comum feita por corredor aberto ao exterior e núcleo de escadas centrais. Ao contrário da unidade duplex esta circulação não protege as salas e os quartos da circulação comum. A circulação comum para o exterior permite que ao agrupar edifícios em espelho se conforme um espaço semipúblico cuja sua fruição em segurança é garantida pelos acessos e visibilidade em relação ao corredor. Os baixos custos de manutenção foram também pensados não existindo por exemplo iluminação comum, sendo os espaços exteriores iluminados por pontos de iluminação de cada apartamento. Os edifícios não se adequam a terrenos íngremes necessitando da construção de platôs.

Fig 29 - Análise do edifício Bloco "H" e modo de (não) agrupamento das unidades habitacionais - Bloco PAC

O Bloco "H" começa a ser utilizado no conjunto da "1833", "POESI" e posteriormente no "HelioGás", ainda no âmbito do PAC. Esta tipologia foi o resultado do abandono dos projetos iniciais e da terceirização pelo consórcio da empresa Bairro Novo, do grupo Odebrecht. A importação desta tipologia introduz também outro sistema construtivo15, que foi experimentado por essa empresa no PAC do Alemão e depois replicado no PMCMV, que permite reduzir o nível da manufatura com a industrialização dos insumos. (BARAVELLI, José 2014) O Bloco "H" recupera uma configuração típica e bastante reproduzida no período do BNH com uma escada central, que distribui para 4 apartamentos por piso. O apartamento é um polígono compacto minimizando a circulação interna. Os cômodos de permanência (salas e quartos) têm exposição para a fachada principal. Ao contrário de alguns projetos que recorrem à tipologia "H"16 em que as áreas molhadas (cozinha, área de serviço, e banheiros) recorrem a um prisma interno para ventilação, aqui a ventilação faz-se pela fachada lateral. A falta de ventilação cruzada, combinada com a escada fechada e o sistema construtivo de paredes de concreto, resulta numa péssima qualidade térmica das habitações. O que poderia aparentar ser um detalhe de arquitetura é de fato determinante para a resolução urbanística dos blocos, uma vez que ocupando todas as fachadas do edifício com aberturas este deixa de ser modulável, ou seja, não é possível o agrupamento de vários edifícios. Outro fator determinante para a implantação dos conjuntos é que, tal como na tipologia anterior ("pré-moldado" em fita), a arquitetura não se consegue implantar em terrenos íngremes. Estes dois fatores dificultam o desenho das implantações no território.

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Sistema industrializado de paredes de concreto armado "in loco" ("forma túnel"). Ver projeto IAPC Del Castilho em BONDUKI, Nabil As origens da habitação social

Fig 30 - Análise do edifício Bloco "H" - PMCMV

"Era uma tipologia que já chegou para a gente pronta, chegou para a gente de uma outra empresa que o consórcio contratou, a Bairro Novo que é lógico que era uma empresa que estava querendo entrar, montada criada para o MCMV e o impulso do Alemão seria ótimo" Entrevistado 1 Houve, no entanto adequações da tipologia "H" na transição do PAC para o PMCMV, sobretudo para a segunda fase do programa. A mais visível será a adição de mais um pavimento só possível pela flexibilização da regulamentação viabilizando edifícios de 5 pavimentos sem elevador.17 Outra alteração significativa foi a alteração normativa que obrigou a todas as unidades possibilitarem a adaptação a PNE. Para isso a largura do banheiro aumentou impactando na área total do apartamento e do bloco. Houve alterações na forma do telhado com a retirada da platibanda optando-se por uma solução mais precária, bem como modificações no esquema de cores e texturas exteriores.

Fig 32 - Bloco "H" - PAC Foto do autor

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Fig 31 - Bloco "H" - PMCMV Divulgação SEOBRAS

É apenas obrigatório deixar um espaço para previsão de instalação.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mais que conclusões, gostaríamos de colocar aqui algumas hipóteses e questões para a reflexão que nos permitam questionar o modelo institucional adotado pelo PAC, tendo em vista os resultados alcançados que, notoriamente, significaram uma perda de qualidade do projeto final. Em resumo na componente habitacional, identificamos que a inserção de núcleos habitacionais dispersos pelo território e articulados com projeto urbanístico, passa a concentra-se na periferia do território por solicitação da empreiteira facilitando a gestão de obra. As implantações passam de quadras abertas, que articulam a habitação com equipamentos sociais e espaços de lazer de acesso público para a lógica de condomínio fechado, via interna em "cul-de-sac" e edifícios dispostos sem conformar espaços de sociabilidade. Esata alteração dá-se sobretudo pela maior rapidez de aprovação e pela lógica do PMCMV a empreiteira passou a assimilar. Esta lógica explica também o abandono da tipologia inicial que poderia adaptar-se à topografia do território para uma arquitetura padronizada passível de ser replicada em massa ("tipo carimbo") no PMCMV. "As limitações apareceram depois, uma vez que depois que fizemos o núcleo inicial, ai eles, a construtora, avaliaram que eles não estavam ganhando o suficiente, que não estava dentro dos custos que eles queriam atingir e simplesmente mudaram o tipo sem consultar a gente e colocaram o famoso "Hzinho" que é "zero" qualidade, em todos os aspetos, ambientais, um calor espantoso lá dentro, desse concreto pré-moldado, e também digamos o resultado urbanístico e arquitetônico lamentável, não dá para compor com esse "Hzinho" uma urbanização de qualidade." Entrevistado 2 Cabe ressaltar da citação anterior, que a avaliação que foi possível fazer dos custos não demonstra que estes tenham diminuído significativamente. (Ver custo por apartamento) Embora não seja o tema desse trabalho, questionamos a solução do teleférico. Obviamente essa solução apela para a espetacularização, o que seduz os políticos, pela possibilidade de deixar uma “marca”, contrariamente aos investimentos em saneamento, por exemplo, que fica “enterrado” e não tem visibilidade. O problema é que ao elevar substancialmente os custos, essa solução acaba criando constrangimentos outros itens de projeto e levando à concentração de recursos. O Teleférico e a lógica de gestão de obra impactam negativamente a estruturação urbana, resultando na concentração dos equipamentos nas Estações de Teleférico e consequentemente a desarticulação entre projeto urbanístico (infraestrutura, transportes, paisagismo, espaços de lazer), habitação, e equipamentos sociais. O exemplo paradoxal é a Estação do Adeus rodeada de vazios urbanizados, onde poderia ter sido inserido habitação contrastando com condomínios, "ilhas" no meio de espaços não urbanizados. A avaliação de políticas públicas tem que considerar as relações entre os atores, não apenas nos níveis superiores, mas também nos níveis intermediários e locais. A análise mostrou como o projeto vai sendo modificado ao longo da execução da obra, por interesse das empreiteiras que acabam definindo o projeto final. Esse poder pode ser explicado, em parte, pelas relações mais estreitas com os agentes públicos, em particular

com a burocracia do governo estadual responsável pela condução da obra. Em segundo lugar, o modelo adotado para licitações com base em projeto básico e projeto executivo desenvolvido pela construtora acaba dando a estas um poder ainda maior, principalmente se considerando o grau de incerteza dos projetos de urbanização de assentamentos precários. Se o contrato de licitação de obra estabelece que o contratado execute os serviços estipulados pelo contratante durante a obra esses serviços são alterados por interesses do contratado e não por interesse do Governo do Estado. Se os Projetistas estão previamente subordinados em termos contratuais ao Governo do Estado para realização do Projeto Básico, durante a obra estes são contratados diretamente pelo consórcio e contratados apenas para “assistência técnica”. Em resumo, identificamos a inversão da subordinação entre contratante e contratado, ou seja, a subordinação do poder público ao poder privado. "havia espaço para dizer, mas não havia espaço para fiscalizar. Nós não estávamos na obra como uma assistência técnica de fiscalização. A gente estava só como assistência técnica. A fiscalização era EMOP que contratou a Concremat, gerenciadora, e fiscalização. (...) mas a gente não tinha poder decisório, de corrigir, não eram adequações. Infelizmente. Nosso contrato, não era esseY" Entrevista 1 Também identificamos em nossa análise, a forma como as obras sofreram modificações tendo em vista “urgências” estabelecidas pelo calendário político, particularmente pela necessidade de “inaugurações” realizadas em período eleitoral. Fica claro que o PACUAP foi uma oportunidade política e econômica costurada entre as construtoras e os interesses partidários dentro do aparelho do Estado. Apesar de ser uma constatação do óbvio e mesmo ignorando esquemas fora da legalidade é impossível ignorar que o sistema de financiamento eleitoral tem um impacto na definição das políticas públicas e na sua operacionalização. As doações para campanhas são assim investimentos feitos pelas entidades privadas que esperam retorno do seu investimento após a eleição. Os eleitos têm ao longo do seu mandato uma dívida a pagar para com os seus investidores. Do ponto de vista mais geral, pode-se também avaliar que o PAC-UAP, ao sair do escopo do FNHIS e dos princípios da PNH, também enfraqueceu significativamente a participação popular, que poderia ter sido um elemento fundamental na garantia de melhores condições de projeto e de maior controle sobre a ação das empreiteiras. "Sua participação na implementação do programa limitava-se a aderir aos formatos institucionais de participação – como os encontros de integração – e aceitar as condições postas pelo governo para sair de sua casa. Em alguns casos, quando o morador se encontrava em situação mais desfavorável para negociar com a Emop – ou por ter uma avaliação da casa com valor abaixo do necessário para escolher onde morar, ou por ser apenas inquilino –, o resultado era o encaminhamento para uma unidade habitacional. Esta negociação estabelecia-se de maneira individualizada e coercitiva." (OLIVEIRA, Bruno, 2016)

5. NOTAS METODOLÓGICAS 1-Os custos dos empreendimentos tiveram por base duas matérias: Para os núcleos habitacionais produzidos pelo PAC-UAP a noticia de 16/01/2012 no portal do Governo do Estado."estado inaugura novas unidades habitacionais no complexo do alemão" Disponível em http://www.rj.gov.br acessado em 27/07/2016 Para os dois empreendimentos PMCMV a matéria refere o custo de investimento para os dois empreendimentos. Neste caso para obter o custo por empreendimento dividiu-se o custo total de investimento pelo número de apartamentos e multiplicou-se pelo numero de apartamentos de cada conjunto disponível em http://www.emop.rj.gov.br/estado-entregamais-300-moradias-no-alemao/ 2-Foram conduzidas 4 entrevistas com roteiro semi-aberto a envolvidos no PAC-UAP. Para preservação da identidade os entrevistados solicitaram anonimato inclusive de cargo e função. 3- As peças gráficas referentes aos projetos de arquitetura e urbanismo tiveram como fonte os Projetos Legais produzidos para aprovação na Secretaria de Urbanismo. Identificaram-se algumas alterações em obra na localização de edifícios e espaços comuns, no entanto, considera-se que não prejudicam esta análise. 6. BIBLIOGRAFIA BURGOS, Marcelo Baumann. Dos parques proletários aos Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro. ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (org.). Um século de favela. Rio de Janeiro: Editora FGCV, 2004. COUTO, Patrícia; RODRIGUES, Rute "A gramática da moradia no Complexo do Alemão, história, documentos e narrativas." IPEA 2013 CARDOSO, Adauto L.; ARAUJO, Rosane; COELHO, Will Robson. Habitação Social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Cardoso, Adauto L. (org.) Habitação social nas metrópoles brasileiras: uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo no final do século. Porto Alegre: ANTAC, 2007. — (Coleção Habitare). CARDOSO, José (coord) et all "Brasil em Desenvolvimento : Estado, planejamento e políticas públicas" IPEA 2010. DENALDI, Rosana. Políticas de urbanização de favelas: evolução e impasses. Tese de Doutoramento. FAU-USP, 2003. Gláucio Ary Dillon Soares; Sonia Luiza Terron - Dois Lulas: a geografia eleitoral da reeleição (explorando conceitos, métodos e técnicas de análise geoespacial) in Opin. Publica vol.14 no.2 Campinas Nov. 2008 IPP / RIO+Soial "Panorama dos Territórios - UPP´s Complexo do Alemão" 2015

LEEDS, Anthony & LEEDS, Elizabeth. A sociologia do Brasil urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. MEDINA, Carlos Alberto de. A favela e o demagogo. São Paulo: Livraria Martins editora, 1964. NUNES, Maria Julieta. A habitação popular na revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro. MELLO et al. (Org.) Favelas cariocas ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. PDS - Complexo do Alemão - Relatório do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Complexo do Alemão, Caderno de Resultados coord: Ruth Jurberg, Marcela Moreira e Sandra Freitas RODRIGUES, Rute (org) et all "Vida social e política nas favelas : pesquisas de campo no Complexo doAlemão" IPEA 2016 SILVA, Heitor "Política e estruturação do território: PAC e UPPs no Complexo do Alemão" Tese ( doutorado) UFRJ/IPPUR 2015 TRINDADE, Claudia "Não se faz omelete sem quebrar os ovos" Política Pública e Participação Social no PAC Manguinhos - Rio de Janeiro Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História 2012 VALLADARES, Licia do Prado. A invenção da favela. Do mito de origem ao favela.com. Rio de janeiro: Editora da FGV, 2005.

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