A IMPLEMENTAÇÃO DO PNLD DE LÍNGUA INGLESA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PORTO ALEGRE

July 15, 2017 | Autor: Simone Sarmento | Categoría: Livros Didáticos, Programa Nacional Do Livro Didático, PNLD
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Descripción

CONTEXTURAS: ENSINO CRÍTICO DE LÍNGUA INGLESA

SUMÁRIO

Editora responsável Sandra Regina Buttros Gattolin

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................. 7

Coeditor

ARTIGOS

Douglas Altamiro Consolo

PRÁTICAS DE LETRAMENTO CRÍTICO, ENSINO PLURILÍNGUE E LÍNGUA INGLESA EM CONTEXTO ACADÊMICO-UNIVERSITÁRIO Claudia Hilsdorf da ROCHA ............................................................................................................... 9

Editoria Executiva Ademar da Silva (UFScar) Rita de Cássia Barbirato Thomaz de Moraes (UFSCar) Matilde Virginia Ricardi Scaramucci (UNICAMP) Maximina Maria Freire (PUC-SP)

INTERCULTURALIDADE E CURRÍCULO OFICIAL DA REDE PÚBLICA ESTADUAL PAULISTA: ANÁLISE DE ATIVIDADES PROPOSTAS PARA O ENSINO MÉDIO Cristiane Oliveira CAMPOS-GONELLA & Nelson VIANA ........................................................... 36

Conselho Editorial

HIPERTEXTO: UM RECURSO PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE PRÁTICAS ORAIS EM LÍNGUA INGLESA Elaine RISQUES FARIA & Sandra Regina Buttros GATTOLIN ..................................................... 52

Ana Maria Ferreira Barcelos (UFV) Anna Maria Carmagnani (USP) Dirce Charara Monteiro (UNESP) John Robert Schmitz (UNICAMP) José Carlos Paes de Almeida Filho (UnB) Leila Darin (PUC-SP) Linda Gentry El-Dash (UNICAMP) Lynn Mario Menezes de Souza (USP) Maria Clara Bonetti Paro (UNESP) Maria Inês Dotta (UNESP) Marilda C. Cavalcanti ( UNICAMP) Marisa Grigoletto (USP) Telma Gimenez (UEL) Vera Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG).

PIADAS POLITICAMENTE INCORRETAS NA AULA DE LÍNGUA INGLESA: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS Adriana WEIGEL, Lélia SOUZA, Lívia Donnini RODRIQUES, Silvia Regina dos SANTOS & Tatiana RESCKHE ............................................................................................................................ 70 APRENDIZAGEM AUTÔNOMA DE INGLÊS: UMA ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS DO SITE WWW.ENGLISHCENTRAL.COM Nayara Nunes SALBEGO ................................................................................................................. 86 A IMPLEMENTAÇÃO DO PNLD DE LÍNGUA INGLESA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PORTO ALEGRE Simone SARMENTO & Patrícia Pauli COSTA ............................................................................... 101 COMPETÊNCIAS DO APRENDIZ: REFLEXÕES TEÓRICAS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Roberta de Oliveira GUEDES, Tsai Yun HSIEN, Vera Lucia Teixeira da SILVA & Viviane Cristina GARCIA DE STEFANI ................................................................................................................... 118

CONTEXTURAS - Ensino Crítico de Língua Inglesa N.20 - 2013

ENTREVISTA

Publicação da APLIESP

A IMPORTÂNCIA DA REFLEXÃO CRÍTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS Matilde Virgínia Ricardi SCARAMUCCI & Patrícia de Oliveira LUCAS ..................................... 135

ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES DE LÍNGUA INGLESA DO ESTADO DE SÃO PAULO Rua floriano Peixoto, 2080 - Boa Vista - CEP 15025-110 - São José do Rio Preto, SP ISSN 0104-7485

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ................................................................................................... 142

APRESENTAÇÃO

É

com muito prazer que apresentamos mais um número da Revista Contexturas, há mais de duas décadas publicando trabalhos que refletem as pesquisas na área de ensino-aprendizagem e formação de professores de língua inglesa. Abre este volume 20 o artigo de Claudia Hilsdorf da ROCHA, sobre o ensino plurilíngue no contexto de um Programa Interdisciplinar de Educação Superior. A autora discute e ilustra os conceitos de estrangeiridade, carnaval e regenerificação. A seguir, Cristiane Oliveira CAMPOS-GONELLA e Nelson VIANA Douglas CANDIDO RIBEIRO discutem a abordagem comunicativa intercultural no ensino de línguas e, à luz da mesma, analisam algumas atividades de aprendizagem do currículo oficial do Estado de São Paulo propostas para o ensino médio. O terceiro artigo é uma contribuição de Elaine RISQUES FARIA e Sandra Regina Buttros GATTOLIN. Nele, as autoras apresentam resultados de uma pesquisa sobre a utilização do hipertexto como recurso para desenvolver a oralidade no ensino de inglês como língua estrangeira. Na sequência, temos o trabalho de Adriana WEIGEL, Lélia SOUZA, Lívia Donnini RODRIQUES, Silvia Regina dos SANTOS e Tatiana RESCKHE, em que as autoras reportam os resultados de uma pesquisa que buscou identificar e analisar a reação e opinião de um grupo de 26 alunos diante da leitura de piadas politicamente incorretas em aulas de inglês. No quinto artigo deste volume, Nayara Nunes SALBEGO apresenta uma análise do site englishcentral.com, apontando para características didáticas que fomentam a aprendizagem autônoma de Inglês. Simone SARMENTO e Patrícia Pauli COSTA trazem resultados de um trabalho que buscou investigar a perspectiva de professores com relação ao Programa Nacional do Livro Didático de Língua Inglesa. O último artigo é de autoria de Roberta de Oliveira GUEDES, Tsai Yun HSIEN, Vera Lucia Teixeira da SILVA e Viviane Cristina GARCIA DE STEFANI. 7

Nele, as autoras desenvolvem reflexões acerca das competências no processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira, enfatizando aquelas que se referem ao aprendiz.

PRÁTICAS DE LETRAMENTO CRÍTICO, ENSINO PLURILÍNGUE E LÍNGUA INGLESA EM CONTEXTO ACADÊMICO-UNIVERSITÁRIO

Fechando este volume, temos a entrevista que a Profa. Dra Matilde Virginia Ricardi SCARAMUCCI concedeu à Profa. Ms Patrícia de Oliveira LUCAS, sobre a importância da reflexão crítica na formação de professores de línguas.

Claudia Hilsdorf da ROCHA Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Fazemos votos de que os trabalhos reunidos neste volume possam ser úteis para as reflexões e práticas de sala de aula e de pesquisa de nossos leitores.

ABSTRACT

Sandra Regina Buttros Gattolin Douglas Altamiro Consolo

This work discusses the idea of plurilingual English teaching within the context of the Interdisciplinary Higher Education Program recently implemented at the University of Campinas. Bakhtinian theories support the claim for critical literacy in the process. The concepts of foreignness, carnival and regenring, among others, are discussed and briefly illustrated. PALAVRAS-CHAVE: plurilingual education, critical literacy, higher education.

Introdução

O

s impactos dos processos de globalização nos mais diversos campos da vida social têm sido, desde longa, discutidos. O desafio contemporâneo, no que diz respeito à relação entre globalização e linguagem, conforme assevera Coupland (2010), reside na importância de problematizarmos continuamente essa relação e buscarmos formas menos centralizadoras de compreendermos as práticas de linguagem na sociedade. Nessa direção, entendo que também no campo da educação linguística seja central o incessante questionamento de pensamentos pautados pelas noções de ordem e uniformidade, bem como a busca por discursos e práticas que visem ao deslocamento e privilegiem visões mais plurais, que acatem a contradição, o conflito, a descontinuidade (MORIN, 2011), como parte do processo de socialização e construção de conhecimentos. Nesse âmbito, sob visões de cunho discursivo, como a adotada neste trabalho, destaca-se, entre outras, a ideia de educar para a cidadania ou para a consciência democrática (DEI, 2013), em que a própria noção de democracia seja continuamente problematizada, para que não evidencie características de um funcionamento autoritário e excludente, contraditoriamente servindo à (re)produção 8

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de valores opressores. Nessa perspectiva, revela-se vital o fortalecimento da consciência sobre responsabilidades e direitos, atrelado ao desenvolvimento sustentável de práticas educativas situadas, contingentes, que se materializam nas fronteiras e que assim abarquem o confronto e validem o caráter ideologicamente marcado de toda e qualquer interação humana. O processo educativo, nessa ótica, volta-se ao desenvolvimento de conhecimentos e capacidades que permitam o engajamento social e discursivo do aluno nos mais diversos campos das relações humanas, de forma ética e orientada para as necessidades, expectativas e desejos do coletivo, em uma sociedade cujo funcionamento e ordem social sejam sempre objetos de questionamento. Nessa perspectiva e em vista da complexa e tensa pluralidade e liquidez dos tempos atuais, entendo que o conceito de letramentos mostra-se basilar. Grosso modo, os letramentos podem ser entendidos como práticas sociais que, de forma ou outra, mantêm ligação com a escrita (ROJO, 2009) e evidenciam uma natureza plural, ativa, aberta e culturalmente orientada. Assim sendo, parece correto afirmar que a educação linguística democrática, que se ocupa da relação entre linguagem, conhecimento, poder e sociedade, deva preocupar-se com o desenvolvimento de uma gama variada de letramentos, tais como o visual, o digital, o multicultural, entre tantos outros, que possibilitem ao cidadão atuar no mundo, questionando valores e padrões sociais vigentes, como também as bases que sustentam sua construção e veiculação. Essas ideias coadunam, por sua vez, com as teorizações de Kalantzis et al (2010) sobre a importância do desenvolvimento de novos ou multiletramentos no processo educativo, visando à ressignificação crítica de sentidos e de práticas sociais. Nesse contexto, multiletramentos podem ser vistos, de forma breve, como uma multiplicidade de práticas sociais de linguagem, mediadas por diferentes modos e meios e materializadas nos variados âmbitos e campos das atividades humanas, estas sempre histórico-culturalmente situadas. Pelo enfoque dessa pedagogia, práticas letradas superam uma estreita relação com a letra, fazendo com que a leitura e a escrita, por exemplo, não sejam depreendidas de forma reducionista, estanque, bipolarizada e autossuficiente. Atrelada aos fundamentos de Bakhtin e seu Círculo e recontextualizada para o âmbito do ensino de inglês como língua adicional¹ , em contexto acadêmico-universitário, foco deste trabalho, essa perspectiva pedagógica reafirma a natureza discursiva, dialógica e polifônica das relações humanas. Ao olharmos o inglês para fins específicos (English for Specific Purposes/ ESP) ou o inglês para fins acadêmicos (English for Academic Purposes/EAP) sob esse prisma, podemos perceber alguns aspectos restritivos, entre os quais destaco o objetivo predominantemente utilitário que até o momento tem direcionado esse en-

1. Com base em Schlatter e Garcez (2012), uso aqui o conceito de língua adicional, validando o potencial que uma nova língua tem de acrescentar, em termos linguísticos, identitários, sociais e culturais, à experiência do aluno.

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sino. Esse direcionamento de ordem prática, orientado para as demandas do mercado, muitas vezes restringe o foco do processo educacional essencialmente à leitura e à escrita, conforme destaca Rahman (2008), privilegiando visões reducionistas e acríticas em torno do sujeito, sociedade, cultura e linguagem. Por conseguinte, como ressalta Benesch (2001), passa a ser fundamental que o processo de ensino-aprendizagem de línguas para fins específicos seja repensado na atualidade. A autora advoga em favor de um processo educativo desestabilizador, que problematize a ordem social e que questione valores centralizadores presentes nas formas de produção e validação de conhecimento na universidade. Dentro desse escopo, busco neste trabalho mostrar um recorte dos resultados de minha pesquisa de pós-doutoramento (DLM/USP)² , no que se refere, mais especificamente, à discussão e produção teórica desenvolvida no referido estudo. Compreendido como um processo ativo e situado de problematização dos processos interpretativos (MENEZES DE SOUZA, 2011), o letramento crítico é entendido como central para um ensino de bases democráticas e transformadoras no âmbito da educação superior pública (UNTERHALTER; CARPENTIER, 2010). Ainda dentro do aporte teórico privilegiado na pesquisa, a perspectiva pedagógica dos multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2000) ou dos novos letramentos (KALANTZIS et al, 2010) é atrelada à visão enunciativa da linguagem (BAKHTIN, 2004 [1929]) e ao conceito de gêneros discursivos (BAKHTIN, 2003 [1979]), sendo estes vistos como potentes recursos para a organização curricular nesse contexto, favorecendo a materialização de práticas potencialmente carnavalizadoras, ou seja, que visem à subversão da ordem social estabelecida de forma opressora nas atividades em que nos engajamos (ROCHA, 2012a/b). Desse modo, procuro neste artigo primeiramente resgatar as principais características e facetas teóricas de um ensino crítico de língua inglesa dentro de um enfoque plurilíngue (ROCHA 2010; 2012a/b), tratando, entre outras, das noções de apropriação e transculturalidade. Busco, também, brevemente discutir incursões de cunho prático. Para tanto, tomo como referência o contexto em que me encontrava profissionalmente vinculada ao elaborar este trabalho, o qual abrange o ensino de inglês em âmbito acadêmico-universitário, destinado a alunos integrantes do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)³. O referido programa foi implantado em 2011, com duração prevista de dois anos, e direcionado a jovens egressos do Ensino Mé2. A referida pesquisa foi desenvolvida junto ao Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob a supervisão da Profa. Dra. Walkyria Monte Mór, a quem deixo aqui registrados os meus mais sinceros agradecimentos e profundo respeito. 3. www.prg.unicamp.br/profis/

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dio público. Os exemplos e produções mencionadas nesse estudo referem-se às disciplinas de língua inglesa ministradas aos alunos do ProFIS em 2011 e 2012.4 Tendo apresentado os principais objetivos que orientam o trabalho e também seus enfoques teóricos centrais, sigo discutindo o que entendo ser um ensino de bases plurilíngues, entre outras ideias e conceitos correlatos. Formação plurilíngue e sua interface com a criticidade No que se refere mais especificamente à perspectiva pedagógica dos multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2000) ou dos novos letramentos (KALANTZIS et al, 2010), agrada-me, particularmente, a possibilidade de contínua reprojeção de novos futuros sociais pela educação, na medida em que se reforça, em suas bases, a natureza potencialmente criativa, transformadora, do engajamento social e discursivo do aluno em todo esse processo de educação para a cidadania protagonista. Enfim, a pluralidade marcada no âmago dessas teorizações parece atender com muita propriedade às demandas epistemológicas advindas dessa nova ordem social que se instaura nos tempos atuais. Junto a Barros (2000) entendo que outros paradigmas na educação e consequentemente no ensino de línguas serão somente tangíveis na medida em que passemos a repensar como a própria educação é vista em nossa sociedade. A resistência em rompermos com o paradigma cientificista, positivista, que impõe práticas educacionais pautadas pela unicidade, homogeinização, ordem, disciplina, autoritarismo, hierarquização das relações e compartimentalização do conhecimento, parece residir na dificuldade em pensarmos a educação para além de mediadora do desenvolvimento do indivíduo. Faço minhas as palavras da autora quando esta advoga que já é passada a hora de depreendermos a educação e as práticas pedagógicas “como mecanismos de poder, ou seja, fábricas de subjetividade, máquinas de fazer falar, pensar e sentir” (BARROS, 2000:33). Procuro, desse modo, pensar o ensino de língua inglesa em contexto acadêmico-universitário necessariamente como um processo pelo qual prioritariamente

4.Termos de consentimento livre e esclarecido foram devidamente assinados pelos discentes e, assim, todas as produções aqui mostradas foram devidamente autorizadas pelos seus autores. Vale ressaltar que o estudo de pós-doutoramento ao qual essas produções estão atreladas, por envolverem participantes da Unicamp, possui aprovação de seu Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UNICAMP, via www.saude.gov.br/plataformabrasil. Assim, contamos com a autorização dos autores para a divulgação de todas as produções aqui mostradas. Algumas atividades práticas trazidas são também produções conjuntamente elaboradas por pesquisadores do Grupo (CNPq/ Unicamp), Ensino de língua estrangeira, formação cidadã e tecnologia, por mim coordenado, para integrar o material a ser utilizado nas disciplinas de língua inglesa no ProFIS.

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se constroem e reconstroem discursos, além de letramentos. Assim sendo, torna-se basilar pensar que tais letramentos e discursos podem servir à ordem vigente e a valores hegemônicos ou seguir movimentando-se centrifugamente, buscando fazer emergir vozes silenciadas, valores oprimidos, identidades desqualificadas, enfim, fazeres e dizeres desvalorizados social e institucionalmente. Penso, então, esse ensino como um incessante questionamento, de tudo e de todos. Penso esse ensino como aquele que cria bases para que deslocamentos e rupturas ocorram. Esse processo educativo, orientado sob perspectivas ecológicas5, transformadoras e democráticas, deve ser, portanto, entendido como um conflituoso, por vezes contraditório (MORIN, 2011), processo de deslocamentos em que nos vemos levados a ocupar posições outras, a olhar o mundo por outros olhares e a partir de outras posições, para que possamos, de modo menos preconceituoso, agir no mundo, nos mais variados âmbitos e esferas. A isso denomino formação plurilíngue, acatando, no campo educacional a caracterização bakhtiniana frente ao romance e tomando-a, à luz do autor (BAKHTIN, 1988 [1934-35]), como um processo marcado por dimensões plurilíngues, plurivocais e pluriestilísticas, e assim corroborando a ideia de que essas particularidades são fundamentais para singularizar todo o processo educativo. De forma bastante simplificada e já recontextualizada para o campo do ensino-aprendizagem, podemos entender o conceito de plurilinguismo como a reunião, nem sempre harmônica, de múltiplas línguas e linguagens, necessariamente plurivocal, por abarcar diferentes vozes, ou posições axiológicas, e agentivamente orquestrada, materializada, de diferentes maneiras ou estilos. Muito distante de significar um conjunto de múltiplos elementos que se relacionam de modo autossuficiente, a formação que entendo como plurilíngue mostra-se um compósito multiforme e multifacetado, polifônico e plural, no que diz respeito às linguagens, às línguas, às identidades e às culturas que permeiam as atividades das quais participamos e que são tomadas como objetos de ensino, bem como às formas e meios pelos quais essas práticas sociais de linguagem se materializam. Reconheço, invariavelmente, o caráter paradoxal que o inglês assume ao comprometer-se com a formação plurilíngue, ao mesmo tempo em que lhe é inegável o caráter hegemônico e opressor de língua da globalização, e lhe é atribuído o papel de objeto fronteiriço que viabiliza a confluência de diferentes linguagens, línguas sociais, culturas e identidades, beneficiando processos transformadores, 5. Ao discutir a relação entre ciência e culturas na contemporaneidade, Nunes (2005, p. 318) defende uma perspectiva ecológica, ou ética, como também entendo o termo, a fim de que o conhecimento possa ser tratado de forma crítica e transformadora, respeitando-se temas relevantes para o bem-estar social, tais como o ambiente, a biodiversidade, a saúde, o corpo etc. Realocado ao campo educacional, o termo abarca a predominância de políticas de interpenetrações e da co-construção do natural e do social, do tecnológico e do cultural, celebrando a diferença e a confluência de saberes, identidades e culturas.

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contra-hegemônicos ou cosmopolitas, como prefere Souza Santos (2005). Reafirmo, portanto, o que venho há tempos defendendo (ROCHA, 2010; 2012a), apoiando-me nas ideias de Breton (2005), Kostogriz (2005) e Shields (2007). A busca por novos paradigmas no ensino de língua inglesa, em seus mais variados segmentos, depende muito do quanto nossas práticas pedagógicas mostrem-se capazes de promover a carnavalização do inglês, permitindo que este vivencie a contradição e o conflito e atue em prol da luta pela diversidade, enquanto segue, simultaneamente, em meio às leis do capitalismo e da globalização. Não creio que possamos romper com paradigmas no ensino, quaisquer que sejam eles, sem o desenvolvimento do letramento crítico (MENEZES DE SOUZA, 2011). Apoiada em Pennycook (2010; 2012), entendo a criticidade, na verdade, como uma forma de pensar o mundo, o homem, a linguagem, as relações sociais em suas variadas possibilidades de organização e materialização. Não é, portanto, algo que possamos acoplar ao ensino. É uma filosofia de vida que considera as lutas sociais e percebe tudo como sendo discursivamente orientado, atribuindo à educação o papel de mobilizar discursos, provocar rupturas e deslocamentos, possibilitar a (re)construção de subjetividades, valores, rumo a uma sociedade mais ética e democrática, menos desigual e menos opressora. Criticidade não é algo que possa ser imposto, mas sim vivido, com responsabilidade e, como tal, deve ser visto como algo a ser experimentado, exercitado, (re)construído em nós mesmos, nas relações que travamos. É uma luta, árdua e constante, rumo à validação de diferenças, à qual devemos aprender a nos engajar. Julgo importante salientar que a validação das diferenças não incide em fazermos desaparecer as diferenças. Não há um mundo sem conflitos, não há mundo uniforme. Mas penso que nossas relações podem ser menos opressoras e nossos discursos e perspectivas menos devastadores. Desse modo, como nos mostra Luke (2004), ser crítico requer um movimento analítico, constante e ativo de reposicionamento(s), que incide em assumirmos a posição do outro, sem necessariamente funcionarmos no sistema exatamente como o outro. Afinal, não precisamos participar de comunidades com as quais não nos identificamos, para validá-las, por exemplo. Validar diferenças, a meu ver, significa nossa compreensão de que, a partir de perspectivas ética ou ecologicamente orientadas, não temos o direito de desqualificar modos de pensar, falar e agir alheios, porque não se adequam às nossas visões de certo e errado. Validar diferenças significa, também, pensar o outro a partir do olhar do outro, ou seja, do que náo nos parece familiar. Junto-me a Morin (2011) para entender que criticidade e complexidade dialeticamente constituem uma forma de enxergar o mundo, que depreende um exercício, ativo e incessante, de vivência da cidadania crítica (ANNETTE, 2009) ou democratizadora (DEI, 2013). 14

Isto porque a complexidade, assim como a criticidade, não se separa da ação e, “a ação é também um desafio”, mostra-nos Morin (2011:79), que prossegue alertando que a complexidade encontra-se na ousadia, na luta, na busca, e não nas respostas, usualmente prontas, fechadas, como profere o pensamento reducionista, o paradigma simplificador, que homogeiniza, oprime, silencia. Não há como entender essa visão como parte de um ensino, como algo a se fazer vez ou outra. Não há, penso eu, como adicionar temporariamente o teor crítico a um fazer, a um olhar. Criticidade é uma posição axiologicamente assumida que orienta, que reflete e refrata tudo o que entendemos como realidade. É uma questão, então, de enxergar e de ensinar língua inglesa sob as lentes da criticidade. Assim sendo, ensinar línguas criticamente não se trata somente e sempre de polemizar, mas de problematizar. Não se trata, também, de deixar de ensinar conteúdos porque devemos ser críticos. Trata-se, sim, de redimensionar o porquê e para que ensinamos esses conteúdos e, muito provavelmente, como fazemos isso. Na perspectiva da formação plurilíngue, pautada pelo pensamento de Pennycook (2010a/b; 2012), é, portanto, central que busquemos fazer do processo de ensino-aprendizagem de línguas uma experiência dialética de mobilidade e localidade, de ressignificação, de apropriação crítica de dizeres e fazeres, que levará sempre em consideração valores e identidades locais, subjetividades e discursos (re)construídos em meio ao processo educativo. Desse modo, um ensino crítico de língua inglesa é, acima de tudo, um processo que deverá contar com o inesperado, conforme destaca Pennycook (2012). Uma perspectiva de natureza crítica acata a premissa de que ser crítico revela-se um processo aberto, dinâmico, do qual emergem novas questões, novos problemas, do qual surge o desconhecido. As implicações práticas dessas teorizações, conforme bem nos mostra Keating (2007), recaem na impossibilidade de querermos controlar tudo ao processo educativo e de estabelecermos objetos e resultados fechados como produto final. Não há produto final. Ensinar e aprender criticamente é algo que se materializa, sempre, de modo aberto, contingente e processual. Não estou dizendo, com isso, que não deva haver planejamento no processo educativo. Pelo contrário. Ensinar nessa perspectiva requer muita preparação e segurança, em meio àquilo que não se pode controlar, por completo. Estou enfatizando, por exemplo, que, ao pensarmos uma tarefa a ser desenvolvida, é importante que, por um lado, tenhamos em mente os letramentos a serem desenvolvidos, as capacidades a serem fortalecidas, para que os alunos consigam engajar-se em uma atividade social, por meio dos gêneros que nela circulam, levando-se em conta as condições de produção dessas interlocuções e seus propósitos comunicativos, de modo significativo e situado. Por outro, é preciso um olhar atento para que não 15

impossibilitemos que práticas de linguagem e gêneros outros, não planejados como objetos de ensino, mostrem-se presentes ao longo do processo. Acima de tudo, é necessário percebermos e questionarmos os discursos que circulam nessas práticas e que sustentam relações sociais autoritárias, permitindo a presença, inesperada, de formas outras de interpretação. Do mesmo modo, não menos importante é compreendermos que, ao nos envolvermos em práticas educacionais plurilíngues, estaremos sempre tomando nossas próprias convicções como objetos de crítica e reflexão, vivenciando sempre algo novo, diferente. É ainda relevante percebermos que o inesperado no ensino-aprendizagem, nessa vertente, advém também da reconfiguração dos espaços transitados e dos papeis assumidos pelos participantes. Desse modo, o ensino plurilíngue, crítico e democrático, leva-nos a confrontos com os desafios de uma cultura participatória (JENKINS, 2010), em que a agentividade e a colaboratividade, sempre de modo situado e questionador, tornam-se base para um engajamento cívico que envolve diferentes modos de nos expressarmos e de vivermos o/no mundo, e que abarca, ainda, o entrecruzamento de diferentes espaços e perspectivas. Diante de todo o exposto, entendo que possamos sucintamente enfatizar que o viés plurilíngue tem como marca o constante questionamento acerca do quanto nossas ações (pedagógicas) revelam-se potencializadoras de criticidade, visando a relações de bases mais igualitárias e éticas, nos mais variados contextos, âmbitos e campos sociais. Enfoque plurilíngue e transculturalidade no ensino crítico de língua inglesa: um processo de (re)construção de multiletramentos e discursos

Como tenho afirmado em trabalhos anteriores (ROCHA, 2012b), em uma perspectiva plurilíngue é extremamente relevante mantermos sempre em mente a liquidez das relações humanas na atualidade, conforme enfaticamente nos mostra Santaella (2007:24), ao afirmar que as linguagens, do tempo e do espaço, “deslizam [...], sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se”, fazendo com que texto, imagem, som, cor e movimento desgarrem-se de suportes fixos para fluidificarem-se na dança da comunicação entre as pessoas e o mundo, (re)construindo modos de ser, viver e ver o mundo. Nessa vertente, evidencia-se claramente a necessidade de considerarmos o caráter plural que marca as relações humanas, em termos de linguagens, línguas sociais, culturas, valores e identidades, o que por sua vez inviabiliza qualquer perspectiva de natureza monolítica. Nessa direção, volto meu foco à natureza essencial16

mente dialógica das relações humanas e concluo que um dos importantes conceitos a serem inicialmente problematizados quando pensamos o ensino de línguas deva ser a ideia de “estrangeiro”. Koltai (2009:139) sabiamente pontua que “a definição de estrangeiro é sempre dada por um Outro”, cujo interesse é assinalar, para seu próprio bem, a pertinência do que não é familiar, levando-nos a corroborar relações de natureza etnocêntrica, excludente e desigual. Ainda à luz do pensamento da mencionada autora, entendo que a volatilidade das relações atuais nos leva a descartar a visão de estrangeiro como “o Outro absoluto, aquele que vivia do outro lado do oceano ou atrás de fronteiras intransponíveis” (KOLTAI, 2009:143). É importante destacar que não vejo o eu e o outro como polos distintos, fechados e estáticos, mas como sendo algo definido pelas representações que temos do que nos constitui como pessoas e do que não validamos como parte de nossas vidas. Assim sendo, conforme ressaltei em trabalhos anteriores (ROCHA 2010; 2012a), sigo aqui defendendo que a distância entre o próprio e o estrangeiro no ensino de língua inglesa deva ser redimensionada. Seguindo nessa direção, penso que já é passada a hora de buscarmos desestrangeirizar o inglês, ou seja, de ampliarmos o escopo de nossas visões e posições, a fim de incorporar positiva e criticamente a pluralidade étnica, linguística e cultural que marca os mais diversos contextos contemporâneos, inclusive a esfera acadêmico-universitária. Nesse cenário ganham força algumas premissas, entre as quais destaco a ideia de que o trabalho com a cultura no processo educativo, muito distante de evidenciar um caráter informativo e generalizante, deva passar a incorporar visões menos homogeinizadoras e estereotipadas. A cultura, nessa direção, é pensada como processos discursivos, identitários, que marcam e orientam nossas subjetividades, nossos modos de ser, pensar e viver (COX; ASSIS-PETERSON, 2007), estando, assim, inerente e dialeticamente ligada à linguagem. Esses processos linguístico-culturais, que nos constituem como pessoas, marcam nossa relação com o mundo e, portanto, com nosso colega de sala ou de trabalho, com nossos professores, amigos, familiares, com os produtos que compramos, com aquilo que vestimos, comemos, com as formas que encontramos de diversão, de trabalho, etc. Esses processos marcam a distância entre o familiar e o estrangeiro, delineiam nossos julgamentos de valor. Refletem e refratam, enfim, o mundo e tudo o que faz parte dele e de nossas vidas. Assim, trabalhar cultura em sala de aula pode, claro, abarcar a exploração de eventos, fatos, costumes, valores e visões que parecem marcar todo um povo que, por vezes, encontra-se muito distante (também geograficamente), mas sem tomar esses aspectos sob um viés monolítico. Assim sendo, sob perspectivas plurilíngues, esse trabalho pode e deve também abranger valores e discursos sob 17

uma perspectiva multicêntrica. Nesse contexto, tudo ao nosso redor pode ser foco de nosso trabalho com a cultura em sala de aula, levando-nos a abordar aquilo que mais se vincula a nossa vida cotidiana, familiar, em nossa comunidade, em contraponto a valores, práticas, culturas, discursos e identidades mais globais. O enfoque desse trabalho é, assim, o processo interpretativo e sua problematização. Trabalhar cultura na sala de aula de línguas, sob um enfoque plurilíngue, significa promover a reflexão sobre nossas representações e valores, a compreensão das razões pelas quais pensamos do modo que pensamos, além de possibilitar questionamentos e deslocamentos, no que diz respeito às nossas constituições identitárias, às nossas percepções e valorações enquanto sujeitos que integram grupos sociais específicos, que participam de comunidades distintas, que ocupam posições discursivas particulares nas relações travadas em seu meio. O trabalho cultural plurilíngue envolve, desse modo, contrapor visões, culturas, línguas, linguagens, e discursos, percebendo o diferente de vários lugares distintos e, acima de tudo, percebendo o jogo de forças que permeia tudo isso. O enfoque aqui defendido implica pensar constantemente quem ganha e quem perde a partir das posições que ocupamos, dos valores que nos constituem, dos julgamentos de valor que fazemos, avaliando o funcionamento social que sustenta e orienta todos esses discursos e visões. Não menos importante, mostra-se buscar promover rupturas em direção a modos de ser, dizer e viver menos desiguais e opressores. Esse trabalho plurilíngue envolve, consequentemente, discutir o funcionamento social de nossas ações e visões, como também dos textos (em seu sentido amplo) que medeiam nossas atividades sociais. Esse trabalho implica, ainda, expandir olhares, discutir temas, assuntos, questões sociais diversas sob perspectivas e orientações ontológicas distintas. O trabalho pedagógico sob perspectivas plurilíngues envolve acatar que sentidos são construídos histórica e culturalmente e que não existem verdades absolutas. É, pois, em meio à polifonia da vida cotidiana, em meio à reflexão sobre as posições discursivas que ocupamos nas diversas atividades em que nos engajamos, que podemos também fazer emergir encontros e desencontros entre o familiar e o estrangeiro, a fim de que rupturas possam fazer do estranho algo menos desconfortável, promovendo possibilidades de validação das diferenças. O enfoque plurilíngue implica, assim, um constante e ativo processo de (re)apropriação da língua e da cultura do outro, um dialógico processo de reconfiguração, para que o que era do outro torne-se ressignificadamente próprio e vice-versa. Nessa direção, a noção de glocalidade, conforme definida por Robertson (1995) e revozeada por Kumaravadivelu (2006), assume um papel central, por entrelaçar as relações entre o que é global e o que é local de forma dinâmica, sem enxergá-los de modo bipolarizado, mas multicêntrico, fronteiriço. Nessa relação, 18

processos de apropriação assumem-se também como espaços permeados de discursos que se reconfiguram e se reconstroem contra-hegemonicamente. Nesse sentido, Pennycook (2012: 237) defende o conceito de “deep locality”, entendido como processos ativos e seletivos de (re)construção de localidade, em que o potencial de criticidade e de agência dos sujeitos no discurso seja maximizado, em favor de uma apropriação reflexiva, crítica, transformadora, de discursos e práticas globais, levando-se sempre em consideração a relatividade de ambos conceitos - global e local. A ideia de transculturalidade emerge, assim, desses entrecruzamentos, mostrando-se um importante conceito na perspectiva plurilíngue. Esse conceito advém do ativo e incessante cruzamento de fronteiras em meio aos processos discursivos, culturais e identitários que nos constituem como pessoas e também ao outro, a fim de que deslocamentos ocorram e que possamos vivenciar modos mais híbridos, abertos e menos opressores de conviver com o que não nos parece familiar. Desse modo, advogo que, na perspectiva da formação plurilíngue, devamos procurar viabilizar processos de reconfiguração e ressignificação que igualmente compreendam, de maneira menos estática e opressora, tanto globalidades quanto localidades, sem que ambos os conceitos sejam vistos de modo bipolarizado. Nessa direção, faço minhas as palavras de Menezes de Souza (2007), ao defender que adentremos a cultura do outro, não para que habitemos espaços alheios permanentemente, mas para que vivenciemos um processo de apropriação e transformação, preservando o que nos é próprio, o que nos singulariza. São muitas as implicações dessas premissas para o ensino de língua inglesa. Entre tantas outras, reitero que devamos buscar intensificar os cruzamentos de línguas, linguagens (sociais), visões, culturas e identidades em nossas práticas pedagógicas, a fim de que não nos tornemos meros reprodutores de discursos autoritários, que desconsideram nossos valores, nossos modos de falar, dizer e ser. Ao levarmos em consideração todos esses pressupostos, buscando vinculá-los ao ensino de língua inglesa em contexto acadêmico-universitário, entendo que possamos claramente perceber, primeiramente, a necessidade de situarmos esse ensino e, assim, ponderarmos, com muita seriedade e por entre deslocamentos, sobre o ensino superior em nosso país e sua relação com processos de globalização e internacionalização, de modo a não oprimir localidades e não intensificar as desigualdades, conforme discutem Unterhalter e Carpentier (2010). Além disso, como já indicado neste trabalho, evidencia-se a importância de reconfigurarmos o caráter demasiadamente prático, carregado de visões neoliberais e discursos autoritários, geralmente atribuído ao inglês nesse campo. Nesse sentido, encontro apoio em Benesch (2001), que desconstrói o conceito de EAP/ ESP visto como um ensino de caráter prioritariamente pragmático, apolítico e acrí19

tico, em prol de uma prática que permita aos alunos engajarem-se em atividades sociais típicas desse contexto, mas que, acima de tudo, possibilite que, também pelo entrecruzamento de atividades, discursos e gêneros de diferentes esferas, eles possam ativa e criticamente reprojetar essas atividades, ao invés de meramente repeti-las, perpetuando visões e valores centralizadores. Ao lado da referida autora, tenho advogado em favor de um ensino crítico de inglês no campo acadêmico-universitário que tenha como propósito central maximizar a participação dos alunos “no trabalho, na vida cívica e outras áreas” (BENESCH, 200: xv), partindo do entrelaçamento, nem sempre harmônico, de práticas de linguagem cotidianas e institucionalizadas. A apropriação desses fazeres e dizeres híbridos, de forma protagonista e crítica, fortalece possibilidades de que textos e discursos sejam transformados, de que práticas sejam mescladas, redesenhadas, recriadas, no que diz respeito a seus propósitos, bem como às formas composicionais, linguagens e meios que a definem. Desse modo, o ensino plurilíngue evidencia, também, seu potencial caráter pluriestilístico. Inerentemente ligada a essas orientações, encontra-se a busca pelo fortalecimento das capacidades criativas do aluno, a fim de que ele, mais ativa e efetivamente, participe desse incessante processo de (re)projeção de espaços, dizeres e fazeres, conforme defendem Cope e Kalantzis (2000). Em outras palavras, pelo enfoque de um ensino plurilíngue e pluriestilístico, mostra-se vital que ampliemos as possibilidades de materialização da compreensão ou réplica ativa (BAKHTIN, 1988 [1934-35]), para que se potencialize uma postura agentiva, problematizadora. Com Bazerman (2004, 2005), entendo que a ideia de agência envolve a capacidade de engendrarmos discursos, de engajarmo-nos em práticas sociais diversas, compreendendo as relações de poder materializadas pela linguagem e, portanto, o complexo funcionamento social dos textos, sempre discursivamente marcado. Ao mesmo tempo, atrelo a noção de agência à nossa capacidade criativa de reprojeção (COPE, KALANTIZIS, 2000), ou seja, de nosso potencial autoral ou criativo de ressignificar discursos e reconfigurar práticas, sob perspectivas éticas, democráticas e transformadoras. Entendo, ainda, que nos processos de interpretação em que nos engajamos, ao nos relacionarmos com o outro, no mundo, tudo e todos assumem uma natureza agentiva, que carece, também, ser problematizada. Nesse sentido, é importante que se instaure, no processo de ensino-aprendizagem, o conflito, aqui entendido como a presença e o questionamento da diferença em nossas práticas. É vital que promovamos, por meio de nossos fazeres pedagógicos, em um movimento centrífugo, a circulação de discursos outros, de uma pluralidade de vozes, línguas e linguagens (sociais), a serem experimentadas, questionadas, pelos participantes nas salas de aula. Isto porque é essa contraposição que permite 20

que conflitos diversos sejam tratados e percebidos sob perspectivas críticas e éticas (KUBOTA, 2004), fazendo com que novos olhares, ou seja, discursos transformadores, tornem-se internamente persuasivos. Dessa maneira, processos de (re) apropriação de ideias, de falares e de fazeres podem se fazer presentes. Assim sendo, a formação plurilíngue evidencia-se natural e primariamente, polifônica, ou seja, marcada por vozes, posições axiológicas, dissonantes. Com a polifonia, evidencia-se a importância de se fortalecer a criticidade, a fim de que possamos retomar o “trato ético dos discursos em uma sociedade saturada de textos”, como também a necessidade de se refutarem perspectivas que levem ao envolvimento com textos e discursos de maneira “instantânea, amorfa e alienada” (ROJO, 2009: 108). É por essa razão que, apoiada em Benesch (2001) e em Menezes de Souza (2011), venho reforçando (ROCHA, 2012b) a centralidade do papel do letramento crítico no ensino de inglês na esfera acadêmico-universitária, a fim de que este possa romper com seu caráter primariamente pragmático ou instrumental. Para Benesch (2001: xvii-xviii), esse é um exercício que envolve a compreensão do EAP/ESP como algo que abarca a relação de mútua constitutividade entre “análise de necessidades e análise de direitos”, em que se busque a construção de conhecimentos específicos, devido a necessidades específicas, ao mesmo tempo em que se considerem as relações de poder e se lute pela construção de relações menos assimétricas na sociedade contemporânea. Práticas plurilíngues e sua interface com os gêneros discursivos no ensino de inglês na universidade

Na perspectiva plurilíngue até aqui discutida, o caráter dialógico e discursivo da linguagem é sempre reconhecido, não sendo possível abstrair as práticas de linguagem de suas condições de produção. A noção de gêneros discursivos é central nesse processo, uma vez que eles são entendidos como organizadores das atividades sociais, nos mais diferentes espaços. Por esse prisma, é importante também levar em consideração o vínculo entre os gêneros e as diferentes esferas ou campos de comunicação que os originam e permitem sua circulação, assim como a determinação desses espaços pelo funcionamento social e histórico das relações humanas. É dentro dessa organização social que a formação plurilíngue segue em busca da construção de novos ou de multiletramentos, capazes de fortalecer o potencial de engajamento, social e discursivo, do cidadão no mundo, ampliando seus espaços de circulação e seu potencial de agência. Resgatando reflexões previamente teci21

das, pode-se dizer que a formação plurilíngue evidencia-se pela sua capacidade em promover práticas marcadamente plurais diante das linguagens, línguas sociais, semioses e modalidades envolvidas, plurivocais, pelo confronto de vozes instaurados, e, por fim, pluriestilísticas, pelas abertura às possibilidades de reconfigurações ou reprojeções. A produção discente que segue apresentada materializou-se a partir da proposta de que o(a) aluno(a) buscasse pensar em sua constituição identitária, a partir de suas vivências, dentro e fora da universidade, a fim de que pudesse dizer a um outro, quem era. Tematicamente essa questão mostrava-se importante no contexto em que o processo de ensino-aprendizagem estava inserido, uma vez que os discentes, de modo geral, encontravam-se ainda em um momento de percepção do novo espaço em que circulavam, no caso, a universidade. Esse momento de percepção e adaptação naturalmente implicava um processo de ressignificação de olhares, ou seja, um movimento de deslocamento e de reconfiguração de suas identidades e subjetividades, a partir dos contatos e embates travados nesse meio. Um dos objetivos da tarefa proposta recaiu, assim, em buscar promover possibilidades para que os alunos agissem criativamente ao elaborarem suas narrativas. Esse movimento envolvia a ideia de que os alunos promovessem pequenas rupturas em termos do contexto de circulação do gênero focalizado (apresentação pessoal), bem como possíveis reconfigurações de ordem composicional ou estilística, por meio do cruzamento entre diferentes âmbitos e esferas que serviriam de base para a atividade social em questão e seus propósitos comunicativos principais: dizer quem sou, aqui, agora. Entre tantas outras, segue uma das produções que se mostraram significativas.

Figura 1 – Produção discente: ProFIS - 2011/20126

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Em termos de forma composicional e estilo, pode-se dizer que o resultado da tarefa é um tanto limitado, uma vez que se mostra mais fortemente marcado pela reprodução. Isto porque podemos facilmente reconhecer os gêneros em questão e os espaços em que estes circulam: trata-se de um folheto que se propõe a divulgar filmes e que serve para informar o público sobre a programação em cartaz. Essas características da produção não a invalidam, contudo. Primeiramente, mostram-se interessantes para o ensino de inglês, pois nos permitem construir bases para a compreensão desses gêneros selecionados, em termos de sua forma, estilo e funcionamento, e assim desenvolver letramentos nessa língua, de modo bastante significativo e situado. Devemos também perceber que, ao realocar suas narrativas para o âmbito da ficção, a aluna nos faz um convite ao deslocamento, fazendo circular discursos sobre suas subjetividades e identidades, que significam somente a partir dessas novas condições de produção. Ao transportar para a esfera do entretenimento enunciados que originalmente se estabeleciam em espaços do cotidiano (e na esfera escolar, como gêneros escolarizados), abrem-se possibilidades de ressignificações, intertextualidades e interdiscursividades na construção do texto, ao mesmo tempo em que outras posições discursivas podem ser assumidas. Práticas de intertextualidade ou interdiscursividade, realocadas para o campo educacional, têm seu valor e impacto reconhecidos, em termos de sua potencialidade frente à (re)construção de conhecimentos e discursos. Essas práticas implicam, de modo sucinto, o cruzamento, plurilíngue, polifônico e pluriestilístico, entre gêneros de diversos âmbitos e esferas sociais, permitindo a reconfiguração (também de ordem estética) de olhares, fazeres e dizeres. Segundo Bazerman (2004), o desenvolvimento dessa consciência intertextual maximiza nosso potencial agentivo, na medida em que insere práticas letradas em um contexto mais rico e amplo, aumentando significativamente as capacidades do indivíduo de mover-se por entre textos diversos, em contexto particulares, modificando-os de acordo com propósitos e necessidades próprios. Para Bazerman (2004:64), portanto, uma abordagem intertextual e retórica perante a elaboração de textos (escritos, orais e multimodais), conforme evidenciado, significa “criar autoria, agência, e textos em potencial”, ao invés de apenas fragmentá-los com base nas capacidades que requerem para serem construídos e veiculados. Dessa forma, prossegue o autor, podemos auxiliar os alunos a “escreverem-se a si próprios, bem como a escreverem seus interesses, no mundo da linguagem”, vivenciado novas formas de ser, dizer e viver. Nessa direção e com base no exemplo que foi apre6. Note-se que a figura se mostra ilegível propositalmente, a fim de garantir o sigilo das informações pessoais da participante. Isso em nada interfere na ideia discutida, uma vez que o gênero em questão (folheto) pode ser facilmente reconhecido.

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6 sentado, podemos considerar que as práticas entendidas aqui como plurilíngues mostram-se potencialmente capazes de desenvolver ou fortalecer o potencial criativo ou agentivo dos alunos. Por sua vez, práticas de cunho plurilíngue e, assim, necessariamente de natureza plurivocal, trazem para o centro do processo educativo o conflito, buscando materializar-se contra-discursivamente no confronto entre forças centrípetas e estratificadoras, sempre em busca de diálogos (nem sempre pacíficos), interpenetrações e reconstrução de subjetividades. Assim sendo, as incursões práticas que seguem apresentadas foram levadas à sala de aula com o propósito de mediar provocações e problematizações acerca da ordem social vigente em nossa sociedade. A partir de textos extraídos da Web que integram um processo paródico conhecido como culture jamming, os alunos foram convidados, primeiramente, a observar os sentidos materializados pelos enunciados trazidos em dois gêneros e situações distintas, conforme evidenciado na figura apresentada.

Figura 2 – Culture jamming no ensino crítico de língua inglesa

Além de problematizarmos questões sociais que envolvem capital, consumo, produção, entre outros aspectos que apresentam uma interface com poder, identidade, cultura e sociedade, foi possível trabalhar o entendimento de muitas ideias, tais como a natureza situada da linguagem e a diferença entre sentença e enunciado, a partir de um olhar prático. Nessa perspectiva, mostrou-se importante 24

problematizarmos o fato de que, sob premissas discursivas, os sentidos são cultural e historicamente orientados, e, portanto, construídos a partir de suas condições de produção. Pelas imagens e enunciados, foi possível observar que os sentidos não se encontram estaticamente fixados em um agrupamento de palavras, uma vez que o slogan: Just do it. mobiliza diferentes discursos nos exemplos apresentados. Conforme afirmam Vasquez et al (2010), um processo educativo de bases críticas deve levar o aluno a des/reconstruir ativamente o texto (oral, escrito e multimodal/multissemiótico), percebendo explícitos e implícitos, observando as representações, valores e funcionamento social a ele vinculados. Nesse sentido, as práticas pedagógicas em questão mostraram-se muito relevantes para promover a contraposição de discursos, tornando mais visível a compreensão da ordem social que certos enunciados sustentam e quais valores são veiculados na materialidade da linguagem. É importante colocar que o questionamento social desenvolvido a partir da atividade baseada nos gêneros e enunciados apresentados envolveu, ainda, a problematização de que discursos autoritários não fazem parte apenas de uma realidade distante, vivida pelo outro, mas que são também por nós reproduzidos, de muitas formas, nas diferentes atividades em que nos engajamos diariamente. Os alunos tiveram, com isso, provavelmente, a oportunidade de experimentar deslocamentos, mesmo que temporários, enquanto buscávamos também relacionar com nossas vidas e fazeres cotidianos, práticas veiculadoras de discursos opressores, como aquelas criticadas pelos exemplos discutidos. Outra incursão prática que se revelou bastante rica diante da problematização de diferenças e discursos autoritários foi aquela em que questões identitárias foram discutidas a partir de personagens que evidenciam, de forma ou outra, particularidades que são estigmatizadas em nossa sociedade. Para desenvolver tais discussões, entre outras possibilidades, escolheu-se o filme Precious. A protagonista do romance e filme intitulados pelo seu nome é uma pedra preciosa e, assim, uma “princesa” que é “atípica” em uma sociedade orientada por visões de beleza extremamente excludentes. A prática mostrou-se bastante satisfatória, na medida em que possibilitou que a polifo25

nia se fizesse presente, permitindo que olhássemos para valores opressores, a partir das diferentes posições que ocupamos em nossas relações sociais, refletindo porque pensávamos da forma que pensávamos e quais as implicações de nossas visões. Assim sendo, práticas plurivocais parecem atender à urgente necessidade de que, pelo nosso ensino, possamos problematizar cronotopias, questionar valores e posições, confrontar o funcionamento social e a ordem discursiva que impõem valorações e estereótipos opressores e injustificáveis, sob uma perspectiva ética. O caráter transgressor de um ensino de bases plurivocais pode também ser observado em outra produção discente, voltada à questão de identidade. O exemplo que segue revela a produção de uma aluna que, para se apresentar, decidiu construir um blog para “narrar sua história”. Por si só, a seleção desse gênero e forma já se evidencia como uma prática que supera narrativas lineares e convencionalmente normatizadas. Podemos observar que um discurso mais transgressor, marcado pela validação de diferenças, começa a se delinear pelo enunciado “Being different is cool...” e pela busca de materialização de interdiscursividade e intertextualidade revelada por meio das figuras utilizadas para a construção temática (de sentidos). Observa-se, ainda, que letramentos autorais começam a querer se fazer presentes, na medida em que a reprodução de dizeres e fazeres se fragiliza através da escolha de textos remixados para compor a narrativa. A meu ver, subjetividades podem estar sendo (re)construídas nesse processo, rumo a valores e discursos menos opressores, enquanto letramentos em língua inglesa simultaneamente são desenvolvidos.

Being different is cool...

Figura 3 – Produção discente – ProFIS – 2011/2012

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Vale aqui um aparte para destacar que o trabalho sob uma perspectiva crí-

tica não demanda, necessariamente, conhecimentos linguísticos complexos. Pode-se notar pelos gêneros até agora trazidos para exemplificar práticas pedagógicas sob a ótica da formação plurilíngue que, estilisticamente, suas bases não apresentam complexidade, sendo portanto possível trabalhar nessa vertente com alunos cujos conhecimentos linguístico-discursivos em inglês sejam ainda limitados. Sob o enfoque da formação plurilíngue, muitas práticas podem trabalhar a dimensão pluriestilística. Nesse sentido, é preciso resgatar a ideia de que, segundo premissas enunciativas, todo e qualquer enunciado (unidade mínima de comunicação) ocupa sempre uma posição definida quando materializado em uma dada esfera de comunicação. Constata-se nesses princípios a base de sustentação do conceito de gêneros discursivos, que sucintamente podem ser compreendidos como “modelos tipológicos de construção da totalidade discursiva” (BAKHTIN, 2003 [1979]: 334), os quais apresentam relativa estabilidade. Como destaca Bazerman (2005:31), diante de sua imensurável complexidade, riqueza e diversidade, ao categorizar, analisar ou, ainda, selecionar gêneros, podemos fazer uso de abordagens diferentes, indo além de seus elementos mais facilmente reconhecíveis e, assim, orientando-nos por “conceitos que se sobrepõem e que envolvem diferentes aspectos dessa configuração”. Uma das possibilidades que se mostram enriquecedoras, nessa direção, é o próprio trabalho com gêneros que podem ser tidos como híbridos, possivelmente não muito familiares para muitos alunos, como é o caso das graphic novels. Nessa vertente, o trabalho com o Prefácio do livro intitulado Daytripper, de autoria dos irmãos Moon & Bá, escrito por Craig Thompson, além de possibilitar um rico trabalho multimodal, permite que sejam percebidas e vivenciadas formas outras, menos lineares e convencionais, de se elaborar um texto de Apresentação. Essa obra, como um todo, cruza o campo das artes e permite que sejam promovidas reflexões de bases identitárias, possibilita que sejam discutidas questões que abarcam o mundo do trabalho, mostrando-se bastante pertinente para o contexto de ensino em foco. Nessa vertente, alguns pesquisadores têm insistido na necessidade de ressignificação de práticas letradas, principalmente relacionadas à escrita em contexto acadêmico-universitário, como um meio de expandi-las ou transformá-las, distanciando-as de sua natureza rigidamente normatizada. Lillis (2011) discorre sobre o processo de justaposição textual e ideológica, como possibilidade de fortalecimento do caráter dialógico dessas práticas e de abertura para a diversidade em processos de construção de conhecimento no ensino superior. Ao tematizar a reconfiguração de práticas de escrita acadêmica, por sua vez, English (2011) recorre às noções de recontextualização e gêneros, aliadas às ideias de multimodalidade e discurso, e propõe que o potencial criativo dos alunos seja maximizado por meio de processos 27

definidos como regenring. De modo bastante simplificado, podemos dizer que a autora vincula esse processo à recontextualização de espaços, modos e modalidades, mídias, processos de produção e distribuição do texto etc, enfatizando o papel da agentividade, em um processo que leva o aluno a realocar o conhecimento acadêmico e a reposicionar-se, discursivamente, também como escritor/autor. Valido, portanto, a ideia de promovermos processos de regenring ou de regenerificação como potenciais meios para o desenvolvimento do letramento crítico no ensino de línguas. Assim como English (2011:298), em meio a essas práticas, em que gêneros são (cri)ativamente reconfigurados temática, estilística e composicionalmente, creio que os alunos tenham a oportunidade de incorporar criticamente reflexões sobre serem alunos, serem cidadãos do mundo, que circulam em vários espaços, pensando na posição que assumem nesses variados campos e permitindo, assim, que um processo de reconstrução de subjetividades e identidades seja delineado. Por fim, entendo que seja pertinente mencionar que percebo o ciberespaço como um meio de potencializarmos práticas plurilíngues de letramento crítico. Conforme afirma Santaella (2010), este é um espaço de transmutação. É o espaço do coletivo e, assim, um convite ao deslocamento e a que travemos contatos em busca de conhecimentos (múltiplos, heterogêneos). É um espaço de engendramento de subjetividades, estas vistas pela autora como polifônicas, multiformes, descentradas, instáveis, subversivas, que transitam, transversalmente, entre-planos, tecendo junto coisas diferentes, num processo contínuo de integração e ruptura. Ao buscar intensificar o desenvolvimento de práticas dessa natureza no ensino de língua inglesa em contexto acadêmico-universitário, procuro também aproximar o ciberespaço de minhas propostas didáticas. Um projeto de escrita colaborativa na Web7 foi assim delineado, revelando-se, desde seu princípio, uma experiência bastante rica ao mostrar-se como um espaço de encontros e desencontros muito fértil para a construção de multiletramentos através de/em língua inglesa, assim como do letramento crítico. Pelas suas dimensões, analisar essa proposta foge ao escopo deste trabalho. Entretanto, vale aqui destacar que a ideia inicial era a de problematizar a universidade em tempos de globalização e internacionalização e seu impacto na vida dos alunos (dentro e fora da universidade), por meio de narrativas pessoais, ou gêneros outros que fossem articulados em uma publicação online, que primeiramente foi definida como um jornal online. Seguindo o pensa7. O referido projeto encontra-se vinculado ao grupo Ensino de Língua Estrangeira, formação cidadã e tecnologia (CNPq/Unicamp) e envolveu um grupo de pesquisadores por mim coordenado, composto por graduandos e pósgraduandos, aos quais, indistintamente, agradeço imensamente pela valiosa e imprescindível colaboração. Meus agradecimentos são extensivos ao grupo de alunos das disciplinas LA094 (Língua Inglesa IV)/ProFIS/2011-2013 e LA212 (Inglês II/2012) por terem trabalhado para a concretização do projeto de forma tão responsável e comprometida.

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mento de Vasquez et al (2010: 267), um dos objetivos do projeto era o de analisar se o potencial agentivo dos alunos seria fortalecido conforme eles se engajassem na “criação de textos multimodais que pudessem ser acessados mundial e publicamente,” evidenciando esse processo como um meio de ação (crítica e) social vinculada ao ciberespaço. Ao final de um semestre letivo pudemos contar com uma publicação intitulada – The Loudspeakers8, que revelou características plurilíngues, plurivocais e pluriestilísticas. Diante de todo o exposto, finalizo este trabalho reiterando a importância de focalizarmos o caráter crítico e político da educação linguística e suas implicações para qualquer processo educativo. No tocante à língua inglesa na universidade, considero ser o viés crítico da formação que tomo como plurilíngue um aspecto fundamental para que ocorram rupturas diante do papel essencialmente utilitário desse ensino, bem como frente a visões de ordem monolítica e autoritária. A criticidade, a meu ver, fortalece o papel formativo do processo, possibilitando a formação democrática de cidadãos capazes de agir crítica e efetivamente, por meio da língua inglesa, nos diversos campos em que circulam, como profissionais e cidadãos do mundo, questionando incessantemente discursos, valores, posições e imposições, em suas múltiplas formas e espaços. Recebido em 12 de agosto de 2013. Aceito para publicação em 28 de outubro de 2013.

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8. O jornal online – The Loudspeakers - pode ser acessado no seguinte endereço: http://worldenglishvoices.wix.com/newspaper

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INTERCULTURALIDADE E CURRÍCULO OFICIAL DA REDE PÚBLICA ESTADUAL PAULISTA: ANÁLISE DE ATIVIDADES PROPOSTAS PARA O ENSINO MÉDIO Cristiane Oliveira CAMPOS-GONELLA Nelson VIANA Universidade Federal de São Carlos (São Carlos)

RESUMO Neste artigo, discutimos a abordagem comunicativa intercultural no ensino de línguas e, à luz da mesma, analisamos algumas atividades de aprendizagem do currículo oficial do Estado de São Paulo propostas para o ensino médio. Verifica-se uma perspectiva pluricultural que parece indicar, como objetivo, a sensibilização dos aprendizes para questões culturais. PALAVRAS-CHAVE: ensino de língua, interculturalidade, material didático

ABSTRACT In this article, we discuss the intercultural communicative approach in language teaching and, in the light of it, we analyze some learning activities proposed to high school students at São Paulo State public schools. We verify a pluricultural perspective aiming to make learners sensible to cultural issues. KEYWORDS: language teaching, interculturality, teaching material

Introdução

A

tualmente, o contato entre indivíduos de diferentes culturas é bastante comum, devido ao fato de vivermos em um mundo globalizado caracterizado pelo rompimento de fronteiras e de barreiras, pelo encurtamento do tempo e do espaço, pelo estreitamento das relações entre os povos. A globalização econômica é acompanhada pela globalização cultural, cujo fluxo é cada vez mais abrangente e intenso, em um mundo em que as culturas estrangeiras não são mais tão estrangeiras quanto costumavam ser1 (Kumaravadivelu, 2008: 38).

Além disso, a chamada era da informação, caracterizada pelo uso de novas tecnologias em que se destaca a internet, aproxima as pessoas em relação a grupos, nacionalidades, culturas distintas. Tal aproximação, de acordo com Rozenfeld (2007: 68), torna cada vez mais necessária a qualificação e a capacitação para interação e comunicação intercultural e, nesse contexto, ocorre o avanço triunfante da língua inglesa como meio preferido de comunicação internacional (Rajagopalan, 2003: 60). Com o intuito de viabilizar que os aprendizes de línguas sejam interculturalmente competentes, o ensino-aprendizagem de inglês passa a ser orientado pelo viés da abordagem (comunicativa) intercultural e é sob essa perspectiva, e considerando o importante papel do material didático, que analisaremos atividades destinadas à primeira série do ensino médio das escolas públicas estaduais paulistas, cuja proposta apresenta, entre os objetivos, o desenvolvimento de competência intercultural. 1. Cultura, interculturalidade, língua(-cultura) Conceituar cultura é uma tarefa complexa, inesgotável e subentende transitar por diferentes áreas do conhecimento que se dedicaram/dedicam ao seu entendimento. Como afirma Thompson (2002: 165), trata-se de um conceito que possui uma longa história própria, e o sentido que ele tem hoje é, em certa medida, um produto dessa história. O estudo da cultura passa, portanto, por diferentes usos e sentidos que foram sendo atribuídos ao termo. Originalmente, cultura significava o cultivo ou o cuidado de alguma coisa, tal como grão ou animais (Thompson, 2002: 167). Posteriormente, a partir do início do século XVI, abrangeu o cultivo ou cuidado da mente, do desenvolvimento humano. No fim do século XVIII, inicia-se o uso independente do substantivo “cultura”; carregando significado em si mesmo, como processo ou como produto. Seus sentidos se multiplicam e esses, de acordo com Thompson (2002), podem ser agrupados em quatro concepções: clássica, descritiva, simbólica e estrutural. Na concepção clássica, surgida nas primeiras discussões sobre cultura, ocorridas nos séculos XVIII e XIX, ela é tomada como um processo de refinamento, de desenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas ligado às artes, ciências e educação formal.

1.Enunciado original: Foreign cultures are no longer as foreign as they used to be. (Kumaravadivelu, 2008: 38).

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Com a incorporação do conceito de cultura à Antropologia, no fim do século XIX, toma lugar a concepção descritiva. Sob a influência cientificista e evolucionista de Darwin, Malinowski e Tylor, o estudo da cultura envolve o agrupamento, a descrição, comparação, classificação, sistematização, análise científica do conjunto de crenças, costumes, idéias e valores, bem como os artefatos, objetos e instrumentos materiais, que são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de um grupo ou sociedade (Thompson, 2002: 173). Weber e Geertz, ao compreenderem o homem como um ser simbólico, intrincado em teias de significados que ele mesmo produz, corroboram a concepção simbólica de cultura, perspectiva interpretativista na qual cultura é o padrão de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças. (Thompson, 2002: 176)

Nas palavras de Geertz (1989: 15): Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.

Baseando-se na concepção simbólica, mas verificando e afirmando a necessidade de expandir sua compreensão, Thompson (2002) propõe uma perspectiva ampliada para o estudo dos fenômenos culturais – a concepção estrutural – que engloba(ria) tanto as formas simbólicas quanto os contextos sociais estruturados nas quais elas estão inseridas. A análise cultural envolve a interpretação das formas simbólicas por intermédio da análise de contextos e de processos socialmente estruturados (Thompson, 2002: 181). Como resume Paiva (2009: 38), Com base nessa concepção, pode-se entender o fator cultural como forma simbólica construída a partir da representação de algo em contextos estruturados, os quais são regidos por convenções e apresentam o sujeito 38

com intenções em potencial; intenções essas produzidas e interpretadas de acordo com a conjuntura sócio-histórica do momento.

Nessa perspectiva, como afirma Mendes (2004: 52), a cultura é constantemente transmitida, interpretada e modificada na realidade social, sendo, portanto, dinâmica, heterogênea, altamente mutável no tempo e no espaço. Atualmente, o contato entre diferentes culturas, ou, de maneira mais precisa, entre indivíduos de diferentes culturas, é bastante comum em função de vivermos em um mundo globalizado caracterizado pelo rompimento de barreiras, pela transnacionalização da economia e da cultura, pelo estreitamento das relações entre os povos e, ainda, por estarmos na chamada era da informação, balizada pelos meios de comunicação de massa e, principalmente, pela internet, conforme já apontamos. Kumaravadivelu (2008) denomina globalização cultural o intenso fluxo cultural ao redor do mundo, o constante contato entre pessoas e suas culturas, valores e modos de vida. As culturas estrangeiras têm, portanto, se desestrangeirizado, assim como as línguas devem se desestrangeirizar ao aprendiz, no processo de ensino-aprendizagem (Almeida Filho, 2002). A aproximação entre as pessoas torna a qualificação e a capacitação para o interagir e o comunicar intercultural cada vez mais necessárias, conforme afirma Rozenfeld (2007). Tal qualificação advém do entendimento da própria cultura e da cultura do outro, do manejo, respeitoso, de contradições e diferenças. O contato com uma cultura estrangeira, segundo Brown (2000: 183-184), se dá em quatro estágios: (1) excitação e euforia, em função do aspecto novidade; (2) choque cultural, em virtude do estranhamento, da percepção das diferenças; (3) estresse cultural, caracterizado pela gradativa aceitação das diferenças e empatia pela outra cultura; e (4) estágio da assimilação, adaptação, aceitação da nova cultura e consequente surgimento de uma nova perspectiva de si e do outro. Nesse mesmo sentido, Meyer (1991) apud Vilaseca (2000: 38) distingue três etapas de aquisição da competência intercultural: nível monocultural – o indivíduo percebe e interpreta a cultura estrangeira pela perspectiva da cultura materna; nível intercultural – a pessoa está situada entre as duas culturas, comparando-as e diferenciando-as; nível transcultural – o indivíduo se encontra acima das culturas, é um mediador entre elas e tal compreensão o auxilia(ria) no que podemos interpretar como um processo contínuo de reconfiguração da própria identidade. A competência intercultural, segundo Paiva (2009: 44) citando Byram (2000), é a capacidade de enxergar relações entre diferentes culturas – tanto rela39

ções internas como externas à sociedade – é a capacidade de mediar, ou seja, interpretar cada uma tendo como parâmetro a outra. Essa noção contempla, também, a habilidade de entender crítica ou analiticamente (partes da) própria cultura e de outras.

Para Brown (2000: 183), a língua – meio de comunicação entre membros de uma cultura2 – é a expressão mais visível e disponível daquela cultura . Logo, para ser interculturalmente competente é imprescindível o conhecimento linguístico. Sob uma perspectiva que podemos considerar corroboração do que discute Brown (2000), Vilaseca (2000: 36) afirma que a linguagem é considerada parte da cultura, no sentido de que os signos linguísticos são apenas a parte mais visível da cultura estrangeira. Consequentemente, não é suficiente estudar a linguagem para adquirir uma compreensão da cultura3. Por outro lado, como afirma o próprio autor, dado que a língua e a cultura caminham unidas, podemos dizer que é impossível “dominar” uma língua sem “dominar” a cultura, o mundo que está atrelado a ela4 (Vilaseca, 2000: 11). Nesse sentido, o termo língua-cultura nos parece bastante apropriado por demonstrar o quanto ambas estão imbricadas. Mendes (2004: 53) explica o conceito: Uma língua-cultura é, em última instância, um conjunto potencial de estruturas, forças e símbolos que assume posições, formas e cores diferentes, a depender dos matizes impressos pelo mundo à sua volta e de sua interpretação por aqueles que interagem através dela.

A língua-cultura é um meio de expressão em contexto social que abrange desde as estruturas formais (aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos) e suas normas de organização e combinação até o conjunto de códigos sociais e culturais convencionalizados que definem o uso das mesmas. O termo indica, assim, uma relação dialética entre língua e cultura-alvo e língua e cultura materna. 2. Enunciado original: (...) language – the means for communication among members of a culture – is the most visible and available expression of that culture. (Brown, 2000: 183) 3. Enunciado original: (...) El lenguaje es considerado parte de la cultura, en el sentido de que los signos lingüísticos sólo son la parte más visible de la cultura extranjera. Por consiguiente, no es suficiente estudiar el lenguaje para adquirir una comprensión de la cultura. (Vilaseca, 2000: 36) 4. Enunciado original: (...) dado que la lengua y la cultura van unidas, podemos decir que es imposible “dominar” una lengua sin “dominar” la cultura, el mundo que va unida a ella. (Vilaseca, 2000: 11)

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Quando nos comunicamos, nossa língua (comunicação verbal), gestos (comunicação não verbal) e comportamento são decorrentes de nossa cultura e, assim, haveria tanta diversidade de práticas e procedimentos comunicativos quanto há diversidade de línguas. Isso posto, podemos afirmar que a interculturalidade vai além de constatação, descrição, abrangendo também ação, intervenção, trocas entre realidades culturais. 2. Competência intercultural e abordagem comunicativa intercultural de ensino de língua Como apontado anteriormente, a competência intercultural se refere à capacidade e habilidade de conhecer e refletir sobre a cultura-alvo e sobre a própria cultura, tendo como objetivo o desenvolvimento de compreensão, tolerância e capacidade de lidar com diferenças e conflitos. Nesse sentido, um falante intercultural representa(ria) um mediador entre duas (ou mais) culturas, sendo importante – para tanto – que ele conheça língua e cultura e esteja atento a atitudes, afetividades, emoções e aspectos contextuais, interacionais, interpretativos e de negociação. A noção de mediador entre culturas, como afirma Bhabha (2006) apud Paiva (2009), longe de significar a polaridade entre duas culturas, significaria um terceiro espaço, um espaço inter ou um entre-lugar que se constitui hibridamente por meio de um processo dialógico, interacional. Stierstofer (2002) citado por Rozenfeld (2007: 80) atribui ao terceiro espaço o nome de região de mediação de competência intercultural. Tal região, a qual visa à transposição do vazio existente entre a língua materna e a língua estrangeira e entre a própria cultura e a cultura do outro, pode ser representada do seguinte modo:

Língua materna

Região de mediação de Competência de Intercultural a al

materna Língua estrangeira Figura 1: Representação da região de mediação da competência intercultural Fonte: Rozenfeld (2007) 41



Considerando o ensino da competência intercultural, Aguilar (2002: 100) afirma: Da mesma forma que a competência lingüística ou gramatical foi considerada insuficiente em algum ponto, trazendo à tona a competência comunicativa, devemos agora considerar ir um passo além da competência comunicativa e tentar fazer a competência comunicativa intercultural parte de nossas aulas de língua estrangeira5.

como para a ressignificação da própria identidade, afirma Paiva (2009). Contudo, como aponta Moita Lopes (1996), é preciso que o professor adote uma perspectiva de relatividade cultural de modo a evitar concepções estereotipadas da cultura materna e da cultura-alvo, supervalorização da cultura estrangeira e preconceitos, assim como descaracterização da identidade do aluno. 3. O material didático na abordagem comunicativa intercultural

A autora explica que a necessidade de se dar um passo além advém da insatisfação de professores de línguas com o uso puramente funcional da linguagem e da demanda dos mesmos para que a aquisição da competência comunicativa seja suplementada com conteúdo cultural intelectualmente legitimado e humanisticamente orientado. O ensinar e aprender línguas, seguindo tais parâmetros, poderia orientar-se, então, pela abordagem intercultural (ou abordagem comunicativa intercultural), definida por Mendes (2004: 55) como a força potencial que pretende orientar as ações de professores, alunos e de outros envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma nova língua-cultura, o planejamento de cursos, a produção de materiais e a avaliação da aprendizagem, com o objetivo de promover a construção conjunta de significados para um diálogo entre culturas.

As características fundamentais da abordagem intercultural, de acordo com Mendes (2004), são: (1) a língua como cultura e lugar de interação social; (2) foco no sentido, não em estruturas linguísticas; (3) uso de material autêntico, (culturalmente) significativo e relevante; (4) integração de competências (gramatical, sociolinguística, estratégica, cultural); (5) diálogo entre culturas, foco na formação holística e cidadã do aluno; (6) foco no humano, no espírito crítico-reflexivo; (7) avaliação processual, (in)formativa. Sob a perspectiva intercultural, o processo de ensino-aprendizagem de língua pode ir além da exposição de fatos, objetos, comportamentos da cultura estrangeira, abrangendo a sensibilização para a compreensão e respeito ao outro, assim

5. Enunciado original: In the same way as linguistic or grammatical competence was considered insufficient at some point and communicative competence was brought to the fore, we should now consider going a step beyond communicative competence and try to make ICC part of our foreign language classes. (Aguilar, 2002: 100)

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Dado que é objetivo na educação intercultural o (re)conhecimento de diferentes culturas, desprovido de estereótipos e preconceitos, orientando-se pelo respeito e compreensão, o material didático utilizado (insumo oferecido) e a atuação do professor em sala de aula são de suma importância. No que tange ao professor, como afirma Paiva (2009: 28), ao lidar com diferentes aspectos culturais presentes (ou não) em determinado livro didático, o professor explicitará, consciente ou inconscientemente, muitas de suas crenças e percepções acerca da cultura estudada, possibilitando (ou não) uma abordagem com orientação intercultural.

O professor tem, portanto, um papel social em sala de aula que se realiza por meio de seu discurso e de sua atuação e cuja influência é considerável tanto na formação integral do aluno, quanto nos padrões comunicativos, culturais e étnicos que este irá desenvolver. Similarmente, o material didático adotado também tem papel importante, por apresentar concepções e conceitos implícitos, como apresenta Zarate (1995: 12-13), Porque é um produto cultural, também porque tem a função de transmitir uma parte da cultura, o material didático é portador de um discurso de valor sobre a realidade. A escolha dos textos, das ilustrações, dos exemplos, da linguagem, dos argumentos utilizados sempre reflete um conjunto de valores, crenças, opiniões, percepções próprias da cultura de origem do autor do manual6.

6. Enunciado original: Parce qu’il est un produit culturel, aussi parce qu’il a pour fonction de transmettre une partie de la culture, le matériel didactique est porteur d’un discours valoriel sur la réalité. Le choix des textes, des illustrations, des exemples, du langage, des arguments employés reflète toujours un ensemble de valeurs, de croyances, d’opinions, de perceptions propres à la culture d’origine de l’auteur du manuel. (Zarate, 1995: 12-13)

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Como pode ser depreendido a partir dessa citação, um livro didático (LD) utiliza textos verbais e não verbais, diferentes gêneros e tipos textuais para apresentar a cultura-alvo. Segundo Paiva (2009: 26-27), o LD se configura como um gênero de discurso que se apropria de variados gêneros para dar conta da heterogeneidade e complexidade existente na prática didático-pedagógica de LE. O discurso de um LD é o discurso de seu autor constituído a partir dos discursos de terceiros e ainda validado por aquele para quem o material foi produzido ou por quem o está utilizando. Nesse sentido, Hurst (2006) assevera que o professor precisa estar ciente de que livros didáticos nunca podem ser neutros em termos de seu conteúdo cultural. De acordo com Ur (1996) citada por Paiva (2009), dentre as vantagens de se utilizar um livro didático – material pronto e padronizado – estão: (1) a estruturação e o planejamento – visualização completa do curso; (2) a praticidade e economia – atividades prontas e na mão do aluno e (3) a conveniência e orientação – atividades organizadas, em geral, por grau de dificuldade. Por outro lado, são desvantagens (1) a inadequação e homogeneização do material e (2) a limitação à criatividade e iniciativa do professor. Com base na exposição realizada, podemos considerar que ensinar sob a abordagem comunicativa intercultural significaria, dentre outros aspectos, ensinar a língua socioculturalmente contextualizada, integrar conteúdos linguísticos em cenários pluriculturais, lidar com identidades e diversidade e avaliar constante e criteriosamente o material didático, o insumo oferecido e a atuação docente em sala de aula. Na sequência, abordaremos o currículo oficial do Estado de São Paulo, sob a perspectiva da interculturalidade. 4. O (inter)cultural no currículo oficial do Estado de São Paulo A Resolução SE - 76, de 07/11/2008, estabelece que a então proposta curricular, em vigor desde o início daquele ano, constitua o referencial básico obrigatório para a formulação da proposta pedagógica das escolas da rede estadual paulista. Desse modo, diretrizes comuns para a organização do processo de ensino-aprendizagem em sala de aula e as habilidades e competências a serem desenvolvidas junto aos alunos dos ensinos fundamental (ciclo II) e médio foram estabelecidas. O currículo base das escolas paulistas passou a ser constituído pelos seguintes documentos direcionados a professores e alunos: proposta curricular, cadernos do professor e cadernos do aluno, os quais serão considerados nesta análise. A proposta curricular apresenta os princípios orientadores para uma esco44

la capaz de promover as competências indispensáveis ao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e profissionais do mundo contemporâneo (São Paulo, 2008: 8). Como pode ser depreendido, a preparação para os desafios culturais existentes no mundo contemporâneo é uma preocupação, constituindo o segundo princípio norteador do currículo que a Secretaria Estadual de São Paulo, por meio de seus autores, descreve como comprometido com o seu tempo. No princípio relativo ao currículo como espaço de cultura, define-se currículo como a expressão de tudo o que existe na cultura científica, artística e humanista, transposto para uma situação de aprendizagem e ensino (São Paulo, 2008: 13). Ele é compreendido como a referência para ampliar, localizar e contextualizar os conhecimentos que a humanidade acumulou ao longo do tempo. Então, o fato de uma informação ou um conhecimento ser de outro lugar, ou de todos os lugares na grande rede de informação, não será obstáculo à prática cultural resultante da mobilização desse conhecimento nas ciências, nas artes e nas humanidades. (SÃO PAULO, 2008: 13)

A concepção de cultura presente no documento considera, portanto, o homem como agente e produto cultural, o que – em nossa compreensão – corroboraria a defesa feita por Mendes (2004) de que a cultura é incessantemente transmitida, interpretada e modificada no social. O contato com o patrimônio cultural produzido por gerações anteriores é o que possibilita as inovações e as invenções humanas e o contínuo caminhar da sociedade (São Paulo, 2008: 38), o que reafirma a necessidade de se pensar o currículo pelo viés cultural. Na denominada globalização cultural (Kumaravadivelu, 2008), o facilitado contato entre culturas também é um aspecto salientado e não poderia ser diferente em um currículo promulgado como comprometido em relação ao seu tempo. A definição de cultura presente na proposta curricular nos permite inferir que tanto a cultura materna quanto a cultura do outro devem ser abordadas: Por cultura entendemos a urdidura de muitos fios que se interligam constantemente e que respondem às diferentes formas com que nos relacionamos com as coisas de nosso mundo, com os outros seres humanos e com os objetos e as práticas materiais de nossa vida. Cultura é, assim, uma trama tecida por um longo processo acumulativo que reflete conhecimentos 45

originados da relação dos indivíduos com as diferentes coisas do mundo. (SÃO PAULO, 2008: 38)

È perceptível que tal orientação encontra-se de acordo com a perspectiva de relatividade cultural defendida por Moita Lopes (1996). A linguagem, então, é compreendida como meio de produção e parte fundamental da cultura. No que tange à língua estrangeira, caberia a função de ser uma via de acesso a bens culturais da humanidade. Sob essa compreensão de ensino de língua estrangeira e de interculturalidade, tomamos como objeto de analise, na sequência, o caderno de língua inglesa da primeira série do ensino médio. 5. O (inter)cultural no caderno da primeira série do ensino médio O caderno destinado ao primeiro bimestre da primeira série do ensino médio tem por tema English around the world: cultural interactions (O inglês ao redor do mundo: interações culturais). As discussões e atividades propostas sob tal temática têm por objetivo possibilitar que os alunos, por meio de textos em inglês, ampliem seus conhecimentos sobre outras culturas e comunidades, sobre a língua inglesa e ainda sobre si mesmos, desenvolvendo uma perspectiva pluricultural (São Paulo, 2009: 8). O caderno do professor traz ainda a orientação para que se busque ir além de uma concepção puramente instrumental da língua, buscando uma formação-cidadã do mundo (São Paulo, 2009), orientada para o contato (viabilizado por redes de comunicação), o convívio e a tolerância interculturais. O referido caderno é composto por quatro situações de aprendizagem, as quais apresentamos a seguir: 1. Where English is spoken: facts and figures (Onde o inglês é falado: fatos e figuras) – Nessa primeira situação de aprendizagem, são apresentados termos como primeira língua, segunda língua, língua estrangeira e língua franca, bem como a concepção do inglês como língua internacional. Por meio de uma tabela intitulada English and Portuguese in the world (O inglês e o português no mundo), os alunos podem visualizar informação referente a países falantes dessas línguas, sua população e a porcentagem de falantes nativos. A sugestão de lição de casa é que grupos de alunos pesquisem so

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bre os países indicados (USA, United Kingdom, Canada, Australia, New Zealand, Ireland, Guyana) e façam uma apresentação trazendo informações como localização geográfica, capital e curiosidades, por exemplo.  2. Intercultural studies 1 (Estudos interculturais 1) – Na presente situação, os alunos leem e discutem um texto sobre a AFS. Trata-se, de acordo com o material didático, de uma organização internacional, voluntária, não governamental e sem fins lucrativos que promove oportunidades de aprendizado intercultural, com o intuito de auxiliar as pessoas a desenvolver conhecimento, habilidades e compreensão necessários para um mundo mais justo e pacífico. Dentre os objetivos da instituição estão: formar cidadãos responsáveis, globais, comprometidos com a paz, que respeitam os direitos humanos e as diferenças e que valorizam a harmonia, a sensibilidade e a tolerância.  3. Intercultural studies 2 (Estudos interculturais 2) – Nessa situação, os alunos devem continuar trabalhando com um texto retirado da página da AFS, o qual apresenta, por meio de depoimentos de intercambistas, benefícios e aprendizado proporcionados por uma experiência de intercâmbio cultural. Os alunos devem então discutir a seguinte afirmação: We relate to each other because we are similar. We learn from each other because we are different. De acordo com os autores do caderno, Os alunos podem variar em seus comentários, mas devem tocar no assunto central da afirmação: a relação com o outro (outros) é possível porque compartilhamos características [...] e assim criamos afinidades; entretanto, nós só aprendemos com o outro (outros) porque somos também diferentes, ou seja, somos indivíduos com características próprias, e é na diferença que aprendemos a conviver, a tolerar, a respeitar o outro. É dessa forma que enriquecemos nossa experiência e nossa formação humana. (São Paulo, 2009: 30).  4. An intercultural study program in Brazil (Um programa de estudo intercultural no Brasil) – Na última situação de aprendizagem, os alunos devem produzir um texto informativo sobre os benefícios de um programa de intercâmbio intercultural no Brasil. Para tanto, devem realizar pesquisas sobre o país, o povo, a língua, a geografia, os hábitos, tradições, folclore brasileiro, etc. Analisando as atividades propostas7 , podemos perceber que há, em relação à situação de aprendizagem 1, a preocupação em mostrar ao aluno que os Estados 47

Unidos não são o único país falante de língua inglesa, havendo, portanto, outras culturas atreladas a esse idioma. A noção de relatividade cultural (Moita Lopes, 1996) também é desenvolvida por não haver o esquecimento ou a depreciação da cultura materna do aluno, aspecto reafirmado na situação 4, a qual estimula o aluno a conhecer a própria cultura. O respeito, a compreensão, a capacidade de lidar com diferenças são estimulados, assim como são mostradas as possibilidades de aprendizado com outras culturas (situações de aprendizado 3 e 4), tendo em vista a formação humana e cidadã do aluno. Nesse sentido, ocorre o que Paiva (2009) denomina perspectiva intercultural. Em nossa compreensão, a opção feita pelos autores do currículo em questão parece ser mais de sensibilização para aspectos culturais, para o relativismo cultural, para o distanciamento do etnocentrismo do que de preparação para o real e efetivo contato com cultura(s) estrangeira(s). Podemos considerar que há aspectos relevantes nas propostas de atividades. Entretanto, podemos considerar também que, provavelmente, o aluno não atingirá a região de mediação da competência intercultural (Stierstofer, 2002 citado por Rozenfeld, 2007), no sentido de tornar-se, de fato, um mediador entre culturas (Bhabha, 2006 apud Paiva, 2009). É possível notar que o foco das atividades propostas é o estudo dos gêneros textuais, das estratégias de leitura e de aspectos gramaticais da língua. A discussão e a problematização da temática dos textos, que viabilizariam um trabalho mais fecundo com relação à interculturalidade, parecem ficar em plano menos focal.

de sua colaboração no desenvolvimento da habilidade de leitura em língua materna, na constituição da base discursiva do aluno, na sua autonomia para a busca de novas informações e conhecimentos. É preciso destacar, entretanto, o significativo papel do professor na realização de seu trabalho em sala de aula, podendo suplantar potenciais (ou restrições) do material didático. Assim, concordamos com o que afirma Paiva (2009: 100), o papel do professor como mediador e ponderador das reflexões suscitadas em sala de aula, e também como problematizador do conteúdo proposto nos materiais é de fundamental importância, pois a maneira como são abordados os aspectos culturais reflete-se diretamente na percepção e construção de significados engendradas pelos aprendentes.

Dessa forma, é possível considerar que a materialização dos conteúdos propostos pode ser significativa para o desenvolvimento da competência intercultural, dependendo da atuação do professor em sala de aula.

Recebido em 27 de março de 2013. Aceito para publicação em 12 de agosto de 2013.

Conclusão O currículo oficial do estado de São Paulo foi elaborado levando-se em consideração que um ensino desvinculado da cultura não prepara adequadamente o aluno para os desafios do mundo contemporâneo. No que se refere a cultura(s) estrangeira(s), o objetivo é tornar o aluno ciente e sensível em relação a questões culturais, mas não necessariamente competente interculturalmente. O ensino do inglês nesse caso parece privilegiar a expansão das habilidades interpessoais, a contribuição para a socialização, para a competência e responsabilidade social que o aprendizado de língua estrangeira pode viabilizar, além, é claro,

7. Ressaltamos que analisamos apenas as atividades que abordam o tema interculturalidade, aquelas relativas a estratégias de leitura e gramática não foram analisadas por não estarem no escopo deste trabalho.

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HIPERTEXTO: UM RECURSO PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE PRÁTICAS ORAIS EM LÍNGUA INGLESA

Objetivos

Elaine RISQUES FARIA Academia da Força Aérea - AFA - Pirassununga-SP Sandra Regina Buttros GATTOLIN Universidade Federal de São Carlos- UFSCar

O objetivo deste artigo é apresentar um recorte da dissertação de mestrado intitulada “A utilização do hipertexto na aula de língua inglesa: promovendo o desenvolvimento da oralidade por meio de novas práticas de linguagem”. Por meio da apresentação parcial da análise dos dados e dos resultados obtidos buscaremos responder à seguinte pergunta de pesquisa: qual a percepção do aluno sobre o hipertexto como recurso para desenvolvimento da habilidade oral?

ABSTRACT

Justificativa

This article presents the results of a research on the use of hypertext as a resource to develop speaking. It was verified that through its characteristics of non-linearity and hypermodality, the hypertext promoted interaction and collaborative work among the participants, reflecting positively in oral practices in English language.

É comum que, depois de atingir o nível pós-intermediário de proficiência linguística, a habilidade de produção oral do aprendiz de língua inglesa se desenvolva mais lentamente do que no início do processo de aprendizagem. Diversos são os fatores que contribuem para esse fato. Em atividades de prática oral, o professor, geralmente, apresenta um texto, escrito ou oral, ou um vídeo e propõe algumas perguntas/discussões sobre esse material. O problema com esse tipo de atividade é que, como todos os aprendizes leem/ouvem/assistem o mesmo material, o assunto tende a se esgotar rapidamente, de modo que nem todos têm as mesmas oportunidades de se expressar, pois não há muito a ser acrescentado ao que já foi dito, na maioria das vezes, pelos aprendizes menos tímidos da sala. Cabe, portanto, ao professor a tarefa de pensar em atividades que promovam oportunidades para que todos possam se expressar, independentemente do momento em que os aprendizes venham a se pronunciar sobre os diversos assuntos. Nesse sentido, as NTICs parecem viabilizar tais condições. Segundo Coll e Illera (2010, p. 89),

KEYWORDS: hypertext; oral practices; English language.

Introdução

A

s novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) provocaram (e ainda provocam) transformação tanto na vida pessoal quanto profissional das pessoas, uma vez que as comunicações, escritas e orais, não são realizadas somente da forma como eram antigamente quando não tínhamos o recurso da Internet. Hoje, por exemplo, pode-se fazer uma reunião de trabalho envolvendo membros de diferentes lugares ao mesmo tempo, sem ser necessário o deslocamento das pessoas, graças ao desenvolvimento tecnológico. Nesse novo contexto, as NTICs levam os processos educacionais para além dos muros da escola e refletem mudanças nos modos de adquirir e produzir conhecimento. Além disso, refletem-se também nas possibilidades e modalidades de interação entre os indivíduos, indicando a necessidade de desenvolvimento da prática oral em língua inglesa, já que os novos recursos tecnológicos permitem diversas formas de interação entre pessoas do mundo todo, e o inglês ainda é considerado o idioma em que esses contatos são realizados. Por esse fato, entendemos que o desenvolvimento da prática oral na aula de língua inglesa é necessário para propiciar aos alunos um bom desempenho das atividades sociais, escolares e de trabalho na atual sociedade, também chamada de Sociedade da Informação (SI). 52

A incorporação das TIC nas salas de aula abre caminho para a inovação pedagógica e didática e para a busca de novas vias que visam melhorar o ensino e promover a aprendizagem; e a ubiquidade das TIC, presente em praticamente todos os âmbitos de atividade das pessoas, multiplica as possibilidades e os contextos de aprendizagem muito além das paredes da escola.

Dentre os recursos disponibilizados por meio das NTICs, chamou-nos a atenção a facilidade com que acessamos as mais diversas informações sobre um mesmo assunto quando utilizamos o hipertexto. O acesso a diversos contextos e conteúdos torna-se ainda mais enriquecedor devido a uma das características do hipertexto que é a hipermodalidade, ou seja, recursos auditivos, visuais e imagéticos 53

em um mesmo texto, acessados por meios dos hyperlinks. Assim, pensamos poder proporcionar a nossos alunos a “exposição a vários contextos”, a diversas fontes de informação e pontos de vista, oferecendo-lhes meios para desenvolver uma discussão com um alto grau de interação ao mesmo tempo em que desenvolvem seu letramento digital. Xavier (2002) em um estudo que buscou mostrar o hipertexto como um modo de enunciação digital, alerta para a necessidade de pesquisas que investiguem o papel do hipertexto no ensino e que apontem alternativas de mudanças nas metodologias de ensino e aprendizagem a fim de atender a nova geração de aprendizes e acrescenta sobre a necessidade do desenvolvimento do letramento digital que esse novo modo de enunciar exige.

a consciência, atitude e habilidade do indivíduo de usar adequadamente ferramentas e recursos digitais para identificar, acessar, administrar, integrar, avaliar, analisar e sintetizar recursos digitais, construir novos conhecimentos, criar expressões de mídias e comunicar-se com outros no contexto de situações específicas de vida, permitindo ação social construtiva e reflexão sobre esse processo3.

Segundo a definição de Xavier (2005, p. 2), saber utilizar as multimodalidades faz parte de ser considerado letrado digitalmente, como podemos conferir a seguir: O letramento digital implica realizar práticas de leitura e escrita diferentes das formas tradicionais de letramento e alfabetização. Ser letrado digital pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital.

Fundamentação teórica Nossa pesquisa fundamenta-se nos estudos sobre os novos letramentos, principalmente o letramento digital, e no conceito de hipertexto. As NTICs possuem um papel importante nas mudanças ocorridas em nossas instituições, na economia e na sociedade de um modo geral e, portanto, é devido em grande parte a essas tecnologias, que surge a necessidade do desenvolvimento de novos letramentos, entre eles, do letramento digital, o qual passou por várias definições, sendo a maioria delas relacionada à informação. Porém, a maior parte dos conceitos de letramento digital surgiu a partir da definição de Gilster (1997), “letramento digital é domínio de ideias, não de teclas1”. Gilster ainda define o letramento digital como “a habilidade de entender e usar a informação em múltiplos formatos a partir de uma ampla variedade de fontes quando é apresentada via computadores2”. Com essa definição, o autor mostra que não basta apenas saber utilizar a tecnologia e saber buscar a informação, mas que é necessário saber fazer uso dessa informação na vida real. O autor sugere que há quatro competências principais de letramento digital: pesquisar na Internet, navegar em hipertextos, reunir informações e avaliar o conteúdo. O autor enfatiza, também, o pensamento crítico. Segundo Martin (2006), citado por Bawden (2008, p. 22), letramento digital é:

1. Tradução para: “digital literacy is about mastering ideas, not keystrokes” (GILSTER, 1997) 2. Tradução para: “the ability to understand and use information in multiple formats from a wide range of sources when it is presented via computers. (GILSTER, 1997)

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Dessa forma, podemos dizer que o letramento digital inclui a habilidade de buscar, filtrar, sintetizar e transformar a informação em um novo conhecimento, levando sempre em consideração a prática social a qual se refere, além de incluir também a habilidade de ser crítico em relação à informação disponível na grande rede, para que não seja influenciado por ela, mas sim, que seja capaz de utilizá-la a seu favor e a favor da sociedade. O hipertexto Segundo a definição de Xavier (2009, p. 107), o hipertexto é “um dispositivo ‘textual’ digital semiolinguistico (dotado de elementos verbais, imagéticos e sonoros) on-line, isto é, indexado à Internet com um domínio URL ou endereço eletrônico localizável na World Wide Web”. Ainda segundo Xavier (2005, p. 6),

3. Tradução para: the awareness, attitude and ability of individuals to appropriately use digital tools and facilities to identify, access, manage, integrate, evaluate, analyse and synthesise digital resources, construct new knowledge, create media expressions, and communicate with others, in the context of specific life situations, in order to enable constructive social action; and to reflect upon this process. (MARTIN, 2006)

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em linhas gerais, o hipertexto on-line é página eletrônica da Internet que permite acesso simultâneo do leitor a textos, imagens e sons de modo interativo e não linear, possibilitando visitar outras páginas e assim controlar até certo ponto sua leitura-navegação na grande rede de computadores.

A característica de não linearidade do hipertexto é fundamental para a sociedade da informação, pois os links deixam os hiperleitores livres para escolher o caminho a ser seguido, criando seu próprio texto. Para Xavier (2009, p. 44), a não linearidade estimula a ocorrência de várias interpretações, e tem “o poder de aumentar a autonomia do hiperleitor em relação ao lido, fazendo-o circular facilmente por vários sítios virtuais e voltar aos iniciais, quando assim o desejar”, descentralizando o conhecimento de um modo geral e propiciando mais saber ou pelo menos mais informações sobre o que quiserem e “assim conseguir fazer suas escolhas com mais convicção”. A hipermodalidade, outra característica do hipertexto, a qual se refere à combinação da multimodalidade e hipertextualidade, possibilita não somente ligações entre as unidades do texto de várias escalas, mas também ligações entre as unidades do texto, os elementos visuais e as unidades de som. Essas combinações favorecidas pelo hipertexto são muito interessantes e importantes quando pensamos em desenvolver a prática oral por meio do hipertexto, pois segundo Khan (1997, apud BUZATO, 2001) a Internet possui características que propiciam o multimediatismo, a interação intercultural, a multidisciplinaridade e o controle pelo aluno. O multimediatismo refere-se ao suporte aos diferentes estilos de aprendizagem graças aos diversos elementos multimídia como o som, a imagem e o texto. Assim, o aluno que é mais visual, provavelmente se interessará mais pelas imagens e vídeos que podem ser acessados por meio dos links, enquanto o aluno que é mais auditivo irá procurar os links que o levem a textos orais, e os alunos que preferem os textos escritos também poderão fazer suas escolhas. Segundo Felder e Henriques (1995), a apresentação de um mesmo material de diferentes maneiras tem efeito reforçador na retenção/fixação do conteúdo e acrescentam que o desafio aos professores de línguas é o de criar maneiras de aumentar a apresentação verbal na sala de aula com material visual não verbal. Com relação à interação intercultural, podemos dizer que esta é possibilitada pela superação das barreiras espaço-temporais, permitindo que os alunos pesquisem culturas e civilizações distantes por meio de diferentes pontos de vista, ou seja, ele não precisa se limitar a um único autor. Com a Internet, especificamente com o hipertexto, o aluno pode acessar a opinião de vários autores. A multidisciplinaridade também se justifica pelo fato de que a Internet propicia acesso a uma variedade de diferentes perspectivas sobre um mesmo assunto. Finalmente, temos o controle pelo aluno. Conforme o próprio termo diz, o 56

aluno pode controlar o que, como e a ordem em que aprende, além de “dispor de uma variedade maior de meios para expressar seu entendimento das questões estudadas.” (BUZATO, 2001, p. 55). Podemos dizer que essa qualidade do hipertexto ajuda a desenvolver a autonomia, um dos novos papeis dos alunos e professores na Sociedade da Informação. Metodologia Este artigo resulta de uma pesquisa qualitativa, inserida no campo da Linguística Aplicada (LA), na área de Ensino e Aprendizagem de Línguas, classificada como de natureza interpretativista, pelo papel de colaboradores assumido por seus participantes. Segundo Moita Lopes (1996, p. 22), a pesquisa de base interpretativista pode ser também classificada como de base etnográfica, pois esta é caracterizada por “colocar o foco na percepção que os participantes têm da interação linguística e do contexto social em que estão envolvidos”. Contexto da Pesquisa A pesquisa a que este artigo se refere foi desenvolvida no interior do Estado de São Paulo, em uma universidade pública, no primeiro semestre de 2010, e contou com a participação de uma professora-pesquisadora (PP) e de cinco alunos (A1 – A5) de um curso noturno de Licenciatura em Letras. Coleta de dados Os dados foram coletados em um curso extracurricular com duração de oito horas, distribuídas ao longo de oito aulas, que tinha por objetivo contribuir para o desenvolvimento da habilidade de produção oral dos alunos participantes. Devido à natureza dos procedimentos de pesquisa, na sala de aula onde nos reunimos todos tínhamos acesso à Internet sem fio. Entre os instrumentos de coleta empregados aplicamos um questionário em nosso primeiro encontro com o propósito de levantarmos os temas de interesse dos alunos, informações sobre o domínio dos participantes em relação ao uso do computador, a familiaridade com o hipertexto e as expectativas em relação à utilização do hipertexto como recurso para promover a habilidade oral em língua inglesa. Foram feitas perguntas, também, sobre as dificuldades encontradas no processo de ensino e aprendizagem com o intuito de ajudá-los durante o decorrer do curso. 57

Além do questionário, foram também utilizadas entrevistas com grupo focal, notas de campo e autorrelatos. A geração dos dados por meio de grupo focal refere-se a entrevistas em grupo, nas quais o que realmente importa é a interação entre as pessoas do grupo e não a sequência de perguntas e respostas. Segundo Neto et al. (2002, p. 5), o objetivo do grupo focal é “coletar, a partir do diálogo e do debate informações acerca de um tema específico”. As interações por meio de grupo focal ocorreram ao final de cada aula e foram conduzidas pela PP que questionava os alunos sobre os resultados que obtiveram, se consideraram o uso do hipertexto positivo para a prática oral e o porquê disso, se a hipermodalidade os ajudou e de que maneira. Os alunos tinham, também, a liberdade de fazer comentários que achassem pertinentes. Coletamos dados também por meio de dois autorrelatos: um após a segunda aula e um no final do curso. A escolha por um autorrelato após a segunda aula se deu pelo fato de podermos ter a visão dos participantes ainda no início do curso e um no final para que pudéssemos ter a visão geral dos alunos após o término do curso. Foram realizadas, também, observações dos participantes nas aulas, para que a professora-pesquisadora pudesse obter suas impressões a respeito do processo de aprendizagem. Tais observações foram registradas em forma de notas de campo, ou seja, descrições dos eventos, das interações ou expressões verbais e não verbais, ações dos participantes e ambiente físico. Procedimentos didático-pedagógicos O curso que propusemos aos alunos previa a discussão sobre temas que fossem de seu interesse. Tais temas deveriam ser pesquisados na internet e cada aluno teria a liberdade de escolher as informações que julgassem mais interessantes sobre tal assunto. Não existia, portanto, um material já desenvolvido para esse fim, tendo ficado sob a responsabilidade da PP o planejamento das atividades e sua elaboração quando necessário. Conseguimos na universidade uma sala com acesso à internet sem fio e solicitamos que cada aluno levasse o seu próprio notebook para a aula, bem como fones de ouvido para acessarem os recursos de áudio, sem que o som atrapalhasse os demais participantes. Além do acesso aos textos e demais recursos, os alunos podiam acessar dicionários online para verificação de vocabulário/pronúncia e tinham liberdade para acessar qualquer link que lhes interessasse. Cada aluno deveria fazer suas pesquisas individualmente em seu próprio notebook. 58

Durante as duas primeiras aulas, depois de decididos os temas a serem pesquisados e discutidos, a PP propôs algumas questões que deveriam ser respondidas pelos alunos, para que aqueles que ainda não estivessem acostumados com hipertextos não ficassem perdidos e tivessem um norte a seguir. No entanto, eles tinham a liberdade de pesquisar outros fatos que achassem relevantes. Nas aulas seguintes, entretanto, depois de decidido o tópico da aula, algumas vezes os alunos ficavam livres para suas pesquisas, outras vezes a professora sugeria um primeiro endereço eletrônico para acesso ao hipertexto e depois eles seguiam de acordo com suas necessidades e interesses. Após a indicação do site que deveriam acessar ou do tópico que seria discutido, todos os alunos tinham um tempo limite para buscar as informações, fazer pesquisas, ler, avaliar e sintetizar as informações que achassem relevantes para suas apresentações e discussões com os outros participantes. O tempo estipulado variava entre 15 e 20 minutos após os quais aconteciam as discussões/interações. Nenhuma sequência era imposta pela PP, ou seja, os alunos ficavam sempre à vontade para decidir quem iniciaria ou daria continuidade às discussões. É importante ressaltar que mesmo durante as interações era permitido aos participantes acessar qualquer endereço eletrônico e, consequentemente, quaisquer hipertextos e links para complementar alguma informação por meio de outros textos, figuras e/ou vídeos. Isso promovia maiores discussões e esclarecimentos de dúvidas, uma vez que o tempo disponível às pesquisas poderia não ser suficiente para explorar todo o conteúdo desejado. Informamos aos alunos que poderiam fazer anotações durante as pesquisas sobre os tópicos que iriam discutir para que servissem de guia durante a apresentação, pois a grande variedade de informação acessada poderia fazer com que eles se esquecessem ou se atrapalhassem na hora de apresentar/discutir sobre o tema. Análise dos dados Passamos agora à análise dos dados gerados e coletados durante o desenvolvimento do curso. Optamos por descrever alguns acontecimentos ocorridos durante as aulas para proporcionar uma melhor compreensão dos dados e resultados obtidos. Na terceira aula de nosso curso optamos pela discussão do tema esportes. Essa escolha deu-se pelo fato de que a maioria das pessoas, principalmente jovens, tem afinidade com algum esporte, mesmo não sendo praticante, além da grande variedade de esportes existentes, o que poderia gerar assunto para muitas discussões. Assim, a PP iniciou a aula com um warm-up, perguntando aos alunos-participantes se eles gostavam de esportes. Em seguida, sugeriu um site que apresentava um pe59

queno texto sobre as Olimpíadas de 2012 em Londres e, a partir da discussão sobre o texto, perguntou aos alunos se as informações contidas naquele texto haviam sido suficientes ou se gostariam de obter mais informações. Os alunos-participantes responderam que gostariam de obter mais informações sobre quais seriam as modalidades olímpicas e também sobre os lugares em Londres onde as competições seriam realizadas. Portanto, a PP sugeriu mais dois endereços eletrônicos, a partir dos quais eles poderiam acessar o que quisessem, pois eram hipertextos e possuíam vários links que os levariam para onde desejassem. A escolha feita pela PP, por um texto e hipertextos, foi justamente para verificar a percepção dos alunos em relação aos diferentes tipos de textos e verificar se a prática oral realmente sofreria mudanças significativas quanto ao uso do hipertexto. Questionados sobre o papel do texto como fonte de informações para a discussão, os participantes disseram que se sentiram limitados, como podemos observar no autorrelato de A5:

A5: “I felt limited, with nothing to speak” (referindo-se ao texto) (autorrelato 1)4

Com as informações obtidas por meio do hipertexto eles puderam praticar a oralidade em Língua Inglesa durante um tempo muito maior, pois tinham conteúdo para conversar e interagir com os outros participantes. Quando se interessavam por um determinado esporte, havia a possibilidade de acessar links que os levassem às características específicas sobre o esporte, como equipamentos necessários, regras/regulamentos, diferentes modalidades do esporte, além de poderem acessar links sobre os locais onde os esportes aconteceriam nas Olimpíadas 2012, fazendo com que conhecessem um pouco mais da cultura londrina, a partir dos acessos a várias localidades na cidade de Londres e arredores. Segundo os participantes, o acesso a diferentes links tornava-os capazes de produzir mais a prática oral, além de possibilitar pesquisas que permitissem o entendimento de algo que poderia não ter ficado muito claro em um primeiro texto lido. Os alunos-participantes expressaram essas ideias no primeiro autorrelato:

A1; “If I have more links to search, I´ll be able to speak more5”.



A1: “Using one text we are supposed to focus in one idea, in one point of view, and

4. Como os alunos forneceram alguns dados em inglês, optei por mantê-los no formato original e apresentar a tradução. Tradução: A1: Eu me senti limitado, sem nada para falar.

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because of it I couldn´t understand some parts of the text. Using more links (hypertexts), I could research the points that I didn´t understand and also search some curiosities6”. A2: It’s sure that the more tools you have, the more you can go deeper into a subject. Concerning that, texts with links allow us argue more and more about something. So, by using sites, we will have several ways to approach the same point, thing that the traditional texts don’t offer to their readers7. A4: Sem o recurso tecnológico (notebook/internet), a interação com os colegas é menor ou impossível, uma vez que nessa situação depende-se unicamente da bagagem de conhecimento de cada um. Já com o recurso, o alcance à informação é maior e imediata.

O acesso aos diferentes links, e com isso a diferentes informações e pontos de vista, e maior possibilidade de prática oral, é possível devido à característica de não linearidade do hipertexto, que segundo Xavier (2009) permite ao hiperleitor circular por vários sítios, propiciando mais saber ou, pelo menos, mais informações. Segundo Buzato (2001), esse tipo de acesso também permite que o aluno controle o que, como e a ordem em que aprende, além de oferecer-lhe oportunidades de expressar seu entendimento a partir de uma variedade maior de meios. Nesse sentido, podemos relacionar essa característica do hipertexto à hipótese da topicalização (ELLIS,1990), a qual sugere que a produção dos alunos é enriquecida à medida que eles têm a chance de nomear os tópicos a serem discutidos e controlar o seu desenvolvimento. Segundo Ellis (1986) citado por ELLIS (1990, p. 123-124) “o trabalho de fluência em sala de aula (isto é, atividades criadas para permitir que os aprendizes usem seus recursos em comunicação natural), é intensificada quando passamos o controle do tópico para o aprendiz8”. Para Ellis (1990, p. 125), “esse tipo de produção pode servir como insumo valioso para outros alunos9”. Acrescenta, ainda, que o aprendiz beneficiar-se-ia muito mais de um tópico iniciado por outro aprendiz do que de um tópico iniciado pelo professor e embora a produção seja um fator que deve ser enfatizado, é importante lembrar que essa produção acontece em um contexto de interação. 5. Tradução: Se eu tivesse mais links, eu seria capaz de falar mais. 6. Tradução: A1: Usando um texto, nós focamos em uma ideia, em um ponto de vista, e devido a isto, eu não pude compreender algumas partes do texto. Usando mais links eu pude buscar os pontos que não entendi e também pesquisar algumas curiosidades. 7. Tradução: A2: É claro que quanto mais ferramentas você possui, mais você pode aprofundar um assunto. Levando esse fato em consideração, textos com links nos permitem discutir cada vez mais sobre alguma coisa. Portanto, usando sites, nós teremos várias maneiras de abordar o mesmo ponto, coisa que os textos tradicionais não oferecem a seus leitores. 8. Tradução para: fluency-work in the classroom (i.e. activities designed to allow the learners to use their exisiting resources in natural communication) is enhanced by handing topic control over to the learner. (ELLIS, 1986, apud ELLIS, 1990)

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A hipermodalidade também aparece como um aspecto bastante relevante nos relatos. Em uma comparação do texto com o hipertexto, o aluno-participante A2 relatou: A2: Another point is that this technological tool makes the reading and the interaction much more dynamic, interesting, exciting, because the student has around him different genres, like video, picture, etc., by working as complementary data. In short, surf the Net is a lot of profitable certainly.10

Podemos notar, de acordo com o relato acima, no qual o aluno-participante utiliza os adjetivos “dynamic, interesting, exciting”, que a hipermodalidade também promove a motivação por tornar a leitura mais dinâmica com suas variedades de estilos: texto verbal, áudio e imagens, o que segundo Khan (1997, apud BUZATO, 2001) dá suporte aos diferentes estilos de aprendizagem, o qual é denominado de “multimediatismo”. Em uma das aulas discutimos sobre o tema países e os alunos ficaram bastante entusiasmados quando A2 disse que sua pesquisa foi sobre a Austrália. Então a professora perguntou se gostariam de visitar esse país e pediu que dessem suas opiniões (todas as discussões foram feitas na Língua Inglesa). Depois dos comentários de todos, A2 começou efetivamente sua apresentação, a qual sofreu várias interações dos outros participantes, que buscavam mais informações em tempo real. A5, por exemplo, buscou um vídeo na Internet para mostrar o sotaque dos australianos. A3 acrescentou que os nativos desse país usam muitas gírias e falou sobre algumas delas. Isso fez com que todos pesquisassem um pouco mais sobre gírias na Austrália e discutissem sobre o assunto, o que nos confirma que o interesse pelo tópico promove um dos princípios interativos que Brown (2007, p. 73) denomina de “espontaneidade/disposição para se comunicar11” , o que resulta tanto em produção do aprendiz quanto em insumo para o aprendiz. Segundo o autor, esse princípio requer uma atitude do aprendiz que diz, “Eu quero alcançar os outros e me comunicar12”. (grifo no original). Nas entrevistas com grupo focal realizadas após as discussões sobre o tópico países, os alunos-participantes debateram sobre o uso do hipertexto como recurso para promover a prática oral e relataram que este propiciou uma grande quantidade de informação, com um link levando a outro, e segundo eles, esse fato fez com 9. Tradução para: This kind of output can serve as valuable input for other learners. (ELLIS, 1990, p. 125) 10. Tradução: Outro ponto é que essa ferramenta tecnológica torna a leitura e a interação muito mais dinâmica, interessante e estimulante, porque o aluno tem ao seu redor diferentes gêneros, como vídeo, figuras, etc. funcionando como dados complementares. Em resumo, navegar na Internet é certamente muito lucrativo. 11. Tradução para: Willingness to Communicate. (BROWN, 2007, p. 73)

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que se comunicassem bastante, desenvolvendo a oralidade, pois todos tinham uma informação a acrescentar ou um comentário a fazer. Quanto à interação, foram unânimes em afirmar que os diversos recursos proporcionados por meio da hipermodalidade os ajudaram bastante na produção oral, pois puderam também fazer comentários dos vídeos e imagens, e não somente do texto verbal, o que nos mostra que a variedade de insumo é importante, uma vez que a heterogeneidade é uma marca das nossas salas de aula. É comum encontrarmos, em uma mesma sala de aula, alunos que tenham diferentes níveis de conhecimento linguístico e cultural, velocidade de aprendizagem, desenvolvimento intelectual, além dos diferentes estilos de aprendizagem e preferências e segundo Harmer (2007, p. 128), “uma maneira de oferecer conteúdo diferente é permitir aos alunos fazerem escolhas sobre com qual material eles querem trabalhar13” . Nesse sentido, acreditamos que o hipertexto facilita o trabalho do professor, pois sua hipermodalidade permite a presença de “vários tipos de materiais” por meio de várias modalidades (imagens, textos, símbolos, interações, som). Assim como a discussão sobre países, o tópico filmes foi muito bem recebido pelos alunos, os quais se mostraram bastante motivados. Antes da pesquisa de aproximadamente 20 minutos, foi realizado um warm-up no qual discutimos, em inglês, se gostavam de filme, tipos de filme e quais os últimos filmes que haviam assistido. A1 decidiu falar sobre um filme nacional e começou sua discussão dizendo que considerava um pouco estranha a tradução que fizeram em inglês para um dos personagens. Então eles checaram o vocabulário e pronúncia no dicionário online. A1 também mostrou várias figuras dos personagens e dos atores. Enquanto isso, A3, que também estava navegando na Internet, buscou e apresentou algumas informações sobre o diretor do filme e uma das atrizes. Durante a apresentação, A1 disse que não sabia como falar uma palavra em inglês e A2 prontamente buscou a palavra em seu dicionário digital. Durante a apresentação de A4, A5 mostrou uma imagem e discutiu sobre a mesma com A4. A3 também mostrou imagens sobre o filme escolhido por A4, e todos interagiram nas discussões e apresentaram também algumas curiosidades sobre o filme, as quais foram acessadas no momento das interações. A1 disse que havia um site oficial do filme em português e que havia um jogo, sobre o qual todos conversaram. Podemos notar, novamente, que houve muita interação durante as discussões e nesse sentido, concordamos com Barbirato e Borges (2009, p. 112), quando dizem que: 12. Tradução para: “I want to reach out to others and communicate”. (grifo no original) (BROWN, 2007) 13. Tradução para: One way of offering different content is to allow students to make choices about what material they are going to work with. (HARMER, 2007, p. 128)

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atividades que priorizem a interação significativa (nos moldes destacados pelo interacionismo, privilegiando um processo de comunicação circular e participações relevantes) podem ser mais efetivas para o processo de ensino e aquisição de línguas.

Em uma avaliação geral sobre a aula, os alunos-participantes disseram que o assunto era interessante, o que ajudou a promover a motivação e, consequentemente, a interação. No trecho da fala de A5, “quando tem interesse, a desenvoltura é melhor”, podemos comprovar que o fator motivação influencia muito na prática oral. Harmer (2007) afirma que para manter a motivação do aprendiz é necessário que ele realize coisas que tenha prazer em fazer e que a escolha do professor pela atividade a ser realizada tem um papel muito importante no engajamento contínuo do aprendiz com o processo de aprendizagem. Para a última aula, decidimos fazer algo um pouco diferente. Duas semanas antes, pedimos aos alunos que fizessem uma pesquisa, em casa, sobre o sistema educacional em um país de sua escolha. Esse havia sido um tema proposto por um dos alunos participantes e como pensamos que o assunto poderia ser muito denso para uma pesquisa de apenas 20 minutos e não disporíamos de mais tempo para isso, optamos por trazer a pesquisa já feita. Apesar de os alunos terem ficado à vontade para escolher o país de seu interesse, cada aluno pesquisou sobre o sistema educacional de um país distinto. Sem que houvéssemos previsto, a pesquisa prévia ajudou-nos a lidar com uma dificuldade ocorrida em nossa última aula, em que a conexão com a Internet foi interrompida, devido a uma tempestade ocorrida no dia anterior. No entanto, o que a princípio parecia ser um problema, acabou sendo útil para que pudéssemos fazer uma comparação entre uma aula em que podíamos utilizar o hipertexto para busca de informações adicionais e uma em que isso não fosse possível. Segundo dados obtidos no grupo focal, nas notas de campo da PP e nos autorrelatos, é possível afirmar que, nessa aula, a interação ficou restrita e, portanto, prejudicada, pois os alunos-participantes mais ouviram que discutiram. Esse fato comprova que a utilização do hipertexto pode promover o desenvolvimento da habilidade oral por meio de sua característica de não linearidade, a qual permite ao hiperleitor “navegar” por onde desejar, além de pesquisar informações complementares. De acordo com os alunos, quando se tem acesso à Internet é possível pesquisar sobre o assunto que está sendo apresentado e trazer mais informações para discussão, de maneira colaborativa, por meio das interações. No entanto, sem o acesso à Internet, as interações ficaram baseadas no conhecimento que os alunos já possuíam. As apresentações de A3 e A4, por exemplo, referiam-se a sistemas educacionais de países desconhecidos dos demais participantes que, sem a possibilidade de buscar informações adicionais, limitaram-se a ouvir as apresentações dos colegas. 64

O excerto do autorrelato final de A1 demonstra como foi para os alunos-participantes ficarem sem o recurso da Internet: A1: O dia sem internet foi bem ruim, pois ficamos detidos somente em um texto, o que não foi muito produtivo.

Com a utilização do hipertexto, segundo o aluno-participante A5, as pessoas não tendem a focar em um único aspecto, pois o hipertexto “abre um mundo de possibilidades de informações que completam e enriquecem de maneira satisfatória toda pesquisa realizada.” Segundo A2, em seu autorrelato final, ao fazer uso do hipertexto o aluno “tem a oportunidade de dar início a uma discussão sob outro aspecto que possa ter chamado sua atenção”. Esses dados vão ao encontro do que Brown (2007, p. 332) afirma ser um dos princípios para promover o desenvolvimento da habilidade da fala: “dar aos alunos oportunidades para iniciar a comunicação oral”, pois parte da competência comunicativa, segundo o autor, “é a habilidade de iniciar conversas, nomear tópicos, fazer perguntas, controlar as conversas e mudar o assunto14 ”. A hipermodalidade assim como a não linearidade foram vistas pelos alunos como os fatores que mais influenciaram positivamente no desenvolvimento da prática oral, pois lhes despertaram para várias outras discussões, uma vez que eles seguiam caminhos diferentes por meio dos links. A5: A facilidade com que tivemos acesso a diversas informações, a rapidez e a densidade de conteúdo, levando em conta que cada site visitado traz informações diferentes, logo, um complementa o outro, enriqueceu de forma satisfatória as discussões, uma vez que cada aluno tinha acesso a diversos recursos, como vídeo, música, texto e imagens para usar como base para seu discurso.

A grande quantidade de informação disponível por meio dos links presentes no hipertexto favorece, também, os alunos mais tímidos, os quais geralmente ficam quietos a maior parte da aula, tentando criar coragem para se expor e, quando isso ocorre, pode ser tarde demais. O excerto abaixo, do autorrelato de A2, comprova esse fato:

14. Tradução para: Part of oral communication competence is the ability to initiate conversations, to nominate topics, to ask questions, to control conversations, and to change the subject. (BROWN, 2007, p. 332)

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A2: Nas aulas de língua estrangeira tradicionais, às vezes, o aluno mais introvertido, ao deixar para tecer seus comentários a respeito de um determinado assunto proposto pelo professor no fim da aula, frustra-se por outro aluno tê-los feito. Nessas circunstâncias, tal aluno pode acabar sendo ofuscado por não haver mais o que dizer a respeito. Fazendo uso do hipertexto, esse aluno tem a oportunidade de dar início a uma discussão sob outro aspecto que possa ter chamado sua atenção. Digo isso por experiência própria.

A2: A princípio, meio temeroso quanto ao andamento das aulas, pude perceber quão importantes tais discussões estavam sendo para o melhoramento das minhas habilidades em língua inglesa. Creio que tenha conseguido transpor a barreira da timidez, emitindo minhas opiniões a respeito de um dado assunto ainda que num grupo bastante pequeno de alunos, e, eminentemente, a da falta de informação ao dispor da internet para pesquisar e de um dicionário cujos verbetes fossem acompanhados da devida pronúncia. ... Por fim, só posso avaliar como sendo positiva a experiência.

Os depoimentos nos autorrelatos também confirmam que a utilização do hipertexto na aula de Língua Inglesa propiciou muitas interações, as quais desempenham um papel fundamental no processo de ensino e aprendizagem da língua alvo, de acordo com as discussões já realizadas.

A4: Gostei da experiência e acredito que o uso do hipertexto em sala de aula seria uma ótima opção para se trabalhar a língua com os alunos, pois há uma interação mais dinâmica e prática com a língua.

A4: Gostei da experiência e acredito que o uso do hipertexto em sala de aula seria uma ótima opção para se trabalhar a língua com os alunos, pois há uma interação mais dinâmica e prática com a língua. A4: O hipertexto também é bastante útil para trabalhar em grupo, havendo troca de informação, comunicação e bastante conversa, como ocorreu conosco em nossos encontros.

Segundo Richards e Rodgers (1986), a aprendizagem ocorre quando envolve verdadeira comunicação e quando a língua é utilizada para realizar tarefas significativas, o que pôde ser verificado nas notas de campo feitas em sala de aula pela professora-pesquisadora. O interesse provocado pelos assuntos discutidos talvez tenha sido uma das principais causas do interesse que gerou a motivação, ou seja, um fator está intimamente ligado a outro: interesse pelo assunto leva à motivação e consequentemente à interação. É importante ressaltar, novamente, que um dos motivos do interesse muitas vezes se dá pela utilização do hipertexto, o qual permite que se faça a escolha do caminho que se pretende seguir. Os alunos participantes finalizaram seus relatos emitindo uma opinião geral sobre a experiência da utilização do hipertexto como recurso para promover a comunicação oral em Língua Inglesa por meio de novas práticas de linguagem. Como podemos observar nos trechos abaixo foi uma experiência muito proveitosa e com resultados positivos, segundo os alunos-participantes. A1: As minhas impressões sobre aulas com o hipertexto são que se estes forem guiados corretamente, serão de uma grande ajuda para os alunos, pois será uma aula diferente, e com certeza motivará muito mais os alunos. 66

A5: Satisfatório e muito enriquecedor são duas das principais palavras que posso descrever este projeto. O hipertexto facilita, de fato, nosso acesso a diversas fontes de informação e de cultura, uma vez que cada link nos leva a outro, completando e satisfazendo o desejo de quero mais informação.

Conclusão A partir dos resultados obtidos nesta pesquisa é possível afirmar que o hipertexto, por meio dos hyperlinks, propiciou a interação e a comunicação entre os aprendizes, pois a grande variedade de informações disponíveis facilitou a produção oral, uma vez que todos os alunos-participantes tinham uma informação diferente a acrescentar, além das possíveis buscas realizadas durante as interações para responder a questões e curiosidades que surgiam no momento da discussão. Para que as interações fossem significativas era importante que todos os participantes compreendessem o que estava sendo apresentado, o que nos remete a uma das funções da hipótese do output (SWAIN, 2005), que é a do teste de hipóteses, a qual se refere ao fato de o aprendiz ter de modificar sua fala para tornar as ideias mais claras. É importante notar, no entanto, que o grau de interação ocorreu também devido ao interesse pelo assunto, que a princípio pode não ter parecido muito envolvente para todos os participantes, mas que no decorrer das pesquisas/buscas e apresentações, foi sendo despertado por meio dos links que eram acessados de acordo com a necessidade e desejos dos alunos-participantes. Acreditamos que o insumo contribui muito para a oralidade, mas quando o professor propõe atividades que promovem a produção, os alunos ficam mais seguros e acabam produzindo mais. Para concluir julgamos relevante lembrar que a ideia principal do estudo era a de coletar dados para verificar a percepção dos alunos sobre o hipertexto como 67

recurso para desenvolvimento da habilidade oral, porém os dados obtidos parecem contribuir não somente para as percepções, mas também para mostrar a eficácia da utilização do hipertexto nas aulas de língua inglesa para promover a habilidade oral. Recebido em 25 de março de 2013. Aceito para publicação em 8 de julho de 2013.

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PIADAS POLITICAMENTE INCORRETAS NA AULA DE LÍNGUA INGLESA: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS Adriana WEIGEL, Lélia SOUZA Lívia Donnini RODRIQUES Silvia Regina dos SANTOS Tatiana RESCKHE INCO-CEPEL, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

ABSTRACT This article presents the results of a research about reading politically incorrect jokes in English classes. The research implemented a case study, with quantitative and qualitative analysis of data. The aim was to identify and analyze the reactions and opinions of a group of 26 students after reading jokes in class. KEYWORDS: English teaching, reading jokes, politically incorrect texts

RESUMO Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que abordou a leitura de piadas politicamente incorretas em aulas de inglês. Em termos metodológicos, adotou-se uma pesquisa que combinasse análise de dados quantitativos e qualitativos, de estudo de caso. Nela, buscou-se identificar e analisar a reação e opinião de um grupo de 26 alunos diante da leitura desses textos. PALAVRAS-CHAVE: ensino de inglês, leitura de piadas, textos politicamente incorretos

Introdução As relações entre humor e educação são encontradas em diversos estudos da área (Gil, 1991, Engrácio, 2008, Araujo, 2006). No ensino-aprendizagem de língua inglesa não é diferente. Schmidtz (2002) argumenta em favor do uso de textos de humor nas aulas de línguas estrangeiras para melhorar o desempenho linguístico dos alunos. Souza (2007), em um estudo sobre as opiniões dos alunos acerca da presença de textos de humor na aula de língua inglesa, verificou que uma parcela bem pequena deles se opunha a tal uso, apontando para a importância do ambiente descontraído que o riso proporciona nas aulas. No mesmo estudo, a autora reto70

ma a questão dos textos humorísticos trabalhados com o intuito de desenvolver a competência leitora dos alunos no ensino médio, cujo resultado é uma melhor memorização de vocabulário e compreensão de aspectos gramaticais da língua, de forma significativa. Vagner e Urios (2011) tratam dos benefícios da presença de textos de humor nas aulas de línguas estrangeiras para aumentar a criatividade e proporcionar uma atmosfera mais confortável para os alunos, diminuindo a ansiedade. Margonari (2001), em um estudo avaliativo-descritivo sobre a utilização de materiais humorísticos na aula de língua inglesa, observou influência bem positivas na aprendizagem dos alunos. Entretanto, dentro da variedade de tipos textuais classificados como humorísticos (charges, tirinhas, piadas) há os classificados como “proibidos”, aqueles considerados politicamente incorretos e que raramente estão presentes em sala de aula, por serem ofensivos e terem o potencial de causar constrangimento nos alunos. Mesmo que o trabalho com esses tipos de textos tenha objetivos educacionais (para aprender vocabulário, estruturas da língua, expressões coloquiais, etc.), eles são evitados pelos professores. Contudo, é da natureza de certos textos de humor ridicularizar personagens do cotidiano, fazer caricaturas e destacar determinadas características nem sempre consideradas positivas em determinados contextos sociais. A questão fica um pouco mais complexa se olharmos para a controversa função da educação, mantenedora ou transformadora da sociedade. Precisamos lembrar que a escola faz parte da sociedade em que vivemos e, sendo assim, nela existem todos os tipos de preconceitos e discriminação presentes nos outros lugares da sociedade. Nesse sentido, trabalhar com a leitura de textos humorísticos independente de seu tema seria uma oportunidade de trabalhar com aspectos que ultrapassam a aprendizagem apenas de conteúdos linguísticos. Assim, temos o seguinte impasse: excluímos o trabalho em sala de aula com textos politicamente incorretos, levando em consideração a possível reação negativa dos alunos, ou trabalhamos com eles de forma a romper preconceitos? E a opinião dos alunos a respeito desses textos: qual será? Esse questionamento motivou o desenvolvimento da presente pesquisa, realizada pelo grupo de educadoras do INCO- CEPEL¹ , com o objetivo de trazer luz a essa questão e contribuir para uma visão mais aprofundada sobre o tema. Este artigo apresenta os resultados dessa pesquisa, que abordou a leitura de piadas politicamente incorretas nas aulas de língua inglesa. Em termos metodológicos, adotou-se uma pesquisa com análise de dados quantitativa e qualitativa, de estudo de caso e, nela, buscou-se identificar e analisar a reação e opinião de um grupo de 26 alunos, com a idade média de 30 anos, de um curso de inglês diante da leitura de piadas consideradas politicamente incorretas. 1. INCO, Inglês para a Comunidade Acadêmica USP; CEPEL, Centro de Estudo e Pesquisa no Ensino de Línguas da Faculdade de Educação da USP.

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1.

Fundamentação teórica

Aqui se faz importante descrever o texto piada e o que o caracteriza como politicamente incorreto. Davies (2005) caracteriza as piadas como invenções em grupo, anônimas, em geral com mais efeito comunicacional quando narradas por um bom contador, e não lidas. Em geral, são textos curtos cujo elemento cômico se faz presente na quebra de expectativa por parte do receptor; o narrador conduz o leitor/ouvinte à determinada interpretação, a qual, no desfecho, será cancelada e substituída por outra e, consequentemente, temos o riso (GIORA, 1991). Raskin (1985) afirma que as piadas envolvem a quebra ou oposição dos scripts, que são esquemas cognitivos, ou seja, o contexto que envolve uma determinada palavra, sendo que tal conhecimento é internalizado pelo falante. Sendo assim, esse contexto nem sempre está explícito no texto e devem ser inferidos pelo leitor/ouvinte. Nesse sentido, os elementos culturais nesses scripts são muito fortes e isto pode causar mais dificuldade, para o aluno de língua estrangeira, a receber esse tipo de texto e efetivamente, reagir a ele, com riso, uma vez que esses textos não têm uma liberdade total de interpretação do leitor e seria tarefa do professor ensinar esses scripts e explicar a piada. Aliás, vale apontar a opinião de Barzotto (2001:205) sobre a liberdade total do leitor nas interpretações dos textos: Quando parecia prevalecer uma liberdade total do leitor sobre o texto ou sobre o trabalho do autor, estudiosos da leitura começaram a colocar em questão essa liberdade, estudando fatores que concorrem para o estabelecimento de limites para a leitura. O autor, assim, nos coloca certos limites para o ato de ler, verificando que o leitor não está totalmente livre para interpretar um texto. No caso dos textos humorísticos, tal visão de leitura parece ser apropriada, pois o riso, o efeito da leitura da piada no leitor depende dessa interpretação apropriada, não havendo liberdade para outras interpretações. Daí importância do professor como mediador do texto humorístico. Ainda sobre a reação do leitor à leitura de piadas, é importante refletir sobre as reações afetivas que essa leitura pode causar. Pontarolli (2003:285) observa que “as piadas, em particular, são um sintoma das doenças sociais, operam com estereótipos, veiculam discursos proibidos” e podemos então compreender a restrição e o receio de educadores para o uso desses textos em sala de aula, principalmente quando eles revelam, explicitamente, preconceitos de diversas ordens, entre elas o racial e o de gênero. Recentemente, a bandeira pelo “politicamente correto na escola” reforçou ainda mais a exclusão de piadas que são ofensivas a determinados grupos sociais, que revelam homofobia ou que são sexistas. Contudo, ainda segundo Pontarolli (2003: 285), as piadas, como em qual72

quer tipo de enunciação, devem ser compreendidas dentro de sua situação social porque são caracterizadas pelas relações sociais, pelos elementos implícitos que as constituem e, principalmente, por marcas ideológicas. Assim sendo, ...elas se constituem uma fonte inesgotável (...) tanto para a demonstração quanto para a compreensão dos mecanismos e das ideologias que se utilizam do discurso humorístico para serem veiculados. 2.

Contexto de estudo da pesquisa

A presente pesquisa foi realizada durante os anos de 2011 e 2012 no curso de inglês para a comunidade de graduação da USP (denominado INCO) que tem a duração de três anos e é oferecido gratuitamente no âmbito do CEPEL (Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino de Línguas) da Faculdade de Educação da USP. O curso atende, também, a docentes e funcionários da Faculdade de Educação (FE) e tem por objetivo desenvolver a comunicação na língua inglesa nas quatro habilidades (produção e compreensão oral, produção e compreensão escrita). Para isso, utiliza livro didático que combina abordagem temática (theme based approach) com atividades organizadas em tarefas (task-based approach). Como integrante de um centro de estudos e pesquisas, adota também materiais internamente elaborados pelas educadoras do curso. 3. Metodologia A pesquisa foi implementada em duas fases. A primeira constituiu uma fase de calibragem (fase 1), na qual trinta (30) piadas selecionadas por meio de sites especializados na internet foram organizadas em três grandes grupos: as que lidam com algum tipo de preconceito em função de característica física, intelectual ou de orientação sexual (Grupo A); outro grupo de piadas que lidam com características étnicas (grupo B) e um terceiro grupo que tratam de relações de gênero (grupo C). Essa primeira fase tinha por objetivo adequar textos e instrumentos de coleta de dados aos objetivos da pesquisa propriamente dita. Nessa fase de calibragem, quatro grupos de alunos de nível intermediário de proficiência linguística foram convidados a participar da pesquisa, de forma voluntária. Desses grupos, 18 alunos consentiram em participar da pesquisa, lendo um total de 30 piadas e respondendo a um questionário que verificava a competência leitora nesse tipo de texto e suas dificuldades em relação a aspectos culturais e estruturais da língua. Como resultado, do total de 30 piadas, foram selecionadas 6, 2 de cada grupo (A, B e C) para a pesquisa propriamente dita (cf. anexo 7.1, 7.2, 7.3, páginas16-17). Com essa calibragem, esperava-se diminuir eventuais interferências que não estivessem estritamente relacionadas à reação dos alunos diante da temática politicamente incorreta presente nos textos e foco da pesquisa. Durante a fase de calibragem, que 73

durou aproximadamente 3 meses, os alunos liam entre 5 e 6 piadas ao final de aulas escolhidas pelas educadoras, respeitando um intervalo mínimo de 1 semana, para não cansar os alunos. Para a escolha das 6 piadas, os seguintes critérios foram estabelecidos: a) que fossem adequadas à proficiência leitora dos alunos em relação ao conhecimento lexical e gramatical; b) que não tivessem sido apontadas pelos alunos como extremamente ofensivas; c) que não apresentassem incompreensão leitora em função de aspectos culturais específicos e; d) que contemplassem as três categorias de piadas previamente organizadas para o estudo. Finda a primeira fase (calibragem), iniciamos a segunda fase, com a leitura das 6 piadas selecionadas e coleta de dados por meio de questionários. Quatro novos grupos de alunos, de nível intermediário de proficiência linguística, foram convidados a participar pesquisa, de forma voluntária. Desses grupos, 26 alunos consentiram em participar da segunda fase da pesquisa, lendo as piadas e respondendo a um questionário que verificava a competência leitora nesse tipo de texto. Utilizamos um questionário híbrido (com perguntas abertas e fechadas) sobre a leitura de cada piada, que deveria ser imediatamente respondido após a leitura do texto e entregue à educadora (cf Anexo 7.4). Para complementar os dados dos questionários de leitura, outro questionário sobre o perfil do aluno (cf Anexo 7.5) e sua experiência prévia na leitura do gênero e na aprendizagem de línguas estrangeiras foi aplicado a todos os participantes (26 alunos no total). Cada respondente também recebeu e assinou um termo de aceite e consentimento para a participação na pesquisa, bem como para a permissão do uso dos dados obtidos nos referidos instrumentos de coleta. A análise dos dados foi feita tanto quantitativa como qualitativamente, em um esforço para explicitar e compreender a reação dos alunos diante da leitura de piadas politicamente incorretas. 4.

Análise dos dados



4.1 O perfil dos alunos e experiência leitora

Antes da leitura das piadas (preenchimento do questionário de leitura), todos os participantes responderam a um questionário inicial (cf Anexo 7.5) para identificação do perfil dos alunos. Nele, procuramos conhecer a: ● faixa etária e o curso de graduação do aluno, ● experiência prévia na aprendizagem de outras línguas estrangeiras e na leitura de textos humorísticos nessa aprendizagem, ● preferência na leitura de textos de humor em português, ● opinião sobre a validade pedagógica do uso de piadas para a aprendizagem em sala de aula. 74

A segunda fase da pesquisa foi realizada com um total de 26 alunos, cuja faixa etária variava entre 20 e 46 anos. Dos 26 respondentes, 20 encontravam-se na faixa dos 20 aos 30 anos, e apenas dois homens (ambos com 23 anos) fizeram parte da pesquisa. Duas alunas eram as mais velhas do grupo, com 34 e 46 anos. Assim, contamos com um grupo discente no geral bastante jovem. No grupo de 26 participantes, 1 é funcionário da faculdade de educação. Em uma primeira análise dos cursos realizados, verifica-se um grupo maior de alunos concentrados na área de humanas e um bem menor na área de exatas. Os cursos são os mais variados, mas observa-se uma maior presença de alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FE). Tal fato pode explicar o estudo de outras línguas estrangeiras (por exemplo, o italiano, o japonês e o hebraico), e principalmente o espanhol e o francês, realizado por 20 dos 26 participantes da pesquisa, uma vez que se trata de alunos da área de Humanas. Esse estudo ocorreu, via de regra, em institutos de língua e em casa, com diferentes objetivos, assim explicitados: comunicação geral na língua (13 alunos), leitura (2 alunos), gramática (1 aluno) e para a formação profissional (3 alunos). Chamou-nos a atenção o fato de um aluno estudar quatro línguas: espanhol, francês e hebraico - além do inglês no INCO-CEPEL. Em relação à experiência de aprendizagem de línguas com textos humorísticos na escola básica, 10 alunos se lembram de textos de humor presentes nos materiais de ensino ou atividades propostas pelo professor, 8 alunos responderam não haver esse tipo de trabalho durante as aulas, e 9 responderam não se lembrarem. Dos que responderam afirmativamente, estes mencionaram atividades de leitura de textos (tirinhas, charges, diálogos de situação de humor). Nos relatos de experiência, destacam-se alguns comentários: o de um aluno que gostava muito desse tipo de atividade; o de dois alunos que apontam para a dificuldade em apreender aspectos culturais, o que, segundo eles, tira a “graça” da piada; e o de mais dois alunos que destacam a melhor aprendizagem de aspectos estruturais da língua – uso de verbos modais (can, could) e a memorização de vocabulário facilitada pelo contexto ou situação de humor. Em relação à opinião dos alunos sobre o uso de textos humorísticos para auxiliar a aprendizagem de línguas estrangeiras (cf. Gráfico1), 23 alunos responderam afirmativamente para esse uso, 1 respondeu negativamente e 2 responderam que depende da situação, pois a compreensão do humor exige domínio da língua (estru75

turas, vocabulário, expressões novas aspectos socioculturais, de elementos paralinguísticos, o texto, conhecimento do gênero). No geral, observa-se a relação benéfica entre textos de humor e aprendizagem da língua inglesa. Destaca-se um comentário: “textos humorísticos tiram a aula do lugar comum no aprendizado de línguas”. Especificamente sobre o uso de piadas politicamente incorretas (cf. Gráfico 2), 6 alunos acreditam que elas podem ser usadas em sala de aula, pois podem ser enriquecedoras para a discussão sobre ética e bom senso, para a compreensão do texto que vai para além do literal, como conhecimento mais autêntico, pois são as efetivamente mais sarcásticas e engraçadas. Dos 26 alunos, 10 alunos apontaram que não devem ser usadas por potencialmente causarem constrangimento e desconforto, podendo funcionar como incentivo e reforço do preconceito, e não se aplicarem ao contexto educacional. Outros 10 alunos responderam que o uso da piada politicamente incorreta depende do contexto. Em resumo, a opinião dos alunos diverge em relação ao uso desses textos na escola, e um número expressivo de alunos vê com ressalvas o uso de piadas politicamente incorretas em sala de aula. Sobre a preferência pela leitura de textos humorísticos em português, 19 alunos apontaram que leem textos de humor: crônicas, tirinhas e HQ, charges em jornais e piadas em sites. Alguns textos/autores mencionados mais de uma vez são: Luis Fernando Veríssimo, Mafalda e Garfield. Um aluno menciona explicitamente ler textos assim somente quando indicado por alguém e que não sejam de humor politicamente incorreto. Em suma, o uso de textos humorísticos é positivamente visto pelos participantes como algo que contribui para a aprendizagem da língua inglesa. Mas quando se trata de piadas politicamente incorretas, a positividade não é tão marcada e há ressalvas, dependendo do contexto. Mostraremos, A seguir, a reação dos alunos aos três grupos de piadas (A, B e C) organizados para a pesquisa (piadas étnicas, sexistas e de descrição física). 4.2. A reação dos alunos após a leitura das piadas Após a leitura das 6 piadas, os alunos tiveram que responder a duas questões, a saber: a) Você considera a piada engraçada (sim ou não)?; b) Mesmo não achando graça, você acha que esse tipo de piada poderia ser usado em contexto escolar para ensinar inglês (sim ou não)? Para essas duas perguntas, os alunos foram solicitados a justificarem suas respostas. 76



I - Respostas dos alunos para a pergunta a)

No grupo de piadas étnicas (grupo A), dos 26 alunos participantes, 14 estavam presentes na aula em que foi lida a piada The New Yorker (cf. Anexo 7.1). Oito (8) deles responderam positivamente para o efeito de humor na piada, enquanto 5 alunos responderam negativamente e apenas 1 aluno não respondeu a pergunta (cf. Gráfico 3).

Dos 20 alunos presentes na aula em que foi lida a piada The Irish liner (cf. Anexo 7.1), 12 responderam positivamente, 6 alunos responderam negativamente e 2 não responderam a pergunta (cf. Gráfico 4). Analisando os gráficos acima, percebemos que a um boa parte dos alunos percebe a graça na piada. Entretanto, um número significativo de alunos não acha graça nas piadas. No grupo de piadas envolvendo característica física ou mental (grupo B), dos 26 participantes, 16 alunos leram a piada Hunting in the south (cf. Anexo 7.2) e deles, 9 responderam positivamente para o efeito de humor nas piadas, enquanto 5 responderam negativamente e 2 alunos não responderam a pergunta (cf. Gráfico 5).

Dos 15 alunos que leram a piada The health club (cf. Anexo 7.2), 8 responderam positivamente, 6 responderam negativamente e apenas 1 não respondeu a pergunta (cf. Gráfico 6). 77

rios de alunos chamaram a atenção por apontarem para o fato das piadas lidarem com características comuns a qualquer pessoa de uma maneira não preconceituosa. Além disso, os alunos identificam a oposição de scripts, mencionada por Raskin (1985), como um dos elementos importantes para a reação do riso. Foi possível perceber algumas questões recorrentes nos comentários dos alunos: Em sala de aula, as piadas trazem benefícios para a aprendizagem da língua. Analisando os gráficos, percebemos que a maioria dos alunos também vê graça na piada lida. Da mesma maneira como nas piadas étnicas, há um número significativo de alunos que não vê graça. No grupo de piadas de gênero, consideradas sexistas (grupo C), dos 26 participantes, 14 alunos leram a piada The sin (cf. Anexo 7.3) e do grupo, 11 desses alunos responderam positivamente para o efeito de humor nas piadas, enquanto 3 dos alunos responderam de forma negativa e 2 alunos não responderam a pergunta (cf. Gráfico 7). Dos alunos 19 que leram a piada The championship (cf. Anexo 7.3), 12 alunos responderam positivamente, 5 desses alunos responderam de forma negativa e 2 não responderam a pergunta (cf. Gráfico 8).

ram graça nas piadas sexistas.

Analisando os gráficos 7 e 8 comparativamente com os dos outros dois grupos (A e B), percebemos que houve um número maior de alunos que acha-

Comentários dos alunos para a pergunta “a” Nos três tipos de piadas (grupos A, B e C), os comentários feitos pelos alunos foram muito parecidos. Dos comentários positivos, a maioria apontava para a descontração que o uso das piadas trazia para a sala de aula, além de possibilitar a aprendizagem de vocabulário e de aspectos culturais da língua. Dois comentá78

Esta temática foi muito recorrente nas respostas dos alunos, ou seja, as piadas são textos autênticos muito úteis para aprender estruturas da língua e ampliar vocabulário. Além disso, são atividades que mudam a rotina da aula, uma vez que não fazem parte do livro didático. Essa avaliação dos alunos corrobora o que Souza (2007), Vagner e Urios (2011) já haviam apontado em estudos anteriores, mencionados no início desta pesquisa. Alguns comentários refletem também a compreensão dos esquemas interpretativos necessários para o entendimento do texto e neste sentido, percebe-se a maior compreensão das piadas que não são marcadamente culturais. Algumas piadas são de difícil compreensão e, portanto, não é possível achar graça. Dos alunos que não acharam graça em algumas das piadas, a grande maioria menciona a dificuldade de compreensão dos textos. De fato, o efeito cômico fica perdido se o aluno não consegue ativar os esquemas interpretativos adequados para a compreensão do texto e isso acontece principalmente nas piadas que são marcadamente culturais. Dos comentários dos alunos, alguns mencionam a dificuldade de compreensão de vocabulário e aspectos gramaticais, mas nenhum comentário é feito sobre a temática preconceituosa das piadas. Algumas piadas politicamente incorretas são mais aceitas do que outras. Em algumas piadas selecionadas, os alunos percebem a temática ofensiva, mas mesmo assim se divertem com o efeito cômico que elas proporcionam. Acreditamos também que, pelo fato de serem lidas em uma sala de aula, apresentam uma neutralização de efeitos negativos que porventura tenham. Os alunos parecem considerar que, se a professora está ensinando com uma piada, é porque há algum aspecto importante (no geral, alguma estrutura gramática ou vocabulário/expressões idiomáticas) no texto que será trabalhado em prol da aprendizagem dos alunos. 79

II - Respostas dos alunos para a pergunta b) No grupo de piadas étnicas (grupo A), dos 14 alunos presentes na aula em que foi lida a piada The New Yorker (cf. Anexo 7.1), 13 responderam positivamente para o uso da piada em contexto escolar efeito de humor na piada e um aluno (cf. Gráfico 9).

No mesmo grupo de piadas étnicas, dos 20 alunos presentes na aula em que foi lida a piada The Irish liner (cf. Anexo 7.1), todos (100%) responderam afirmativamente para o uso da piada em contexto escolar. Tanto no grupo de piadas envolvendo característica física ou mental (grupo B) e no grupo de piadas de gênero (grupo C), dos alunos participantes nas aulas em que as quatro piadas foram lidas, todos (100%) responderam afirmativamente para o uso das piadas em contexto escolar. Assim, mesmo quando os alunos não acham graça na piada, eles acreditam que ela pode ser usada em contexto escolar para ensinar a língua inglesa, o que contrasta com a opinião de parte dos alunos sobre o uso de piadas politicamente incorretas em sala de aula no questionário inicial respondido por eles antes da leitura das piadas (cf item 4.1, p. 8 deste artigo). Vejamos, a seguir, os comentários feitos a respeito dessa questão. Comentários dos alunos para a pergunta “b” Dos comentários feitos, a maioria menciona a importância da aprendizagem de aspectos culturais em textos que são autênticos, mas quase todos os comentários incluem uma ressalva, apontando para a preocupação com a reação, o sentimento dos leitores em relação à temática preconceituosa. Alguns comentários reforçam a importância da aprendizagem de uma linguagem coloquial, informal e, nesse sentido, as piadas, mesmo que politicamente incorretas, parece ser um bom material para explorar, de acordo com os alunos. Fica evidente a atenção dos alunos para a aprendizagem de conteúdos mais tradicionais na aula de língua inglesa, como vocabulário, gramática, registro informal e estratégias de 80

leitura. Parece que, se é para aprender inglês, então a temática do texto fica em segundo plano. 5.

Considerações Finais

Neste artigo procuramos compreender a percepção dos alunos em relação à leitura de piadas politicamente incorretas. Dos alunos participantes, a maioria é jovem do sexo feminino, estudantes das áreas de humanas. A maioria dos respondentes vê com positividade o uso de piadas na aula de língua inglesa, mesmo que politicamente incorretas na sala de aula, principalmente para que conteúdos tradicionais (como vocabulário e gramática) sejam ensinados. Ainda assim, um número significativo de alunos não consegue perceber o efeito de humor nos textos, principalmente pelas dificuldades com aspectos culturais importantes em algumas piadas. Não foi possível perceber uma grande diferença nas respostas/reações dos alunos em função de diferentes temáticas nas piadas (piadas sexistas, de características físicas ou étnicas), mas percebeu-se um número maior de alunos que reagiu mais positivamente para a leitura de piadas sexistas, em comparação com os outros dois grupos. Também foi possível perceber certa neutralidade em relação aos efeitos possivelmente negativos no leitor em função da leitura de textos que podem causar sentimentos negativos por tratarem de temáticas preconceituosas. No entanto, um número também significativo de alunos faz ressalvas no uso de piadas politicamente incorretas na sala de aula, e remetem, principalmente, ao contexto de sala de aula e à faixa etária dos alunos. Isto posto, parece ser possível o uso de piadas politicamente incorretas em sala de aula dentro de certas condições contextuais. Se, por um lado, há aspectos da língua que podem ser apreendidos pelos alunos de forma descontraída, por outro lado, pode haver também outros conteúdos não explícitos que merecem ser trabalhados por meio desses textos, principalmente marcas ideológicas e os mecanismos que constroem comportamentos preconceituosos para que sejam transformados por meio de um trabalho de leitura e reflexão crítica mediado pelo professor, como aponta Pontarolli (2003). Nesse sentido, uma pesquisa complementar, que aplique um tratamento pedagógico a piadas politicamente incorretas pode ajudar a compreender melhor a função desses textos na sala de aula de língua inglesa, com possíveis desdobramentos para as aulas de línguas no geral. Recebido em 13 de junho de 2013. Aceito para publicação em 12 de agosto de 2013.

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Referências

atitude e questões culturais. Tese (Doutorado em Educação), Universidade de São Paulo, 2007.

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BARZOTTO, Valdir. Olhares Oblíquos sobre Sentidos não muito Dissimulados. Análise do discurso: as materialidades do sentido, Maria do Rosário Gregolin e Roberto Baronas (organizadoras) Claraluz, São Carlos, SP, p. 205-217, 2001. DAVIES, Christie, Jokes and groups. The Institute of Cultural Research, London, 2005. ENGRÁCIO, Handerson Aguiar. O humor na educação. Dissertação (Mestrado em Comunicação educacional multimédia), Universidade Aberta de Lisboa, 2008. FREUD, Sigmund. Os chistes e sua relação com o inconsciente. Imago Editora Rio de Janeiro 1969, Tradução de Margarida Salomão. GIL, Célia Maria Carcagnolo. A linguagem da surpresa: uma proposta para o estudo da piada. Tese (Doutorado em Linguística), Universidade de São Paulo, 1991. GIORA, Rachel. On the cognitive aspects of the joke, Journal of Pragmatics volume 16, p. 465-485, Masssachusetts, Elsevier, 1991. MARGONARI, Denise Maria, Papel do humor no processo ensino-aprendizagem de língua inglesa. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada), Universidade Estadual de São Paulo, Araraquara, 2001. PONTAROLLI, Bernadette Simas Nascimento, Por que (não) trabalhar piadas na escola?: Anais do 5º encontro do Celsul, Curitiba, Paraná, 2003. RASKIN, Victor. Semantics mechanisms of humor. Dordrecht-Boston-Lancaster: D. Reidel, 1985. SCHIMITZ, John Robert, Humor as a pedagogical tool in foreign language and translation courses. Humor – international journal of humor research, volume 15-1, p. 89-113, 2002, Berlin-New York, Mouton de Gruyter, 2002. SOUZA, Lélia Silveira Melo, O Humor em aulas de língua inglesa: motivação, 82

Piadas Étnicas (Grupo A) The New Yorker These four guys were walking down the street, a Saudi, a Russian, a North Korean, and a New Yorker. A reporter comes running up and says, “Excuse me, what is your opinion about the meat shortage?” The Saudi says, “What’s a shortage?” The Russian says, “What’s meat?” The North Korean says, “What’s an opinion?” The New Yorker, says, “Excuse me?? What’s excuse me?” www.aid-renegade.com acessado em 13/02/2011

Irish Liner Q. “Well, Mike,” said the doctor. “I can’t quite diagnose your case. I think it must be the drink.” A. “Sure, that’s all right, doctor,” said Mike. “I know how you feel. I’ll come back when you’re sober.” http://www.free-funny-jokes.com/-/racist-jokes acessado em 13/02/2011

Piadas envolvendo características físicas (Grupo B) Hunting in the South A couple of hunters are out in the woods in the deep south when one of them falls to the ground. He doesn’t seem to be breathing, and his eyes are rolled back in his head. The other guy whips out his cell phone and calls 911. He talks to the operator nervously , “My friend is dead! What can I do?” The operator, in a calm and soothing voice, says, “Alright, take it easy. I can help. First, let’s make sure he’s dead.” There is silence, and then a gun shot is heard. The hunter comes back on the line. “OK. Now what??” www.jokes.net acessado em 13/02/2011

Health club Some members of a health club were having their first meeting to discuss weight loss. The director of the group said, “Now, I’d like each of you to give the facts of your daily routine.” Several fat people spoke, admitting their excesses, and then one obviously over weight member said, “I eat moderately, I drink moderately, and I exercise frequently.” “Hmm?” said the manager of the health club. “And are you sure you have nothing else to add?” “Well, yes,” said the member. “I lie extensively.” http://www.free-funny-jokes.com/-/fat-jokes acessado em 13/02/2011

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Piadas de gênero, sexistas (Grupo C) The sin A girl knelt in the confessional and said, “Bless me, Father, for I have sinned.” “What is it, child?” The girl said, “Father, I have committed the sin of vanity. Twice a day I look at myself in the mirror and tell myself how beautiful I am.” The priest turned, took a good look at the girl, and said, “My dear, I have good news. That isn’t a sin – it’s only a mistake.” www.aid-renegade.com acessado 13/02/2011

The championship A man had very good tickets for the final match of the baseball American Championship. As he sat down, he noticed that the seat next to him was empty. He asked the man on the other side of the empty seat whether anyone was sitting there. “No,” the man replied, “The seat is empty.” “This is incredible,” said the first man. “Who in their right mind would have a seat like this for this game, the biggest sporting event in the world and not use it?” The second man replied, “Well, actually, the seat belongs to me. I was supposed to come with my wife, but she passed away. This will be the first game we haven’t been together since we got married in 1967.” “Oh, I’m sorry to hear that. That’s terrible. But couldn’t you find someone else — a friend or relative, or even a neighbor to take the seat?” The man shook his head. “No, they’re all at the funeral.” www.yourekidding.net acessado 13/02/2011

Questionário sobre as piadas – usado tanto na fase 1 (calibragem) e quanto na fase 2 da pesquisa a - Você considera a piada engraçada? ( ) Sim ( ) Não - Se sim, por quê? - Se não, por quê? b – Mesmo não achando graça, você acha que esse tipo de piada poderia ser usada em contexto escolar para ensinar inglês? ( ) Sim ( ) Não Justifique sua resposta.

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Questionário sobre o perfil dos alunos INCO–CEPEL Questionário 1 - Perfil dos Respondentes 1 – Informações pessoais: Nome completo: Idade: Email: Telefone de contato: Curso USP / Unidade de origem: 2- Sobre aprendizagem de línguas a - Você já estudou alguma outra Língua Estrangeira? Se sim, qual? Onde? Com qual objetivo (leitura, conversação, etc.)? 3 - Sobre aprendizagem de línguas e textos humorísticos a - Na sua aprendizagem de língua inglesa (na escola ou em institutos de idiomas) você se lembra de ler textos humorísticos (piadas, charges, anedotas), presentes nos materiais de ensino ou em atividades propostas pelo professor(a)? Em caso afirmativo, relate o que você lembra sobre pelo menos uma dessas experiências. b - Você acha que a introdução de textos humorísticos auxilia na aprendizagem de uma Língua Estrangeira? Justifique sua resposta. c – Pensando especificamente em piadas consideradas politicamente incorretas, ou seja, aquelas que ridicularizam, de forma mais ofensiva, determinadas características pessoais relacionadas à capacidade intelectual/física, etnia/raça, religião e gênero (masculino/feminino), você acha que elas podem ser dadas em sala de aula? Justifique sua resposta. 4 – Sobre a leitura de textos de humor a - Você gosta de ler textos humorísticos em português? Em caso afirmativo explicite quais.

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APRENDIZAGEM AUTÔNOMA DE INGLÊS: UMA ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS DO SITE WWW.ENGLISHCENTRAL.COM Nayara Nunes SALBEGO Universidade Federal de Santa Catarina

ABSTRACT This study presents an analysis of the website englishcentral.com, pointing out didactic characteristics that foster autonomous learning of English. The results show that this website presents didactic characteristics that help its users to develop autonomy when studying English. KEYWORDS: autonomy, English language learning, information and communication technologies.

Introdução A utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) para aprendizagem de línguas pode trazer benefícios no desenvolvimento das habilidades linguísticas dos alunos. Quando de forma autônoma, tal desenvolvimento pode ser ainda mais efetivo, pois se parte do pressuposto que o aluno dedica maior atenção e dedicação para atividades as quais eles selecionam, realizam e se avaliam de forma autônoma. É nesse viés que tal estudo se concretiza, ou seja, o objetivo deste trabalho é analisar como as TIC podem ser úteis para aprendizagem autônoma de Inglês. Por toda a vida escolar, percebe-se que há um alto nível de centralização no papel desempenhado pelo professor em sala de aula. Por outro lado, pouco espaço é dedicado ao potencial individual e criativo dos alunos, onde suas experiências prévias e conhecimento de mundo são explorados e úteis nos seus processos de aprendizagem. No entanto, este quadro clama por mudanças, de forma que os professores não desempenhem mais papel central na aprendizagem dos alunos, a fim de que estes ganhem mais responsabilidade e autonomia na sua aprendizagem. Considerando-se este contexto, a aprendizagem autônoma possibilitaria um desempenho mais positivo e efetivo no desenvolvimento de habilidades linguísticas em Inglês. 86

O conceito de autonomia foi primeiramente relacionado ao ensino de línguas estrangeiras (L2) nos anos 70, acompanhando o surgimento do método comunicativo para o ensino de L2 (PAIVA, 2005). Anteriormente, os alunos de línguas não costumavam ter a oportunidade de tentar se expressar livremente, sendo que o método predominante anteriormente focava apenas na imitação e repetição de frases soltas, sem contextualização ou foco no significado. Diferentemente, o método comunicativo propõe uma abordagem na qual os alunos teriam mais espaço para produção linguística criativa e não repetitiva. Embora o método comunicativo aponte a importância do papel dos alunos para o desempenho do seu próprio aprendizado, isso não acontece completamente até mesmo nos dias de hoje¹ , sendo que na maior parte do tempo, o papel central nas aulas ainda é assegurado pelo(a) professor(a). Assim sendo, os alunos ficam presos à dependência, o que muitas vezes os impossibilita até mesmo de procurar outras recursos de forma autônoma, para desenvolver sua aprendizagem fora de contextos formais de ensino. Parte do conhecimento de uma língua estrangeira pode ser desenvolvida por meio da aprendizagem de autonomia. De acordo com Dickinson (1994, p. 4, tradução nossa), autonomia na aprendizagem de línguas é essencialmente “uma questão de atitude com relação à aprendizagem”² . De fato, um aprendiz autônomo é aquele que tem responsabilidade sobre seu próprio aprendizado, conforme está implícito na asserção de Dickinson. Da mesma forma, estudantes autônomos buscam recursos, organizam planos e estabelecem metas para com os seus estudos (COTERALL, 1995). Portanto, a união entre TIC e autonomia forma uma combinação propícia para o desenvolvimento dos estudantes que procuram aprender Inglês. Considerando estes apontamentos iniciais, este estudo tem como objetivo geral investigar a forma como o site englishcentral.com pode fomentar a aprendizagem autônoma de Inglês. Para isso, parte-se de objetivos específicos, como: (a) investigar conceitos de autonomia aplicados à aprendizagem de línguas; (b) entender conceitos sobre TIC aplicados a educação; (c) identificar aspectos do referido site bem como atividades propostas neste sítio que promovam aprendizagem autônoma; e, finalmente (d) relacionar conceitos de autonomia com características das atividades propostas no site que proporcionam aos alunos a oportunidade de aprender e estudar de forma autônoma. Assim, apresenta-se uma discussão sobre pesquisadores que tratam do tema

1. Tumolo e Santibanes (2011) explicam que a ideia de que autonomia não é desenvolvida na educação brasileira é de longa data, referenciando o conceito de educação bancária, proposto por Paulo Freire (1993). 2, No texto original: “a matter of attitude towards learning” (DICKINSON, 1994, p. 4). 87

autonomia aplicada ao ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Logo, faz-se uma análise detalhada do site englishcentral.com, enfatizando-se características didáticas de tal recurso que fomentam o desenvolvimento de estudos autônomos. Tal análise será relacionada com características de comportamento autônomo apresentadas na revisão de literatura. Na parte final, apresentam-se as considerações finais e sugestões para pesquisas futuras acerca do mesmo tema e objeto de análise. Tal estudo traz uma contribuição não só para alunos que almejam aprender uma língua estrangeira de forma autônoma, com o auxílio das tecnologias da informação e da comunicação, mas também para professores que almejam fazer com que seus alunos aprendam de forma mais independente. Tecnologias da Informação e da Comunicação aplicadas à Educação Vive-se a época da revolução técnico-científica, ou seja, uma era em que novas tecnologias da informação e da comunicação surgem a todo o momento. Tempo este que traz não só uma mudança tecnológica, mas também social, de forma que a geração atual vive uma completa época de comunicação global e isso não pode ser ignorado no ambiente educacional. Nesse sentido, a educação tem de se adaptar às novas necessidades da sociedade e é papel dos educadores ajudar os alunos a apropriarem-se das novas tecnologias como uma ferramenta na construção de conhecimento. Dentre elas, destaca-se o uso da World Wide Web (www), de computadores e softwares, de câmeras fotográficas, e-mails, programas de rádio e TV, as quais consistem em Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) que podem ser exploradas para atividades didáticas em sala de aula e também como ferramentas a serem utilizadas pelos alunos fora do contexto escolar, a fim de aprimorar seus conhecimentos e desenvolver novos saberes. Na sala de aula de Língua Estrangeira (LE), por exemplo, a utilização de TIC é de grande importância, pois é por meio delas que se pode trazer materiais autênticos e atualizados para serem trabalhados em sala de aula. Existem muitos sites na Internet que têm atividades interativas, nas quais os alunos podem falar e gravar sua voz, bem como fazer exercícios e serem corrigidos automaticamente. O site englishcentral.com, objeto de análise deste estudo, é um exemplo de TIC que propicia oportunidade de aprendizagem para seus usuários. O uso das TIC na educação colabora não só para uma melhor aprendizagem, mas também para o desenvolvimento da autonomia nos alunos, ou seja, a responsabilidade de procurar atividades por si só, as quais não dependem de um professor para serem realizadas. As TIC consistem em conteúdos midiatizados que ultrapassam conceitos de temporalidade e espaço, possibilitando a aprendizagem 88

fora do contexto tradicional de ensino. Conforme afirma o professor e pesquisador Hack (2007): A compreensão pessoal do mundo parece ser construída cada vez mais por conteúdos midiatizados que dilatam os horizontes espaciais, pois não é mais preciso estar presente fisicamente aos lugares onde os fenômenos observados ocorrem. (p.1)

No entanto, as TIC não eliminam a figura docente. Os professores são responsáveis por atuarem de forma ativa nos contextos atuais de ensino e aprendizagem. É necessário que mais docentes se dediquem a entender, utilizar e também criar atividades que façam parte das TIC. Os professores precisam acompanhar a evolução da sociedade de forma a midiatizar o conhecimento e, mais importante, dialogar e interagir com os aprendizes através de suas mensagens pedagógicas traduzidas nas atividades que propõem e produzem: [A] utilização da mediação multimidiática na educação não veio substituir os mestres, pois se existe algum conteúdo educativo na rede é por que um docente produziu e colocou lá. Por isso, as próprias instituições de ensino devem encorajar a produção de conteúdo. O professor midiatizará o conhecimento, ao codificar as mensagens pedagógicas e traduzir sob diversas formas – conforme a mídia ou multimídia escolhida –, mas também estará disponível para uma relação dialógica e interativa com o aprendiz pela utilização das TIC. (HACK, 2007, p. 2)

Portanto, pode-se afirmar que as TIC representam um ambiente no qual tanto alunos como professores podem agir de forma autônoma, sendo que os docentes podem fazer uso de tais recursos para propiciar modernização as suas atuações didáticas. Já os alunos podem definir o que querem utilizar para sua aprendizagem, pois há vários recursos disponíveis, bastando escolhê-los e utilizá-los. Consequentemente, o uso das TIC tanto na prática docente quanto nos estudos autônomos são parte do conhecimento midiatizado que culmina tal geração, atuando como parte indissociável no processo de ensino e aprendizagem dos professores e alunos. Autonomia na Aprendizagem de Línguas Autonomia tem sido uma questão muito pesquisada na área do ensino de línguas. Da mesma forma, autonomia também tem sido parte de objetivos educa89

cionais, conforme afirmam estudiosos como Holec (1981); Dickinson (1994); Dias (1994); Finch (2002); White (2003); Moreira (2004); e Paiva (2005, 2006), os quais apontam para a importância do entendimento deste termo para qualquer contexto de ensino. Finch (2002), por exemplo, faz um mapeamento da história da autonomia. Em “Autonomia: onde estamos e para onde vamos?”³ (tradução nossa), resultante da sua pesquisa de doutoramento, o autor faz um panorama no estilo “estado da arte” sobre o termo e sua relação no contexto da sala de aula de línguas. A partir desta perspectiva, Finch defende que é responsabilidade de cada professor promover autonomia a fim de formar membros da sociedade que sejam mais autônomos e críticos com relação a sua aprendizagem. O autor também afirma que, nesse parâmetro, o conteúdo da lição e a matéria a ser trabalhada em si ficariam em segundo plano devido à importância de se desenvolver a autonomia na sala de aula. Finch (2002) também apresenta noções de diferentes autores que estudaram sobre o tema, os quais criaram conceitos diferenciados para o termo autonomia. No entanto, apesar de não haver consenso nas definições, elas estão intrinsecamente interligadas e, de uma forma ou de outra, sempre chegam a um ponto em comum, apresentando características similares. Da mesma forma, Dickinson (1994) defende que autonomia consiste em uma atitude que alunos deveriam ser ensinados a ter com relação aos seus próprios estilos e processos de aprendizagem. Na perspectiva da autonomia, os alunos são capazes de tomar decisões sobre o seu desenvolvimento nos estudos, assim como tomar iniciativas para aprenderem de forma independente. Conforme afirma Dickinson, autonomia precisa ser aprendida e os professores têm um papel importante em ensinar os alunos a se desenvolverem como aprendizes autônomos. Aplicada à aprendizagem de línguas, autonomia significa que os alunos não somente têm mais controle sobre, mas também têm mais responsabilidade pelo seu próprio processo de aprendizagem. No entanto, ser autônomo não significa aprender isoladamente. Ao contrário, aprendizes autônomos desenvolvem um senso de interdependência e trabalham juntos com professores e colegas com o intuito de alcançar objetivos em comum e contribuir com o grupo como um todo (Benson, 2001; Üstünoğlu, 2009). Além disso, é de senso comum entre os estudiosos que professores têm papel chave no desenvolvimento da autonomia já que são eles que estão encarregados de educar os alunos não somente sobre o conteúdo de suas respectivas disciplinas, mas principalmente para a vida. De acordo com Dickinson (1992, apud Finch, 2002), o papel do professor é o de facilitar a aprendizagem de forma autônoma. Da mesma forma, Holec (1981, p. 3) enfatiza que esta habilidade não é inata, mas sim deve ser desenvolvida por meios naturais ou através de ensino formal. Holec tam3. No texto original: “Autonomy: where are we and where are we going?”. 90

bém aponta que “encarregar-se da aprendizagem de alguém é ter [...] a responsabilidade por todas as decisões com relação a todos os aspectos dessa aprendizagem [...]” (Holec, 1981, p.3). Moreira (2004) apresenta maneiras para ajudar alunos a desenvolverem autonomia não só enquanto aprendendo línguas, mas também outras áreas de estudo, como Matemática, Biologia, Geografia, enfim. O autor afirma que os aprendizes se tornam mais autônomos quando seus professores os ajudam a focar na maneira como se aprende do que no conteúdo por si só. Considerando-se o ponto de vista deste autor, o ensino e a aprendizagem de como ser mais autônomo são atualmente uma abordagem segura para a educação no geral, visto que a atualidade requer indivíduos capazes de aprender mais independentemente. White (1995) afirma que, em diversos contextos de ensino, a autonomia é considerada como algo já aprendido e que não precisa ser trabalhado em sala de aula. Professores geralmente não ensinam seus alunos sobre como aprender de forma autônoma. Consequentemente, a tomada de consciência dos alunos depende diretamente da tomada de consciência dos professores, conforme afirmam Boulton (2006), Oster (2006) e White (1995). Conclui-se que as concepções sobre autonomia apresentadas nessa seção enfatizam a necessidade de formar os estudantes a fim de atingir comportamento mais autônomo de aprendizagem. Para que isso aconteça, professores também deveriam ser formados sobre como ensinar os alunos a serem mais autônomos. Considerando-se a aprendizagem de Inglês, no qual os alunos têm tempo limitado, curto ou até mesmo nulo de interação com outros falantes da língua alvo, o desenvolvimento da proficiência em língua estrangeira pode ser um grande desafio. Assim, o desenvolvimento de autonomia poderia representar uma das soluções para que os alunos e professores atinjam seus objetivos educacionais e de aprendizagem. Análise qualitativa do site englishcentral.com Este trabalho consistiu em uma análise qualitativa do site www.englishcentral.com, o qual propõe atividades didáticas destinadas a pessoas que almejam aprender Inglês. Tal site oferece uma pluralidade de vídeos, com a opção de serem assistidos “com” ou “sem legenda”, através dos quais os alunos podem estudar vocabulário, pronúncia, expressões idiomáticas, além de gravar sua própria leitura do áudio dos vídeos selecionados. É importante salientar que nenhum critério específico foi utilizado na seleção deste site para a pesquisa. Tal seleção baseia-se somente na experiência da autora deste texto, a qual vem utilizando este site com seus alunos desde 2007 e tem observado que os resultados são positivos em sala de aula. Os alunos apreciam o conteúdo e a disposição das atividades propostas, além de mostrar características de 91

que realmente aprendem com a utilização destes recursos para complementação das tarefas do livro didático, ou até mesmo para realização de atividades extraclasse. Assim, fez-se uma análise do site englishcentral.com, porém, com um propósito diferenciado: buscou-se explicar de que forma o englishcentral.com está organizado e estruturado, além de oferecer atividades diferenciadas, que fomentam o desenvolvimento de comportamento autônomo nos seus usuários, possibilitando, assim, que alunos aprendam independentemente de irem para uma sala de aula. Tal estudo encontra-se dentro do escopo das TIC aplicadas à educação tendo em vista que almeja investigar como a utilização de um website com atividades didáticas de Inglês auxilia na aprendizagem e desenvolvimento das habilidades linguísticas de Inglês dos alunos interessados a aprender de forma autônoma. Por outro lado, esta pesquisa tem também o intuito de contribuir com professores de Língua Inglesa que almejam fomentar a autonomia nos seus alunos, além de utilizar as TIC, seja em sala de aula ou como tarefa extra classe. Análise e Discussão: o site englishcentral.com O site englishcentral.com traz vídeos autênticos com legendas e uma série de outros recursos didáticos que serão analisados com base nas características de aprendizagem autônoma apresentadas na revisão de literatura. A Figura 1 mostra a página inicial do site, a qual apresenta um vídeo com legendas. Tal imagem do vídeo já na tela inicial do site funciona como um resumo demonstrativo do que se pode encontrar se o usuário seguir explorando tal recurso. O site está em Inglês, mas é possível alterar o idioma no canto superior direito da página. O site disponibiliza 8 idiomas, o que mostra a vasta utilização deste sítio em vários países do mundo. Os usuários também têm a opção de explorar o site como professores (link “Teacher”) ou alunos (link “Learner”). A análise feita neste trabalho foi explorada na condição de alunos, ou seja, link “Leaner”.

Figura 1 – Página inicial do site englishcentral.com 92

Características gerais do site O site é bastante intuitivo e se apresenta em várias línguas, incluindo Português. O usuário pode clicar no ícone , no campo direito superior da página para escolher a língua de sua preferência. Caso o usuário não se dê conta desse recurso e preferir clicar diretamente na imagem do vídeo na tela principal, a atividade didática terá início instantâneo. O usuário perceberá que se trata de um site com vídeos e legendas. Além disso, o site apresenta balões com dicas das diferentes funções que cada atividade oferece, bastando passar o mouse em cima dos botões. Os vídeos são autênticos e muitos deles estão também disponíveis no youtube.com. A diferença é que no site englishcentral.com as legendas são revisadas e corrigidas por profissionais. Além disso, o usuário tem a opção de desativar as legendas, se preferir, ou ativá-las, de acordo com sua proposta de aprendizagem, o que será discutido a seguir. Além de apresentar diversos vídeos organizados por níveis de conhecimento de Inglês – iniciante, intermediário e avançado – e por assunto – negócios, viagens, dia-a-dia –, o site oferece cursos, que consistem na organização de um grupo de vídeos sobre a mesma temática e para determinado nível de dificuldade. A Figura 2 apresenta a disposição dos botões e opções de onde selecionar o nível de dificuldade e o assunto sobre o qual se quer assistir um vídeo:

Figura 2 – Seleção do nível de dificuldade e tópico dos vídeos 93

É importante ressaltar que, para este estudo, apenas atividades gratuitas foram consideradas, embora o site ofereça também atividades pagas. Da mesma forma, deve-se considerar que o site não apresenta um tutorial, mas se caracteriza por ser intuitivo no sentido de que é fácil para os usuários descobrir as atividades propostas apenas clicando nos links ou passando o mouse nos botões de acesso. Características didáticas do site As características didáticas do site serão descritas e comentadas abaixo, juntamente com uma discussão da forma como tais características podem fomentar aprendizagem autônoma.

2. Na aba “Assista”, o usuário pode praticar a audição, escutando o vídeo quantas vezes desejar. Optando pela utilização da legenda, o usuário poderá fazer a leitura do áudio. 3. Ao passar o mouse pelas palavras na legenda, o usuário escutará a pronúncia de tal vocábulo separadamente. Quando clicar nos vocábulos, o usuário terá a definição de tal palavra, juntamente com a pronúncia. Observe a Figura 4 que mostra a possibilidade de se estudar vocábulos da legenda separadamente:

1. Cada vídeo apresenta 3 abas de atividades, sendo elas: • Assista, na qual se pode escutar o áudio do vídeo e ler a legenda; • Aprenda, a qual traz exercícios de vocabulário; • Fale, na qual o usuário pode gravar sua voz e receber uma nota pela sua pronúncia. Uma das características de aprendizagem autônoma diz respeito a seleção feita pelo aluno da ordem das atividades a serem estudadas e também da definição das progressões a serem seguidas (COTERALL, 1995). Portanto, essa organização do site permite ao seu usuário a definição de tal ordem para sua aprendizagem autônoma. Observe a disposição das 3 diferentes abas na Figura 3: Figura 4 – Atividade de vocabulário

4. Na aba “Aprenda”, o usuário pode fazer exercícios de vocabulário, tentando preencher a lacuna com a palavra que está faltando (Figura 5). Nesta atividade, apenas algumas frases do vídeo completo são apresentadas.

Figura 3 – Diferentes tipos de atividades 94

As características didáticas 2, 3 e 4 vão ao encontro de características de aprendizagem autônoma, pois os usuários tem a chance de se monitorar e avaliar seu progresso durante a realização de tais atividades, conforme características apontadas por Dickinson (1994); Coterall (1995); Finch (2002); Little (2004); e Paiva (2005). A Figura 5 mostra a atividade de preenchimento de lacuna conforme a legenda do vídeo: 95

gem de forma autônoma. Pode-se estabelecer uma meta mensal, conforme mostra a Figura 7. Além disso, o site apresenta uma contagem de palavras que, supostamente, o aluno deve ter aprendido. A contagem é feita com base no número de palavras propostas em cada vídeo assistido. No link “Minhas palavras”, por exemplo, o usuário pode criar sua própria lista de palavras, a qual vem acompanhada da pronúncia e do significado. Já na seção “Fale para ter feedback”, o usuário encontra vários vídeos os quais trazem a atividade anteriormente mencionada de gravação de voz e atribuição de uma nota, juntamente com sugestões de melhoramento.

Figura 5 – Atividade de preenchimento de lacuna

5. Na aba “Fale”, o usuário pode gravar sua própria voz logo após ouvir as frases separadamente, basta clicar no ícone do microfone, conforme a Figura 6. 6. Logo ao lado direito do microfone, existe um outro botão que tem a função de mostrar a comparação da gravação da voz do usuário com o áudio do vídeo (Figura 6). 7. O site grava a voz do usuário para que seja comparada com o áudio do vídeo além de atribuir uma nota para pronúncia do usuário (Figura 6).

Figura 7 – Desempenho do usuário Figura 6 – Atividade de gravação de voz

Tais recursos permitem aos usuários estabelecer não só objetivos para com a realização de tais atividades, mas também oportunidade de prática, características as quais condizem com comportamento autônomo de aprendizagem (LITTLE, 2004). O site proporciona várias maneiras para o usuário organizar sua aprendiza96

Conforme as características didáticas mencionadas acima, nota-se que o site englishcentral.com apresenta uma variedade de atividades para a prática do idioma Inglês. Seus usuários podem explorar os recursos disponibilizados gratuitamente para o desenvolvimento das suas habilidades linguísticas, mais especificamente a audição, leitura, fala, pronúncia, vocabulário e expressões idiomáticas. Da mesma forma, os usuários podem desenvolver autonomia para com seus estudos, 97

pois é possível determinar uma série de características que condizem com comportamento autônomo defendido por diferentes autores na revisão de literatura. Considerações Finais Conclui-se que o site analisado neste trabalho apresenta diferentes características didáticas que propiciam e fomentam aprendizagem autônoma para os seus usuários. As características didáticas apresentadas neste trabalho mostram que é possível fazer uso deste recurso midiático para se desenvolver habilidades linguísticas em Inglês. No entanto, salienta-se que o site serve apenas para a aprendizagem de Inglês, não disponibilizando ainda vídeos e atividades em outras línguas. Também é importante enfatizar que muitos de seus usuários podem necessitar de instruções mais específicas para se fazer uso da pluralidade de atividades propostas no englishcentral.com. Conforme Holec (1981), Dickinson (1994), Finch (2002) and White (2003), muitos aprendizes não aprendem a se guiar sozinhos, necessitando assim de instruções para que, futuramente, guiem suas aprendizagens de forma mais autônoma e também para que usufruam de websites como englishcentral.com para desenvolver suas habilidades linguísticas em Inglês. Para pesquisas futuras, sugere-se que seja feito um estudo experimental no qual os alunos fazem a utilização do site englishcentral.com a fim de se investigar se é possível explorar o site de forma autônoma ou se os alunos precisam de um professor para guiá-los na realização das atividades. Recebido em 24 de junho de 2013. Aceito para publicação em 12 de agosto de 2013.

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COTERALL, S. Readiness for autonomy: investigating learner beliefs. System, v. 23, n. 2, p. 195-205, 1995. DIAS, R. Towards autonomy: the integration of learner-controlled strategies into the teaching event. In: LEFFA, V. J. (Org.). Autonomy in Language Learning. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1994, p. 13-24. DICKINSON, L. Learner Autonomy: what, why and how? In: LEFFA, V. J. (Org.). Autonomy in Language Learning. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1994, p. 13-24. FINCH, A. Autonomy - where are we, and where are we going? In: JALT CUE-SIG Proceedings. Kyoto Institute of Technology, Kyoto, Japan, p. 15-42, 2002. FREIRE, P. Pedagogy of the oppressed. NY, NY: Continuum Books, 1993. HACK, J. R. Audiovisual e Educação a Distância: aportes teóricos e reflexões sobre uma experiência. In: Anais do XIII Congresso Internacional de Educação a Distância (compact disc). Curitiba: ABED, 2007. HOLEC, H. Autonomy and foreign language learning. 2 ed. Oxford: Pergamon, 1981. LITTLE, D. Constructing a theory of learner autonomy: some steps along the way. In Mäkinen, K., Kaikkonen, P. & Kohonen, V. (eds), Future perspectives in foreign language education. Oulu: Publications of the Faculty of Education in Oulu University 101, p. 15–25, 2004. MOREIRA, M. M. In the search of the foreign language learner’s autonomy: concept maps and learning how to learn. In: LEFFA, V. J. (Org.). Autonomy in Language Learning. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1994, p. 25-35. OSTER, U. El fomento de la autonomia em la práctica de la comunicación oral. In: Mélanges CRAPEL, number 28, p. 191-200, 2006. Disponível em: http://www. atilf.fr/spip.php?rubrique579 PAIVA, V. L. M. O. Autonomy in second language acquisition. In: SHARE: An electronic magazine, 146, (no page numbers), 2005. Disponível em http://www. veramenezes.com/autoplex.htm Acesso em: 14 agosto 2011. PAIVA, V. L. M. O. (2006) Autonomia e complexidade. In: Linguagem & Ensino, 9 (1), p.77-127, 2006. TUMOLO, C. H. S.; SANTIBANES, V. S. Autonomia em graduação na modalida99

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A IMPLEMENTAÇÃO DO PNLD DE LÍNGUA INGLESA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PORTO ALEGRE Simone SARMENTO Patrícia Pauli COSTA Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

RESUMO O presente trabalho investiga a perspectiva de professores com relação ao Programa Nacional do Livro Didático de Língua Inglesa. Através da análise de questionários, realizados com os professores, foram verificadas as dificuldades e os aspectos positivos e negativos desse programa, de forma a contribuir para a reflexão sobre o uso do livro didático. PALAVRAS-CHAVE: PNLD, livro didático, Língua Inglesa

ABSTRACT We investigate teachers’ points of view regarding the National Program of English Textbooks. Through questionnaires, teachers expressed difficulties and positive aspects of the program so as to contribute to the reflection of the use of the English textbooks. KEYWORDS: National Program of the Textbook, textbook, English Language

Introdução A partir de 2011, o Programa Nacional do Livro Didático (doravante PNLD) passou a distribuir gratuitamente livros didáticos (doravante LD) de Língua Inglesa nas escolas públicas de ensino fundamental no Brasil. Em 2012, as escolas públicas de ensino médio foram também contempladas e começaram a receber os livros. Esse fato constitui um marco para o ensino de línguas estrangeiras na escola pública, uma vez que muitos são os relatos de escassez de recursos disponíveis aos alunos e professores nesse contexto. Muitas pesquisas têm sido realizadas no intuito de analisar os LDs (MOHR, 1995; VASCONCELOS & SOUTO, 2003; SILVA, 2005; SOBREIRA, 2002; entre outros), entretanto, pouco se pesquisa sobre o uso desse recurso na comunidade 100

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escolar. Em pesquisa realizada sobre o LD de Física (GARCIA e GARCIA., 2011), os autores evidenciam a importância de não só analisar o conteúdo dos LDs, mas também a utilização destes por alunos e professores. A pesquisa é justificada pelos autores devido ao grande investimento feito pelo governo no Programa Nacional do LD para o Ensino Médio (PNLDEM), que a partir de 2009 passou a distribuir livros de física na rede pública. Através de questionários realizados com alunos do Ensino Médio, os autores concluíram que as mesmas ferramentas de ensino (quadro negro e giz) que eram utilizadas antes da chegada do livro, continuaram a ser utilizadas e que os livros passaram a ser utilizados unicamente para a realização de exercícios. Os resultados indicam que os alunos consideram importantes os textos e as figuras, mas que os LDs ainda são pouco explorados pelos professores. Assim, Garcia e Garcia (2011) defendem que o papel dos cursos de formação de professores é relevante para que os futuros professores possam, no futuro, orientar seus alunos em sua aprendizagem e utilizar o LD de forma mais efetiva. Neste trabalho, nosso objetivo é investigar, a partir de questionários respondidos por professores de língua inglesa, a perspectiva desses professores com relação ao LD e como ocorre o seu uso em sala de aula. Através da análise de questionários, realizados com professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME), pretendemos verificar como o LD está sendo utilizado, quais são as dificuldades e os aspectos positivos desse novo programa. Dessa forma, esperamos que este trabalho possa contribuir para a melhor compreensão por parte de professores e da comunidade escolar sobre o programa, e para que a: “preparação básica para o trabalho, para a cidadania, para o aprimoramento da autonomia intelectual e do pensamento crítico do estudante, pautando-se sempre em valores éticos e humanos” (BRASIL, 2012, p.9) seja alcançado. O Livro Didático Ao pesquisarmos sobre a história do LD no Brasil, observamos que ele acompanha as perspectivas de língua e os métodos de ensino e aprendizagem de cada época. Na primeira metade do século 20, o foco dos livros era na gramática e tradução (PAIVA, 2009). Na década de 70 surgem os materiais audiovisuais, com a crença de que a escrita perturbaria o desenvolvimento da compreensão oral, e a ênfase se dava na pronúncia e na entonação. O conceito de língua como estrutura gramatical, herança do modelo pedagógico medieval de ensino de língua (FARACO, 2008), possui seu espaço nos LDs desde o início da sua história. Paralelamente a essa abordagem estruturalista, outros LDs apresentam abordagens diferenciadas, como a funcional e a comunicativa. Em 1977, a série Strategies dos autores Brian Abbs e Ingrid Freebairn é pu102

blicada e os autores definem sua abordagem como funcional, ou seja, a língua tem como função a comunicação (apud PAIVA, 2009). Em seu LD são contempladas variações linguísticas, dialetos, além de serem utilizados materiais autênticos. A abordagem comunicativa é definida de diferentes formas atualmente. Algumas definições tratam-na como uma abordagem que prioriza a fluência ao invés da precisão linguística, e a ênfase está na produção de mensagens, não na correção da forma (SPADA, 2005). Outra definição, também apresentada por Spada (2005), inclui a atenção tanto na fluência como na precisão linguística. Um exemplo de LD que se autodenomina como seguindo a abordagem comunicativa é a série Headway de Liz e John Soars da Editora Oxford. A série apresenta ênfase nas quatro habilidades e combina a abordagem comunicativa com abordagens tradicionais como a tradução. Os LDs retratam também aspectos ideológicos de cada época. Ao observarmos a história do LD, notamos que através de suas frases e exemplos transparece a visão da sociedade de determinado período. As frases encontradas em A gramática da língua inglesa, publicada em Porto Alegre em 1880 (PAIVA, 2009), trazem como exemplos “That negress has very good teeth” e “A European is generally more civilized than an African” (p.23) para serem traduzidas para o português. Apesar de haver sido revisado em 1940, o livro manteve referências à escravidão e ao preconceito contra negros. A ideologia e a perspectiva de ensino presentes nos LDs são aspectos fundamentais que demonstram a importância desse material didático na sociedade. O foco deste trabalho, entretanto, reside no aspecto pedagógico do LD, mais especificamente nas percepções dos professores quanto ao uso desse recurso, pois acreditamos que esses aspectos devem ser mais amplamente pesquisados. O professor é uma espécie de “ponte” entre o livro didático e as oportunidades criadas no ambiente de sala de aula, assim como o próprio livro didático pode ser uma “ponte” entre conceitos teóricos e tarefas (GIMENEZ, 2009, p. 9)

A definição do papel do professor como uma “ponte” entre o LD e as oportunidades criadas em sala de aula é pertinente já que diferentes ambientes escolares apresentam diferentes necessidades: alunos com diversos conhecimentos prévios; diferentes objetivos; e diferentes estilos de aprendizagem. Assim, a conexão entre o LD e a realidade da sala de aula é imprescindível e deve ser feita pelo professor. Segundo Magno e Silva (2009, p.59), “cada comunidade de aprendizagem é única, no sentido vygotskiano, em que o conhecimento se constrói mediante interações entre os participantes de cada grupo (...) cada comunidade que utilizar determinado livro poderá obter resultados diferentes”. Portanto, se o professor não atua como sujeito do processo educacional, alguém que conhece seu contexto e 103

consegue adaptar o livro às suas necessidades, seu papel pode ser o de “fiel seguidor” do livro didático (GIMENEZ, 2009, p. 8). Conforme argumenta Sarmento (2010), além de ser geralmente o único recurso disponível para os alunos, o LD é muitas vezes a única referência para estudos e preparação das aulas por parte dos professores. Assim, é fundamental que o professor tenha consciência do contexto educacional em que se insere para que, sobretudo o ineditismo proporcionado pelo PNLD venha a ser mais um dentre outros elementos no processo de ensino-aprendizagem, mas não o único. O LD afinal não deveria ser a única fonte de insumo/inspiração das aulas. (SARMENTO, 2010, p. 6)

O LD não só deveria ser um dos elementos no processo, como defende a autora, como também deveria estar em consonância com os documentos oficiais, como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e os Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul (RCs) (2009)¹ . Segundo os RCs (SCHLATTER e GARCEZ, 2009) (...) a aprendizagem de línguas é um direito de todo o cidadão, entendendo que, através de oportunidades para envolverem-se com textos relevantes em outras línguas, os educandos poderão compreender melhor a sua própria realidade e aprender a transitar com desenvoltura, flexibilidade e autonomia no mundo em que vivem e, assim, serem indivíduos cada vez mais atuantes na sociedade contemporânea, caracterizada pela diversidade e complexidade cultural. (SCHLATTER e GARCEZ, 2009: 127)

Portanto, o objetivo do ensino de línguas é o de “dar acesso à escrita e aos discursos que se organizam a partir dela” (BRITTO, 2004). Pretende-se que o aluno desenvolva sua individualidade através da reflexão crítica, e o LD deve permitir e contribuir para essa reflexão. Os RCs (SCHLATTER e GARCEZ, 2009) propõem formar cidadãos atuantes na sociedade através de um ensino contextualizado e do trabalho em conjunto entre diferentes disciplinas com diferentes gêneros. No contexto da formação de professores, uma pesquisa (PESSOA, 2009), realizada com alunos de graduação da Faculdade de Letras da UFG, revela que a percepção geral dos futuros professores de língua sobre o uso do LD é vista como positiva. A autora aplicou um questionário a 38 alunos do curso de Letras, dos quais 21 atuam como professores que tiveram experiências de ensino com e sem LD.

1. Apesar de os Referenciais Curriculares do RS de Línguas Adicionais terem sido elaborados para o contexto da escola pública estadual, eles foram, em parte, baseados em experiências satisfatórias realizadas na RME de Porto Alegre, como pode ser visto nas referências (RGS, 2009: 172). Além disso, as escolas da RME receberam uma versão impressa dos RCs para suas bibliotecas.

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Através de perguntas abertas o questionário buscava verificar se “há espaço para o livro didático ou deveria o professor criar os seus próprios materiais?”. A autora refere-se a duas teorias sociointeracionistas de linguagem relacionadas à formação de professores e ao LD, à proletarização docente (APPLE,1993) e a “nova ordem mundial” (MAGNOLI, 1993). A primeira refere-se à racionalidade técnica que tomou conta da prática docente, devido a fatores como falta de tempo para preparação de aulas, formação deficiente, entre outros. Segundo a autora, o professor acaba perdendo o controle sobre a sua prática e o LD é o ícone dessa perda. O LD é confeccionado por pesquisadores e o professor o utiliza sem reflexões maiores a seu respeito. Por essa razão, o desenvolvimento teórico é importante, não somente a prática em sala de aula. Conforme Pessoa, o desenvolvimento teórico: “é fundamental para que esses professores se tornem especialistas do processo de ensino-aprendizagem de língua estrangeira e também pesquisadores de suas salas de aula. Assumindo esses novos papéis, é bem provável que eles comecem a desconfiar dos livros didáticos e das teorias formais e, consequentemente, a romper com o processo de proletarização rumo à profissionalização docente. Em poucas palavras, sem qualificação docente não há profissionalização.” (PESSOA, 2009, p. 4)

A respeito da nova ordem mundial, a autora explica que, com o advento do fenômeno da globalização, e das consequentes mudanças na sociedade, é fundamental que o professor de línguas incentive o pensamento crítico dos alunos. Entretanto, essa tarefa é difícil já que os LDs em sua maioria são elaborados pensando em servir ao maior número de contextos possíveis. Por essa razão, os LDs tratam de temas “estéreis” (RICHARDS, 1998), evitando assim conflitos culturais. O papel do professor seria o de adaptar o LD ou, reflexiva e criticamente, criar o seu próprio material. Retomando a pesquisa de Pessoa (2009), o resultado da análise dos dados apontou que a respeito da percepção geral dos 38 estudantes de Letras sobre o LD, 25 alunos mencionaram pontos positivos e negativos sobre o seu uso, sete mencionaram apenas aspectos positivos e seis consideraram irrelevante o uso do LD. Dentre os argumentos favoráveis e desfavoráveis expressos pelos alunos, destacam-se os que expressam ser o LD um bom recurso para níveis iniciais de aprendizagem, mas não para níveis avançados, e que deve ser usado apenas como um guia. As opiniões a favor e contra, foram encontradas tanto nas respostas sobre a percepção geral sobre o LD, quanto sobre a experiência deles como professores. Entretanto, nas respostas sobre suas visões como alunos de graduação, a experiência sem o LD é vista como positiva pela maioria dos alunos e a experiência com o LD é vista como negativa. 105

A partir desses resultados, Pessoa (2009) conclui que tanto na prática de professores iniciantes, como no início da graduação, os alunos consideram importante o uso do LD para adquirir estruturas gramaticais, funções e itens lexicais básicos da língua — os quais são apresentados nos livros didáticos de forma sequencial e bem organizada — que vão prepará-los para construir significado nessa língua”. Ela também argumenta que: “Com isso, não queremos dizer que os professores devem limitar-se a executar currículos desenvolvidos por agentes externos, mas sim que talvez seja a partir da utilização de currículos já prontos e da reflexão sobre eles que eles serão capazes de elaborá-los por si próprios, fundamentados nas próprias teorias, nas teorias acadêmicas, nos resultados de pesquisas e nas necessidades dos alunos.” (PESSOA, 2009:14)

Na próxima seção discorreremos sobre os critérios utilizados no PNLD para garantir que os LDs selecionados estejam de acordo com a perspectiva de ensino de língua vigente nos documentos oficiais. Programa Nacional do Livro Didático Através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) o governo federal criou o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que objetiva avaliar, comprar e distribuir LD nas escolas públicas de Ensino Fundamental, Médio, e Educação de Jovens e Adultos das redes públicas de ensino e das entidades parceiras do Programa Brasil Alfabetizado² . Em 2011, pela primeira vez, as línguas estrangeiras, inglês e espanhol, foram incluídas no PNLD. Esse fato constitui um avanço para o ensino dessa área do conhecimento nas escolas públicas, pois alunos e professores têm, a partir desta data, acesso a LDs gratuitamente. Diferentemente do PNLD de outras disciplinas, o PNLD de Língua Estrangeira Moderna (PNLD-LEM) oferece livros de caráter consumível aos alunos, ou seja, os alunos podem escrever nos LDs de língua inglesa e espanhola, já que estes são repostos todos os anos. Além disso, os LDs possuem CD de áudio, o que possibilita maior autonomia aos alunos. Em 2009, iniciou o processo de avaliação dos LDs para o ensino fundamental para a sua posterior distribuição em 2011. Dentre os LDs de língua inglesa inscritos no programa e avaliados pelo MEC, 26 livros foram aprovados na primeira etapa de avaliação (BRASIL, 2010), a qual avaliou questões como o respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino fundamental; a ob2. http://www.fnde.gov.br acessado em 22/05/2012.

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servância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano, entre outras. Na segunda etapa, a da avaliação pedagógica, alguns dos critérios utilizados na avaliação foram: a coerência entre a fundamentação teórico-metodológica da obra e o conjunto de textos, atividades, exercícios, etc., que configuram o livro do aluno, o manual do professor e o CD de áudio; a organização da obra de forma a garantir a progressão do processo de ensino-aprendizagem, especialmente em relação a tópicos linguísticos, temas e atividades; e o desenvolvimento de capacidades básicas do pensamento autônomo e crítico, no que diz respeito aos objetos de ensino-aprendizagem propostos (BRASIL, 2010). Além desses, critérios como a autenticidade dos textos orais e a variedade de gêneros e tipos textuais, com propósitos variados, e a apresentação de amostra de diversas variedades linguísticas (sociais e regionais) também foram analisados. Somente dois LDs foram aprovados: “Links: English for Teens” da editora Ática e “Keep in Mind” da editora Scipione. Segundo Sarmento e Silva (2012) a causa de tantas reprovações se deve, provavelmente, aos pressupostos teórico-metodológicos estabelecidos pelo PNLD 2011 que se configuram, em sua essência, como distintos daqueles que constituem os LDs tradicionais. No PNLD 2012, para o ensino médio, cujo processo de inscrição das obras e posterior seleção pelo MEC ocorreram em 2011, 20 LDs de língua inglesa foram inscritos e sete foram selecionados. Ou seja, o índice de obras aprovadas foi de 35%. Segundo o Guia do Livro Didático 2012, esse índice tende a crescer, “já que é a primeira vez que editoras e autores de LDs voltados ao ensino de línguas estrangeiras destinados ao ensino médio se submetem aos critérios definidos pelo edital do Programa”. Esse fato parece realmente estar acontecendo, tendo em vista o número de seleções aprovadas no PNLD 2011 e o número de seleções aprovadas no PNLD 2012. As obras selecionadas no PNLD 2012 (ensino médio) foram English for All da Editora Saraiva, Freeway da Editora Richmond, Globetrekker – Inglês para o Ensino Médio da Macmillan do Brasil Editora, On Stage da Editora Ática, Prime – Ingles para o Ensino Médio da Macmillan do Brasil Editora, Take Over da Editora Lafonte, e Upgrade da Editora Richmond. Após a avaliação do MEC, a escolha dos livros é feita pelos professores através da análise das resenhas dos livros presentes no Guia do Livro Didático. Ao dirigir-se aos professores, o Guia do livro Didático de Língua Estrangeira Moderna 2012 reforça a importância do livro: (...) o livro didático deve ser entendido como uma produção que está vinculada a valores, posições ideológicas, visões de língua, de ensino de língua, de aluno, de professor, e do papel das línguas estrangeiras na escola. Assim, a escolha do livro didático de língua estrangeira faz parte da definição dos rumos do ensino médio público brasileiro. (BRASIL, 2011, p.10) 107

Os dados que serão analisados nesta pesquisa foram gerados através de questionários aplicados a professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Ale-

gre (RME) durante um curso de formação continuada promovido pela Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre. O curso contou com diversas oficinas e palestras. Na oficina intitulada “Materiais didáticos na aula de línguas adicionais”, com as palestrantes Simone Sarmento e Catilcia Lange, realizada nos dias 19 de abril e 31 de maio de 2012, os questionários foram respondidos por seis professores de língua inglesa da Rede Municipal. Antes de analisar os dados, é importante contextualizar o ambiente escolar dos professores que responderam ao questionário. A Rede Municipal de Ensino é formada por 96 escolas com cerca de quatro mil professores e 1200 funcionários. Essa estrutura atende a 55 mil alunos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da Educação Profissional de Nível Técnico, e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O Ensino Fundamental hoje conta com 55 escolas em Porto Alegre e a Rede Municipal de Ensino (RME) atende 46.280 alunos (dados do SIE/RME de 03/2010), com a duração de nove anos, organizados em três ciclos de três anos cada. No primeiro ciclo a faixa etária dos alunos é de 6 a 8 anos. No segundo ciclo os estudantes têm entre 9 e 11 anos. No terceiro ciclo os alunos têm de 12 a 14 anos. Nos dados obtidos através dos questionários um dos professores se refere ao “B30”. Essa nomenclatura é utilizada para se referir ao sexto ano do Ensino Fundamental. No primeiro ciclo do Ensino Médio a nomenclatura utilizada para os três anos consecutivamente é A10, A20 e A30; no segundo ciclo B10, B20 e B30; e no terceiro ciclo C10, C20 e C30. Na RME de Porto Alegre existem somente duas escolas de Ensino Médio - Escola Municipal de Ensino Médio Emílio Meyer e Escola Municipal de Educação Básica Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha-, por esse motivo, na pesquisa tivemos acesso somente a questionários respondidos por professores do Ensino Fundamental. No Ensino Médio, a faixa etária dos alunos é 14 a 17 anos, com duração de três anos. Além do ensino regular, existem projetos como o Projeto Compartilhar, que dá a oportunidade aos servidores da Prefeitura de Porto Alegre de concluírem a Educação Básica. Também existem oficinas e ações de assessoria pedagógica, com os cursos de Ensino Médio e Educação Profissional de Nível Técnico nas áreas de Informática Educativa, Administração – Marketing e Gestão de Recursos Humanos, Contabilidade e Desenvolvimento de Software. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) teve seu início no ano de 1989, através do Serviço de Educação de Jovens e Adultos (EJA), criado com base no artigo 208 da Constituição Federal de 1988, que institui “ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria4”.

3. http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos, acessado em 30/08/2013.

4. http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smed/default.php?p_secao=258, acessado em 12/06/2012.

Entretanto, essa possibilidade de escolha do LD não é amplamente conhecida, como verificado por Sousa et al. (2011). No contexto da seleção dos LDs de matemática, área que já participa do PNLD há mais tempo do que o inglês, os autores argumentam que a maioria dos professores ainda desconhece as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, já que as escolas não disponibilizam o período institucional para a leitura do Guia Nacional do Livro Didático e para a escolha da obra na escola. Com o termo “período institucional” Sousa et al. (2011) referem-se a reuniões da comunidade escolar para a leitura e discussão do Guia. Em 2011, o governo federal investiu R$1,3 bilhão na compra, avaliação e distribuição dos LDs do PNLD 2012, direcionado ao atendimento integral do ensino médio (inclusive EJA) e à complementação e reposição, no âmbito do ensino fundamental, dos livros anteriormente distribuídos (PNLD 2010 e PNLD 2011). No ensino médio, o investimento foi de R$ 883,4 milhões. Já o ensino fundamental contou com o investimento de R$443 milhões. Ao todo, foram adquiridos 163 milhões de livros para atender a 37.422.460 alunos, inclusive na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA).³ Sarmento e Silva (2012) apontam que, mesmo com tamanho investimento, existem “algumas falhas na comunicação entre o FNDE e as escolas no que tange o PNLD-LEM” e que essas falhas comprometem o funcionamento do programa e o acesso dos alunos aos livros. Em seu artigo, as autoras explicam que os alunos são muitas vezes orientados a deixarem os livros na escola, pois as escolas desconhecem que os livros de língua estrangeira sejam consumíveis, ou seja, que serão repostos todos os anos e não precisam ser devolvidos para serem reutilizados por outros alunos. É importante ressaltar que os livros das demais disciplinas são reutilizáveis, diferentemente daqueles de Língua Estrangeira. Além de o termo consumível não ser claro, a informação de que o livro é consumível é apresentada somente na quarta capa dos LDs. Outra falha apontada no PNLD pelas autoras é a questão da distribuição dos livros pelo FNDE, que é feita de acordo com projeções do censo referentes há dois anos anteriores ao ano do programa. Esse fato acarreta consequências como a falta de livros para os alunos, fazendo com que eles tenham que compartilhar os livros, e dificultando a possibilidade de que eles os levem para a casa para estudar ou escutar o CD de áudio. Contexto

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A faixa etária dos alunos é a partir de 15 anos. Existem 35 escolas municipais que atendem os alunos de EJA nos turnos da noite. O objetivo das escolas com essa modalidade é atender os alunos que ainda não tiveram oportunidade de concluir a Educação Básica. De acordo com os dados de 2009, oito mil alunos foram atendidos na modalidade de EJA em Porto Alegre. A RME oferece várias línguas estrangeiras em seu currículo, dependendo da escola. As línguas oferecidas são espanhol, francês, inglês e italiano. Dessa forma, a rede conta com aproximadamente 150 professores de línguas estrangeiras. Desses, entre 70 e 80 são professores de língua inglesa. Questionários Os dados gerados a partir do questionário foram analisados de forma qualitativa. O objetivo da análise é identificar nas respostas dos professores como é feito o uso do LD na RME de Porto Alegre. Mesmo trabalhando com uma quantidade pequena de dados, acreditamos que as respostas foram suficientes para apontar uma tendência das opiniões dos professores. O nome dos professores que participaram da pesquisa será mantido em sigilo, assim como o nome das escolas. Dos seis professores, dois trabalham em duas escolas e, por essa razão, na pergunta número 2 foram contabilizadas oito escolas ao invés de seis. As respostas dos professores, quando completas, foram transcritas, e as respostas curtas foram parafraseadas. As perguntas a seguir estavam presentes no questionário. São perguntas abertas, que possibilitaram aos professores expressarem suas visões a respeito do PNLD: 1- A sua escola recebeu os livros do PNLD/2011 ou 2012 de Língua Inglesa? Caso positivo, qual o nome da coleção? 2- A escola recebeu livros para todos os alunos em 2012? 3- Você participou da escolha da coleção? Caso negativo, você sabe como foi feita a escolha? Caso positivo, quais critérios direcionaram a escolha? 4- Você já está utilizando o livro com os alunos? Caso negativo, por quê? Caso positivo, quais suas impressões / opiniões sobre o livro no contexto em que atua? 5- Se fosse possível contatar com o MEC, você teria alguma sugestão com relação ao PNLD?

As respostas à primeira pergunta do questionário (A sua escola recebeu os livros do PNLD/2011 ou 2012 de Língua Inglesa? Caso positivo, qual o nome da coleção?) revelaram que todos os professores participantes receberam LDs nas suas escolas, porém dos seis professores, dois não sabiam o nome da coleção. Os demais responderam que utilizam o LD Links: English For Teens da Editora Scipione. 110

Coincidentemente os dois professores que não sabiam o nome da coleção são os mesmos que revelaram ter participado do processo de escolha do LD e que comentaram somente aspectos negativos a respeito do PNLD, como não ter recebido livros suficientes e não estar de acordo com a metodologia do livro. Além disso, pode-se aventar a hipótese de que o processo de escolha provavelmente não tenha sido adequado, pois os únicos professores que efetivamente responderam ter participado do processo não usam o LD em suas aulas. Provavelmente, esses professores não tiveram a oportunidade de ler o Guia do Livro Didático e analisar os livros em profundidade e por isso rejeitam os LDs. A pergunta número 2 (A escola recebeu livros para todos os alunos em 2012? ) revelou que, das oito escolas, apenas uma recebeu livros para todos os alunos em 2012. Um dos professores respondeu que não sabia se todos os alunos haviam recebido livros na sua escola. Esse fato se relaciona às falhas do PNLD-LEM, discutidas nas seções anteriores. A vantagem de o LD ser consumível acaba não sendo aproveitada pelos alunos, ou porque a comunidade escolar não é bem informada, ou porque não há livros suficientes para todos os alunos. Na pergunta 3 (Você participou da escolha da coleção? Caso negativo, você sabe como foi feita a escolha? Caso positivo, quais critérios direcionaram a escolha?), somente dois professores – que não se lembram/não sabem o nome da coleção - disseram ter participado da escolha do LD. Um deles respondeu somente que a escolha foi difícil, pois só havia dois livros. O outro professor respondeu: “Nos deram dois livros e tínhamos que escolher um mas nenhum era muito adequado à faixa etária. No entanto, tivemos orientação de escolher um, então escolhemos o que tinha atividades mais comunicativas e simples para essa faixa etária.”

Dos quatro professores que disseram não ter participado do processo de escolha dos livros, apenas dois se pronunciaram. Um deles respondeu que a escolha havia sido feita pela professora anterior e o outro respondeu que a escolha fora feita juntamente com os professores de idiomas da escola. As respostas à primeira parte da pergunta 4 (Você já está utilizando o livro com os alunos?) foram positivas em quatro questionários. Apenas dois professores, os mesmos mencionados anteriormente, que não sabem o nome da coleção, responderam “não” e “em parte”. As respostas à segunda parte da pergunta (Caso negativo, por quê? Caso positivo, quais suas impressões/ opiniões sobre o livro no contexto em que atuas?) foram organizadas em três categorias: opiniões exclusivamente positivas, opiniões exclusivamente negativas e opiniões positivas e negativas. Os resultados estão ilustrados no quadro abaixo e são comentados em seguida. 111

CATEGORIAS

PROFESSORES

Opiniões exclusivamente positivas Opiniões exclusivamente negativas Opiniões positivas e negativas

Dois Professores Dois professores Dois professores

Quadro 1 – Síntese das respostas ao questionário

Dos seis professores que responderam ao questionário, dois professores apontaram somente pontos negativos em relação ao LD. Um deles utiliza o livro Links e o outro não se lembra do nome da coleção. “Estou utilizando o livro em parte porque tivemos duas opções de livros e nenhuma é ideal para os anos adequados. É uma ferramenta que pode ser usada de vez em quando. As escolas deveriam receber um crédito para que os professores pudessem encomendar os livros de acordo com os anos e programas que acham melhor.” (Não se lembra do nome da coleção)

Um dos professores critica o fato de os alunos não poderem escrever no livro, o que, na verdade, não deveria acontecer, pois os livros de língua inglesa são “consumíveis”, como mencionado anteriormente. “Alguns conteúdos não acompanham o programa da escola, há poucas (ou nenhuma) músicas, alguns temas de pouco interesse por parte dos alunos, não possibilidade de escrever no livro”.

Outros dois professores consideraram tanto pontos negativos como positivos a respeito do LD. Os dois utilizam o livro da coleção Links. “O livro tem suas falhas, como todos. Entretanto, seu uso traz muitos benefícios, desde o hábito de manusear o “objeto livro” até a criação da responsabilidade e do hábito de levar o livro para a aula. No plano de conteúdo é um importante recurso, pois oferece mais uma fonte de input aos alunos, intensificando o contato com a língua. É uma boa fonte de atividades de listening também. Enfim, é uma ferramenta que pode ajudar bastante o ensino de LA5 na escola pública, sempre tão carente de recursos materiais”. “O livro Links possui alguns aspectos negativos, como atividades superficiais e fora de contexto. Porém, algumas atividades de leitura e grande parte dos textos preparados para listening são bastante interessantes.”

Dois professores se manifestaram somente de forma positiva. O livro utilizado por um deles é o Links e o outro não se lembra do nome da coleção. “Para os alunos uma novidade, pela primeira vez podem usar um livro de inglês na aula. Particularmente gosto do autor e estou aproveitando o material na medida do possível.”

O professor não especifica o que ele quer dizer com “na medida do possível”, porém como nenhum aspecto negativo é explicitado, a resposta foi classificada como exclusivamente positiva. O outro professor que se manifestou somente de forma positiva deixou em branco o nome do LD utilizado na sua escola, contudo, ele respondeu somente sobre um volume da coleção que, segundo ele, funciona bem até o sexto ano do Ensino Fundamental (B30). “Até B30 o número 1 realmente funciona.”

A pergunta 5 (Se fosse possível contatar com o MEC, você teria alguma sugestão com relação ao PNLD?) foi respondida por quatro dos seis professores, dois deles deixaram a resposta em branco. A maior crítica que se pode notar nas respostas é a inadequação dos livros aos níveis dos alunos. Além disso, a questão de haver somente duas coleções disponíveis para a escolha no PNLD 2011 gerou um sentimento maior de imposição dessas obras. Na realidade, somente duas obras foram aprovadas no PNLD 2011 por estarem de acordo com os critérios do Guia do Livro Didático, explicados anteriormente. Talvez, os professores não sentissem essa imposição em relação ao LD se lhes fosse disponibilizado tempo institucional para o estudo dos critérios presentes no Guia do LD, bem como tempo suficiente para analisar as obras. Como explicado na seção sobre o PNLD, em 2012, um número maior de coleções foi aprovado na avaliação feita pelo MEC, assim os professores tiveram mais opções de LDs para escolher. A primeira resposta foi de autoria de um professor que utiliza o livro Links. As duas respostas seguintes são dos professores que não se lembram do nome da coleção. “Maiores possibilidades de acesso a diferentes obras.” “Sim, em vez de impor esses livros, essas coleções, oferecer crédito para que os professores possam ver quais os livros adequados. As coleções oferecidas para as minhas escolas eram para 6, 7, 8 e 9 ano. Trabalho com níveis anteriores.” “Muitas. Quantidade, números ...”

5.LA refere-se à Língua Adicional. A partir dos Referencias Curriculares do RS (SCHALLTER; GARCEZ, 2009), este termos tem sido bastante utilizado no lugar de Língua Estrangeira. Entretanto, neste trabalho, por estarmos discutindo uma política pública que se refere à Língua Estrangeira nos documentos, optamos pelo último.

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Além das críticas relacionadas à inadequação dos livros e à imposição dos LDs, um dos professores, que utiliza o livro Links critica as atividades propostas no LD. 113

“Eu sugeriria que algumas técnicas superficiais fossem reelaboradas com mais criatividade e que outras fossem contextualizadas mais adequadamente.”

O professor não explicita que tipos de técnicas necessitam reelaboração e contextualização. Entretanto, já que em outras respostas a questão da inadequação de tarefas dos LDs já foi levantada pelos professores, entende-se que essa resposta também se relaciona às tarefas presentes no LD.

sores, aspectos relacionados ao funcionamento geral do PNLD, passando por critérios pedagógicos, de logística e legais. Acima de tudo, é necessário refletir sobre o uso inteligente do LD a serviço de uma aprendizagem significativa da língua inglesa, beneficiando alunos e professores. Recebido em 1 de julho de 2013. Aceito para publicação em 12 de agosto de 2013.

Considerações Finais Os resultados apontaram um reconhecimento por parte dos professores de que há falhas no programa quanto à distribuição dos livros e à falta de informação sobre o caráter consumível do LD e dos critérios para a escolha das obras. Através dos questionários foi possível observar que das oito escolas somente uma recebeu livros para todos os alunos em 2012. Isso se deve, conforme Sarmento e Silva (2012), a falhas na comunicação do FNDE com as escolas a respeito do PNLD-LEM e tem consequências para dentro da sala de aula: “Esses fatores, apesar de parecerem meramente logísticos, apresentam consequências no uso pedagógico do livro.” (p. 11) Nesse sentido, os únicos dois professores que participaram do processo de escolha do LD não utilizam ou utilizam parcialmente o livro em sala de aula. Isso se deve, segundo as respostas ao questionário, aos fatores apresentados anteriormente, como a falta de livros para todos os alunos, a inadequação dos LDs aos níveis para os quais foram distribuídos e aos temas de pouco interesse por parte dos alunos. Além das falhas na logística do programa, o fato de os livros terem sido distribuídos pelo governo e de terem sido oferecidas somente duas opções de coleções criou um sentimento de rejeição por parte de alguns professores em relação ao programa, como, por exemplo, em uma das respostas à pergunta 5 do questionário “em vez de impor esses livros, essas coleções, oferecer crédito para que os professores possam ver quais os livros adequados”. Em contraponto às críticas ao programa, respostas revelaram que os professores valorizam a possibilidade de ter mais um recurso para suas aulas: “é uma ferramenta que pode ajudar bastante o ensino de LA na escola pública, sempre tão carente de recursos materiais”. Além disso, um professor argumentou que o manuseio do livro e o contato com a língua pelos alunos são aspectos positivos do LD. Assim como nos dados obtidos por Pessoa (2009), os resultados indicam que há uma percepção positiva sobre a utilização do LD, já que as críticas dos professores estão relacionadas, na maior parte das respostas, a falhas logísticas no PNLD-LEM. Nesse sentido, consideramos fundamental incluir nas disciplinas de Práticas de Ensino, assim como em programas de formação continuada de profes114

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COMPETÊNCIAS DO APRENDIZ: REFLEXÕES TEÓRICAS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Roberta de Oliveira GUEDES Tsai Yun HSIEN Vera Lucia Teixeira da SILVA Viviane Cristina GARCIA DE STEFANI Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

“Os homens são sábios não a partir da experiência, mas pela capacidade de pensar a experiência” Bernard Shaw

ABSTRACT In this article we have developed reflections about skills in teaching and learning a foreign language, emphasizing those related to the learner. The knowledge of these theories can influence the teaching approach and ways of learning, as well as the teacher’s actions, determining the construction of students’ skills. KEYWORDS: competence, learner, teaching and learning languages.

Introdução Ao nos propormos a refletir sobre as competências do aprendiz de língua estrangeira (doravante, LE) no século XXI, algumas questões básicas emergem: O que significa ser um bom aprendiz de LE? Quais as competências necessárias para que o aluno otimize sua aprendizagem? Qual o papel do professor para o desenvolvimento da competência do aprendiz? Antes de desenvolver possíveis encaminhamentos para essas indagações e ampliar a discussão sobre as competências necessárias de um bom aprendiz de línguas estrangeiras, acreditamos ser importante definir a priori a concepção de competência adotada neste artigo. Ao estudarmos a área de ensino e aprendizagem de LE, nos deparamos com uma gama de artigos e pesquisas relacionados ao tema competências. Entre eles, podemos citar os estudos de importantes linguistas brasileiros como Silva (2010), Almeida Filho (2010, 2006) e Basso (2008, 2001), além dos significativos trabalhos do francês Philippe Perrenoud (2002, 2001 e 2000). 118

A partir da leitura desses estudiosos, adotamos neste artigo a proposição teórica que destaca o conceito de competência como a capacidade de saber fazer, de ser capaz de agir em determinadas situações, fazendo uso de conhecimentos (re) construídos (BASSO, 2001). Associamos a esse construto a visão de Perrenoud (2001), que propõe competência como a capacidade do indivíduo de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiando-se em conhecimentos, sem, contudo, limitar-se a eles. Para o autor, a competência envolve a mobilização de recursos cognitivos – como saberes, habilidades e informações – para solucionar, com pertinência e eficácia, uma série de situações. De acordo com Silva (2010, p.104), essa mobilização envolve um processo reflexivo que possibilita uma relação adequada entre saberes e competências, uma vez que na ausência da reflexão, tais conceitos estariam relacionados a habilidades pura e meramente técnicas. Ainda segundo o autor, não podemos relacionar competências à imitação de modelos ou ao acúmulo de conhecimentos, visto que ela envolve a ação de resolver problemas e, portanto, fazer escolhas, apoiando-se em conhecimentos já (re)construídos, ao mesmo tempo em que se buscam e se (re) constroem novos conhecimentos. Nessa perspectiva, entendemos que a associação entre as ideias de competência e de mobilização de saberes está intimamente ligada à construção da cidadania e da postura crítica do indivíduo, conforme assevera Perrenoud (2001), e que qualquer planejamento de ensino e aprendizagem que envolva tais objetivos deve ser desenvolvido, segundo Silva (2010), com ênfase maior na (re)construção de conhecimentos por meio da ação em detrimento do ensino limitado de conteúdos formais. Nesse contexto, entendemos ser o conceito de competência compatível com a visão de ensino-aprendizagem como (re)construção de conhecimentos (VYGOTSKI, 1991), uma vez que, distante de abordagens assimilativas e conteudistas (gramaticalistas), ―ele traz em si uma referência a situações práticas e sociais, conforme assevera Silva (2010). Dessa maneira, ao refletirmos sobre as competências requeridas aos aprendizes de língua estrangeira no século XXI, pretendemos estabelecer um diálogo com os estudos teóricos que definem as principais competências do professor (PERRENOUD, 2000; ALMEIDA FILHO, 1993), traçando um paralelo entre as principais competências para ensinar (PERRENOUD, 2000) e nossas suposições sobre as competências para aprender uma dada LE. As atuais tendências na área de ensino e aprendizagem de línguas apontam para a necessidade de formar alunos autônomos, cidadãos críticos, reflexivos e participativos, capazes de entender o processo de aprendizagem no qual estão inseridos, de entender a maneira como aprendem e a razão pela qual aprendem, além de serem capazes de utilizar o saber adquirido em diversas áreas do conhecimento. 119

No entanto, essa ideia de formação ainda está distante do que ocorre na prática. Não é raro observar que muitos professores têm vivido uma contradição: querem formar cidadãos participativos na sociedade, mas não permitem que os alunos participem de suas decisões em sala de aula. Decisões sobre como deve ser conduzida sua aprendizagem, que tipo de atividade é mais eficaz, se prefere desenvolvê-la só ou em equipe, como deve ser avaliado, como participar da avaliação de sua aprendizagem, entre outras determinações. Segundo Perrenoud (2000), a participação é uma forma de educação para a cidadania, e a sala de aula deve ser o primeiro lugar de interação democrática, visto que é nela que se enfrenta a contradição entre o desejo de emancipar os alunos e a tentação de moldá-los (p. 106). O mesmo autor defende que o aluno participe das decisões da sala de aula e também da instituição escolar, como uma forma de preparação para a vida e indaga: Como os alunos poderiam compreender que lhes é oferecida uma divisão de poder sobre questões que concernem ao estabelecimento, se isso lhes é recusado na organização da vida cotidiana e do trabalho em sala de aula?(PERRENOUD, 2000, p. 106) Ainda sobre a importância da participação dos alunos, Perrenoud (2000) infere que esta remete a dois outros níveis sistêmicos: 1) capacidade do sistema educativo de dar aos estabelecimentos e às equipes pedagógicas uma verdadeira autonomia de gestão; 2) capacidade dos professores de não monopolizarem esse poder delegado e de partilhá-lo, por sua vez, com seus alunos. Isso equivale a dizer que a autonomia que buscamos e pela qual lutamos é não só a da escola, como também a do professor e também a do aluno. A preocupação com a qualidade do aprendizado do aluno é um dos assuntos mais discutidos nos recentes debates educacionais. O fato de o aluno estar na escola, estar na sala de aula, não garante o seu aprendizado. Há algumas décadas, houve uma batalha para que toda criança pudesse estar na escola. Agora temos que conseguir que todos os alunos aprendam na escola (NÓVOA, 2010, comunicação pessoal)¹. Queremos formar alunos autônomos, que saibam construir sua aprendizagem. Para que nós, professores, possamos contribuir para o desenvolvimento da autonomia do aluno, é preciso, antes mesmo de dar-lhe poder de tomada de decisão em sala de aula, olhar para o aprendiz, entender suas necessidades de aprendizado, ajudá-lo a descobrir e a desenvolver suas competências de aprendizagem, as quais descreveremos neste trabalho.

1. Comunicação pessoal de António Nóvoa, palestrante no XI Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores e I Congresso Nacional sobre Formação de Professores, realizado em Águas de Lindóia, SP, de 15 a 17/08/2001. O título da palestra proferida por Nóvoa foi : “Tendências atuais na Formação de Professores: o modelo universitário e outras possibilidades de Formação”. 120

1. Competências: De Chomsky a Celce-Murcia – Um breve histórico Iniciamos este item destacando o ano de 1965, ponto de partida da primeira discussão teórica sobre competências, o qual impulsionaria outros estudos e pesquisas acerca do tema. Nesse momento histórico, encontramos Chomsky, que apresenta o conceito de competência linguística (ou gramatical), construto estritamente ligado à ideia de língua como sistema abstrato e ao domínio das estruturas e regras gramaticais. Em reação a visão de competência linguística (ou gramatical) proposta por Chomsky (op.cit), Hymes (1972) questiona o ensino de línguas concentrado somente nas estruturas linguísticas, destacando a importância do uso, sem as quais as regras de gramática seriam inúteis. Já na década de 1970, de acordo com Brown (1994, p. 227), notamos a acentuação da diferença entre o conhecimento sobre as formas da língua e conhecimento que capacita uma pessoa a se comunicar de maneira funcional e adequada. Temos, então, as primeiras ideias sobre competência linguística e comunicativa. Nos anos de 1980, por meio dos estudos de Canale & Swain (1980), encontramos a inclusão de uma nova competência, nomeada como estratégica e que juntamente com a gramatical e a sociolinguística compõem a competência comunicativa. De acordo com Silva (2010), a competência sociolinguística implica o domínio das regras socioculturais da língua e do discurso, requerendo, portanto, o conhecimento do contexto social no qual a língua é usada e da cultura dos falantes daquela língua. A competência estratégica, por sua vez, engloba as estratégias utilizadas para compensar a falta ou o não domínio pleno do código linguístico em questão. Em 1983, Canale expande o modelo proposto juntamente com Swain (1980) e subdivide a competência sociolinguística em competência discursiva e sociolinguística. Segundo o autor, nessa nova proposta a competência discursiva está diretamente associada à gramatical, uma vez que a utilização das regras gramaticais está intimamente vinculada ao contexto discursivo, propiciando a coerência e coesão além da frase, em parágrafos ou textos propriamente ditos. Encontramos no ano de 1995, um modelo que expande as ideias de Canale destacadas anteriormente. Trata-se da proposta desenvolvida por Celce-Murcia (1995), na qual notamos a existência dos seguintes componentes: competência discursiva, linguística, formulaica, sócio-cultural, paralinguística e estratégica. A competência discursiva, nesse modelo, é a competência central, sendo que a partir dela os demais componentes se encontram e se realizam. Realizadas as considerações a respeito das primeiras teorias e modelos acerca das competências, propomos uma breve discussão sobre as competências do professor. 121

2. Competências do professor de LE

3.Competências do aprendiz: o papel do aluno na aprendizagem

Neste item, utilizamos como referencial o modelo teórico proposto por Almeida Filho (2006, 2004, 1999, 1993), destacando as competências que consideramos desejáveis ao profissional atuante no processo de ensino e aprendizagem de LE, uma vez que acreditamos que elas podem contribuir diretamente com o desenvolvimento das competências do aprendiz. Almeida Filho (1993, 2004, 2006) assevera que ao ensinar, o professor se depara com uma gama de conhecimentos informais, construídos a partir de experiências anteriores, nas quais podemos encontrar suas percepções, intuições, memórias, crenças e até pressupostos teóricos explícitos, refletidos em suas atitudes e decisões nas salas de aula. Além disso, o autor propõe que a qualidade, natureza ou textura da ação de ensinar depende de uma combinação de uma ou mais de cinco competências básicas. São elas: linguístico-comunicativa, implícita, teórica, aplicada e profissional. A primeira, a competência linguístico-comunicativa, permitirá ao professor ensinar o que sabe sobre a língua em questão e envolver os aprendentes numa teia de linguagem na língua-alvo. A segunda, a competência implícita, lhe facultará agir espontaneamente para ensinar através de procedimentos tidos como apropriados. (Almeida Filho, 2004, p. 13). À medida que o professor desenvolve e investe em sua profissionalização, crescem as chances desse profissional desenvolver competência teórica, visto que nesse processo há possibilidade de se conhecer e estudar conceitos e teorias embasadas em autores e pesquisadores da área. De acordo com Almeida Filho, tal competência requer que se saiba e se saiba explicar por meio de termos e teorizações explícitas e articuladas como se dá o processo de ensinar e aprender língua(s) (2004, p.13). Ainda segundo o autor, a competência teórica dialoga com a competência implícita, visando equilibrar o saber dizer com o saber fazer. A competência de ensinar que sintetiza essas duas competências é a competência aplicada, um misto de teoria e prática na medida do seu ajuste possível num dado momento (ALMEIDA FILHO, op.cit, p.13). Por fim, temos a competência profissional, definida por Almeida Filho (op cit, p. 13) como uma capacidade macro-sistêmica de reconhecer-se profissional, de reconhecer padrões nas redes sociais em que circula e de buscar ajuda no aperfeiçoamento. Ao pontuarmos tais competências, acreditamos que elas são de suma importância para o desenvolvimento de um profissional crítico e reflexivo, que pode contribuir para o aprendizado, bem como para o aperfeiçoamento das competências do aprendiz, descritas a seguir.

Como mencionamos anteriormente, o papel da educação na contemporaneidade consiste em garantir que todos tenham acesso não só à escola, como também – e principalmente – ao aprendizado. Devemos pensar, portanto, qual o propósito da educação e quais são os papeis dos alunos nesse contexto. Em relação à finalidade da educação, Mizukami(1986, p.44/45) infere:

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a educação tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitam a aprendizagem do aluno, e como objetivo básico liberar a sua capacidade de auto-aprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto emocional. Seria a criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativas, de responsabilidade, de autodeterminação, de discernimento, que soubessem aplicar-se a aprender as coisas que lhes servirão para a solução de seus problemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, servindo-se das próprias experiências, com espírito livre e criativo... Seria, enfim, a criação de condições nas quais o aluno pudesse tornar-se pessoa que soubesse colaborar com os outros, sem por isto deixar de ser indivíduo.

A partir da proposição de Misukami (1986), podemos afirmar que o papel do aluno na aprendizagem é o de agente, que se envolve em um processo contínuo e mútuo de construção do conhecimento, no qual se deparará com diversos desafios, entre eles, o de aprender uma LE. Acreditamos que a superação desse desafio envolve o desenvolvimento de competências necessárias para a otimização do processo de aprendizagem. Dessa maneira, propomos a apresentação das mesmas em subitens elaborados de acordo com parâmetros de competência do professor resultantes de estudos sobre o assunto. Iniciamos nossa discussão, destacando a competência implícita. 3.1. Competência Implícita

A competência implícita do aprendiz é definida por Almeida Filho como: Modo de aprender língua(s) espontâneo do aluno/da aluna aprendiz presidido por atitudes discerníveis ao analista ou especialista. Os conhecimentos que dão sustentação a essa competência são os de natureza informal como as memórias de aprendizagem, as intuições e sacadas, as crenças de variada consistência. Ao agir para aprender, os aprendentes comumente empregam estratégias variadas com ou sem consciência delas. 123

As estratégias metacognitivas marcadas por consciência sobre o processo são tidas como decisivas para a melhoria do processo produzido pelos alunos (http://www.sala.org.br/c/).

Em outras palavras, compreendemos que a competência implícita é composta pelos conhecimentos de mundo e experiências de vida trazidos pelos alunos, além de sua maneira de aprender advinda de situações anteriores de aprendizagem que podem influenciar diretamente a motivação para aprender uma LE. Dessa maneira, apresentamos a seguir algumas considerações acerca da competência motivacional. 3.2. Competência para ter motivação em aprender (motivacional) A competência motivacional envolve uma pré-disposição para aprender, um querer aprender. Consideramos essa como uma das principais competências necessárias para um aprendizado eficaz. O professor não pode ensinar o que o aluno não queira ou não esteja disposto/motivado a aprender.² Entendemos que essa competência do aprendiz pode já estar presente ou pode ser desenvolvida no processo de aprendizagem, com o auxílio do professor. A abordagem do professor pode influenciar positiva ou negativamente a competência motivacional do aprendiz, o que equivale a dizer que ela pode motivar ou desmotivar o aprendizado. É importante considerar, ainda, que a motivação pelo saber não é uniforme. Há um caminho que deve ser percorrido que vai desde o desejo de saber, passa pela decisão de aprender e chega ao prazer de aprender² . Sobre esses termos, Perrenoud (2000) esclarece: A distinção entre desejo de saber e decisão de aprender, tal como proposta por Delannoy (1997), sugere pelo menos dois meios de ação. Certas pessoas têm prazer em aprender por aprender, gostam de dominar as dificuldades, superar obstáculos. Em última análise, pouco lhes importa o resultado. Somente lhes interessa o processo (...). Com alunos desse tipo, o professor pode limitar-se a propor desafios intelectuais e problemas (...) Salvo para alguns, aprender exige tempo, esforço, emoções dolorosas: angústia do fracasso, frustração por não conseguir aprender, sentimento de chegar aos limites, medo do julgamento de terceiros. Para consentir em tal investimento e, portanto, tomar a decisão de aprender e conservá-la, é preciso uma boa razão. O prazer de aprender é uma delas, o desejo de saber é outra. (p. 70) 2. Termos usados por Delannoy (1997, apud PERRENOUD, 2000) 124

Vemos, portanto, que os termos desejo de saber e prazer em aprender têm diferentes conotações. A competência motivacional passa, dessa forma, pelo desejo de saber e pela manutenção desse desejo ao longo do processo de aprendizado, o que pode resultar em prazer em aprender. Suscitar o prazer em aprender é tarefa não só do professor, mas também, e principalmente, do aluno, quando este se conscientiza dos meios pelos quais aprende de maneira mais efetiva. É importante, ainda, que consideremos que tanto o desejo de saber como o prazer em aprender não são estáveis, ou seja, podem variar nas diferentes etapas do aprendizado. Cabe ao aprendiz, portanto, encontrar maneiras de manter sua competência motivacional. Para que haja motivação é fundamental que o aprendizado faça sentido ao aluno, ou seja, por meio dele o aluno deve ser capaz de usar o que aprende. Segundo Perrenoud (2000), só se pode desejar saber se o conhecimento se refere ao uso (p. 71). A habilidade para usar a língua em situações reais ou não de comunicação evoca outro tipo de competência. Trata-se da competência para o uso efetivo da língua-alvo, composta pelas subcompetências linguística, discursiva e sociocultural, descrita a seguir. 3.3. Competência para o uso efetivo da língua-alvo Muitos aprendizes de língua estrangeira pensam que para usar efetivamente a língua que está sendo aprendida é preciso dominar grande parte das estruturas linguísticas, utilizando-as com desenvoltura na interação com falantes nativos ou não. O aprendizado de uma LE ocorre mediante seu uso. Até para fixar uma determinada palavra do léxico que acabamos de conhecer, temos que usá-la de certa forma (ou escrevendo-a, ou associando-a a algo ou a alguém que já conhecemos, ou elaborando uma frase mental, etc). O próprio termo aprender significa vir a ter melhor compreensão (de algo) pela intuição, sensibilidade, vivência³ . Portanto, o aprendiz deve procurar usar a(s) nova(s) estrutura(s) linguística(s) que acaba de adquirir, ainda que esse uso não seja promovido pelo professor em sala de aula. Com a disponibilidade de novas tecnologias, cada vez mais acessíveis aos cidadãos, é possível estabelecer interações na língua-alvo com falantes nativos (ou não) das mais diversas comunidades de prática. Nesse contexto, é possível o desenvolvimento de uma subcompetência tecnológica, uma vez que os alunos podem comunicar-se à distância por meio de redes sociais e participar de comunidades de prática, utilizando-se de ferramentas multimídia. Além da utilização das novas tecnologias para o ensino, sabemos que a competência para o uso efetivo da língua envolve a aquisição de três subcom3. Definição do dicionário Houaiss 125

petências: a linguística, a discursiva e a sociocultural. A primeira refere-se ao conhecimento do código linguístico, de suas regras estruturais e lexicais; e a segunda engloba o conhecimento de diferentes modalidades da linguagem (oral e escrita) bem como, os gêneros discursivos e as regras de interação; a terceira envolver saber o que dizer, quando, a quem, de que forma, e quais podem ser as consequências do que foi dito. Portanto, a competência para o uso efetivo da língua-alvo envolve a capacidade de integrar os conhecimentos adquiridos e aplicá-los na interação com outros falantes, a qual denominamos competência interacional. 3.4. Competência para entender o papel social de um falante de LE Essa competência envolve o entendimento sobre a importância social de ser falante de uma LE. Se partirmos da definição de Kramsh (1993) de que língua é cultura, o falante de uma LE é também portador de uma cultura estrangeira e seu papel social é o de mediador entre culturas, ou seja, o de promover o respeito mútuo entre os povos e aceitabilidade de outras crenças, costumes e hábitos. Tal proposição diz respeito à denominação falante intercultural definido por Kraviski e Bergmann (2006) como aquele que: consciente de suas identidades e culturas e das percepções que outras pessoas têm destas, é capaz de estabelecer relações entre a cultura da língua materna e a cultura da língua-alvo, ser um mediador entre as diferentes culturas, explicar as diferenças entre elas, aceitá-las e valorizá-las (KRAVISKI E BERGMANN, 2006, p.6)

O falante intercultural tem, portanto, a responsabilidade de contribuir para a erradicação de comportamentos xenofóbicos e de intolerância contra grupos minoritários, além de ser capaz de desenvolver senso de responsabilidade, de solidariedade e de justiça. 3.5. Competência para participar das decisões em sala de aula

Estudos na área de ensino e aprendizagem de línguas apontam para a necessidade de haver um ambiente de construção conjunta do conhecimento. Nesse sentido, professores e alunos devem decidir juntos como construir o aprendizado. Assim, cabe ao professor selecionar os temas, atividades e tarefas a serem desenvolvidos em sala de aula, bem como a abordagem para o desenvolvimento de tais atividades; mas cabe também ao aluno avaliar se as atividades sugeridas pelo professor estão sendo eficazes em seu processo de aprendizagem. 126

A competência para participar das decisões em sala de aula, juntamente com o professor, envolve não somente avaliar as atividades sugeridas, como também propor outras atividades que lhe sejam significativas. O desenvolvimento dessa competência para participação na escolha de materiais e métodos a serem trabalhados em sala de aula está diretamente vinculado às oportunidades que o professor dá ao aprendiz para a realização de tais escolhas. O aprendiz que tem essa competência desenvolvida deve ser apto a negociar com o professor novas estratégias de ensinar que podem ser usadas para otimizar seu aprendizado. De acordo com Perrenoud (2000): Quando a própria atividade é imposta, seu sentido depende ainda da possibilidade de escolher o método, os recursos, as etapas de realização, o local de trabalho, os prazos e os parceiros. A atividade que não tem nenhum componente escolhido pelo aluno tem muito poucas chances de envolvê-lo (PERRENOUD, 2000, p. 74).

Portanto, se queremos alunos envolvidos em seu processo de aprendizagem, nós, professores, devemos estimular o desenvolvimento da competência para tomada de decisões de forma conjunta, começando pela sala de aula, estendendo-se para o âmbito da escola enquanto instituição e também para o âmbito social. Dessa forma estaremos contribuindo para a formação de cidadãos críticos e reflexivos – algo que se espera do professor na contemporaneidade. A competência para a tomada de decisões na sala de aula envolve as subcompetências estratégica, organizacional e regulativa. Estratégica no sentido de saber negociar com o professor novas estratégias de ensino e aprendizagem; organizacional no sentido de estar apto a organizar as tarefas e atividades a serem realizadas e a ordem que elas podem ser realizadas; e regulativa no que se refere a saber se as atividades desenvolvidas estão contribuindo ou não para a construção do conhecimento. Adicionamos às subcompetências mencionadas, a importância do trabalho em equipe, uma vez que os alunos devem participar de grupos de trabalhos, enfrentar e analisar situações complexas e administrar crises e conflitos interpessoais. Realizadas as considerações teóricas sobre essas competências, passamos ao próximo item. 3.6. Competência para aprender a aprender O desenvolvimento da competência para aprender a aprender refere-se diretamente à autonomia no aprendizado. O aluno que alcança essa competência é sujeito de sua própria aprendizagem e já não depende do professor como facilitador desse processo. Nesse estágio do aprendizado, o aluno já é capaz de identi127

ficar os meios pelos quais a aquisição do conhecimento ocorre mais efetivamente. Se o aluno sabe dizer como aprende, saberá identificar situações, tarefas e atividades que podem ser fomentadas pelo professor para melhorar a eficácia do aprendizado (PERRENOUD, 2000). Para que o aprendiz identifique os meios de desenvolver sua autonomia no aprendizado o papel do professor é fundamental. Ele pode conduzir as tarefas a serem desenvolvidas na sala de aula no sentido de ajudar o aluno a descobrir as diferentes maneiras pelas quais aprende e quais delas são mais eficazes de acordo com seu estilo de aprendizagem. Para que isso ocorra, é importante que as atividades desenvolvidas sejam as mais diversas possíveis, no intuito de abranger diferentes perfis de aluno, já que as turmas são, via de regra, heterogêneas. A heterogeneidade em sala de aula pode ser considerada como um dispositivo de diferenciação (PERRENOUD, 2000). De acordo com o autor, é importante para o processo de aprendizagem fazer evoluir esses dispositivos, o que significa conviver com turmas heterogêneas; saber trabalhar com alunos portadores de necessidades especiais; e cooperar com outros integrantes do grupo. Considerando que o aprendizado da nova língua ocorre efetivamente no seu uso, a competência para aprender a aprender envolve, ainda, a capacidade do aluno em aplicar o conhecimento adquirido (subcompetência aplicada), de maneira que possa inserir-se em situações de prática do idioma. Nesse processo, é importante administrar a manutenção do aprendizado, ou seja, estabelecer seu próprio balanço de competências, seu programa pessoal de formação contínua e inserir-se periodicamente em situações de uso da língua-alvo.

Quadro das competências do aprendiz Competência Competência Implícita

Subcompetências envolvidas - conhecimento de mundo - experiências de vida - memórias de aprendizagem

Competência para ter moti- - desejo do saber vação em aprender (motivacional) - decisão de aprender - prazer em aprender

Competência para o uso efetivo da língua-alvo

- subcompetência tecnológica - subcompetência linguística - subcompetência discursiva

3.7. Competência para avaliar o processo de aprendizagem (auto-avaliativa) De acordo com Perrenoud (2002, p.25), as competências não podem ser construídas sem avaliação. Nesse sentido, para que o aluno desenvolva as competências necessárias para o processo de ensino e aprendizagem de LE, é crucial que ele se autoavalie constantemente. A autoavaliação implica saber o quanto a aprendizagem evolui e o que provoca (ou não) essa evolução. Nessa etapa, são avaliadas: a abordagem do professor em sala de aula, as atividades desenvolvidas e seus efeitos no aprendizado, a contribuição dos alunos para a construção de sentidos, entre outras. Acreditamos que quando o aluno é capaz de avaliar e refletir sobre os aspectos mencionados, ele está apto a identificar seu perfil de aprendiz e, consequentemente, a maneira mais eficaz pela qual aprende. A seguir, apresentamos um quadro que sintetiza as competências do aprendiz mencionadas neste trabalho. 128

- subcompetência sociocultural - subcompetência interacional

Atitudes do aprendiz - expor seu conhecimento de mundo, experiências de vida e memórias de aprendizagem de forma que possa contribuir não somente para o avanço do seu aprendizado como também o do grupo. - buscar a integração de suas memórias de aprendizagem e suas experiências cotidianas com o conhecimento adquirido em sala de aula. - ter pré-disposição para aprender - inserir-se em situações de uso da língua - buscar o prazer na aprendizagem - superar desafios, frustrações e fracassos no aprendizado. -comunicar-se a distância por meio de redes sociais; - participar de comunidades de prática utilizando-se de ferramentas multimídia - conhecer as regras e estruturas da língua necessárias para a comunicação; - conhecer os diversos gêneros e ser capaz de utilizá-los em diferentes modalidades discursivas - interagir socialmente com falantes da língua-alvo em sala de aula e fora dela; - buscar conhecer os hábitos, costumes e crenças dos nativos do idioma-alvo; - desenvolver uma atitude de respeito mútuo em relação às outras culturas; -“despir-se” de atitudes preconceituosas - observar regras de interação social

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Competência para entender o papel social de um falante de LE

- subcompetência sociocultural - subcompetência reflexiva

Competência para participar - subcompetência estratégica das decisões em sala de aula - subcompetência organizacional - subcompetência regulativa - subcompetência para trabalhar em equipe

Competência para aprender a aprender

- subcompetência aplicada -subcompetência para administrar a manutenção do aprendizado da LE / formação contínua -autonomia

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- conscientizar-se da responsabilidade de contribuir para a erradicação de comportamentos xenofóbicos. - promover o respeito mútuo entre os povos e a aceitabilidade de outras crenças - desenvolver senso de responsabilidade, de solidariedade e de justiça. - observar o que está sendo efetivo (ou não) para seu aprendizado; - saber negociar com o professor novas estratégias de ensino - organizar a ordem em que as atividades podem ser desenvolvidas em classe; - participar ativamente da escolha de materiais utilizados pelo professor; - sugerir atividades e materiais (textos, áudio, músicas, vídeos) para serem trabalhados em sala de aula; - elaborar projetos para serem desenvolvidos em equipe; - participar de grupos de trabalho e reuniões; - enfrentar e analisar situações complexas; - administrar crises e/ou conflitos interpessoais. - inserir-se em situações de prática do idioma; - aplicar o conhecimento adquirido em situações de uso da língua; - identificar meios pelos quais a aquisição do conhecimento ocorre mais efetivamente; - estabelecer seu próprio balanço de competências; - estabelecer programa pessoal de formação contínua; - inserir-se periodicamente em situações de uso da língua-alvo

- conviver com turmas heterogêneas e fazer desse convívio um dispositivo a mais para o aprendizado; - saber trabalhar com alunos portadores de necessidades especiais; Competência para avaliar o processo de aprendizagem (autoavaliativa)

- subcompetência reflexiva

- autoavaliar-se; - avaliar o processo de aprendizagem; -avaliar a abordagem do professor; - avaliar as atividades propostas; - avaliar a contribuição do grupo.

Conclusão Concluímos este artigo no intuito de esclarecer as principais questões que nortearam nossas reflexões ao longo da elaboração deste trabalho. São elas: 1) O que significa ser um bom aprendiz de LE? 2) Quais as competências necessárias para que o aluno otimize sua aprendizagem? 3) Qual o papel do professor para o desenvolvimento da competência do aprendiz? Consideramos que um bom aprendiz de língua estrangeira é aquele que busca estar consciente do processo de aprendizagem no qual está inserido, de forma a refletir sobre esse processo e envolver-se no desenvolvimento das competências básicas do aprendiz, descritas ao longo deste trabalho. Nossas reflexões sobre quais competências o aprendiz de língua estrangeira pode desenvolver para otimizar seu processo de aprendizagem nos possibilitaram enumerar e descrever seis competências básicas: 1) competência implícita; 2) competência motivacional; 3) competência para o uso efetivo da língua-alvo; 4) competência para entender o papel social de um falante de LE; 4) competência para participar das decisões de sala de aula; 5) competência para aprender a aprender; 6) competência para avaliar o processo de aprendizagem. Entendemos que as competências que o aluno pode desenvolver no sentido de otimizar seu aprendizado em LE não se limitam às descritas neste trabalho. O que pretendemos, aqui, não é listar todas as competências possíveis de serem desenvolvidas, mas, sim, abrir uma discussão que se faz necessária na área de Linguística – especificamente a de ensino e aprendizagem de línguas – já que grande parte das discussões sobre competência abarcam as competências necessárias para ensinar (competências do professor) em detrimento das competências necessárias 131

para melhor aprender. Faz-se, portanto, necessário o desenvolvimento de novos estudos sobre as competências do aprendiz, no sentido de contribuir também para que o trabalho do professor esteja em sintonia com o novo papel que assume na sociedade contemporânea: o de construtor do conhecimento e facilitador da aquisição do saber. Nesse sentido, o professor pode contribuir para o desenvolvimento das competências do aprendiz dando-lhe a autonomia e a liberdade necessárias para atuar como sujeito em seu processo de aprendizagem, ensinando-o a aprender, estimulando-o a refletir sobre a maneira como aprende mais eficazmente; dando-lhe voz e poder de decisão em sala de aula, abrindo-lhe um canal amplo de acesso ao conhecimento. O processo de desenvolvimento das competências é também um processo de desenvolvimento pessoal. E a educação precisa estar a serviço desse desenvolvimento, que coincide com a construção da identidade, da autonomia e da liberdade. A educação que se espera nos dias de hoje é um processo de cooperação, de solidariedade, de articulação entre os saberes. Nesse contexto, a abordagem do professor tem papel fundamental no desenvolvimento das competências do aprendiz, da mesma forma que as competências desenvolvidas pelo aluno bem sucedido podem influenciar diretamente a abordagem e maneiras de aprender dos outros alunos.

Referências bibliográficas ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas: Pontes, 1993. ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes. Análise de abordagem como procedimento fundador de autoconhecimento e mudança para o professor de língua estrangeira. O professor de língua estrangeira em formação. Campinas: Pontes, v. 2005, p. 11-27, 1999. ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes. O professor de Língua(s) Profissional, Reflexivo e Comunicacional. Revistas Horizontes de Linguística Aplicada, n. 4, Vol.3, p7-18, UnB, 2004. ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes. Conhecer e desenvolver a competência Profissional dos professores de LE. In: Contexturas: Ensino Crítico de Língua Inglesa. São Paulo: APLIESP, n.9, p.9-19, 2006a. Edição especial. ALMEIDA FILHO, José Carlos P.; CALDAS, LR de; BAGHIN, Débora CM. A formação autossustentada do professor de língua estrangeira. APLIESP Newsletter, n. 2, 1993. 132

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A IMPORTÂNCIA DA REFLEXÃO CRÍTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS A Profa. Ms Patrícia de Oliveira LUCAS, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, entrevista a Profa. Dra Matilde Virginia Ricardi SCARAMUCCI, docente da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Matilde Virginia Ricardi Scaramucci é professora titular do Departamento de Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas e, atualmente, é a nova diretora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. Foi colaboradora do Ministério da Educação de 1993-2006, tendo sido uma das responsáveis pelo desenvolvimento do exame de obtenção do Certificado de Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras). Destaca-se, no contexto brasileiro, entre outros, por seus estudos sobre vocabulário em língua estrangeira, sendo uma das organizadoras do livro intitulado Pesquisas sobre vocabulário em Língua Estrangeira. Embora sua principal área de atuação seja avaliação em contextos de ensino/aprendizagem de línguas, tanto materna como estrangeira, também tem trabalhado com formação de professores e teorizado sobre essa formação. 1. Qual o significado da reflexão dentro do contexto educacional de ensino e qual a importância do processo reflexivo na formação do futuro professor? Tendo atuado em contextos de formação de professores de língua materna, estrangeira e segunda, tanto na perspectiva do ensino como da pesquisa considero a reflexão sobre a prática um aspecto essencial dessa formação. A tradição em nosso país, entretanto, não tem sido essa, muito pelo contrário, mas aquela que valoriza conhecimentos teóricos que são transmitidos ao professor sem que estes tenham sido produzidos por esse professor com base na análise e reflexão sobre a prática. O que observamos, portanto, é “aplicação de teorias” e não “teorização sobre a prática”. Como o foco, nesse caso, está nos conhecimentos teóricos, as situações reais de atuação do professor não são consideradas quando este é formado, como se ele devesse acumular conhecimentos para um uso posterior. Essa é, portanto, uma das deficiências desse paradigma, denominado na área de “racionalidade técnica”, porque a operacionalização dessas teorias em sala de aula não é um processo simples que poderá ser conduzido facilmente pelo professor no futuro. Face às dificuldades, as chances são, nesse caso, de que ele se volte para suas práticas tradicionais ou que lhe são familiares ou automatizadas, geralmente aquelas que fazem parte de

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sua cultura de aprender. Portanto, por mais que tenha sido exposto a teorias inovadoras, acumuladas durante sua formação, há grandes chances de que estas não se revertam em práticas inovadoras sem que processos reflexivos estejam envolvidos. Retomo aqui o que já disse em um artigo sobre a (falta de) reflexão sobre avaliação na formação do professor: “Ao conceber a sala de aula como um ambiente previsível e estático, passível de soluções a partir de um conjunto de conhecimentos produzidos nas universidades [essa prática acaba por formar] professores aplicadores de propostas, ávidos por receitas sem reflexão.” (SCARAMUCCI, 2006) O que a literatura da área propõe, por outro lado, é a substituição desse paradigma por aquele da racionalidade prática, em que o contexto de atuação é visto como “imprevisível, incerto, complexo e flutuante”, em que as soluções são propostas a partir da problematização e da reflexão sistemática e contínua dela decorrente (SCHÖN 1995; ZEICHNER, 1995; entre outros). A reflexão, assim conduzida, também depende de insumos teóricos, mas que seriam discutidos a luz dos pressupostos provenientes da cultura de ensinar/aprender/avaliar do professor constituída pelas suas crenças e pressupostos teóricos sobre língua(gem), ensino e avaliação (SCARAMUCCI, 1997)”, no caso do professor de línguas. A formação de um professor reflexivo só faz sentido e, nesse aspecto, concordo com Zeichner (2001) se associada ao contexto sócio-cultural em que ele vai atuar, considerado com suas restrições e potencialidades. Isso pressupõe um olhar para sua própria prática (“reflexão para dentro”), mas também para considerar as questões sociais e políticas que a estruturam (“reflexão para fora”). O professor que vai atuar no contexto específico de ensino de Inglês no Brasil, por exemplo, deveria estar preparado para responder questões tais como: O que eu faço em sala de aula? Por que ajo dessa maneira? O que eu poderia mudar? Qual é o meu papel como professor? Quais são as potencialidades e limitações do meu contexto? Qual é o status da língua que vou ensinar? Qual o papel dessa língua em diferentes contextos? (escola pública, particular, escolas de línguas); Qual é o papel dessa língua na formação do meu aluno? Quem são meus alunos?, dentre outras. Assim, “a falta de motivação dos alunos”, ou ainda a “falta de condições de ensino e de equipamentos em sala de aula” não deveriam ser tratados como elementos restritivos à implementação de propostas idealizadas, mas como fatores constitutivos e definidores do contexto em que o professor atua e, como tal, deveriam fazer parte da reflexão porque deles são dependentes o planejamento do professor e a definição de seus objetivos, fundamentais para o ensino e a avaliação. Especificamente em relação à prática avaliativa, observa-se, com frequência, o discurso das “classes numerosas” e da “falta de tempo do professor” (devido aos seus inúmeros contratos de trabalho) para justificar a dificuldade na implementação de propostas de avaliação mais formativas e negociadas, privando professor e aluno de descrições mais qualitativas de desempenho para balizar o trabalho de ambos. Há evidências que nos sugerem, entretanto, que um dos empecilhos a essas 136

propostas é a compreensão superficial e equivocada dos conceitos que a fundamentam e, principalmente, da falta de oportunidade do professor em operacionalizá-los durante seu processo formativo porque não teve a chance de problematizá-las, discuti-las com seus pares e com o professor formador. 2. Os formadores de professores estão preparados para lidar com o paradigma reflexivo ou a formação de professores reflexivos é ainda um grande desafio para os educadores? A grande maioria dos formadores ainda não está preparada, e esse é uma das razões pelas quais as mudanças ainda não se fizeram sentir na prática efetiva de formação dos professores, embora já há muito o paradigma reflexivo venha sendo discutido na literatura. O formador pode até mesmo reconhecer a importância desse paradigma e identificar-se como “reflexivo”; mas se não passou por uma formação reflexiva terá, com certeza, mais dificuldades em implementá-la, dado que o paradigma da racionalidade técnica é muito arraigado. Podemos observar “comportamentos prescritivos” mesmo em situações em que o professor se reconhece como “reflexivo”. Nesse caso, o que pode ocorrer é o formador prescrever propostas contemporâneas sem levar necessariamente seus alunos a refletirem sobre elas. Além disso, pela força da tradição, temos que reconhecer que implementar uma proposta de formação reflexiva requer vontade e determinação pelo fato de ser um trabalho muito mais complexo e trabalhoso do que aquela baseada na racionalidade técnica. 3. Quais as diferenças que podem ser observadas entre um professor reflexivo e um não reflexivo? Um professor reflexivo deveria ser capaz de explicar teoricamente sua prática: o que faz, porque faz da maneira que faz, o que poderia ser diferente, e assim por diante. Deveria, portanto, ser capaz de lidar melhor com a complexidade do processo de ensino/aprendizagem e com as imprevisibilidades da prática em um processo que não deveria ser de tentativa e erro. E daí, ser capaz de ajustar seu planejamento, materiais e avaliação às necessidades de seus alunos. Um ensino que venha ao encontro das necessidades é potencialmente mais motivador. O processo de formação reflexiva tem o potencial de capacitar o professor para ser educador, e, como reconhece Tardif (2002), torná-lo sujeito de suas ações e não apenas executor e implementador de propostas – e capaz de dimensionar, ao mesmo tempo, as implicações dessas suas ações na sociedade e não apenas no âmbito da sala de aula. 137

4. Existe(m) fator(es) que impede(m) o professor de se tornar reflexivo? Quais seriam esses fatores e de que maneira eles o impediriam. Ser um professor reflexivo requer consciência, mas também esforço e trabalho constantes. Há pessoas mais reflexivas e outras menos reflexivas por natureza, mas sempre podemos ensiná-los a ser mais reflexivos. Uma analogia que podemos fazer é com o processo de leitura. Há pessoas que são leitores natos, mas isso não significa que não possamos ensinar a ler. Como formadores, podemos incentivar a reflexão do professor levando-o a pensar e proporcionando condições para que essa reflexão ocorra. Acho que é um exercício, que requer idas e vindas, e a aceitação de que a prática de sala de aula é um processo de pesquisa, em que o professor deveria ser pesquisador, que identifica problemas, coleta evidências, busca insumos teóricos, analisa essas evidências a luz desses insumos e chega a conclusões e reformulações, até mesmo dos insumos teóricos. Para isso, é necessário uma mudança de postura para aceitar os desafios e as incertezas desse processo, que requer professores críticos de sua própria prática e prontos a aceitar as decepções, as desestabilizações causadas pelo insucesso como momentos de crescimento e aprimoramento. Tenho procurado implementar uma prática reflexiva com os alunos de Letras da Unicamp. Futuros professores de português língua materna, esses alunos têm em seu currículo duas disciplinas intituladas Ensino de Português Segunda Língua - Língua Estrangeira e Pesquisa em Português Segunda Língua - Língua Estrangeira (LA 601 e LA 602), oferecidas concomitantemente no sexto semestre, sendo a segunda delas obrigatória. Nessas disciplinas, cada aluno é convidado a adotar um aluno estrangeiro, do qual vai ser tutor e com quem vai trabalhar individualmente durante todo o semestre. O primeiro passo é fazer uma análise de necessidades de uso da língua desse aluno estrangeiro, e a partir daí, elaborar um planejamento com objetivos a serem desenvolvidos durante o período, assim como os materiais de ensino e avaliação necessários para as atividades de aula propriamente ditas. As aulas são dadas uma vez por semana, sendo o trabalho subsidiado por discussões em classe com base nos artigos teóricos, que abordam questões tais como planejamento, abordagens, avaliação, materiais didáticos, entre outros. As discussões em classe são conduzidas para que os alunos possam compartilhar com os colegas os problemas encontrados assim como as angústias e experiências bem sucedidas. Há, nesse processo, a chance de o professor formador descolocar-se da discussão da teoria para a discussão da prática, informada teoricamente. A avaliação do curso é processual e formativa: as atividades, materiais, assim como a reflexão sobre essas atividades são feitas a partir de um diário individual feito por cada aluno/professor, recolhido três vezes no semestre, que também funciona como instrumento de avaliação do processo. Os resultados têm sido muito animadores, apesar do trabalho que a implementação de uma proposta dessa 138

natureza envolve. Ler e fazer observações em 70 diários três vezes ao longo do semestre requer vontade política de mudar. Muitas das observações que faço nesta entrevista são decorrentes das teorizações que fiz, como formadora, a partir dessa prática, é claro que, também, subsidiada pelos insumos teóricos. Como já repeti a experiência durante muitos semestres, observo que minhas reflexões como formadora, assim como os procedimentos ou as condições para a condução da reflexão também são aprimoradas a cada experiência. O mais interessante e animador é observar como o aluno se transforma em alguns poucos meses de aula e como sua percepção sobre a teoria (com efeitos positivos para a prática) mudam a partir da necessidade de implementação na prática. O envolvimento com os textos teóricos e o teor das discussões mudam radicalmente na medida em que a teorização a partir da prática lhes dá condições de ter uma voz informada, que pode questionar as teorias. Não são mais meros receptores de teorias, mas também capazes de produzi-la. 5. O professor “não reflexivo” oferece uma aula de qualidade inferior a seus alunos? Por quê? Em primeiro lugar, precisamos saber o que reconhecemos como uma boa aula. Entendo que um professor reflexivo tenha mais condições, potencialmente, de lidar com as questões da sala de aula de forma mais efetiva, como disse antes. O processo de ensino/aprendizagem é complexo, envolvendo muitas variáveis e, por isso mesmo, fórmulas desenvolvidas para um contexto não necessariamente funcionam em outro. Se sou um professor reflexivo, tenho clareza em relação às necessidades de meus alunos, do que os diferencia dos alunos do ano anterior, o que tenho que mudar, entre outros. Se a abordagem e metodologia estiverem em harmonia com esses elementos, se os materiais forem adequados às suas necessidades e interesses, nível de desenvolvimento cognitivo, grandes chances há de as aulas serem bem sucedidas. 6. O processo reflexivo pode contribuir para que o professor reformule sua visão de ensinar e aprender? Como se dá essa contribuição? A mudança é uma das implicações de uma prática reflexiva. Mas uma mudança profunda e consciente. O primeiro passo da reflexão é nos fazer conscientes do que fazemos. Na maior parte das vezes, não sabemos o que realmente fazemos. Com a tomada de consciência, somos capazes de nos distanciar e atuar como observadores de nossa própria prática e nos ver de forma crítica. É claro que a ação não pára aí, porque temos que continuar no esforço contínuo de nos deslocar. 139

7. Existem casos em que o professor é reflexivo, mas o ambiente em que ele trabalha não? Como o professor deve lidar com essa situação?

ZEICHNER, K. Beyond the divide of teacher research and academic research. Teachers and teaching: Theory and Practice, v. 1, n. 2, p. 153-172, 1995.

Sim, isso é comum, principalmente em épocas de mudanças de paradigmas. Se o professor é reflexivo, ele não deve, entretanto, prescrever a reflexão para os outros colegas que não o são, mas tentar aceitar as diferenças. O sucesso dos seus resultavdos deveria ser suficiente para que as pessoas percebam as diferenças.

Recebido em 23 de setembro de 2013. Aceito para publicação em 23 de outubro de 2013.

8. Para finalizar, existe diferença entre ser um professor reflexivo dentro de um ambiente presencial de ensino e dentro de um ambiente virtual? Em caso afirmativo, qual seria essa diferença? Não deveria existir. O professor que tem uma formação reflexiva vai saber identificar as diferenças inerentes a cada um dos ambientes e ajustar-se a ele.

Professora Dra Matilde Vírginia Ricardi Scaramucci cita: SCARAMUCCI, M.V.R. O professor avaliador: sobre a importância da avaliação na formação do professor de língua estrangeira. In: ROTTAVA, L. (Org.) Ensino-aprendizagem de línguas: língua estrangeira. Editora da UNIJUI, v.1, p. 49-64, 2006. SCARAMUCCI, M. V. R. A competência lexical de alunos universitários aprendendo a ler em inglês como língua estrangeira. DELTA, São Paulo, v. 13, n. 2, 1997. Disponível em: www.scielo.br. SCHON, D.A. “Knowing-in-action: The new scholarship requires a new epistemology” Change, November/December, 27-34, 1995. TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. 2a edição. Petrópolis: Vozes, 2002. ZEICHNER, K. M. (2001). Educating reflective teachers for learner-centered education: possibilities and contradictions. In: ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE LÍNGUA INGLESA, 16. Londrina: Universidade de Londrina. 140

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

1- O artigo deve conter o mínimo de 12 e o máximo de 20 páginas, devendo ser enviado por e-mail para [email protected] 2- Tipo de letra: times new roman, corpo 11. 3- Espaçamento: o espaço entre as linhas do texto deve ser simples; espaço duplo deve ser usado entre partes do texto e entre texto e exemplos, tabelas, citações e ilustrações.

corpo do trabalho por espaço duplo; - notas: as notas devem ser inseridas no final do artigo; - referências no corpo do artigo: sobrenome do autor e, entre parênteses, data da edição da obra (seguida de dois pontos e número da página, se for o caso); - anexos: no caso da presença de anexos, introduzir a palavra Anexos(s), no final do artigo, somente a primeira letra em maiúscula e negrito, separada do texto por espaço duplo; - Referências bibliográficas: devem vir separadas em espaço duplo do texto ou do anexo, em negrito, somente a primeira letra em maiúscula. As referências deverão seguir rigorosamente a NBR 6023 da ABNT.

4- Adentramento para parágrafos, citações e exemplos: um toque na tecla TAB

MODELO

5- Configurar a página da seguinte maneira: tamanho do papel: 16 cm de largura por 23 cm de altura margem superior: 2 cm margem inferior: 2 cm margem direita: 2 cm margem esquerda: 2 cm cabeçalho: 1,25 cm rodapé: 1,25 cm

TITULO TÍTULO TÍTULO TÍTULO TÍTULO TÍTULO Mary Lee MILLER Universidade dos Campos Dourados

ABSTRACT 6- O texto deve ser apresentado na seguinte seqüência: - título do artigo: em maiúsculas e negrito; - nome completo do autor: somente o sobrenome em maiúsculas, separado do título por espaço duplo; - nome completo da instituição: separado do nome do autor por espaço simples; - título ABSTRACT: em maiúsculas, regular, separado do nome da instituição por espaço triplo; - texto do abstract: em itálico, fonte 10, com no máximo 50 palavras, separado do título por espaço duplo; - palavras-chave: incluir três palavras-chave em itálico, fonte 10, separado por espaço duplo do abstract. - Introdução (somente primeira letra em maiúscula), em negrito, separado do texto das palavras-chave por espaço triplo e do texto por espaço duplo; - outras partes do artigo: em negrito, primeira letra maiúscula, separada do 142

Abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract abstract

KEYWORDS: keywords, keywords, keywords.

Introdução Texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto 143

Fundamentação teórica Texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto texto

Notas Notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas notas

Anexo(s) Anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo anexo

Referências bibliográficas

(De acordo com a NBR 6023 da ABNT)

Os artigos que não estiverem de acordo com as normas de publicação acima estabelecidos serão devolvidos.

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