A herança teológica e libertadora de J.B. Libanio, SJ

July 31, 2017 | Autor: E. Ribeiro | Categoría: Teologia, Teologia da Libertação, Filosofia da Libertação
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REB: Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Instituto Teológico
Franciscano (ISSN 0101-8434). Fasc. 296 - Out./Dez. 2014, pp.936-946.

A herança teológica e libertadora de J.B. Libanio, SJ


Diante dos desafios que a humanidade enfrenta hoje, o pensamento
teológico de J.B. Libanio, falecido em janeiro de 2014, aponta para o
cristianismo como fonte de fé, sentido e libertação. Rememorar seu caminho
de fé cristã na Igreja ajuda a cada um fazer o seu. Neste artigo, pretendo
rememorar o caminho do pensamento de Libanio em três momentos: primeiro,
apontar os desafios atuais para o pensar teológico; depois, analisar a
atual situação da fé cristã; e, finalmente, sempre na esteira do pensamento
de Libanio, apontar para o movimento fundante da fé cristã.





1. Desafios atuais para o pensar teológico


Hoje, sem dúvida, vivemos num mundo plural (Libanio, 1999). Neste
pluralismo, vivemos um forte individualismo que nos marca profundamente.
Este nosso mundo plural e individualista é cada vez mais dominado pela
técnica. E, neste movimento, tudo é transformado em produto a ser
facilmente consumido. Assim, a própria fé, em sua configuração histórica
atual, sofre fortes influências destas marcas de nosso tempo (Libanio,
2010a). Por isso, cada vez mais somos colocados frente à tensão que resulta
de viver tal situação e ter que enfrentar algumas destas marcas da
modernidade (Libanio, 2000a). O discernimento, neste contexto, se faz cada
vez mais necessário. Urge discernir a melhor atitude a ser tomada. Neste
sentido, cada vez mais surgem organizações não governamentais, igrejas,
movimentos que lutam contra muitos dos malefícios da modernidade, tentando
chamar a atenção para a possibilidade e a necessidade de criarmos, hoje e
no futuro, outro mundo mais humanizado, mais preocupado com a ecologia e
com a pluralidade de crenças, isto é, um mundo mais humano, mais fraterno,
mais justo. Neste novo contexto, surge a pergunta: qual é o papel da
teologia nesta nova configuração epocal (Libanio, 2001)? Ainda mais, em
nosso continente latino-americano, hoje como sempre, os pobres continuam
sendo, necessariamente, elemento fundamental de critério para toda e
qualquer teologia cristã (Libanio, 1987). Dessa forma, ouvir o grito do
pobre, acompanhá-lo em suas dores, caminhar junto com ele na busca de
soluções, eis uma das mais fundamentais atitudes de todos aqueles que
desejam pensar uma fé encarnada, isto é, enraizada na vida do povo de Deus
nesta latino-américa, como fez, profundamente, o teólogo J.B. Libanio.


Para Libanio, o grito do pobre, hoje, é também o grito da terra
(Libanio, 2010a). A questão ecológica liga-se, inexoravelmente, a todos
nós. Destas duas questões, a dos pobres e a da ecologia, nenhuma
inteligência pode se esquivar. A ligação aqui é patente. Quando sofre a
terra, o habitat, todos sofrem, principalmente os mais pobres que não
possuem meios (principalmente financeiros) para se livrarem dos malefícios
decorrentes da destruição do ecossistema. As intempéries da vida, as
catástrofes naturais, as fragilidades oriundas da falta de formação humana,
atingem de forma mais violenta, sempre, os mais necessitados. Aqui, a
teologia deve colocar todo seu aparato teórico para chamar a atenção de
todos. Ela deve voltar sua reflexão para a causa do pobre, isto é, para a
denúncia da injustiça cometida contra aqueles que mais necessitam, pois
esta é a opção por mais vida e vida em abundância para todos, esta é a
opção de Deus Pai, que, em Jesus Cristo, nos revelou seu plano de amor
(Libanio, 2007).


Como dissemos no início, vivemos num mundo plural, isto é, a
pluralidade, por força da mídia moderna e globalizada, vai se tornando cada
vez mais conhecida. Assim, para Libanio urge dialogar com o diferente, com
o outro, como princípio fundamental de busca por um mundo melhor. Impõe-se,
portanto, o diálogo, a comunhão, a escuta. A teologia não pode ficar imune
a esta necessidade. Por isso, cada vez mais a necessidade do diálogo inter-
religioso na busca de um mundo melhor. Aqui surge também um desafio: o de
equilibrar-se entre a manutenção criativa e fiel da identidade cristã e o
abrir-se ao diferente. Somente uma teologia que busque seriamente tal
equilíbrio servirá para o momento atual, momento de escuta e de diálogo
(Libanio, 2014). Este abrir-se ao diferente diz respeito, também, às
questões de gênero, de raças, de culturas etc. Por exemplo, a teologia deve
conduzir sua reflexão para o embate virtuoso com a questão do feminino
(Bingemer, 1991) no projeto salvífico de Deus e suas consequências práticas
para a vida da Igreja.


De todos estes desafios, para Libanio, o principal se configura como
pergunta diante do problema do mal. Durante nossas vidas, mais cedo ou mais
tarde, temos que nos colocar a questão do mal. A questão sobre o sentido do
mal não é um mero detalhe. Ela é uma questão obscura, incompreensível,
irracional. Questão que nos faz sofrer e que nos leva, inexoravelmente, a
uma revolta, a lançarmos um grito de desespero contra esta realidade
obscura.


Provavelmente, a questão do mal é, hoje e sempre, uma das objeções
mais fortes contra a ideia de um Deus justo, bom e poderoso. De um Deus que
se preocupa com sua criação. Ou seja, a imagem de Deus que, muitas vezes,
vamos construindo ao longo de nossas vidas, parece não suportar a presença
de uma realidade, o mal, que a questione e a questione absolutamente. Por
isso, primeiramente, é necessário deixar que o mal questione nossa maneira
de pensar e viver nossa existência no mundo com os outros e nossas imagens
de Deus (Libanio, 1989).


Libanio ensina-nos que há um mal inocente (mal natural) e um mal moral
(responsável, culpável). O mal inocente vem das catástrofes da natureza, do
sofrimento e da dor que nos atingem cotidianamente e da angústia face à
morte, esta companheira constante de caminhada. Este tipo de mal atinge, em
alguns momentos, tal profundidade que nos deixa atordoados. Por exemplo, a
morte, por doença, por fome ou por violência, de crianças inocentes. Já o
mal responsável e culpável (o mal moral) nos coloca de frente com duas
experiências dolorosas. Primeiro, nossa própria experiência interior do
mal. Ou seja, o mal parece habitar dentro de cada um de nós de tal forma
que São Paulo chegou a dizer: "não faço o bem que quero, mas faço o mal que
não quero". E será a partir disto que, de várias formas, o mal se fará
presente na sociedade, seja em relações de dominação e violência, seja em
injustiças sociais, seja no absurdo das guerras. Ora, lembrando-nos de
Deus, surge então a pergunta para a teologia: por que é que Deus permite o
mal? Por que é que Deus permite o mal que atinge tantos inocentes? Se Deus
existe, como ele pode permitir isto? Ou Deus pode impedir o mal e não quer:
então é mau. Ou quer impedir, mas não pode: então ele não é Deus.


Em nossas sociedades, cada vez mais complexas e grandiosas, a presença
do mal faz-se a partir de uma mistura dos dois grandes modelos já
explicitados anteriormente. É o que Libanio chama de mal misto, ou seja,
cada vez mais a partir das intervenções do ser humano (por exemplo, na
natureza), surgem catástrofes, desequilíbrios, guerras, conflitos, onde o
mal, com toda a sua força e destruição, mata o sonho humano de uma terra
sem males.


Também não poderíamos nos esquecer da pura e inexplicável gratuidade
com que, muitas vezes, o mal se apresenta. O assassinato gratuito de seres
humanos nos campos de concentração. Um grupo de jovens burgueses que, por
diversão, coloca fogo no corpo de um índio que dormia na calçada. O marido
que, regularmente e sem nenhuma razão, espanca sua esposa e seus filhos.
Eis a banalidade do mal. Eis o mal como pura gratuidade.


Para Libanio, Deus não nos dá uma resposta argumentativa que seja
definitiva e satisfatória. No livro de Jó e, especialmente, na pessoa de
Jesus Cristo, Deus se faz presença e, contra o excesso do mal, responde
como excesso do amor. Amor que cria, que redime, que santifica. Amor que
coloca um sentido face ao sem sentido do mal. Amor que nos atrai, cura
nossas feridas e nos lança no irrecusável dever de sermos, também nós,
messias de nosso irmão.


Assim, a partir do pensamento teológico de Libanio, é possível pensar
vários outros questionamentos que devem estar no horizonte reflexivo da
teologia de nosso tempo, de uma teologia feita na e para a Igreja latino-
americana, mas que sirva também de elemento inspirador para a Igreja
universal. Isto, porque é nesta Igreja, santa e pecadora, que vivemos e
professamos nossa fé no Deus Pai que, por meio do Espírito Santo, vivificou
o corpo de Cristo, seu Filho, e o tornou fonte de vida para nós (Libanio,
1998).






2. Situação atual da fé cristã


Libanio sempre se perguntava se somos os últimos cristãos pré-modernos
e os primeiros modernos (Libanio 2000a). Pergunta provocadora e que nos
leva a pensar. Pensar em mudança, em transição de um catolicismo pré-
moderno que parece impotente para responder as questões apresentadas pelo
mundo atual, para uma nova configuração da fé que seja, verdadeiramente,
palavra de salvação para os homens e mulheres de nosso tempo. Mas, tal
mudança não é fácil (Libanio, 2006).


No concílio Vaticano II, iluminados pelo Espírito de Deus, os padres
conciliares buscaram fazer opções que possibilitassem à Igreja dialogar de
forma mais próxima com o mundo moderno. Estas opções giravam em torno de um
centro gravitacional que buscava entender "a tradição" e, a partir daí, a
maneira mais apropriada de viver o cristianismo na atualidade. Nesta busca
da tradição, vai-se direto à "palavra de Deus" que é, propriamente, a raiz
de toda tradição e que deve reger a própria compreensão eclesial da Igreja
(Libanio, 2005).


Paralelamente a essa transformação na Igreja impulsionada pelo
Concílio, houve um deslocamento geográfico e cultural do próprio
cristianismo. Este deslocamento se deveu ao envelhecimento progressivo e à
diminuição da Igreja em várias partes do mundo, em especial na Europa, bem
como, contrário ao fato anterior, a uma vitalidade renovadora e criativa do
cristianismo nos continentes novos. Mas, de modo geral, a cultura reinante
no mundo moderno foi-se firmando como uma cultura que vê como estranho tudo
aquilo que é eclesial. Consequentemente, houve, e ainda há, uma perda
progressiva de interesse por tudo o que é cristão e, na esteira desta
perda, uma perda do sentido da própria prática cristã. Somado a isto vemos
um sincretismo, prático e teórico, muito grande. Assim, parece ser possível
dizer que está em processo certo esgotamento de uma forma de ser cristão
historicamente moldada; logo, o cristão hoje se encontra desamparado, sem
referenciais claros e distintos que o possam guiar neste peregrinar que é a
vida humana.


Esta crise da Igreja pode ser colocada num contexto maior. O Ocidente
moderno parece estar passando por uma transformação espiritual, ou seja,
por uma crise de identidade que se faz presente como uma crise de valores,
como uma crise de sentido (Lima Vaz, 1997, p. 153-176). Ora,
historicamente, o cristianismo esteve vinculado à cultura ocidental. Assim,
o cristianismo não poderia ser indiferente a esta crise. Ou seja, esta
crise leva, inexoravelmente, o cristianismo a perguntar-se por sua
identidade, por sua essência, por seu motivo de ser. Faz-se necessário aqui
um discernimento entre o que é, propriamente, a fé cristã e o que é cultura
ocidental (Libanio, 2000b). Isto não acarreta nenhum perigo para a fé
cristã; antes, lhe é muito salutar, pois a fé cristã, acreditamos, é muito
maior que suas traduções culturais.


Do que analisamos acima a partir das interpretações de Libanio, fica
certo que a religião não é mais o centro gravitacional da cultura moderna.
A cultura moderna, diga-se, perdeu a referência à transcendência (Lima Vaz,
2002, p. 269-286). Também o pluralismo cultural e religioso se faz cada vez
mais patente. Consequentemente, o cristão deve aprender a conviver com
outras formas de expressão religiosa. Mas, justamente para poder viver
neste contexto, faz-se necessário, mais do que nunca, a pergunta pela
identidade cristã, por aquilo que é específico do ser cristão, ou seja, faz-
se necessário reencontrar o elemento essencial do cristianismo, tal qual
viveram os primeiros cristãos no início do cristianismo.


Ora, o essencial do cristianismo sempre foi e é, mesmo que por vezes
tenhamos esquecido, uma adesão a Jesus Cristo, a seu estilo de vida, à sua
mensagem (Libanio, 2007a). Consequentemente, o cristianismo é o encontro
com uma pessoa, Jesus Cristo, encontro que suscita uma forma de vida, um
seguimento que atinge toda a vida, toda a existência daquele que segue a
Jesus. É um colocar-se a caminho com Jesus. Logo, a fé cristã só pode ser
encarnada, isto é, só pode ser referida ao acontecimento Jesus, ao
suscitado pela pessoa de Jesus que encontramos expresso na narração
daqueles homens e mulheres que seguiram Jesus e formaram a comunidade dos
com Jesus. Portanto, a fé cristã é uma experiência de seguimento, de
colocar-se a caminho, de estar com Jesus. Desta forma, o principal será,
propriamente, recuperar a centralidade de Jesus na experiência cristã. Esta
será, certamente, a principal e mais necessária contribuição dos cristãos
aos homens e às mulheres de nosso tempo. Contribuição que não é apenas uma
resposta articulada e coerente sobre os problemas e dilemas existenciais
das pessoas, mas uma forma de vida que plenifica e dá sentido para toda
existência humana.


Ao seguirmos o fio condutor do pensamento de Libanio que guiou nossa
reflexão até aqui, fica fácil perceber que se encontrará na pessoa de Jesus
Cristo a essência do cristianismo. Assim, a experiência cristã começa com a
vida humana de Jesus que é a expressão mesma de Deus, ou seja, o humano é o
lugar do encontro com Deus. Com isso queremos dizer que Deus está,
inexoravelmente, vinculado à vida humana de Jesus, mostrando-nos, assim,
que o humano é mais que humano, que o humano não termina em si, mas em
Deus, isto é, que o humano possui uma abertura radical para o Absoluto
(Libanio, 2009).


Mas poderíamos nos perguntar se o anúncio cristão provoca algum
impacto em nossas vidas. Será que não reduzimos a experiência cristã a
coisas irrelevantes e pouco significativas? Será que em nossas catequeses,
homilias, exposições não damos como evidente algo que não é evidente por si
e é antes escândalo e loucura? Será que em nossas práticas não
transformamos o cristianismo num amontoado de conceitos inócuos e que não
dizem mais nada para os homens e mulheres de hoje? Será que não
transformamos o cristianismo num simples humanismo? Para Libanio, essas
perguntas e reflexões são sumamente importantes, pois nos ajudam em nosso
processo cotidiano de conversão, processo constante, sempre recomeçado e
sempre ameaçado pela queda, mas processo vital de seguimento de Jesus de
Nazaré, que viveu, morreu, ressuscitou e está no meio de nós.






3. O Movimento fundante da fé cristã


Dada a situação atual da sociedade em que vivemos, situação de
fragmentação do cristianismo em várias igrejas diferentes, em vários
movimentos que se dizem inspirados em Jesus Cristo, faz-se necessário
perguntarmo-nos pelo essencial da experiência cristã, isto é, pela raiz
mesma do acontecido com Jesus.


Ora, Libanio nos ensina que a raiz da experiência cristã não está numa
doutrina nem num apanhado de ideias, mas em uma pessoa: Jesus Cristo. Por
isso, querer viver e refletir sobre a experiência cristã exigirá um voltar-
se para Jesus. Aqui temos uma diferença fundamental: diferentemente de uma
religião que coloca o ser humano em relação com Deus no transcendente, o
cristianismo coloca a relação com Deus num homem: Jesus (Libanio, 2011,
2012, 2012a, 2013). Esta é a experiência dos primeiros cristãos, que viam
em Jesus a expressão do próprio Deus. Por isso, eles batizavam em nome do
Senhor Jesus e, por isso, a eucaristia era também a memória viva do nome do
Senhor Jesus. Assim, o cristianismo não é um simples humanismo, pois Jesus
só se entende em Deus e a partir de Deus. Portanto, é urgentemente
necessário recuperar a centralidade de Jesus na experiência cristã e, a
partir daí, repensar toda a fé cristã como significativa aos homens e às
mulheres de hoje (Libanio, 2008).


A centralidade da fé cristã, nós a encontramos em Jesus Cristo.
Encontramos no acontecido com Jesus como narrado nos evangelhos. Quando
falamos sobre o acontecido com Jesus estamos remetendo a tudo o que se
manifestou em Jesus por meio de sua palavra e de seus atos. Mas é
importante deixar claro que, ao falarmos do acontecido com Jesus, não
pensamos simplesmente numa crônica dos fatos que aconteceram com Jesus, o
que seria impossível, mas num captar o sentido fundamental que faz parte do
acontecido. Acontecido do qual só temos acesso através dos que viveram com
Jesus, pois só quem viveu pode dizer em que consiste esta experiência
(Libanio, 2001).


Esta experiência vivida por alguns homens e algumas mulheres que
viveram com Jesus foi deixada escrita em forma de evangelhos. Ora, o
Evangelho vem revestido de um gênero literário em que se narra a história
de Jesus como história transmitida pela comunidade dos com Jesus, isto é,
como história relatada pela e através da fé dos seguidores de Jesus. Os
evangelhos transmitem um conhecimento sobre Jesus, um conhecimento que
pressupõe a vida de Jesus, mas que não é uma biografia. São, propriamente,
um testemunho do acontecido com Jesus à luz da Páscoa, ou seja, uma
interpretação do acontecido à luz da fé. Por isso, não são fontes
historicamente neutras, mas que exigem daqueles e daquelas que desejam
compreender uma opção de fé, pois só quem faz esta opção e se insere neste
círculo hermenêutico consegue compreender seu significado mais profundo.
Podemos então inferir que só temos acesso a Jesus através dos com Jesus,
isto é, o caminho de Jesus exige pessoas que con-vivam com ele, isto é, a
fé cristã é uma experiência de seguimento a Jesus Cristo. Por isso, para
Libanio, a fé cristã é uma escola de liberdade (Libanio, 2010).


Contra isto que acabamos de colocar acima, o perigo sempre presente e
atual é o de querer fazer do acontecido com Jesus, como narrado nos
evangelhos, uma leitura fundamentalista ou apologética. Ora, tal leitura
busca interpretar os escritos como se fossem relatos históricos, não
levando em conta a questão própria dos gêneros literários. Por outro lado,
a solução seria uma leitura hermenêutica, leitura onde os relatos são
entendidos como relatos que narram uma experiência e que não podem ser
lidos como algo que deva ser explicado empiricamente. Este algo, é
importante lembrar, está inexoravelmente ligado ao experimentado pelos com
Jesus, ou seja, o acontecido produz uma experiência que foi,
posteriormente, narrada em forma de evangelho. Portanto, a experiência do
acontecido é a experiência narrada pelos com Jesus, e desta experiência
será impossível separar o acontecido do experimentado.


Do que expusemos anteriormente fica claro que, como aprendemos como
Libanio, a reflexão sobre o fato cristão será a reflexão hermenêutica sobre
o sentido do que aconteceu com Jesus, isto é, será a interpretação de uma
experiência vivida pelos com Jesus. Assim, se o acontecido só é acessível
através do anúncio, então, contemplar o anúncio será a forma de entrar
nesta vida (a vida de Jesus) para que ela revele plenamente seu sentido.
Ora, tal processo se faz na experiência de fé em que se dá uma adesão ao
sentido dado por Jesus, sentido que não é evidente, mas que comporta um
risco, ou seja, que é provado na medida em que é vivido e em que nos ajuda
a viver. Desta maneira, aqui, a lógica implícita será, como já acenamos
anteriormente, a lógica do seguimento, que é des-velado na medida em que
entramos na vida de Jesus. Portanto, o anúncio de Jesus só poderá ser, e
aqui reside sua maior força, testemunhal, onde os com Jesus prolongam o
sentido des-velado por Jesus e lhe dão credibilidade pelo exemplo de suas
vidas.


Portanto, para Libanio, a experiência cristã fundada em Jesus Cristo,
diante dos desafios atuais para a existência humana, aponta para uma Igreja
libertadora, ou seja, para uma Igreja que seja sacramento de salvação da
humanidade, libertando, homens e mulheres para a liberdade (Libanio, 1989).

Elton Vitoriano Ribeiro
FAJE: Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
Av. Dr. Cristiano Guimarães 2127
31.720-300 Belo Horizonte, MG/BRASIL
E-mail: [email protected]





Bibliografia

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