\"A Constituição democrática, entre o neoconstitucionalismo e o novo constitucionalismo\", con Roberto Viciano Pastor. En Ribas Vieira, José; Lacombe Camargo, Margarida Maria; y Legale, Siddharta (coords.), Jurisdição constitucional e Direito constitucional internacional. Fórum, Minas Gerais, 2016.

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CAPÍTULO 01 A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO 1 Roberto Viciano Pastor Rubén Martínez Dalmau Tradução: Ilana Aló

1.1 Introdução A história do mundo contemporâneo tem refletido as tensões existentes entre dois termos: constitucionalismo e democracia. Constitucionalismo foi desenvolvido durante um longo tempo à margem de uma práxis democrática pelo temor da possível hegemonia de poderes ilimitados, situação que resulta inaceitável para uma doutrina que se fundamenta na ideia de limitação do poder. Mas, ao mesmo tempo, o constitucionalismo teve que lidar com a nunca pacífica necessidade de legitimidade do poder, o que você deve aportar à teoria da democracia. Muitas teorias democráticas, por outro lado, experimentaram o sentimento oposto: não foram capazes de incorporar uma teoria constitucional em seu núcleo, por entender que este era incompatível com um poder popular superior e que vai além de qualquer poder constitucionalizado. De tal sorte que as construções sobre a democracia constitucional casaram mal com qualquer proposta sinceramente democrática, até o ponto de existir mais teorias sobre o constitucionalismo que sobre o fundamento democrático do constitucionalismo. 1

A tradução foi realizada por Ilaná Aló do texto publicado originalmente em “Debates Constitucionales em nuestra América”, gentilmente cedido pelos autores.

ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO

A dialética histórica tem seguido seu próprio percurso, em boa parte alheia ao que os teóricos propunham e previam. Ainda que o conceito de democracia esteja longe de ter uma definição geralmente aceita, costumamos admitir, depois de verificar diferentes modelos experimentados, que se trata de um conceito que pode ter significado contextualizado em um determinado tempo e lugar histórico, tendo como critério orientador a maior ou menor participação no governo da comunidade do povo ou conjunto de cidadãos que o compõem. Não existe a democracia abstrata, mas determinada democracia, ou melhor, mais ou menos democracia no marco que oferecem as relações sociais, econômicas e políticas de uma comunidade. E, por isso, é uma democracia contextualizada: determinado em um presente, mas olhando para o passado para se reconhecer como evolutiva e para o futuro para apontar objetivos emancipatórios, pois a democracia é, historicamente, emancipação. Curiosamente, o modelo democrático com maior sucesso na emancipação dos povos tem sido o constitucionalismo democrático. Apesar de parecer uma contradição, a princípio, na prática não o foi: a constituição democrática limitou a poder autoritário, violações dos direitos e a predominância das oligarquias, de forma muito mais eficaz do que outros modelos exclusivamente constitucionais ou exclusivamente democráticos. O primeiro porque, para se livrar do problema da legitimidade, abandonaram a defesa dos direitos e interesses dos povos sob a égide institucional e a ficção da separação de poderes. O segundo acabou se convertendo em uma substituição de elites não democráticas pelas elites aparentemente democráticas, mas que continuavam não respeitando, em nome da democracia, os direitos das minorias e limitando os mecanismos de participação plural no que não deixa de ser uma democracia espúria. O constitucionalismo democrático, com a reunião dos termos democracia e Constituição no que se poderia denominar caminho médio, permitiu criar o marco efetivo para avançar até a emancipação dos povos. Agora, na doutrina constitucional gerada durante as últimas três décadas surgiram novas categorias que, aparentemente, pertencem ao escopo do constitucionalismo democrático. Entretanto, algumas dessas construções teóricas como trataremos de demonstrar, sem negar a vontade democrática de seus criadores, algumas dessas construções teóricas sofrem de um certo grau de elitismo que devemos destacar

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para permitir a continuar na busca emancipatória do constitucionalismo democrático. Estamos nos referindo ao chamado neoconstitucionalismo, muitas vezes confundido com o novo constitucionalismo. Parece-nos importante tentar esclarecer a possível confusão que pode originar-se entre ambas as categorias, porque a confusão conceitual pode gerar algum nível de caos intelectual e dificultar o desenvolvimento futuro do constitucionalismo democrático. As duas concepções são construções relativamente recentes que tiveram um grande boom à luz dos últimos textos constitucionais latino-americanos, que foram qualificados tanto de neoconstitucionalistas como próprios de um novo constitucionalismo. A que se referem ambos os termos? Ainda que tenham significantes parecidos, seus significados não o são, apesar de que podem – em certos aspectos – complementarem-se. Este artigo tenta definir conceitualmente as referidas categorias, enfatizando suas diferenças e buscando definir alguns fundamentos para um diálogo entre os dois termos que ainda estão por se desenvolver.

1.2 Neoconstitucionalismo, entre uma teoria do direito e uma teoria do poder Se perguntarmos para vários neoconstitucionalistas o que entendem pelo neoconstitucionalismo, é possível que cada qual nos dê uma resposta diferente. Apesar de certa pretensão canônica,2 o neoconstitucionalismo não parece manter uma coerência interna, além de alguns aspectos concretos aos quais faremos referência. Parece se definir mais por aquilo que não é do que por aquilo que é. E isso porque quando nos referimos ao neoconstitucionalismo estamos diante de uma tentativa de criar uma nova filosofia do direito3 a partir de um núcleo de bases supostamente comum de vários autores, mas que não se construiu necessariamente com coerência. De fato, o primeiro dos “cânones” do neoconstitucionalismo fazia referência a essa multiplicidade de conceitos, o que Carbonell4 evidenciou com um sufixo plural entre parênteses da sua recopilação neoconstitucionalismo (s).

2

CARBONELL, Miguel; GARCIA-JARAMILLO, Leonardo. El canon neoconstitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2010.

3

GUASTINI, Riccardo. A propósito del neoconstitucionalismo. Doctrina constitucional, v.67, 231, 2013.

4

CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003.

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Com respeito à origem do conceito, muito mais afortunado que a sua denominação, muitas vezes apontando para o final da década dos anos noventa do século XX, quando se publicaram os primeiros trabalhos de Susana Pozzolo e do grupo de filósofos do direito da Universidade de Gênova, que desempenharam seu trabalho em torno da figura de Paolo Comanducci. O esforço tinha por objetivo encontrar um denominador comum na doutrina sobre qual é a função da Constituição no ordenamento jurídico e o papel que desempenham o seu conteúdo, para os que beberam das mais diferentes fontes do mundo anglo-saxão (Dworkin) como latino-americanos (Nino). E aqui temos a primeira grande característica do neoconstitucionalismo: como resultado do pensamento analítico, em um princípio consistiu em uma análise teórica sobre o valor jurídico da Constituição e sua influência e hierarquia no resto do ordenamento jurídico, colocando ênfase no papel e aplicação dos princípios constitucionais. Ainda que faltando elementos empíricos de comprovação, manifestou sua vontade de transcender até uma nova forma de aplicação do direito. Supõe-se, por isso, todo um esforço de imaginação coletiva e análise teórica que se inicia na busca de critérios específicos para a interpretação da Constituição no que diz respeito à interpretação do resto do ordenamento jurídico e deriva em direção ao papel da Constituição e sua aplicação no que se costuma denominar Estado constitucional. De uma forma um tanto ambígua, Pozzolo5 se levanta como testemunha referindo-se ao neoconstitucionalismo como uma defesa da distinção entre a interpretação constitucional e outras interpretações do direito: Se bem é certo que a tese sobre a especificidade de interpretação constitucional encontra partidários em diversas disciplinas, no âmbito da filosofia do direito vem defendida, em particular, por um grupo de iusfilósofos que compartilham de um modo peculiar de se aproximar ao direito. Denominei tal corrente de pensamento neoconstitucionalismo.

5

POZZOLO, S. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación constitucional. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, v. 21, n. 2, p. 339, 1998.

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A referência é a determinadas obras de autores renomados, ainda que, na verdade, alguns deles não parecem conhecer-se mutuamente em profundidade: Ronald Dworkin (Freedom’s Law, Harvard University Press, Cambridge, 1996), Robert Alexy (o conceito e a validade do direito, Gedisa, Barcelona, 1994), Gustavo Zagrebelsky (Il Diritto mite, Einaudi, Turín, 1992) e - “em parte” – filho de Santiago (The Constitution of Deliberative Democracy, Yale University Press, New Haven-London, 1996). Provavelmente - argumenta a autora - estes iusfilósofos não se reconhecem dentro de um movimento unitário, mas, em favor da minha tese, em suas argumentações é possível encontrar o uso de algumas noções peculiares que possibilita que eles sejam agrupados dentro de uma única corrente iusfilosófica. Quais seriam essas noções peculiares que formam o núcleo do neoconstitucionalismo? Segundo Pozzolo,6 seriam quatro formulações: 1) Princípios vs. normas. Fazendo referência velada ao debate clássico dos anos sessenta e setenta entre Hart e Dworkin, que se fez entender como uma crítica para os fundamentos da iuspositivismo, Pozzolo coloca ênfase na distinção entre princípios e regras (“normas”) no ordenamento jurídico, e no papel destacado que os princípios devem representar na função de interpretação e argumentação jurídica por parte dos juízes. 2) Ponderação vs. subsunção. Os princípios contariam um peculiar método interpretativo/aplicativo, porque não cabe sua aplicação de acordo com os métodos de subsunção das normas, eles precisam da ponderação ou balanceamento cuja técnica consiste em detectar os princípios aplicáveis ao caso concreto, medir os princípios localizados para colocá-los em relação hierárquica axiológica, e aplicar o princípio que prevalece em um caso concreto baseado no juízo de valor particular formulado pelo juiz. 3) Constituição vs. independência do legislador, isto é, a subordinação da lei e do resto da ordenamento jurídico ao texto constitucional, que implicaria a materialização ou substancialização da Constituição; uma função semelhante à que anteriormente tinha desenvolvido o direito natural. 4) Liberdade dos juízes vs. liberdade do legislador. Trata-se de defender a interpretação

6

Ibidem, p. 340-342.

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criativa da jurisprudência, imprescindível a partir do momento em que o juiz deixa o método da subsunção diante da presença dos princípios, e deve aplicar a Constituição frente à lei transformando-se em um instrumento básico, para a sua sustancialização. Ainda que se trate em sua origem de um esforço fundamentalmente teórico, a medida em que se constitui o relato neoconstitucional durante a primeira década do século XXI aparece uma vontade de vinculação do neoconstitucionalismo em determinado ciclo histórico do constitucionalismo, o correspondente para o constitucionalismo do Estado social. O neoconstitucionalismo é uma doutrina de origem principalmente europeia, pensada a partir do constitucionalismo social europeu e algumas Constituições latino-americanas. Como explica um dos seus maiores expoentes, Carbonell,7 o neoconstitucionalismo pretende explicar este conjunto de textos constitucionais que começam a surgir após a segunda guerra mundial e encontrado seu ápice em Constituições europeias da década de 1970 (principalmente a portuguesa de 1976, e a espanhola de 1978) e na adaptação latinoamericana do constitucionalismo social europeu (como a Constituição brasileira de 1988). São Constituições: que não se limitam a estabelecer competências ou a separar os poderes públicos, mas contêm altos níveis de normas materiais ou substantivos que condicionam a atuação do Estado mediante a gestão de determinados fins e objetivos. Como se pode observar, não há nenhuma crítica à origem das Constituições, pois isso não é objeto de preocupação dos neoconstitucionalistas coerentemente com sua metodologia analítica. A ênfase é tão somente normativa, e não no que diz respeito a quaisquer normatividades, senão sobre a supremacia material da Constituição, característica do Estado (neo) Constitucional: “Desde então – afirma o autor – constitucionalismo não permaneceu como um modelo estático, mas continuou a evoluir em muitos aspectos”. É fruto dessas evoluções que aparece a necessidade de nota teoricamente do conceito de estado (neo) constitucional e coloca em evidência suas consequências práticas.8 7

CARBONELL, Miguel. El neoconstitucionalismo en su labirinto In: CARBONELL, Miguel. Teoría del neoconstitucionalismo. Madrid: Trotta,

8

CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003, p. 9

2007. p. 9-10.

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Durante a última década e meia, a corrente neoconstitucionalista avançou sobre o mesmo eixo no qual se originou. Depois do seu auge na primeira década do século XXI, sofre um esgotamento próprio de uma teoria sem quase preocupação pela práxis além da função dos tribunais constitucionais e centrada em aspectos concretos, tais como a modulação de sentenças ou o princípio da proporcionalidade. Os principais elementos que correspondem hoje em dia a doutrinas neoconstitucionais são, de acordo com Guastini, 9 os seguintes: a superioridade axiológica da Constituição sobre a lei; a ideia de que a Constituição não só tem como função a limitação do poder político, senão modelar a sociedade e, portanto, não só prevenir (em negativo) uma legislação lesiva dos direitos, senão também orientar (em positivo) a legislação inteira; a ideia de que a Constituição carece de lacunas, que seus princípios predeterminam ou orientam a disciplina legislativa de suposto fato, deixando margens bastante reduzidas a discricionariedade política do legislador; a ideia de que as Constituições democráticas incorporam princípios de justiça objetivos, a que são justas e merece obediência; a superioridade axiológica de princípios sobre as regras; a ideia de que as regras, qualquer que seja seu teor literal, possam ceder ou ser derrogadas, que estão sujeitas a exceções à luz dos princípios; a superioridade axiológica das normas que conferem direitos sobre aquelas que organizam o poder público; a ideia de que as normas “materiais” da Constituição regulam não as relações verticais entre Estado e cidadão, mas também as horizontais entre os cidadãos e que, portanto, deve encontrar aplicação direta na jurisprudência; a ideia de que existe uma conexão estreita entre direito e justiça; a ideia de que ao direito, desde que seja justo, deve ser obedecido; a desvalorização do modelo da ciência jurídica como discurso meramente cognitivo e não valorativo, característico do positivismo jurídico metodológico; e a ideia de que a ciência jurídica deve ser uma ciência prática e normativa, isso é, orientar a jurisprudência e a legislação. Em suma, cabe concluir10 que o neoconstitucionalismo desse ponto de vista é uma teoria do direito e não, propriamente, uma teoria da Constituição, ainda que não pretenda ser. Seu fundamento é a análise da dimensão positiva da Constituição, para o qual não é necessário

9

GUASTINI, Riccardo. A propósito del neoconstitucionalismo. Doctrina constitucional, v. p. 233, 2013.

10

VICIANO-PASTOR, Roberto;MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El nuevo constitucio- nalismo latinoamericano: fundamentos para una construcción doctrinal. Revista General de Derecho Público Comparado, v. 9, p. 6-10, 2011.).

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adentrar nos supostos e condições de legitimidade democrática e da fórmula por meio da qual a vontade constituinte se transfere para a vontade constituída. Dessa forma, o neoconstitucionalismo reivindica o estado de direito em seu significado final, depois de explicar a evolução do conceito até o que representaria na atualidade. Em última análise, o neoconstitucionalismo pretende, sem ruptura, afastar-se dos esquemas do positivismo teórico e transformar o Estado de direito no Estado constitucional de direito. Como teoria do direito, o neoconstitucionalismo – em particular a partir dos princípios – aspira a descrever as realizações da constitucionalização, entendida como o processo que levou a uma modificação dos grandes sistemas jurídicos contemporâneos. Por essa razão, é caracterizada por uma Constituição invasiva, pela positivação dos catálogos de direitos, pela onipresença na Constituição de princípios e regras e por algumas peculiaridades da interpretação e da aplicação das normas constitucionais no que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.11 Trata-se, em suma, de recuperar o conceito de Constituição e fortalecer sua presença determinadora no ordenamento jurídico. As críticas ao neoconstitucionalismo aumentaram nos últimos anos desde os mais variados setores em dois sentidos: por um lado, sobre a falta de coerência e de sistematização de sua denominação e princípios, bem como os limites analíticos das doutrinas neoconstitucionalistas; em segundo lugar, a ocultação de uma teoria do poder na teoria do direito que promove. Quanto ao primeiro aspecto, Ferrajoli12 poderia ter dito isso mais alto, mas não mais claro: a expressão neoconstitucionalismo “resulta em vários aspectos, ambígua e enganosa”, já que, ao se referir no plano empírico ao constitucionalismo jurídico dos ordenamentos dotados de Constituições rígidas, resulta assimétrica em relação ao constitucionalismo político e ideológico. que não designa nem um sistema jurídico, nem uma teoria do direito, senão que é pouco mais do que um sinônimo de Estado liberal de direito. Além disso, dado que, no

11

COMANDUCCI, P. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid:

12

FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista y constitucionalismo garantista. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, v. 34, p.

Trotta, 2003. p. 83.

18-19, 2010.

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plano teórico, a expressão neoconstitucionalismo se identifica, geralmente, com a concepção iusnaturalista do constitucionalismo, não capta suas características essenciais a qual resulta, de fato, ignorada. Autor propõe o termo iusconstitucionalismo ou constitucionalismo legal para diferenciar o Estado constitucional de direito do Estado legislativo de direito: “a característica que diferencia o constitucionalismo será a existência positiva de um top de lex superior à legislação ordinária, com independência das diferentes técnicas adotadas para garantir sua superioridade”. Para Guastini,13 o neoconstitucionalismo “consiste de um amontoado (de limites indeterminados) de posturas axiológicas e de teses normativas entre as quais não é fácil identificar alguma tese propriamente teórica, reconhecível e suscetível de discussão”. A raiz do problema é que os neoconstitucionalistas vêm tratando a sua doutrina como uma mudança paradigmática, quando não estamos diante de uma discussão do paradigma positivista consolidado em particular a partir das doutrinas kelsenianas e a posição da Constituição no ordenamento jurídico. Com respeito aos mecanismos de aplicação dos princípios constitucionais, o mesmo autor14 tem “a impressão de que a insistência na ideia de que os princípios não admitem a subsunção é testemunho da grande ignorância que reina entre os juristas em matéria de raciocínio jurídico geral e de subsunção em particular”. Sobre a segunda das críticas, temos que levar em conta que, ainda que o neoconstitucionalismo seja apresentado especificamente como uma teoria do direito – e, por isso, despojado de qualquer elemento politológico – é também, ou consequentemente, uma teoria do poder: em particular, do poder dos juízes na hora de interpretar a Constituição. Um dos principais problemas do neoconstitucionalismo é que ele não difere substancialmente entre a função dos juízes, que realizam o controle concentrado de constitucionalidade – os tribunais constitucionais – e a justiça ordinária, cuja interpretação da Constituição vem premodulada pelos intérpretes autênticos (os tribunais constitucionais acima mencionados). Na confusão, própria do neoconstitucionalismo, entre sistema difuso e concentrado, os juízes ordinários acabam assumindo a função de limitador da liberdade do legislador, o que em última 13

GUASTINI, Riccardo. A propósito del neoconstitucionalismo. Doctrina constitucional, v. 67, p. 231, 2013.

14

Ibidem, p. 240.

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instância significa a substituição do legislador. Essa substituição pode corresponder ao juiz que realiza o controle de constitucionalidade, pelo caráter político da sua função como legislador negativo, mas não tão ao juiz ordinário, que não é legitimado democraticamente para desenvolver uma função política. O grande problema da liberdade do juiz ordinário na aplicação da Constituição livremente é que não conta com a legitimidade democrática – nem a correspondente legitimidade constitucional – para se declarar por si mesmo intérprete político da Constituição. O neoconstitucionalismo, assim o defende, significa passar de uma teoria do direito para uma teoria do poder: a preponderância do poder elitista do Poder Judiciário contra o poder democrático da função legislativa, por meio da decisão sobre o significado de uma norma constitucional, portanto, limitar o papel do legislador.

1.3 O novo constitucionalismo, entre uma teoria da legitimidade e uma teoria da constituição O conceito de novo constitucionalismo é ainda mais recente que o neoconstitucionalismo. Ao contrário do neoconstitucionalismo, que vem da filosofia do direito e deseja transcender a prática jurisprudencial, novo constitucionalismo tem um duplo objetivo. Por um lado, recuperar e atualizar o conceito de poder constituinte democrático, garantindo a origem democrática da Constituição por meio de uma iniciativa popular de sua ativação e do exercício de tal poder fundador através de uma Assembleia Constituinte participativa e plural, bem como a conveniente aprovação direta da Constituição por parte dos cidadãos por meio de uma consulta popular. Por outro lado, gerar alguns conteúdos constitucionais que permitem resolver os problemas de legitimidade do sistema que o constitucionalismo social de origem europeia não conseguiu resolver. No sentido anterior, além da preocupação pela supremacia constitucional característica do neoconstitucionalismo, o novo constitucionalismo aposta, entre outros aspectos, por abrir espaços de participação direta dos cidadãos para evitar a oligarquização do sistema político; estender as garantias e efetividade dos direitos sociais; estabelecer novos fundamentos axiológicos da vida em comum; incorporar a proteção do meio ambiente como uma política

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transversal que deve permear toda a atividade social; estender os controles constitucionais aos poderes privados, fundamentalmente aos poderes econômicos que controlam e distorcem os mercados; e tentar democratizar e garantir a independência do poder judiciário, dos órgãos constitucionais e, em geral, das instituições de controle sobre o poder político ou econômico. E, com certeza, resolver a exclusão e a marginalização de grupos vulneráveis e minorias étnicas e sociais. Neste trabalho tentamos especialmente o objetivo primeiro do novo constitucionalismo, a recuperação da legitimidade democrática da Constituição, por se tratar do elemento que mais claramente se contrapõe a uma pretensão da teoria constitucional frente à teoria do direito que fundamenta o neoconstitucionalismo. Também o novo constitucionalismo com seu registro de nascimento, mas nessa ocasião na América Latina. No final do século XX, duas Constituições latino-americanas poderiam ser incluídas dentro do novo constitucionalismo: a Constituição colombiana de 1991 e a venezuelana de 1999. Essas Constituições democráticas foram os precedentes que abriram caminho às mudanças constitucionais na América Latina que ocorreram durante o início do século XXI, com a Constituição equatoriana de 2008 e a boliviana de 2009. Nesse marco teve lugar uma primeira exploração sobre o conceito novo constitucionalismo a partir da mudança do paradigma sobre o antigo ou clássico constitucionalismo latino-americano,15 que se aprofundou em seus postulados teórico-práticos alguns anos depois, quando as Constituições equatoriana de 2008 e boliviana de 2009 já tinham vindo à luz.16 Como já temos adiantado, o fundamento do novo constitucionalismo situa-se na recuperação de um poder constituinte democrático que, de acordo com as possibilidades contextuais em uma dinâmica evolutiva, tem lugar por meio de vontades populares emancipatórias depois de uma época de hegemonia de um constitucionalismo das elites. Se algo tradicionalmente caracterizou o constitucionalismo latino-americano não foi sua capacidade social integradora, a sua força normativa, tampouco a sua ampla legitimidade democrática. Mas bem, pelo contrário.

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VICIANO-PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El proceso constituyente venezolano en el marco del nuevo constitucionalismo

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A história constitucional latino-americana, com poucas exceções, tem demonstrado domínio das elites em decisão constituinte e, portanto, a identidade entre a vontade elitista-crioula e constituinte (não democrático). O resultado foi um constitucionalismo conservador que vem se mantendo hegemônico, com diferentes mudanças de figura, até a atualidade. O novo constitucionalismo latino-americano, o qual nem tudo são virtudes e sobressaem amplamente suas falhas, constitui, no entanto, uma resposta re legitimadora de novas Constituições democráticas cuja categoria diferencial agora está assentada na doutrina: Gargarella & Courtis,17 Medici,18 Noguera,19 de Cabo,20 Aparicio Wilhelmi,21 Uprimny,22 Pisarello,23 Nolte & Schilling-Vacaflor,24 Palacios,25 Wolkmer e Machado,26 Gargarella27 e outros. As críticas para o novo constitucionalismo latino-americano provêm especificamente da doutrina mais conservadora e menos desenvolvida conceitualmente, que critica o caráter populista dos novos textos constitucionais. Assim, por exemplo, Edwards28 indica que as Constituições elevam o apelo populista às massas a nível constitucional, embora o autor não diferencie entre neoconstitucionalismo e o novo constitucionalismo. As críticas contêm maior força analítica de teóricos da democracia constitucional. Para Salazar,29 o caráter ambíguo dos textos constitucionais é um problema para a segurança jurídica, porque são

17

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disposições jurídicas que são suscetíveis de múltiplas interpretações e, por isso mesmo, são o receptáculo de muitas normas que resulta muito difícil de identificar [...] Poderia organizar-se seminário de filosofia, antropologia ou direito constitucional para discernir seus significados e provavelmente os experts não chegariam a posições concordantes. O novo constitucionalismo latino-americano é qualificado pelo autor, por suas características diferenciadas da democracia constitucional, como um ornitorrinco legal (p. 387). Mas cabe insistir que o novo constitucionalismo latino-americano se diferencia do constitucionalismo crioulo no campo da legitimidade; no entanto, em alguns dos inovadores conteúdos de suas constituições – que surgem de um debate aberto e plural legitimado democraticamente, o qual, sem dúvida, cria as redações tecnicamente menos acertadas –, senão pela natureza democrática dos processos constituintes. A partir das Constituições fundacionais dos novos Estados independentes, na América Latina têm escasseados os processos constituintes plenamente democráticos e, em vez disso, foram produzidos em múltiplas ocasiões processos constituintes representativos das elites e afastados da natureza democrática essencial do poder constituinte. A evolução do constitucionalismo americano anterior para as novas constituições se fundamentou no nominalismo constitucional e, desse modo, na falta de uma presença efetiva da Constituição no ordenamento jurídico e na sociedade. Em geral, as Constituições do constitucionalismo crioulo não cumpriram mais que os objetivos que haviam determinado às elites: a organização do poder do Estado e a manutenção, em alguns casos, dos elementos básicos de um sistema democrático formal.30 Daí vem a denominação de um novo constitucionalismo, quando o relato de legitimidade positivista-elitista se transforma em legitimidade democrática, com a intenção de terminar com o nominalismo constitucional e avançar em direção à transformação da sociedade no que se aplica. A partir da segunda metade da década dos oitenta do século XX, produzem-se alterações que previam a proximidade de 30

MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El constitucionalismo fundacional en América Latina y su evolución: entre el constitucionalismo criollo y el nuevo constitucionalismo In: TROBAT, Pilar García; FERRIZ, Remedio Sánchez (Coords.). El legado de las Cortes de Cádiz. Valencia: Tirant, 2011. p. 851.

ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO

conciliação entre constituição formal e material, e começaram a abrir caminho para os postulados do novo constitucionalismo. Lembremos, essencialmente, a Constituição do Brasil de 1988, no entanto, excluída do novo constitucionalismo por carências democráticas do seu processo constituinte e pela falta de vontade transformadora no que diz respeito ao constitucionalismo do Estado social. Será a reaparição dos postulados democráticos nos processos constituintes colombiano e venezuelano e, portanto, a elaboração de um novo relato de legitimidade, que coloca o diferencial entre o antes e o depois do novo constitucionalismo. O novo constitucionalismo realoca um significado atualizado aos conceitos que tinham sido desnaturados pela teoria constitucional conservadora, tais como a soberania popular e poder constituinte. E não uma teoria constitucional democrática os tenha reconstruído solidamente com anterioridade aos processos constituintes, mas porque assim foram usados esses conceitos para o avanço democrático e, muito especialmente, por aqueles movimentos sociais como fundamento da emancipação. Essa é uma das principais diferenças com o neoconstitucionalismo: o novo constitucionalismo não é uma teoria do direito, senão uma teoria da Constituição relatada em um marco reescrito sobre a legitimidade democrática da Constituição, que usa os conceitos sem medo e da maneira como lhe são úteis para avançar democraticamente. Como fez referência Martinez Dalmau,31 é certo que, de diferentes âmbitos acadêmicos, em particular a partir da filosofia do direito, tem sido levantada nos últimos anos uma revisão do conceito de soberania e cidadania e, com isso, o de poder constituinte,32 pela identificação do problema do absolutismo do Estado, que se oporia ao constitucionalismo global. A proposição, desde logo, é acertada do ponto de vista da soberania do Estado, mas não deveria afetar a reivindicação da soberania do povo no Estado constitucional. Soberania do estado e a soberania do povo são dois conceitos próximos em algumas características, mas por sorte diferente em sua matéria, precisamente porque a diferença entre o estado moderno e a época de Bodin e o Estado constitucional é que a soberania, nesta última formação, não é explicativa de um fato – a aparição do Estado – senão o fundamento deste feito. No Estado constitucional, a soberania do Estado só tem sentido de 31

MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El ejercicio del poder constituyente en el nuevo constitucionalismo. Revista General de Derecho Público Comparado,

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FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Madrid: Trotta, 2002

v. 11, p. 1-15, 2012.

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forma dependente – e, portanto, limitada – da soberania do povo e, por isso, o constitucionalismo democrático só pode conceber-se no âmbito da normativa. Mas o perigo de negar uma soberania legitimadora do povo é grave, porque, a menos que novos modelos aparecem, o que se nega é a possibilidade de um constitucionalismo democrático. Ou, o que dá no mesmo, a possibilidade de progredir no avanço da emancipação dos povos por meio do Estado constitucional. Um ponto em comum entre o novo constitucionalismo e o neoconstitucionalismo é a reivindicação de um velho significante com um significado diferente: o Estado constitucional. O Estado constitucional gira em torno da supremacia da Constituição em todo o seu conteúdo; portanto, esses princípios constitucionais, como vontade do poder constituinte, contam com a efetividade jurídica correspondente à sua posição. Na doutrina, principalmente a raiz da consolidação da corrente neoconstitucionalista, tem havido progressos no sentido da diferenciação entre o conceito formal e material do Estado constitucional. A distinção reside no entendimento de que não é o Estado constitucional o Estado que conta com uma Constituição unicamente no sentido formal, ou seja, que conta com um texto que autodenomina como tal e que organiza o poder do Estado,33 senão o que conta com uma constituição de origem democrática e que organiza o poder do Estado, limitando-o pelo respeito aos direitos fundamentais e à vontade popular. Assim, a Constituição é a norma suprema do ordenamento jurídico não porque prescreve seu texto, mas porque expressa a vontade democrática popular sobre o conteúdo e o valor da Constituição. Portanto, a definição do estado constitucional, para o novo constitucionalismo, não é apenas formal e normativo, mas baseiase no fundamento democrático que outorga legitimidade ao poder. Uma dimensão, a democrática, que não parece estar presente nas teses neoconstitucionais, inclusive parecia contrária à função que esta corrente atribui aos juízes ordinários. Do ponto de vista do novo constitucionalismo, o estado constitucional, como superação do Estado social e democrático de direito, passa principalmente por quatro caminhos:34 a reivindicação do conceito de soberania popular e sua identificação com o poder 33

AGUILÓ REGLA, Josep. Sobre la constitución del Estado constitucional. Doxa, n. 24, p. 450, 2001.

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MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El ejercicio del poder constituyente en el nuevo constitucionalismo. Revista General de Derecho Público Comparado, n. 11, p. 1-15, 2012.

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constituinte; a incorporação de mecanismos de fortalecimento da legitimidade democrática do poder constituído, tanto por meio da participação direta nas decisões como do controle democrático do poder político organizado; a busca de mecanismos de materialização e efetividade da Constituição e da eliminação das sombras nominalistas; e, por último, o desaparecimento definitivo do poder constituído ou derivado (poder de reforma da Constituição pelos órgãos constituídos), ao considerar materialmente indelegável ao poder constituinte democrático. Desses quatro elementos, apenas um terço pode-se entender que é compartilhado com o constitucionalismo do Estado social e pelo neoconstitucionalismo. Um aspecto importante sobre os princípios constitucionais também diferencia sutilmente as Constituições do novo constitucionalismo com as teses neoconstitucionalistas. A sacralização do princípio constitucional por parte do neoconstitucionalismo é relevante no momento de entender a função do juiz ordinário, que se converte em permanente e amplo intérprete da Constituição no momento de decidir que regras atentam contra os princípios constitucionais. As Constituições do novo constitucionalismo, ainda que carregadas de elementos axiológicos importantes para a sua fundamentação em um princípio, não estão carentes de regras; ao contrário, são profusas em regras, a ponto de que algumas críticas qualificarem-nas de regulamentarias. A razão reside na necessidade de encontrar canais reais para sua aplicação e evitar com isso o nominalismo, porque a falta de aplicação da Constituição tem sido, como já vimos, um dos principais problemas do constitucionalismo crioulo. E se alguma coisa se tornou clara no constitucionalismo comparado é que as constituições principialistas têm deixado nas mãos do aplicador do direito, o juiz, a vigência real da Constituição, que historicamente tem produzido enormes problemas de nominalismo constitucional, como é o caso do constitucionalismo Europeu do século XIX. Esses princípios são importantes para o novo constitucionalismo, mas também as regras. Obviamente, essa nova relação entre princípios e regras constitucionais modifica os mecanismos de interpretação da Constituição. No novo constitucionalismo cobra importância o controle concentrado de constitucionalidade, que só pode ser um controle de natureza política dentro do marco jurídico da Constituição. Mas é o controle concentrado que garante uma leitura

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única e, portanto, a aplicabilidade real da vontade constituinte. Se no neoconstitucionalismo a decisão do juiz (ordinária ou de controle de constitucionalidade) é finalmente a autêntica e se impõe ao legislador, no novo constitucionalismo é a vontade constituinte, por meio dos juízes de controle de constitucionalidade, que se impõe tanto ao legislador quanto ao juiz ordinário. O problema, portanto, transfere-se para a legitimidade democrática do juiz de controle constitucionalidade. Mas este é um problema diferente relacionado não com uma teoria do direito, mas com uma (mais necessária do que nunca) teoria da legitimidade. Dessa forma, a constituição do novo constitucionalismo é uma constituição forte e fraca ao mesmo tempo; forte no que diz respeito ao poder constituído, o que não poderia ser de outra maneira, a partir da teoria da Constituição democrática porque abriga vontade popular; mas fraco em termos de Cólon (2013), no que diz respeito ao poder constituinte, porque a Constituição democrática está permanentemente disponível para a revisão por parte do povo que podem modificá-la quando considerem oportuno. Recordemos que a interpretação da Constituição no novo constitucionalismo é principalmente a interpretação de uma Constituição democrática.35 Cabe lembrar, como avançávamos para o princípio, que a especificidade da interpretação constitucional é um tema largamente debatido tanto no marco da filosofia do direito quanto do direito constitucional, portanto se trata de um dos principais denominadores comuns entre os dois campos de estudo sobre o fato jurídico. O neoconstitucionalismo, fundamentalmente, nos seus esforços em traduzir a constituição política em constituição normativa e o papel atribuído ao juiz ordinário, neste respeito, tem insistido nas diferenças entre ambas as interpretações. Pozzolo identificava, como vimos, algumas características comuns nas construções dos diferentes autores, o que justificaria sua incorporação à tese neoconstitucionalista e à especificidade da interpretação constitucional, postura neste momento majoritária na doutrina. Guastini,36 ciente de sua posição minoritaria, catalogou e criticou os argumentos pelos quais esta parte da doutrina considera que a interpretação de um texto constitucional é decididamente diferente da interpretação de outros textos jurídicos, 35

MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. La interpretación de la Constitución democrática. In AA. VV. Costituzione, Economia, Globalizzazione. Liber

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GUASTINI, Ricardo. Teoría e ideología de la interpretación constitucional. Madrid: Trotta, 2008. p. 53-58

Amicorum in Onore di Carlo Amirante. Nápoles: Edizioni Schientifiche Italiane, 2013. p. 437-45

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em especial da lei, que exige métodos especiais diferentes daqueles normalmente utilizados na interpretação da lei, o que o autor nega. Agora bem, ambas análises passam por alto, provavelmente de forma consciente, a importância do fator democrático nos diferentes métodos da interpretação da Constituição. É evidente que não pode interpretar de maneira igual a norma fundante do ordenamento e com legitimidade popular constituinte com as outras normas jurídicas que se submetem à constituição e contam com legitimidade democrática constituída. Efetivamente, a interpretação constitucional cobra um sentido puramente positivista, quando a interpretação da Constituição é, em última análise, a interpretação de uma lei (fundamental) sem maiores considerações. Mas quando, além disso, se trata de uma Constituição originária de um poder constituinte democrático, isto é, do novo constitucionalismo, estamos diante do único caso de aplicação normativa, em que não se pode aceder ao conhecimento direto da vontade geradora, senão que só se pode conhecer por meio dos documentos gerados durante o período constituinte. Requer, portanto, de um intérprete autêntico substituto que realize a função de intérprete constitucional, e que, nos casos de sistemas de controle concentrado de constitucionalidade é, geralmente, o Tribunal Constitucional. Por outro lado, a interpretação da Constituição democrática obedece necessariamente a critérios metajuridicos, políticos, que apela para a vontade constituinte. Pelo contrário, o julgamento de constitucionalidade de uma norma só infraconstitutional só deve tomar como critério se essa norma é compatível ou não com o que indica o texto constitucional. Ou seja, deve determinar o significado desta norma em inter-relação com o texto constitucional, que redireciona o mecanismo de interpretação para o critério sistemático/ contextual.37 Definitivamente, a distinção substantiva entre Constituições na atualidade é que diferencia as Constituições democráticas (produto de um poder democrático, isto é, participativo, deliberativo e plural) das que foram elaboradas por qualquer outro procedimento (impostas, outorgadas, ou aprovadas ou modificadas a partir do poder constituinte constituído ou derivado). No novo constitucionalismo só se pode incluir-se as primeiras. No neoconstitucionalismo cabem ambas as

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MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. La interpretación de la Constitución democrática. In. AA. VV. Costituzione, Economia, Globalizzazione. Liber Amicorum in Onore di Carlo Amirante. Nápoles: Edizioni Schientifiche Italiane, 2013. p. 437-452.

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tipologias, porque esta corrente doutrinária não se preocupa com a legitimidade da Constituição, mas apenas de sua aplicação no marco da relação princípios e regras, e da função do juiz para torná-la efetiva. Não são conceitos opostos, como defendem alguns autores,38 porque o novo constitucionalismo coincide com alguns elementos neoconstitucionalistas; Mas, desde logo, não são conceitos assimiláveis, nem necessariamente complementários em todos os seus aspectos.

1.4 Novo constitucionalismo latino-americano? Uma vez delimitada a diferença entre o neoconstitucionalismo e o novo constitucionalismo, cabe incursionar na categorização do novo constitucionalismo como latino-americano. Como vimos,39 o novo constitucionalismo busca analisar, em um primeiro momento, a exterioridade da Constituição; ou seja, sua legitimidade, que, pela sua própria natureza, só pode ser extrajurídica. Posteriormente, como consequência daquela, interessa a interioridade da Constituição, com particular referência – nesse ponto se conecta com os postulados neoconstitucionalistas – a sua normatividade. A partir dos axiomas democráticos, o fundamento da constitucionalização do ordenamento jurídico só pode encontrar-se em que a Constituição é o mandato de um constituinte democrático e reflete sua vontade. E isso, a partir de alguns dos processos constituintes da segunda pós-guerra europeia, não havia ocorrido – exceto no caso particular da Constituição portuguesa de 1976 – e voltou a se recuperar na América Latina. Efetivamente, através dos últimos processos constituintes latinoamericanos se legitimaram os textos constitucionais que procuraram, apesar dos obstáculos e dificuldades, não só ser fiel reflexo do poder constituinte senão permear o ordenamento jurídico e revolucionar o status quo das sociedades em condições de necessidade. A situação social na América Latina não deixou muitos resquícios para a esperança, mas um deles é o papel de um constitucionalismo democrático. Um constitucionalismo que possa romper com o que é

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LASCARRO CASTELLAR, Carlos. De la hegemonía (neo)constitucional a la estrategia del nuevo constitucionalismo latinoamericano. Jurídicas,

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VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El nuevo constitucio- nalismo latinoamericano: fundamentos para una

v. 9, n. 2, p. 58-69, 2012.

construcción doctrinal. Revista General de Derecho Público Comparado, v. 9, p. 7 et seq, 2011.

ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO

considerado imutável e determinado, e que possa avançar pelo caminho da justiça social, da igualdade e do bem-estar dos cidadãos.40 Embora o modelo do novo constitucionalismo possa gerar Constituições em outros espaços geográficos, onde se produziu a primeira manifestação desta corrente foi na América Latina; por essa razão, convém denominar o ocorrido na Colômbia, Venezuela, Equador e Bolívia como um novo constitucionalismo latino-americano. Sem dúvida, como afirmam Gargarella & Courtis,41 uma das principais perguntas que as novas constituições latino-americanas vêm responder – ainda que não a única – é como se soluciona o problema da desigualdade social. Em muitos países da América Latina, após as ditaduras militares dos anos setenta e oitenta, tentou-se implementar um remendo de constitucionalismo social de inspiração europeia. Mas quando esse projeto foi desenhado pelas elites políticas (a social democracia e a democracia cristã latinoamericana, com os conselhos de seus pares europeus), não aplicaram o elemento central que permitiu durante décadas que o Estado social e democrático de direito existisse na Europa: o pacto capital-trabalho, que deu lugar a uma certa redistribuição de suas plusvalias em troca da renúncia à substituição radical do capitalismo. Na ausência do pacto de capital-trabalho, o constitucionalismo social latino-americano tornou-se papel molhado, em um constitucionalismo que frustrou as esperanças da cidadania e que abriu a busca social de novos parâmetros de constitucionalismo. Logo, as manifestações na América Latina levaram à busca de maneiras de resgatar a dignidade dos povos, de reivindicação de seus direitos, de aprofundamento democrático, de exigência do que lhes correspondia por meio de mecanismos globalmente transformadores e que funcionaram. E aqui nós nos encontramos com um segundo elemento que fortalece a ideia de que é preciso falar de um novo constitucionalismo latino-americano e não meramente andino, porque, ainda que os processos constituintes se produziram em alguns países andinos, a ideia de recuperar uma formulação democrática do poder constituinte e as reivindicações populares que esses processos incorporaram aos textos constitucionais foram uma resposta global latino-americana. Que pode ver a luz, por circunstâncias históricas e sociais, em alguns Estados, mas que se encontram ainda hoje em dia latente na totalidade dos países da região. 40

VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El proceso constituyente venezolano en el marco del nuevo constitucionalismo

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GARGARELLA, Roberto; COURTIS, Christian. El nuevo constitucionalismo latinoamericano: promesas e interrogantes. Santiago de Chile: Cepal,

latinoamericano. Ágora. Revista de Ciencias Sociales, v. 13, p. 60 et seq, 2005.

2009. p. 11.

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Os processos constituintes latino-americanos, portanto, se insertam no leque – por outro lado, não muito amplo – de mecanismos de mudança e tornaram-se processos necessários na evolução da história,42 como resultado direto dos conflitos sociais que se agravaram durante a implementação das políticas neoliberais, especialmente durante as décadas de oitenta e noventa, e da resposta político-social que geraram os movimentos sociais. A transferência de suas necessidades para os textos constitucionais através de processos constituintes é a culminação de um caminho progressivo na nova expressão democrática. Portanto, não há dúvida de que certos aspectos deste novo constitucionalismo latinoamericano são estranhos à doutrina clássica do direito constitucional.43 Não tanto pelo método usado para aprovar as novas Constituições, que enraíza diretamente com o conceito europeu liberal da revolução e da soberania, mas porque, ainda que pareça incrível, o constitucionalismo democrático é um fenômeno distante para os europeus no início do século XXI. As dinâmicas conservadoras da disciplina favorecem as desconfianças sobre posições inovadoras, e as novas Constituições latino-americanas se fazem algo é inovar, muitas vezes de forma caótica e desordenada, que, no que cabe recordar, é outra das críticas às novas Constituições latino-americanas. São textos que criam, entre outras coisas, formas alternativas de participação; incluem elementos inovadores no controle de constitucionalidade; regulam os bancos centrais; garantem efetivamente os direitos econômicos e sociais; reconstroem a Constituição econômica, incluindo o conceito de propriedade privada... O novo constitucionalismo latino-americano, sem dúvida, cometeu inúmeros erros, tanto no design como, acima de tudo, na aplicação do modelo, mas conta com um componente de originalidade que, para encontrá-lo nos experientes constituintes comparados, teríamos que cavar nas mais remotas origens do constitucionalismo democrático. Mas, além disso, trata-se de um constitucionalismo em construção, de um constitucionalismo em transição, não de um modelo constitucional acabado. Entre outras razões, porque é um modelo que 42

VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Ruben. El proceso constituyente venezolano en el marco del nuevo constitucionalismo

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VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Ruben. Los procesos constituyentes latinoamericanos y el nuevo paradigma

latinoamericano. Ágora. Revista de Ciencias Sociales, v. 13, p. 61, 2005.

constitucional. Ius. Revista del Instituto de Ciencias Jurídicas de Puebla, v. 25, p. 7-29, 2010.

ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO

surgiu a desde abajo, sem uma teorização prévia e sem muitos especialistas que acompanharam o parto. É um modelo experimental – em termos de Sousa Santos que pretende abrir novas fórmulas de organização da sociedade. E, como todo experimento, precisa recorrer ao mecanismo de erro e retificação para poder avançar na procura das melhores soluções constitucionais para sociedades latino-americanas. Destacadas estas notas de experimentação e de transformação que caracterizam o novo constitucionalismo latino-americano, não nos parece que fazem justiça a uma denominação exclusiva como constitucionalismo experimental, constitucionalismo transformador ou neoconstitucionalismo transformador.44 Modelos experimentais e transformadores de constitucionalismo já existiram bastantes ao longo da história. Mas é a primeira vez que um modelo constitucional, experimental e transformador se dá fora das fronteiras geográficas do hemisfério norte e, concretamente, da Europa ou Estados Unidos. Parece destacável que essa novidade histórica seja remarcada ao denominar as experiências constitucionais que nos referimos neste trabalho. Agora bem, não cabe pensar que as condições que deram origem a um novo constitucionalismo tenham necessariamente que ser exclusivas da América Latina. Uma vez comprovada a ação global do constitucionalismo democrático, é fácil prever que os avanços democráticos emancipatórios do constitucionalismo democrático serão resgatados e melhorados por outros âmbitos geográficos onde se deem as condições para a superação do Estado social, possivelmente por meio das constituintes democráticas. De fato, alguns avanços na Ásia (Butão), África (África do Sul, Tunísia) e Europa (processo inacabado Islandês) parecem apontar no sentido de uma concepção global de novo constitucionalismo. Essas experiências recentes parecem avançar na prática o que em teoria é apenas um esboço: a necessidade de fundamentar o Estado constitucional não só, mas também nos princípios de aplicação da Constituição – tese neoconstitucionalista, senão e caberia dizer que primeiramente, sobre a legitimidade do poder constituinte (processos constituintes, assembleias constituintes) e sobre uma nova teoria da Constituição, que renovem a estrutura interna e seus fins sociais, adequando-a aos problemas sociais, políticos e econômicos que vive hoje a humanidade. 44

ÁVILA SANTAMARÍA, Ramiro. El neoconstitucionalismo transformador. El Estado y el derecho en la Constitución de 2008. Quito: Abya-Yala y Universidad Andina Simón Bolívar, 2011.

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Parece, portanto, que superar as deficiências do constitucionalismo do Estado social virá de uma legitimação do poder político organizado sobre o princípio emancipador da soberania popular, o poder constituinte e o constitucionalismo democrático; ou seja, do novo constitucionalismo. A experiência latino-americana será, neste caminho, um insumo valiosíssimo para a aprendizagem. Não sendo assim, importantes sombras poderiam pairar sobre a capacidade de os seres humanos serem donos de si mesmos, de seu destino em comum.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): PASTOR, Roberto Viciano; DALMAU, Rubén Martínez. A Constituição democrática, entre o neoconstitucionalismo e o novo constitucionalismo. In: VIEIRA, José Ribas; LACOMBE, Margarida; LEGALE, Siddharta. Jurisdição constitucional e direito constitucional internacional. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 102-124. ISBN 978-85-450-0196-6. Disponível em:< http://www.bidforum.com.br>.

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