38º Encontro Anual da ANPOCS GT 30 POLÍTICA INTERNACIONAL

Share Embed


Descripción

38º Encontro Anual da ANPOCS GT 30 POLÍTICA INTERNACIONAL

Influências e conseqüências da relação EUA-UNESCO

Jéssica Fernandes- Aluna do Programa de Pós Graduação em Ciência Política, nível Mestrado, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Minas Gerais

27 a 31 de Outubro de 2014 Caxambu-MG

INFLUÊNCIAS E CONSEQÜÊNCIAS DA RELAÇÃO EUA-UNESCO1

Jéssica Silva Fernandes2

RESUMO:

O objetivo que se pretende demonstrar é definido pela interação entre EUA e UNESCO, buscando compreender de que maneira os estadunidenses afetam a instituição, ou qual dinâmica se conforma quando os EUA se afastam da UNESCO ou se posicionam contrários a ela, no período que vai de 2000 a 2013. Trabalha-se com a lógica de que os EUA têm um poder de decisão maior entre os demais estados membros da organização em função dos vultosos financiamentos destinados a mesma. Em função dessa preponderância estadunidense, o posicionamento contrário dos EUA a determinadas políticas da UNESCO podem resultar em grandes impactos como, por exemplo, o corte ou redução de financiamento de projetos internacionais, ou o afastamento dos EUA da instituição. Por meio da análise documental e de discursos disponibilizados pela instituição busca-se encontrar indícios para construir tal argumentação.

Palavras- chave: EUA, UNESCO, Enfraquecimento Institucional

1

Trabalho a ser apresentado no formato Painel no 38º Encontro Anual da ANPOCS no GT de Política Internacional. 2

Aluna do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, nível mestrado. Conta com o suporte institucional do Departamento de Ciência Política da UFMG, e orientações acadêmicas do professor Dr. Dawisson Lopes. Recebe apoio financeiro da agência de fomento de Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal, CAPES.

2

INTRODUÇÃO

O presente artigo faz um breve retrospecto da história da Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura. Como será demonstrado nas próximas seções a organização surge em meio a um com texto em que predomina o conflito ideológico entre Estados Unidos e a antiga URSS. Nesse contexto de surgimento de várias instituições os EUA se mostram como um importante ator na construção e influência das concepções criadoras da instituição. As influências das idéias estadunidenses que deram origem à agência internacional se mantiveram ao longo da história da UNESCO sofrendo adaptações a partir dos interesses defendidos por esse Estado Membro. Desde o início, tem-se valores do Estado norte-americano exercendo força sobre as decisões e programas políticos a serem implementados no Brasil. Desse modo, o que se apresenta em seguida é uma construção a partir apresentação e surgimento da UNESCO em 1945, acompanhado dos valores e políticas globais que a instituição se propunha a desenvolver desde sua criação. Além disso, realiza-se um estudo da estrutura organizacional interna que podem fornecer indícios e caminhos pelos quais EUA podem causar um impacto negativo ou ainda, limitar ações que a UNESCO almeja desenvolver. Em sequência se apresenta uma reflexão a partir de argumentos teóricos que explicam a delegação de autoridade às OI’s e que podem justificar o interesse da representação estadunidense na Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Após essa reflexão, desenvolve-se a argumentação do estudo de caso EUAUNESCO, a partir do rastreamento de processo, acompanhada de análise de discursos e documentos publicados pela instituição principalmente nos anos de 2000 a 2013. Como poderá ser observado tal seção traz questões interessantes sobre o atual cenário da agência internacional, como a Crise financeira que UNESCO vem sofrendo desde o ano de 2011. É sobre essa panorama que se constrói o artigo que se inicia, acredita-se, ainda que tal estudo de caso poderá trazer contribuições relevantes para se refletir a participação dos Estados Unidos nas Agências multilaterais como um todo.

3

A UNESCO “Como as guerras se iniciam nas mentes dos homens e mulheres, é na mente desses que as defesas da paz devem ser construídas” (Preâmbulo Constituição da UNESCO, 1945)

Com a defesa do ideal de que “a paz deve ser estabelecida com base na solidariedade intelectual e moral da humanidade3” surge a UNESCO com a finalidade de responder à firme convicção das nações de que os acordos políticos e econômicos não são suficientes para construir uma paz duradoura. Criou-se uma instituição destinada a construir redes entre as nações que pudessem reduzir as assimetrias existentes entre os países e diminuir a incerteza sobre a cooperação entre os mesmos. Dentre os propósitos defendidos pela UNESCO podem ser identificados: a mobilização para a educação para que cada criança, menino ou menina, possa ter acesso a uma educação de qualidade como um direito humano fundamental e como prérequisito para o desenvolvimento humano; a construção de uma compreensão intercultural: através da proteção do patrimônio e apoio à diversidade cultural4; a proteção da liberdade de expressão entendida pela UNESCO como uma condição essencial para a democracia e para o desenvolvimento da dignidade humana. Além disso, a UNESCO também visa criar políticas para incentivar a cooperação científica: como, por exemplo, os sistemas de alerta precoce para tsunamis ou acordos de gestão de águas transfronteiriças, para fortalecer os laços entre as nações e sociedades. Assim o objetivo da UNESCO era de criar políticas holísticas capazes de lidar com as dimensões sociais, ambientais, econômicas e também com o desenvolvimento sustentável (UNESCO, 2011). De acordo com a Constituição da UNESCO de 1945

por esses motivos os Estados Partes desta Constituição, acreditando em oportunidades plenas e iguais de educação para todos, na busca irrestrita da verdade objetiva, e no livre intercâmbio de idéias e conhecimento, acordam e expressam a 3

Do original: Peace must be established on the basis of humanity´s moral and intellectual solidarity (UNESCO.ORG) 4

UNESCO criou a idéia do Patrimônio Mundial para proteger as regiões de valor universal (UNESCO.ORG)

4

sua determinação em desenvolver e expandir os meios de comunicação entre os seus povos, empregando esses meios para os propósitos do entendimento mútuo, além de um mais verdadeiro e mais perfeito conhecimento das vidas uns dos outros. Em conseqüência, eles, por este instrumento criam a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, com o propósito de fazer avançar, através das relações educacionais, científicas e culturais entre os povos do mundo, os objetivos da paz internacional, e do bem estar comum da humanidade, para os quais foi estabelecida a Organização das Nações Unidas, e que são proclamados em sua Carta (CONSTITUIÇÃO UNESCO, 1945, p.2).

Desta maneira os Estados membros cooperam no sentido de promover políticas relacionadas à Educação, Ciência e Cultura. Cabe ressaltar que essas áreas se subdividem em inúmeras frentes de atuação. A UNESCO trabalha, portanto, com uma agenda complexa, pois, tenta incorporar os novos desafios globais de desenvolvimento e sustentabilidade em meio a pauta dos programas que serão desenvolvidos, (UNESCO, 2013b). Dentre os projetos atualmente desenvolvidos pela UNESCO, tem-se a ação de Salvaguardar e Compartilhar Culturas, nesse escopo, recebe destaque dentre outros o projeto de Patrimônio Mundial, que por meio da cooperação busca proteger o Patrimônio Natural e incentiva políticas e práticas de conservação almejando facilitar o desenvolvimento local aliado à preservação. Outra importante frente de atuação da UNESCO se relaciona a Salvaguardar nosso Planeta, por meio do qual se desenvolvem projetos como, por exemplo: Educação para o Desenvolvimento Sustentável, que busca integrar valores e práticas relacionados à sustentabilidade em diversos aspectos da educação e aprendizagem. Ademais, têm-se os projetos que visam Compartilhar os Conhecimentos, como por exemplo, via Cátedras UNESCO que disponibilizam inúmeros canais para a cooperação universitária internacional, no nível Norte-Sul e SulSul e atuam na tentativa de estabelecer pontes entre os pesquisadores e os encarregados da elaboração das políticas, (UNESCO, 2011).5. Importante ressaltar que todas as diretrizes traçadas pela UNESCO são estabelecidas a partir dos órgãos internos que discutem e votam as metas e programas a

5

Cabe ressaltar, que dentro dessas frentes existem várias outras ações sendo executadas pela UNESCO, não obstante, não serão aqui discutidas A UNESCO propõe 65 Ações da UNESCO em favor de todos os países do Mundo que podem ser encontrados em: Acesso em 17/08/2014.

5

serem alcançados. Nesse âmbito todos os Estados-Membros, com direito de voto6, podem manifestar suas preferências na Conferência Geral, órgão institucional que será descrito em sequência. A UNESCO, bem como grande parte das instituições, funciona como uma organização burocrática que demanda várias instâncias para de fato consolidar uma decisão. Tendo em vista a importância dessas instâncias, destina-se uma seção para explorar a estrutura interna da Organização, a fim de demonstrar como cada órgão influencia no processo de decisão e como os Estados membros mais influentes podem interferir nesse processo.

Estrutura interna

Constituiu-se em 1945 uma organização internacional composta por Estados do ambiente internacional e que seria organizada principalmente por três órgãos, sendo eles: a Conferência Geral, o Conselho Executivo e a Secretaria. A Conferência Geral é composta pelos representantes dos Estados Membros e tem como função principal determinar as principais políticas que serão adotadas e os trabalhos que serão desenvolvidos, esse órgão fica encarregado de eleger os membros do Conselho Executivo e se responsabiliza pela indicação do Diretor Geral (CONSTITUIÇÃO UNESCO, 1945)7. Atualmente a Conferência Geral é composta por 195 membros e 9 membros associados8 No tocante ao Conselho Executivo a Constituição de 1945 prevê que essa será constituída por cinqüenta e oito Estados membros e poderão ser reeleitos ao término de seu mandato9, dentre as funções do Conselho Executivo estão a preparação para a agenda da Conferência Geral, a execução do programa adotado pela Conferência Geral e a recomendação à Conferência Geral para a admissão de novos Estados membros (CONSTITUIÇÃO UNESCO, 1945) Atualmente EUA é um membro do Conselho Executivo, e tal mandato terá duração de dois anos, isto é, de 2013 a 2015. 6

Os Estados- Membros plenos da instituição tem o direito de voto na Conferência Geral, não obstante, desde 2013, EUA e Israel não tiveram seus direitos de votos vetados por Irina Bokova, Diretora Geral da Instituição em função do reconhecimento da Autoridade Palestina como Membro Pleno da UNESCO. 7 Artigo 3 e 4 da Constituição da UNESCO de 1945 8 Listagem de países membros e membros associados disponível em anexo e separada por grupos de do Conselho Executivo. Disponível também em: 9 Membros do Conselho executivo http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/GBS/SCX/pdfs/Table_2013-2015.pdf

6

O terceiro importante órgão na composição da UNESCO é a Secretaria formada por um Diretor Geral, nomeado pelo Conselho Executivo e funcionários que deverão auxiliar o Diretor Geral. Dentre as características da Secretaria pode-se destacar que o Diretor Geral deve participar de todas as conferências sem direito a voto, deverá formular propostas de ação e apresentar ao Conselho Executivo, e deverá elaborar relatórios

periódicos

acerca

das

atividades

realizadas

pela

Organização

(CONSTITUIÇÃO UNESCO, 1945). Atualmente, Irina Bokova de nacionalidade búlgara, assume a Diretoria Geral a qual se estenderá até 2017 em função de sua reeleição em dezoito de novembro de 2013 (UNESCO, 2013b). Essa estrutura organizacional permite afirmar que o processo decisório na UNESCO é influenciado não somente pelos indivíduos que compõe a Secretaria, mas também pelos Estados Membros nas eleições majoritárias. Isto é, existem articulações internas dentro da instituição entre os Estados-Membros que visam assegurar interesses e propósitos específicos de cada participante da instituição. Desse modo pode-se falar na criação de coalizões internas na Conferência Geral para garantir que os votos da Conferência sejam capazes de assegurar a implementação de determinadas políticas (SATHYAMURTHY,1964). Nesse caso, cabe citar, a articulação entre os países latinoamericanos, e o eixo Sul global10, que vem buscando dentro da UNESCO defender os interesses nacionais em relação à educação, ciência e expandir a idéia de compreensão intercultural Deve-se sublinhar que cada país busca assegurar seus interesses dentro da instituição, países latino-americanos juntamente com a França defendem políticas relacionadas à ampliação dos direitos democráticos e uma melhor compreensão intercultural. Estados Unidos desde a criação da UNESCO tem-se esforçado duplamente no sentido de “utilizar a UNESCO como uma plataforma, tanto para a promoção de sua ideologia política, quanto para a canalização de ajuda técnica para os países

10

Os Brics tem-se articulado fortemente dentro da UNESCO na busca de garantir que os valores defendidos pela instituição caminhem para uma distribuição mais homogênea entre os mesmos. Mais informações sobre esse assunto podem ser acessadas em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/aboutthis-office/singleview/news/unesco_and_brics_ministers_of_education_agree_on_basis_for_enhanced_cooperation/#.U_w 389Eg_IU Último acesso: 26 /ago/2014

7

subdesenvolvidos”11, (SATHYAMURTHY, 1964, p. 92). Sobretudo, acerca da influência estadunidense na instituição que se concentra esse estudo. Quando se analisa o histórico da UNESCO encontram-se inúmeros eixos capazes de estabelecer tal conexão, quando se ao se observar a organização interna, identificam-se alguns pontos que sinalizam a proeminência estadunidense entre os demais países membros. Ou seja, diferentemente dos demais países membros os EUA foram o único Estado que teve dois Diretores Gerais ao longo da história da UNESCO. Isto é, em meio a dez Diretores Gerais dois foram representantes dos Estados Unidos e os demais são de representações distintas entre si. Os Diretores estadunidenses que assumiram a Diretoria da UNESCO foram Luther Harris Evans, de 1953 a 1958, e John Wilkinson Taylor, que assumiu a diretoria por um curto período de tempo de 19521953, antecedido pelo mexicano James Torres Bodet (1948-1952) (MAUREL, 2013). De acordo com Coate, 1988, pode-se dizer de maneira simplificada “que os três órgãos, Conferência Geral, Conselho Executivo e Secretaria são muito vulneráveis ao escritório do(a) Diretor(a) Geral, se não, também à personalidade do(a) mesmo(a)”. (COATE, 1988, p. 47). Ademais, o(a) Diretor(a) Geral é privilegiado em três aspectos: informação, pessoal, e finanças. Ou seja, as responsabilidades de escrever relatórios, sintetizar temas da agenda, contratar e alocar pessoal de maneira que possa contribuir com a integridade e eficiência da instituição, além de ter controle sobre todos os recursos financeiros fica sob a responsabilidade da Diretoria Geral, (COATE, 1988). Desse modo, ao considerar a arquitetura interna da UNESCO, a ocupação da diretoria por dois estadunidenses em período próximo, não pode ser entendida como algo meramente simbólico. Ainda acerca da representação de Evans, identificou-se a presença do ex-diretor como membro influente no Conselho Executivo, tanto indiretamente, (antes de 1949) como diretamente (a partir de 1949) como pode ser observado em: “ele foi um conselheiro para a delegação dos EUA desde a segunda até a sétima sessão da Conferência Geral da UNESCO e representou os EUA no Conselho Executivo da UNESCO entre 1949 e 1953”

11

12

(MAUREL, 2013, p.2). A partir dessa

Do original: “The United States, for example, has sought to use the UNESCO platform both for the promotion of her political ideology, and for the channelig of technical and educational AID to underdeveloped countries” (SATHYAMURTHY, 1964, p.92). 12 Do original: He was an adviser to the US delegation from the second to the seventh session of UNESCO’s General Conference and represented the US in the UNESCO Executive Board between 1949 and 1953 (MAUREL, 2013, p. 2).

8

exposição, investigam-se possíveis motivações que podem fomentar o interesse estadunidense na instituição, como será tratado na próxima seção. RELAÇÃO EUA – UNESCO SOB A PERSPECTIVA DO MODELO AGENTE PRINCIPAL

A Delegação de responsabilidades às Agências Internacionais

Quais seriam as razões capazes de explicar os interesses dos EUA em delegar autoridade e responsabilidades às Organizações Internacionais? Os objetivos principais estão relacionados às motivações que levam os Estados a agirem por meio de uma terceira parte e não agirem unilateralmente ou cooperarem diretamente com outros Estados. Um ponto de destaque nessa discussão consiste no modo pelo qual os Estados agem para controlar a autoridade uma vez delegada às organizações internacionais. De maneira geral isso diz respeito aos mecanismos e estratégias estatais utilizados para assegurar que as OI’s estarão comprometidas a cumprir com os interesses Estatais. Dessa maneira, tem-se um cenário em que os Estados passam a criar não somente regras para o ambiente internacional, mas também atores capazes de perseguirem os interesses dos mesmos. Em que pese a autoridade legal assegurada pelos Estados, as OI’s surgem como atores políticos no espaço internacional e como tal se propõem a perseguir seus próprios interesses, o que pode por vezes iludir os objetivos estatais e comprometer a relação das duas partes, devido à heterogeneidade de preferências que se estabelece. As OI’s seriam, então vistas como atores independentes por si só que agem estrategicamente com Estados e entidades corporativas. De acordo com Tierney. et. al, 2006 as OI’s são importantes na redução dos custos de transação e na credibilidade. Ou seja, as OI’s reduzem custos tanto financeiros, temporais, dentre outros que poderiam advir de negociações uni ou bilaterais, além de representarem uma maneira mais segura de se estabelecer transações internacionais, por auferirem maior credibilidade entre os Estados - Nação. Ademais, agentes são capazes de interpretar e reinterpretar regras, isto se deve ao fato de que geralmente os principais delegam tarefas limitadas aos agentes por um tempo restrito, assim, agentes buscando por delegação adicional tendem a interpretar, ou reinterpretar regras a fim de ampliar essa delegação.

9

Como visto, os Estados delegam tarefas às OI’s que podem vir a ser ampliadas em determinadas circunstâncias ou em função da ação estratégica das OI’s. Desse modo, chega-se então ao ponto considerado central para a discussão de delegação de autoridade dos governos às OI’s, que concerne na ponderação entre os benefícios que os governos auferem com a delegação de tarefas às OI’s e a variedade de preferências entre esses atores. De acordo com Tierney. et. al , 2006, a delegação se caracteriza por uma concessão de autoridade condicional, por meio do qual um principal autoriza o agente a agir em seu nome. Como “Eleitores delegam aos políticos, legisladores delegam aos representantes partidários, e Estados - Nação delegam às organizações internacionais13” (TIERNEY et. al., 2006, p. 44). O qual adquire essa autoridade por tempo e espaços ou áreas limitadas, isto é, essa autoridade pode ser revogada pelo principal quando assim lhe perceber pertinente. Nessa estrutura em que Estados são considerados o principal e OI’s os agentes que recebem autoridade para agir em nome dos Estados constitui-se o quadro teórico do Agente-Principal, que aqui será também caracterizado por PA, em função da nomenclatura do inglês Principal - Agent utilizada por Tierney et. al. 2006, o qual é utilizado para delinear a interação estratégica estabelecida entre esses dois atores. Essa relação assume algumas características como, por exemplo: relações sempre governadas por um contrato, ainda que este acordo esteja implícito, isto é, formalmente não reconhecido, ou informal, baseado em um contrato, escrito. Assim, agentes recebem concessão de autoridade condicional de uma entidade, todavia, essa característica não implica que os agentes sempre estarão dispostos a fazer o que os principais requerem, (TIERNEY et. al. 2006). Embasado nessas duas características, tem-se uma situação de cooperação, a qual nesse caso poderia ser definida como um ajuste mútuo de políticas entre os Estados que optam ou não por delegar autoridade a uma OI, (KEOHANE apud TIERNEY et. al. 2006). A delegação é estabelecida, portanto quando os custos de estabelecer relações com agentes especializados são mais benéficos ao de se estabelecer relações com um único Estado.

13

Do original: “Voters delegate to politicians; legislators delegates to party leaders, nation states delegate to international organizations13” (TIERNEY et. al. 2006, p. 44).

10

Ainda que em determinado dilema a cooperação venha a falhar devido a problemas de informação, Estados podem também “ganhar” pela delegação aos agentes para monitorar o comportamento de outros e fornecer informações sobre as diferentes soluções políticas. Nesse caso destaca- se que o multilateralismo se mostra uma alternativa plausível para reduzir as externalidades políticas devido ao fato de agências multilaterais trabalharem supostamente de maneira mais eficaz na prestação de informações especialmente no que tange à capacidade de acompanhar e monitorar o receptor da ajuda externa que é enviada por diferentes Estados (TIERNEY et. al. ,2006). Pode se ainda falar em um segundo benefício, o de tomar decisões coletivas, collective decision- making. Estados podem também delegar às OI’s quando se vêm em situações de problemas de ação coletiva. Isso ocorre quando Estados não conseguem alcançar acordos políticos, nesse caso eles podem delegar poder de agenda para um agente induzir um equilíbrio. Isto é, um padrão para solucionar problemas de escolha coletiva em políticas domésticas que podem refletir um poder considerável de influenciar agenda (TIERNEY et. al. 2006). Além desses argumentos apontados acerca da delegação às OI’s, Tierney et. al 2006, trata do benefício caracterizado como lock in e criação de viés político, se refere ao panorama em que se têm ganhadores e perdedores, ou seja, toda decisão política implica que sempre existirá um ganhador e um perdedor,não obstante a incerteza política pode fazer com que um ganhador hoje se torne um perdedor amanhã. Nesse caso, principais que desfrutam de maior poder, buscam assegurar que os mandatos serão elaborados com a cautela necessária e que dificilmente as regras de votação que podem garantir o domínio daqueles que detêm o poder sejam comprometidas, (TIERNEY et. al. 2006). Esse último aspecto ainda não elucidado por outros estudiosos da área supõe uma projeção de poder dos principais mais poderosos aos agentes, a fim de assegurar interesses próprios dentro das instituições. De acordo com Borges, 2004, Estados com maiores capacidades como, por exemplo, EUA seriam capazes de influenciar consideravelmente as diretrizes a serem seguidas pelas OI’s, isso se diz, principalmente, em função do comportamento desempenhado por Estados como, por exemplo, por meio da ameaça de saída ou baixa lealdade às OI’s. Isto é, o que Tierney et al apontam como viés político pode também ser visto como uma possibilidade de alteração do comportamento institucional ou enfraquecimento de uma OI. 11

Por fim, o que se buscou brevemente apresentar foram algumas razões que levam os Estados a delegarem autoridade e tarefas às OI’s enquanto atores autônomos no ambiente internacional capazes de criar regras e propor soluções para problemas, e a relação que se estabelece entre os principais, Estados - Nação, e os agentes, as OI’s. Em sequência apresenta-se um breve histórico da relação EUA-UNESCO, buscando enfatizar nesse histórico o processo de delegação de responsabilidades à instituição e a influência estadunidense nesse processo. A RELAÇÃO EUA- UNESCO

As Influências ideológicas na instituição

Ao se perscrutar tal relação EUA-UNESCO, chega-se à questão de porque uma organização para Educação, Ciência e Cultura pode ser tão importante para tal país? Ou em outras palavras, qual a relevância de tal instituição para o Estado norte-americano? Essas questões motivam o debate dessa seção e buscam trazer explicações que vão para além do objeto de estudo EUA-UNESCO. Ao se investigar as raízes da relação EUA-UNESCO identifica-se desde o início a participação estadunidense no projeto que daria origem à instituição. Os primeiros esforços em busca de uma coordenação da educação no nível internacional são datados de 1944 a partir de iniciativas Britânicas. O projeto britânico previa a construção de uma Organização Internacional para Educação a partir da Conferência de Ministros aliados para a Educação, do inglês, Conference of Allied Ministers of Education, CAME. Nesse mesmo ano, 1944, uma delegação estadunidense foi enviada para participar da Conferência. A princípio as idéias britânicas tinham mais destaque e se mostravam mais bem articuladas em relação aos interesses estadunidenses sobre a possível instituição. Em 1945 o projeto britânico de dar origem a uma Organização Internacional para Educação, se consolida sobre a forma de Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Em meio às diversas reuniões e Conferências reuniam-se predominantemente britânicos, franceses e estadunidenses, podendo esses serem vistos como as nacionalidades que conceberam as ideais iniciais de tal organização. Embora se tenha o pensamento de três nacionalidades diferentes na concepção da UNESCO, nota12

se uma tradição de predominância, e aceitação de ideais “estadunidenses” desde o início, de acordo com Coate, 1988, “muitos participantes da CAME do Reino Unido rapidamente acomodaram as sugestões dos EUA14”, (COATE, 1988, p. 28). De acordo com Maurel 2005, os EUA exerceram uma grande influência na nova instituição – Roosevelt se esforçou de diversas formas para a criação de uma nova organização internacional dedicada à manutenção da paz e segurança. A delegação dos EUA na CAME e na Conferência constitutiva se mostrou muito dinâmica e ativa. Dirigida pelo Senador W. Fulbright. As concepções que eles desenvolvem estavam ancoradas principalmente na reconstrução da educação e da cultura, com foco na reconstrução da educação das massas. A insistência dos EUA na reconstrução de países devastados pela guerra pode ser explicada pelos interesses políticos e econômicos (MAUREL, 2005). Não se destaca aqui todo o histórico que dera origem à instituição, no entanto, é de relevância destacar que concepções anglo-saxãs marcaram profundamente as orientações dadas à UNESCO no que tange à reconstrução, a necessidade das massas, em particular, a educação popular, que se consolidaram como um dos maiores pilares da organização herdada da tradição britânica (MAUREL, 2009), e a importante participação da França, a qual se tornou o país sede da UNESCO, em função da sua tradição cultural marcada por uma tendência à universalidade e à tradição de defesa da liberdade, herança histórica dos tempos que remontam a Revolução Francesa (MAUREL, 2009)15. Assim em 1945 foi fundada a Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura cujo principal argumento defendido era:

(...) uma Paz baseada exclusivamente em arranjos políticos e econômicos dos governos não será capaz de garantir o apoio unânime, duradouro e sincero dos povos do mundo e que, portanto, a paz para não falhar precisa ser fundamentada na solidariedade intelectual e moral da humanidade” (CONSTITUIÇÃO DA UNESCO, 1945, p.2).

Embora a organização tenha sido gestada e ainda assuma fortemente traços europeus, a UNESCO sofreu e sofre fortes influências das ideologias estadunidenses. 14

Do original: “… most of the CAME participants, including those from the United kingdom, readily accommodated the U.S suggestions”(SEWELL, 1975, p. 64 apud COATE, 1988, p. 28). 15

Grifo próprio a partir de Maurel, 2010

13

Além dos eventos relacionados às concepções criadoras da UNESCO, outro evento importante no tocante à Relação EUA-UNESCO se refere à saída dos EUA no ano de 198316 como se pretende demonstrar na próxima seção.

O impasse da década de 1980

A década de 80 é de grande relevância, pois, retrata novamente a influência dos EUA sobre a instituição. É desse período que se registra a retirada dos EUA da Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura. Cumpre sublinhar, que a saída estadunidense é marcada pelas influências ideológicas do período, isto é, o cenário da Guerra Fria justificou tanto o interesse dos EUA na consolidação da UNESCO e 1945, como também reuniu razões para a saída desse Estado em 1983. No cenário da Guerra Fria a criação de organizações internacionais simbolizou para os EUA uma via para ampliar o poderio ideológico no cenário internacional, principalmente para os países em desenvolvimento. A expansão da lógica capitalista e consumista defendida pelos EUA aliados à difusão dos ideais do American Way of life que se baseavam, sobretudo, na defesa de uma democracia liberal, e igualdade de direitos humanos na esfera internacional reforçavam os interesses do Estado norteamericano de expandir seu poderio às diversas Organizações Internacionais. Se o cenário estava então permeado pelo conflito entre EUA e URSS, e ideologias capitalistas e socialistas, a inserção dos EUA em uma instituição como a UNESCO possibilitaria um avanço dos ideais liberais democráticos e capitalistas em escala global. Como mencionado anteriormente, desde a gênese organizacional questões relacionadas à preservação e incentivo da diversidade por meio da agenda cultural foram fomentadas. Nesse sentido a indústria de filmes de Hollywood e músicas “americanas” sendo vistos e ouvidas, respectivamente, pelo mundo todo foram protagonistas dessa influência, (SCHAEFER, 2011). Na década de 1980, portanto, tem-se uma crise na relação EUA – UNESCO sinalizada a partir dos conflitos ideológicos do cenário no nível institucional. Desde meados da década de 70 EUA vêm sinalizando descontentamento. Em 1974, UNESCO

16

Cabe ressaltar ao leitor que não se buscou traçar uma linha cronológica evidenciando todos os eventos da longa relação EUA/ UNESCO. A cronologia estabelecida se faz a partir de marcos históricos que evidenciam e aclaram a relação e as influências diretas dos EUA na instituição internacional.

14

reconheceu a Organização para a Libertação Palestina e condenou o Estado de Israel em função da suspensão da ajuda cultural que deveria ser destinada aos territórios ocupados por palestinos e que havia sido suspensa. Na década de 80 o relatório de Mac Bride17 identificou problemas na estrutura de comunicação internacional e, particularmente no fluxo de informações, especificamente, no seu acesso e controle (FRAU-MEIGS, 2011). Interessante ressaltar que EUA foi um dos países que mais interveio nas áreas de comunicação e informação devido ao controle maciço nos recursos relacionados às tecnologias de informação. Desde a sinalização dos problemas dessa área foram feitas propostas para se aperfeiçoar os serviços dessas áreas. Não obstante, sob o contexto de Guerra Fria e possibilidade de que as informações se tornassem mais transparentes e sob menor domínio da influência estadunidense, EUA recearam a ameaça do avanço comunista. Em 1983, portanto, EUA ameaçaram sair da instituição. Em 1984, após inúmeras reuniões e discussões sobre possibilidade de se reformar a instituição e rever as políticas relacionadas ao melhoramento dos setores de informação e comunicação, EUA se retiram da UNESCO e só retornaram nos anos 2000. Embora a representação estadunidense tenha declarado seu efetivo egresso notou-se entre 1984 - 2000 a presença de um grupo de observadores com a finalidade de controlar as atividades e as decisões tomadas pela direção da UNESCO em Paris (FRAUG- MEIGS, 2011). A saída dos EUA evidenciou algumas questões, como por exemplo, em primeiro lugar a nítida defesa dos ideais capitalistas e valores defendidos pelo país; decorrente dessa proposição tornou-se mais clara a noção de que a UNESCO é uma importante plataforma utilizada pelo governo estadunidense para se propagar valores e ideologias que podem alcançar escala mundial. Por fim, decorrente das premissas anteriores, as tentativas de reestruturação e a reforma institucional resultante do egresso da representação dos EUA podem ser compreendidas como uma tentativa de se reorganizar a instituição de maneira a favorecer a permanência desse ator na organização internacional.

O período de 2000 a 2013

17

Informações sobre o Relatório MacBride de 1983 e os desafios da Comunicação: http://sinus.org.br/2012/wp-content/uploads/05-AC.pdf Acesso: 31/08/2014

15

Após quase duas décadas afastados da instituição, tem-se nos anos 2000, uma demonstração de interesse estadunidense de retornar à UNESCO. A partir dos atentados terroristas de 2001 os EUA buscaram por diferentes vias assegurar que as políticas contrárias ao terrorismo pudessem ser ouvidas em âmbito internacional. É nesse cenário em que as políticas de contenção do terrorismo são incorporadas à agenda de política externa que a UNESCO se torna novamente uma organização substancial aos olhos do Estado norte americano. Se antes a política externa tinha focos como economia ou desenvolvimento, a partir de 2001 tem-se o foco na segurança nacional. Diante desse desejo manifesto a partir do então presidente Republicano, George W. Bush tem-se uma tentativa de ajustar os interesses e preocupações Estatais dentro da Agência Internacional. Em 2002, por conseguinte, sob a direção de Koischiro Matsura, o qual esteve na Direção Geral da UNESCO de 1999 a 2009 anteviu a possibilidade de congregar os interesses estadunidenses afim de que tal Estado pudesse retornar à instituição. Os interesses defendidos pela representação estadunidense estavam em conformidade com os objetivos e metas apresentados por Bush em 2003, que será destacado em seguida. Como declarou George W. Bush, em 12 de setembro de 2002, “a organização passou por reformas e os EUA vão participar integralmente nesta missão de avanço dos direitos humanos, tolerância e aprendizado18”, (WANNER, p.29, 2005). Em 2003, EUA já estavam reinseridos à instituição e já haviam retomado o financiamento que ficara suspenso ao longo dos anos que esteve alheio à instituição. No mesmo ano de regresso , George W. Bush apresentou seu primeiro plano Estratégico, cujo vigor se aplicara de 2004-2009, e estava fundamentado na Estratégia de Segurança Nacional (AYERBE, 2009). Dentre as metas propostas por Bush que denotam a preocupação com a segurança temos:

Quadro 1: Plano Estratégico do Governo Bush para o período de 2004-2009 Objetivos estratégicos

Metas estratégicas

Atingir a Paz e a Segurança

- Estabilidade regional: prevenir e resolver conflitos regionais e locais para preservar a paz e minimizar os dados para os

18

Tradução livre do original: This organization has been reformed and America will participate fully in its mission to advance human rights, tolerance and learning. (WAGNER, 2005, p. 29)

16

interesses nacionais dos Estados Unidos. - Antiterrorismo: prevenir ataques contra os Estados Unidos, seus aliados e seus amigos, e fortalecer alianças e acordos para derrotar o terrorismo global. - Segurança nacional: proteger a nação intensificando a segurança de suas fronteiras e sua infraestrutura. -Armas de destruição em massa: reduzir a ameaça das armas de destruição em massa para os Estados Unidos, seus aliados e seus amigos. -Crime internacional e drogas: minimizar o impacto do crime internacional e das drogas ilegais sobre os Estados Unidos e seus cidadãos. -Cidadãos americanos: assistir os cidadãos americanos em suas viagens, negócios e dar-lhes segurança em sua vida no exterior. Promover o entendimento internacional

- Diplomacia e obrigação pública: ampliar o entendimento sobre os valores americanos, as políticas e as iniciativas para criar um receptivo ambiente internacional.

Fonte: Adaptado a partir dos dados disponíveis em AYERBE, 2009, p. 59.

Acima se têm algumas das inúmeras metas elencadas pelo governo Bush para lidar com as questões de Segurança Internacional é observado, manifestamente, a preocupação com a Segurança Nacional de maneira mais intensa quando comparado a períodos anteriores, e, especialmente com a questão terrorista entremeando as discussões políticas estadunidense. Diante desse contexto, o interesse dos EUA em retornar à instituição se concretizou em conformidade com o Plano Estratégico apresentado por George W. Bush em 2003. Em outras palavras:

17

a guerra contra o terrorismo demandou esforços combinados de muitas agências governamentais para defender os interesses dos Estados Unidos e de seus aliados. A estratégia de combate expressa na meta do Antiterrorismo prevê a utilização da diplomacia para identificar e desmantelar as organizações terroristas de alcance global; ampliar as capacidades de resposta dos Estados ao terrorismo; diminuir as contradições subjacentes ligadas ao terrorismo (U.S.D.S, 2003, p.9-10 apud AYERBE,2009, p. 60).

Nesse sentido, alguma das mudanças observadas na UNESCO nesse período de regresso parecia estar em consonância com as metas e objetivos estratégicos propostos pelos EUA no Strategic Plan de 2003. Dentre essas, pelos menos duas alterações evidenciaram um favorecimento, como por exemplo: A adaptação no discurso de políticas contra o terrorismo com vistas à construção da paz na mente dos homens e mulheres. No que tange a esse aspecto, cabe ressaltar, que a UNESCO desde sua criação defende que a instituição se destina a instigar a construção de vias para paz a partir da mente humana, em contraposição à criação da guerra na mente da humanidade. O termo Guerra, geralmente utilizado nos documentos da UNESCO é nesse contexto alterado para terrorismo. O segundo aspecto também concernente à questão do terrorismo estava fundamentado na agenda cultural. Por meio dessa, propunha-se a conexão dos programas culturais da UNESCO às políticas contra o terrorismo, isto é, a organização atuaria como difusora de valores que evidenciassem a contenção do terrorismo, interesse, antes de tudo, dos Estados Unidos. Desde os anos de 2003 até 2011 a UNESCO trabalhou com um nível elevado de capital recebendo mais de 20% de seu orçamento regular dos EUA. A partir dos relatórios orçamentários de 2004 a 2011 observou-se a elevação no nível de recursos disponibilizados para a execução de programas, no plano orçamentário do biênio de 2004-2005, por exemplo, os recursos disponibilizados para a execução dos recursos somavam US$ 610,000,00019(UNESCO, 32C/5, 2004), enquanto no plano orçamentário de ano base 2010-2011, notava-se a elevação dos recursos, somando US$ 653,000,00020 a serem destinados para os programas das grandes áreas de Educação, Ciência e Cultura da agência internacional (UNESCO,35C/5, 2010). Contudo, o ritmo crescente do orçamento regular da UNESCO de 2004-2011, começou a declinar a partir do final de 2011, com a entrada da Autoridade Nacional 19 20

Dados da 32th Conferência de Paris 32C/5- Intitulado: Approved Program and Budget 2004- 2005 Dados da 35th Conferência de Paris 35C/5- Intitulado: Approved Program and Budget 2010-2011

18

Palestina, ANP. Cabe ressaltar que a Organização para Libertação Palestina, OLP, teve sua representação reconhecida em 1974, e nesse contexto EUA também suspenderam a ajuda externa destinada à instituição (FRAUG-MEIGS, 2011). A representação mais formal de um Estado embrionário Palestino, a ANP, foi reconhecida como membro pleno da organização, em 2011 e, tal fato afetou a relação EUA-UNESCO. De acordo com as Leis 101-246 e 103-23621 adotadas pela Constituição dos EUA em 1990, é proibido o envio de donativos às agências intergovernamentais que reconheçam a representação Palestina como Estado-Membro da instituição, (SCHAEFER, 2011). Desde então, a UNESCO, vem trabalhando com a redução de custos em função do declínio orçamentário proveniente da suspensão de donativos de EUA, principalmente, e Israel, que também suspendeu suas doações em função do conflito regional com o território Palestino. No Relatório Financeiro de 31 de dezembro de 2012, Financial Report Audited and Consolidated, 2013, Irina Bokova relata que o período financeiro da instituição sofreu o impacto da suspensão de doações de um dos seus maiores contribuintes, e consequentemente, o orçamento foi reduzido em 29% do total, representando um montante de US$ 188 milhões22, (UNESCO Financial Report, 2013, p. 9). Com essa redução orçamentária muitos dos projetos e programas propostos pela instituição foram suspensos ou cancelados, e o fundo de emergência da UNESCO foi ativado na tentativa de se manter alguns dos programas prioritários em andamento. Ainda em decorrência da suspensão da ajuda externa, Irina Bokova suspendeu em 2012 o direito de voto dos EUA e Israel, em função do não pagamento das contribuições. Como demonstrado, na seção em que se discutiu a Estrutura Interna da UNESCO, a suspensão de votos na Conferência Geral implica que à representação Estatal não será permitido manifestar sua posição sobre as novas políticas e decisões a serem 21

Lei 101-246: “No funds authorized to be appropriated by this Act or any other Act shall be avaiable for the United Nations or any specialized agency thereof which accords the Palestine Liberation Organization the same standing as member states”. Lei 103-236 de 1994: “The United States shall not make any voluntary or assessed contribution: (1) to any affiliated organization of the United Nations which grants full membership as a state to any organization or group that does not have the internationally recognized atributes of statehood, or (2) to the United Nations, if the United Nations grants full membership as a state in the United Nation to any organization or group that does not have the internationally recognized atributes of statehood, during any period in which such membership is effective” (In: SCHAEFER, 2011). 22 Tradução e adaptação própria do trecho:The Organization´s operations for the current financial period were significantly impacted by the decision in 2011of the largest contributing Member State to suspend its contribution to the regular budget. Consequently, the budgetary appropriation for the budget period 2012-2013 was reduced by $188 million representing 29% of the total budget of $653 million.

19

implementadas pela UNESCO. Importante destacar que os eventos de 1983 e 2011 são similares, mas no primeiro tem-se uma saída efetiva e manutenção de observadores dentro da instituição, e, no segundo a representação estadunidense continua na organização internacional como membro pertencente ao do Grupo do Conselho Executivo 123, contudo, não cumpre a função de enviar donativos à instituição e por esse motivo teve seu direito de voto suspenso na Conferência Geral.

O atual cenário da UNESCO

Nesse contexto, portanto, a UNESCO vêm buscando se reestruturar a fim de convergir os recursos disponíveis com os projetos demandados pela instituição. A partir da análise de documentos e dos discursos publicados pela atual Diretora Geral, Irina Bokova, entre 2011 e 2013 observou-se inúmeros tentativas de reestruturação da agência internacional. Irina Bokova declarou a possibilidade de uma Reforma na instituição para melhor estruturar os recursos e almejando a manutenção de um orçamento mais equilibrado e menos oscilante ao longo dos anos. Com observado no documento 189 EX/15, expedido pelo Conselho Executivo em 2012 muitas agendas de programas foram afetadas pela redução orçamentária. No que se relaciona à Agenda dos Programas Educacionais, desde a suspensão das doações dos Estados Unidos notou-se uma redução de 31% dos recursos disponíveis para implementação desses. A redução orçamentária significou a redução de custos com Pessoal, ou seja, redução de número de consultores e pessoal qualificado para atender as demandas dos projetos institucionais, ademais, o impacto financeiro representou um declínio de 57% nas atividades relacionadas à área da educação propriamente dita. No que tange às Ciências Naturais , quando comparado ao documento 36C/5, o qual estabelecia os programas e publicava a quantidade de recursos disponibilizados pela instituição no biênio 2011-2012, observou-se também uma redução de 31% dos recursos financeiros, implicando consequentemente na redução de ações que não puderam ser acomodadas pelo orçamento, como é o caso das ações de: Alerta de Tsunamis, Mudanças Climáticas nas áreas Costeiras, Defesa de ações globais e coordenação inter-agências para oceanos e costas na Rio + 20, (UNESCO189 EX/15, 23 23

UNESCO: Composition of the executive board for 2013/2015 by electoral group – Fonte Acesso: 08/07/2014

20

2012). Os programas das áreas de Ciências Humanas e Sociais também foram afetados pelo aviltamento financeiro em 31%, como também os programas relacionados à Cultura que foram reduzidos em cerca de 30%, o que implicou na restrição das inúmeras ações a serem executadas por essas áreas principais. De maneira esquemática temos:

Quadro 2:Impacto decorrente da Redução Orçamentária Área de Atuação

Recursos

disponíveis

Recursos

disponíveis

Redução

em 2011 em dólares

em 2012

(US)

em dólares (US)

Educação

$ 115,4 milhões

$ 79,3 milhões

31%

Ciências Naturais

$40,4 milhões

$ 27, 9 milhões

31%

$29,1 milhões

$20,1 milhões

31%

$51,9 milhões

$36,3 milhões

30%

$31,9 milhões

$22 milhões

31%

Ciências

Sociais

e

em

percentual

Humanas Cultura Informação

e

Comunicação *Elaboração própria a partir dos dados disponibilizados em UNESCO 189 EX/15, 2012.

O que se observa, portanto, em função da atual crise financeira é uma redução geral dos custos da organização seja com as questões administrativas, seja com os projetos a serem difundidos ao redor do mundo. Nesse tocante, a proposta da UNESCO de ser uma difusora de princípios e políticas sociais se torna limitada, e muitos dos países membros passam a não receber apoio e incentivos para coordenação de ações no nível local. Nas Ciências Humanas e Sociais, por exemplo, em função das dificuldades orçamentárias algumas prioridades foram estabelecidas. Nesse sentido, no atual biênio, as demandas da África têm sido contempladas as quais têm buscado centralizar os esforços na promoção e desenvolvimento de mulheres e jovens com vistas à inovação social, democracia e a prevenção de violência que atinge grande parte das mulheres desse continente. Embora algumas ações exitosas ainda estejam em andamento, como no caso da África a instituição não têm conseguido dar as respostas às políticas globais planejadas em função da crise que se instaurou desde 2011 devido ao reconhecimento da Autoridade Palestina na organização. 21

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo buscou brevemente sinalizar alguns pontos da influência estadunidense e algumas conseqüências das decisões tomadas unilateralmente por esse ator estatal. Como apontado no contexto de Guerra Fria e na compreensão dos Estados Unidos a UNESCO parecia uma interessante plataforma para difundir os valores e ideais nacionais defendidos por esses àquela época. Não somente na década de 40, como também nos anos 2000, os interesses do estado norte-americano se aclararam na esfera internacional. O recente episódio de 2011 e a resposta estadunidense para tal evento não representam um fato singular na história da UNESCO, nem da política externa dos Estados Unidos. O ano de 1974, em que se teve o reconhecimento da Organização para a Libertação Palestina e o corte de contribuições dos EUA à agência internacional, juntamente com a saída de tal Estado- Membro em 1983 já se mostravam um prenúncio do que poderia vir acontecer décadas à diante caso as políticas da UNESCO fossem em uma direção contrária aos interesses de um dos seus maiores contribuintes. Diante desse quadro identificam-se vários momentos de enfraquecimento institucional que destacam a fragilidade da instituição conectada à baixa lealdade dos EUA enquanto EstadoMembro e principal contribuinte. Seria então a estrutura organizacional orçamentária da UNESCO um dos fatores que impedem o sucesso da instituição? De fato, o orçamento oscilante em função das adversidades globais têm sido um grande problema dentro da organização. Tal fato, agregado ao poder dos maiores contribuintes dentro da instituição para a tomada de decisões tem evidenciado as fraquezas institucionais com as quais a agência sofre. Nesse sentido, após 1983, e após 2011, os Diretores Gerais propuseram reformas a fim de coordenar os esforços com o número reduzido de recursos. A saída de 2011 implicou em uma elevada perda de donativos e significou a redução de inúmeros projetos, desde então Irina Bokova vêm buscando possíveis doadores para ampliar o capital extraorçamentário. Os esforços são muitos, não obstante não se tem o mesmo desempenho institucional quando comparado ao período de 2004 à meados de 2011, momento em que se tinha um montante mais elevados de recursos para gerir a instituição. O que se observa a partir desses fatos é que não somente a UNESCO, mas as agências internacionais embora sendo atores independentes no cenário internacional têm 22

sua autonomia limitada e atrelada aos interesses de um dos seus principais mantenedores. Poderia se pensar então em uma crise no multilateralismo? Talvez, o problema não esteja no multilateralismo, uma vez que as muitas agências internacionais têm se mostrado efetivas nas propostas e tarefas em busca da difusão de políticas globais. Contudo, poder-se-ia pensar na crise da participação estadunidense nas relações multilaterais, como no caso da relação EUA-UNESCO em que a crise dessa relação multilateral evidencia um enfraquecimento das ações e programas da organização.

23

REFERÊNCIAS

AYERBE, Luis Fernando (org.)- De Clinton a Obama: políticas dos Estados Unidos para a América Latina; -(p. 9-50). São Paulo: Editora UNESP: Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, 2009. 260p.

BORGES, Bruno de Moura de- Uma Teoria de Instituições em Declínio: Reavaliando Saída, Voz Lealdade de Hirschman para as Instituições Internacionais. Contexto Internacional, Rio de janeiro- pp 249-286, vol 26, nº 2 jul/dez 2004. Disponível em:

COATE, Roger- Unilateralis, Idelology and Foreign Policy- The United States In and Out of UNESCO- Lynne Rienner Publishers, 1988.

CONSTITUIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO CIÊNCIA E CULTURA, - Adotada em Londres, em 16 de novembro de 1945, e emendada pela Conferência Geral nas suas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 12ª, 15ª, 17ª, 19ª,

20ª,

21ª,

24ª,

25ª,

26ª,

27ª,

28ª

e

29ª

sessões.-

Disponível

em:

http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001472/147273por.pdf Acesso: 20/08/2013

FRAU-MEIGS, Divina- The US´s Return to UNESCO: Relaxation or Hardenind Before the Ghost of MacBride? Quaderns del CAC: Issue 21- 2011.

HAWKINS, Darren G.; LAKE, A. David; NIELSON, Daniel L.; TIERNEY, Michael J.- Delegation and agency in international organizations- University Press, Cambridge 2006

MAUREL, Chloé- EVANS, Luther Harris- Biography- IO BIO, Biographical Dictionary of Secretaries-General of International Organizations, www.ru.nl/fm/iobio11, March 2013- 6 p.- Acesso: 15/11/2013

24

________ Chloé - L'UNESCO AUJOURD'HUI- Presses de Science Po- Vientiégme Siécle. Revue d’histoire, 2009, nº 2. ________ Chloé - L’Unesco de 1945 à 1974 - Thèse de doctorat d’histoire contemporaine préparée sous la direction de M. Pascal Ory - Volume 1- Ecole doctorale d’histoire de Paris I, Juin 2005 SCHAEFER, Brett D.- What Palestinian Membership Means for UNESCO and the rest of the United Nations- Published by the Heritage Foundation- N 2633 December 12, 2011.

SATHYAMURHTY, T. V- The Politics of International Cooperation- Contrasting Conceptions of UNESCO. Travaux de Droit D’ Économie, de Sociologie et de Sciences Politiques-Gèneve Libraire Droz, 1964. WANNER, Raymond E. -THE UNITED STATES AND UNESCO: Beginnings (1945) and New Beginnings (2005)

UNESCO- UNESCO Executive Board- http://www.unesco.org/new/en/executiveboard/members/ (Último acesso: 06/07/2014) ________ Approved Programme and Budget 2004- 2005- General Conference 32th Session Paris, 32C/5, 2003. ________ Approved Programme and Budget 2010- 2011- General Conference 35th Session Paris, 35 C/5, 2003. ________ Financial Report Audited and Consolidated For the Year Ended in 31 December 2012, Published in 2013. ________ 189 EX/15- Part 1-Financial Situation of the Organization and its Implications for the implementation of the Document 36 C/5, Paris, February, 2012. ________ 65 Ações da UNESCO em favor de Todos os Países do Mundo, UNESCO, Paris, 2011. ________ Programa da UNESCO no Brasil 2013-2015, UNESCO, Brasília, 2013(b).

25

Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.