(2014) (&Carlos A.M.Gouveia) Análise do Discurso: leituras funcionais, semióticas e interacionais. Lisbon: BonD/ILTEC.

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Descripción

Alexandre, M.F. e C.A.M. Gouveia (2015), Introdução In M.F. Alexandre e C.A.M. Gouveia (eds.), Análise do Discurso: leituras funcionais, semióticas e internacionais, pp. 7-11. Lisboa: ILTEC, BonD.

O presente volume é constituído por sete capítulos produzidos por autores diversos, cada um deles sobre uma temática particular dentro das relações entre a língua e a sociedade. Trata-se de textos que, à partida, partilham, se não filiações teóricas precisas, pelo menos enquadramentos e abordagens gerais sobre a natureza da língua e da sua concretização em textos, mesmo quando se centram em temáticas e objetos distintos dentro da problemática das referidas relações entre língua e sociedade. Embora grande parte dos textos siga o quadro teórico da linguística sistémico funcional de M. A. K. Halliday ou de quadros teóricos seus derivados - como a semiótica social e a análise crítica do discurso - e sendo uns mais e outros menos assumidos e reconhecidos como tal, não podemos com toda a certeza afirmar que estamos perante um livro de linguística sistémico funcional. De facto, neste livro temos, por um lado, textos filiados no quadro do interacionismo sócio discursivo e, por outro, textos que, de uma forma ou de outra, e se não todos, trazem a si contributos de outros quadros teóricos. Este é um volume que oscila entre a pluralidade e a unidade. A pluralidade de enquadramentos teóricos e de temáticas e objetos de análise unifica-se ou dilui-se perante o modo como nos textos é assumida a natureza social da língua e a sua concretização material em textos e na interação verbal. Da mesma forma, a pluralidade de contextos de origem e formação dos autores dos capítulos dilui-se ou unifica-se perante a língua que todos usam - o português, em duas das suas diferentes variedades - e a vontade dos autores em transpor contextos de investigação e de trabalho. Repare-se, aliás, que não é por acaso que, dos sete capítulos de um livro publicado em Portugal, apenas um único foi escrito por uma autora portuguesa, Inês Conde. Uns escritos por autoras brasileiras a viver, trabalhar e investigar em Portugal Flaviane Carvalho e Rosalice Pinho -, outros por autoras brasileiras a viver, trabalhar e investigar no Brasil - Cristiane Fuzer, Veralúcia Guimarães Souza, Ângela Maria Leite e Regina Dell'Isola - e o capítulo que resulta de uma parceria entre uma autora portuguesa e uma autora brasileira que vivem, trabalham e investigam nos seus respetivos países - Marta Filipe Alexandre e Viviane Resende - todos os textos, incluindo o primeiro referido, de autoria portuguesa, confirmam a unidade da pluralidade de vozes, por via da língua usada, ainda que em duas variedades diferentes1. 1

À pluralidade de vozes e temáticas, equilibrada pela unidade da língua de escrita e pelos enquadramentos e abordagens gerais sobre a natureza da língua e da sua concretização em textos, não

O cruzamento ou esbatimento de fronteiras, de áreas e de contextos de trabalho e investigação já aludido está bem patente no primeiro capítulo do livro, da autoria de Flaviane Carvalho. Nele, a autora reporta um estudo sobre a disposição gráfica da primeira página de três jornais portugueses de circulação nacional. À luz do quadro teórico-metodológico da semiótica social, este capítulo centra-se nos modos semióticos relativos às cores e à tipografia na primeira página de uma edição do Diário de Notícias, do Correio da Manhã e do Público. Por meio da aplicação das categorias analíticas dos sistemas sociossemióticos das cores e das letras, a análise evidencia aspetos particulares do perfil e dos propósitos comunicativos de cada um dos jornais. Entre os vários significados apontados destaca-se, no caso da página do Diário de Notícias, a confluência de três estilos tipográficos distintos, que refletem, nas palavras da autora: “propósitos comunicativos distintos, tais como informar com seriedade, informar através de estratégias publicitárias, e informar a partir do apelo à tradição – cujas formas e categorias tipográficas se mostram, entretanto, dotadas de regularidade, propiciando boa legibilidade” (p. 33). No caso da página do Correio da Manhã, ressaltam “ De maneira geral, a análise da forma tipográfica sobrepujante na primeira página […] aponta para um excessivo peso visual, com negritos utilizados de forma irregular e aleatória em palavras, títulos e trechos de textos que, aliados ao significativo grau de condensação entre as letras, fazem da página caótica, informal, e com pouco estímulo à reflexão acerca dos eventos reportados” (p. 34). Por fim, no caso da página do Público, evidenciam-se “a sensação de equilíbrio, sobriedade e organização, tendo em conta a regularidade das formas e do estilo tipográfico utilizado, possibilitando a leitura atenta e agradável de suas notícias” (p. 34). No capítulo 2, da autoria de Inês Conde, apresenta-se a análise discursiva crítica de doze perfis de celebridades femininas publicados numa revista feminina para adolescentes, Ragazza. O posicionamento crítico do trabalho assenta sobre “a concetualização de celebridade como elemento discursivo que agrega valores e crenças sociais da modernidade tardia, com particular relevo em publicações dirigidas às raparigas” (p. 39) e manifesta-se no propósito específico de explicitar o modo como a feminilidade é representada e delimitada nos modelos mediáticos femininos. A aplicação de categorias de análise multimodal à componente verbal e à componente visual dos perfis aponta para um conjunto de padrões de será alheio o facto de todos estes textos terem sido apresentados publicamente no 38º Congresso Internacional de Linguística Sistémico Funcional (ISFC38), realizado na Universidade de Lisboa, em julho de 2011, subordinado ao tema “Negotiating difference: languages, metalanguages, modalities, cultures”, e em que foram postos em confronto e interação quadros teóricos diversos, tendo como centro do diálogo a linguística sistémico funcional.

representação que, segundo se defende, carregam um potencial ideológico. Sublinhe-se, em particular, as relações de intimidade expressas pela nomeação informal e semi-informal das pessoas, na componente verbal, e a saliência do rosto branco enquanto objeto de adoração nos primeiros planos ou o distanciamento das personagens marcadas pela diferença no uso do plano médio, na componente visual. Entre as ideologias apontadas, refira-se a natureza mítica da feminilidade, a negação do seu carácter agencial e histórico e a constituição do feminino como uma qualidade sujeita a controlo social. O mesmo posicionamento crítico é assumido na análise presente no capítulo 3, da autoria conjunta de Marta Filipe Alexandre e Viviane de Melo Resende. Partindo do pressuposto de que a problematização da representação da pobreza é uma forma de intervenção social, o trabalho incide sobre um conjunto de textos verbais produzidos por pessoas em situação de rua e publicados na revista Cais, uma publicação portuguesa. Na análise textual desenvolvida, delimita-se a representação da pobreza e sinalizam-se estratégias discursivas de diferenciação entre ‘pobres’ e ‘não-pobres’, fazendo uso das categorias do sistema da Transitividade e de outras categorias discursivas. Entre as considerações apresentadas, aponte-se a perspetiva fatalista e naturalizada da pobreza por parte das próprias pessoas que enfrentam essa condição e a ausência de um espaço epistemológico para a possibilidade de representar as pessoas pobres como pessoas iguais às pessoas que não são pobres. No capítulo 4, elaborado por Rosalice Pinto, expõe-se a análise de dois textos publicitários multimodais. Assentando sobre as premissas do Interacionismo Sociodiscursivo, das quais se pode destacar a conceção dos textos como atividades sociais, e recorrendo a categorias analíticas da Semótica Social, este trabalho foca as vozes ou pontos de vista presentes num anúncio publicitário de uma empresa e num anúncio publicitário de uma organização não governamental. Em lugar de conclusões finais, a análise aponta para pistas de reflexão a ser atestadas em corpora mais alargados e que se prendem com as “regularidades/divergências na construção da actancialidade em função das diversas formas de agir” (p. 93). Cristiane Fuzer escreve o capítulo 5, que intitula de “Vítimas e vilões em reality shows no Brasil: representações e avaliações com base em evidências léxico-gramaticais”. A partir do quadro teórico da linguística sistémico funcional, em particular do que na mesma se defende relativamente à concretização de significados ideacionais e interpessoais nos textos, a autora procura perceber analiticamente quais são os elementos linguísticos que são escolhidos pelos autores de cinco artigos de opinião para manifestar representações e opiniões sobre práticas sociais envolvendo os media. Fuzer trabalha com textos disponibilizados no site Observatório da Imprensa, que reúne textos dos media brasileiros, para neles analisar representações e

opiniões sobre os reality shows, que “há onze anos são exibidos em emissoras de televisão brasileiras e têm causado muita polêmica no país, tendo em vista a explicitação que é feita da vida íntima dos participantes” (p. 98). A autora conclui que os atores sociais mais frequentemente representados no discurso são os reality shows, os participantes dos mesmos e os telespectadores, sobre os quais são geradas e activadas representações particulares: os primeiros são representados como um negócio bastante lucrativo para as emissoras televisivas e respetivos patrocinadores; os segundos são “representados, de modo generalizado, como pessoas que se submetem a agir de forma antiética para conquistar dinheiro e poder” (p. 116); e os terceiros surgem representados como jogadores, detentores do poder de decisão sobre o destino dos participantes do jogo que é o reality show. Da autoria de Veralúcia Guimarães Souza, o sexto capítulo intitula-se “O governo municipal e os catadores de materiais recicláveis frente à lei de resíduo sólido do Brasil” e nele é trabalhada uma análise do Decreto brasileiro que consubstancia as políticas implantadas pelo governo para solucionar o problema da produção e do destino de resíduos sólidos do país. São também referidas duas entrevistas com dois atores sociais particulares - a presidente de uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis e o secretário de meio ambiente de uma pequena cidade do estado de Mato Grosso - com vista à discussão das representações discursivas por eles construídas relativamente ao Decreto em análise. Situado na fronteira de diálogo entre a análise crítica do discurso e a linguística sistémico-funcional, o texto revela que poucas ações têm sido desenvolvidas para aplicação da lei e que o governo pouco ou nada tem ajudado na afirmação de cooperativas de catadores. No último capítulo do livro, da autoria de Ângela Maria Leite e Regina Dell'Isola e intitulado “Os mecanismos enunciativos no estudo de contos brasileiros: perspectivas didáticas”, as autoras partem da concepção textual de J. P. Bronckart, tomando o Interacionismo Sociodiscursivo como base para a sua investigação, e procuram fazer a análise de um dos géneros preconizados pelo quadro teórico em que trabalham: o conto. No caso, o propósito é o de demonstrar possibilidades de trabalho didático com o género em questão, tratando-se este de um dos géneros mais explorados nos livros didáticos, além de que é também um dos géneros recomendados pelos Parâmetros Nacionais Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio (PCNs), o documento oficial brasileiro que enquadra e informa o ensino de português nas escolas brasileiras. Para a concretização do seu trabalho, as autoras analisam o conto A opinião em Palácio, de Carlos Drummond de Andrade, tomando como referência a qualidade das questões propostas para interpretação do texto inseridas num livro didático de língua portuguesa e literatura.

Esperamos que a leitura destes capítulos seja proveitosa, quanto mais não seja pela possibilidade que estes apresentam de explicitação, num único volume, de diferentes quadros teóricos e metodologias de análise de diferentes aspetos das relações entre língua e sociedade.

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