POR OUTRAS FORMAS DE LUTAR

July 14, 2017 | Autor: Daniel Lima | Categoría: Arte Contemporanea, Teoria da Arte, Interveção Urbana
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Descripción

POR OUTRAS FORMAS DE LUTAR
Daniel Lima

Três participantes. Personagens fictícios nascidos de diferentes
perspectivas. Baseados nas vozes dos coletivos que participei e que ressoam
em mim. Heterônimos que dialogam e estabelecem partes do caledoscópio
existencial. Aqui debatem arte, política e instituções culturais.

Frente-3-de-Fevereiro: A Frente 3 de Fevereiro teve, desde sua origem, um
tema central de pesquisa, a questão racial. Depois de sete anos, percebemos
uma imensa transformação na maneira de ver as mesmas questões. Mas seguimos
com este núcleo duro. Isto abriu um caminho para movimentações entre
diferentes linguagens artísticas. Se no tema identitário existem bloqueios,
prisões e becos sem saída, propomos formas de questionamento abertas para
movimentações transversais. Sustentamos, através de caminhos poéticos, o
ponto de interrogação sobre este tema.

Política-do-Impossível: A motivação política gira em torno de muitas
causas. Muitas lutas se equacionam na aposta da transformação do mundo em
que vivemos. Uma transformação das estruturas sociais, econômicas e
culturais que nos aprisionam e nos separam da nossa potência de existir. É
uma luta constante contra as formas de auto-vigilância, contra a Secretaria
do Estado de Confinamento.

Daniel Lima: Mas também esta é uma luta por outras formas de lutar. Criamos
formas de lutar poeticamente. Arte política só existe a partir do momento
em que o trabalho tem a capacidade de transformar a realidade.

Política-do-Impossível: Mas os trabalhos que agem no sentido de conservar
as coisas como estão também são uma forma de política. Uma política
conservadora.

Frente-3-de-Fevereiro: Toda arte é política. Toda arte tem um
posicionamento em relação ao seu contexto, seja de continuidade, seja de
ruptura. Nesse sentido, o termo arte-política não nos serve muito. É como
se houvesse os que trabalham com política e os que não trabalham com
política. E isso não existe.

Política-do-Impossível: Alguns modelos que envolvem arte-política tem como
base um programa político. E a defesa do programa político acaba por
massacrar a potência poética. Ao projeto político não interessa a
ambiguidade, os duplos, os espaços de interpretação. Pelo contrário, tudo
está em função de reiterar posições.

Daniel Lima: Nosso desafio é manter um posicionamento macropolítico e, ao
mesmo tempo, não ficar preso ao momento histórico. Essa atemporalidade
surge quando instituímos um questionamento que, no final, é mais do que uma
pergunta, é uma abertura de interpretações sobre um fato, uma ideia, uma
ação...

Frente-3-de-Fevereiro: Neste sentido, a intervenção é sempre uma política
de transformação, porque rompe com o que está dado. Por exemplo, a ação no
estádio de futebol. É um ambiente que carrega muitas certezas, onde eu sou
azul, sou verde, defendo o verde com todas as forças. Nesse ambiente,
nossas ações funcionam como um processo de ruptura. "Onde estão os negros?"
é uma interrogação imersa no delírio da afirmação. É como se estivéssemos
fugindo de um território demarcado. É um êxodo.

Política-do-Impossível: Somos contrabandistas. Trazemos "materiais
simbólicos" de um campo ao outro. Este capital cultural vale muito, porque
as instituições não tem como produzi-lo dentro de seus próprios limites.
Por isso, chamam os contrabandistas, os artistas engajados.

Daniel Lima: Engajados a que?

Frente-3-de-Fevereiro: Engajados a outros sistemas de produção de
conhecimento.

Política-do-Impossível: Engajados a outros sistemas de produção de
sentido.

Frente-3-de-Fevereiro: Uma produção de conhecimento ativa e viva. Às
instituições culturais, coloca-se o desafio de manter esta força vibrando
dentro da redoma. Aos artistas, o desafio de compreender que o que a nossa
produção agita está fora desses campos institucionais.

Política-do-Impossível: Realmente este é um risco: como se embrenhar nas
tramas institucionais sem perder a potência de movimentar os diagramas
sociais? Como não murchar dentro do espaço viciado da instituição?

Frente-3-de-Fevereiro: Negociamos. A negociação pressupõe que temos, sim,
certos interesses comuns. Quais são e como podem servir à estruturação dos
processos de resistência, de re-existência?

Daniel Lima: Muitos trabalhos de intervenção exploram estes limites,
exploram a trajetória da negociação à luta. Transformam o conflito
institucional em conteúdo. Fazem a instituição colocar suas cartas na mesa,
revelar seus posicionamentos.

Frente-3-de-Fevereiro: Fazemos também o público colocar suas cartas.

Política-do-Impossível: E nós também colocamos as nossas. Mostramos a que
viemos.

Daniel Lima: Quem ganha?

Frente-3-de-Fevereiro: Não, não tem vencedor ou perdedor. Não tem um
"acabou, a gente conseguiu". O que temos são determinadas partidas que se
realizam. Mas sabemos que nosso trabalho nunca vai ter um "the end". Não
tem final feliz.

...

1. Daniel Lima
É artista, membro dos coletivos Frente 3 de Fevereiro, Política do
Impossível e CoLaboratório. www.issuu.com/invisiveisproducoes

2. Frente 3 de Fevereiro
The group, created in 2004, connects with the artistic legacy of
generations that thought out new ways to interact with urban space in light
of the history of the Afro-Brazilian struggle and resistance.
www.frente3defevereiro.com.br

3. Política do Impossível
O coletivo Política do Impossível – PI realiza projetos de educação e
produção coletiva de arte desde 2004. Cria projetos de investigação e ação
no espaço urbano. http://issuu.com/invisiveisproducoes/docs/cidade_luz
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