O PERFIL PROFISSIONAL COMPETENTE DEMANDADO PELAS EMPRESAS DE RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE TRABALHADORES DE BELO HORIZONTE

July 22, 2017 | Autor: Corina Farinha | Categoría: LGBT Studies
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Descripción

O

PERFIL

PROFISSIONAL

COMPETENTE

DEMANDADO

PELAS

EMPRESAS DE RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE TRABALHADORES DE BELO HORIZONTE Corina Alves Farinha1

Resumo: O artigo trata do modelo de inserção de candidatos às vagas oferecidas no mundo do trabalho formal. Investiga o conceito de competência praticado nas empresas de recrutamento e seleção de trabalhadores de Belo Horizonte. Analisa o desafio enfrentado pelas agências de emprego quanto à interpretação das diferentes concepções de competência manifestadas no discurso empresarial. Isto possibilita o entendimento da construção do perfil profissional demandando pelas empresas contratantes.

Palavras-chave: competência, recrutamento e seleção, perfil profissional.

Introdução

O conceito de competência é polissêmico, por ser essa concepção estudada por distintas áreas do conhecimento, gera inúmeros vieses e interpretações, tanto no âmbito acadêmico quanto no organizacional. Em termos gerais, a competência engloba três requisitos básicos: saberes construídos ao longo da existência, com implicações na vida profissional e as atitudes do trabalhador em face das inúmeras situações de trabalho. Desde

os

anos

1980

devido

à

globalização

da

economia,

ao

desenvolvimento científico e tecnológico, entre outros elementos, que acirraram a

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Mestre em Educação Tecnológica, especialista em Metodologia do Ensino Superior e Educação Tecnológica, Bacharel em Administração de Empresas, Docente na Escola de Educação Profissional Newton Paiva e na Faculdade de Tecnologia do SENAI – FATEC BH

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competitividade e a complexidade na produção que tendeu a adotar modelo flexível, o mundo do trabalho passou a exigir um perfil profissional com determinadas competências para a ocupação das vagas. Em decorrência desses fatores os serviços de recrutamento e seleção priorizam a avaliação das capacidades individuais dos candidatos, sob o enfoque da competência. As entrevistas e dinâmicas de grupo, entre outras técnicas, objetivam a análise da compreensão do processo de trabalho, criatividade, pensamento crítico, comunicação, autonomia e responsabilidade dos trabalhadores. Esse contexto, segundo Zarifian (2001), apontou para a ruptura com os procedimentos tayloristas centrados no controle das tarefas, bem como a intenção de avaliar os trabalhadores em termos de entendimento do processo produtivo e iniciativa, aspectos que já faziam parte dos saberes de alguns trabalhadores, porém eram desconsiderados pelos administradores. Os encarregados de produção na época, no relato de Zarifian (2001, p.23), “almejavam avaliar as competências pessoais de cada assalariado, independentemente do posto de trabalho ocupado”. Frente a essa mudança, impõe-se o desafio da construção de novos referenciais para a avaliação dos trabalhadores no âmbito do processo de recrutamento e seleção, que é freqüentemente terceirizado e realizado por empresas específicas. Porém, no Brasil, segundo Dutra (2004), as empresas têm revelado dificuldades quanto ao entendimento do conceito de competência, devido às diferentes maneiras de compreensão do termo e às formas de sua articulação pelos responsáveis das organizações. Observa o autor que, em relação ao tema, coexistem nas organizações discursos carregados de modernidade, aliados a posturas tradicionais típicas do modelo de produção rígido. Há o entendimento de que se trata de um modismo, que não atende às necessidades das organizações. 2

Os autores Fleury & Fleury (2004), embasados em outras pesquisas, observam a tendência à utilização do conceito de competência pelos profissionais de recursos humanos como algo que pode ser medido e quantificado. À semelhança dos padrões e resultados obtidos por meio do treinamento, a competência é concebida como um conjunto de conhecimentos,

habilidades e atitudes, ligado ao desempenho do

trabalhador, referindo-se, portanto, à tarefa ou ao conjunto de tarefas prescritas em um cargo. A revisão teórica permite constatar, sob perspectivas diferenciadas, os autores franceses Zarifian (2001, 2003, 2005), Le Boterf (2003, 2006), Dadoy (2004), Ropé & Tanguy (2002), Stroobants (2002), e os brasileiros Fleury & Fleury (2004), Dutra (2004) e Ruas (2005) são unânimes em afirmar que os entendimentos sobre o conceito de competência são diferenciados na academia e nas empresas, particularizando-se em função de características como: cultura organizacional, ramo de atuação, porte da empresa, tecnologia adotada e relação estabelecida com o mercado, com os clientes e os trabalhadores. Dessa forma, o trabalhador avaliado como competente em uma empresa poderá não o ser sob a avaliação de outra, mesmo porque a competência é situacional. Frente ao exposto, indaga-se: Qual é o perfil profissional demandado pelas empresas contratantes uma vez que o conceito de competência permite interpretações diferenciadas? Qual o perfil profissional demandando pelas empresas de recrutamento e seleção de trabalhadores de Belo Horizonte?

A Competência Os estudos em torno da construção do conceito de competência iniciaram-se em 1980 na França e no Brasil, em 1990. A fase atual desses estudos circunscreve-se à 3

divulgação e à aplicação desse conceito na gestão de pessoas no âmbito das organizações e na academia os estudos. O tema não é um modismo; pelo contrário, seu registro é bem antigo. De acordo com Isambert-Jamati (2002), a palavra competência no fim da Idade Média era associada à linguagem jurídica. Na atualidade, o conceito de competência vai além desse enfoque, entrando no campo da Psicologia, da Educação e da Sociologia. Envolve basicamente três modalidades de saberes: o saber em termos de conhecimentos, o saberfazer e o saber-ser. A competência está intimamente relacionada à ação, ao movimento e ao empreendimento. Seu reconhecimento depende do olhar do outro. Em meados da década de 1980, Zarifian (2001), sociólogo francês, especialista em gestão pesquisou empresas moveleiras que buscavam alternativas para sair da crise no setor. Para isso elas passaram a atender demandas específicas de seus clientes empenhando-se na melhoria da qualidade e diversificação dos produtos, adotando a produção flexível, com máquinas e ferramentas de controle numérico digital. Foi nesse contexto que os problemas relacionados à qualidade, prazos, variedade, capacidade de iniciativa, resolução de problemas e outros passaram a ser vistos “como qualidades que os trabalhadores precisariam demonstrar em ruptura com os procedimentos tayloristas-fordistas”, salienta Zarifian (2001,p.22)-. Todavia, tais elementos, continua o mesmo autor, “já estavam presentes nos trabalhadores, mas [...] não eram reconhecidos e formalizados e, por isso, não apareciam”. Logo, “a mudança não se deve a uma descoberta repentina da humanidade dos trabalhadores, mas à percepção de uma mudança nas condições de produção do setor” (ZARIFIAN, 2001, p.22). Dessa forma, Competência foi a denominação atribuída à nova forma de avaliação dos trabalhadores, adotada no modelo de produção flexível em substituição à 4

abordagem

categorizadora

e

homogeneizadora

do

modelo

taylorista-fordista

(ZARIFIAN, 2001). Portanto, é nesse período que surge a tendência a adoção do conceito de competência no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores. Cabe ressaltar, que sob essa ótica, a competência é uma demanda do patrão e provém de uma transformação nos julgamentos avaliativos dos trabalhadores pela direção e pelos responsáveis pelas práticas de gerenciamento dos trabalhadores. Por outro lado, entende-se como um ganho para o trabalhador o expressar de sua autonomia e iniciativa, de seus conhecimentos em situações diferenciadas, em oposição à passividade solicitada pelo modelo taylorista-fordista. Zarifian (2001) ao realizar o Estado da Arte do tema na França construiu o conceito de competência combinando três abordagens:

[...] a competência é a tomada de iniciativa e o assumir a responsabilidade do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara. [...] a competência é um entendimento prático das situações, que se apóia em conhecimentos adquiridos e os transforma, à medida que a diversidade das situações aumenta. [...] a competência é a faculdade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas situações, de fazer com que esses atores compartilhem as implicações de suas ações, de assumir áreas de co-responsabilidade (ZARIFIAN, 2001, p. 68-74).

Nesse entendimento, a competência diz respeito à especificidade do indivíduo, sua originalidade, sua trajetória de vida, abrangendo sua experiência profissional, suas capacidades e potencialidades. Dessa maneira, são valorizados o saber escolarizado, o saber-fazer, a experiência e o saber-ser (denominado também de saber comportamental e competência social sobretudo em termos de comportamentos e atitudes) e ainda sua capacidade de antecipar-se aos problemas e não apenas solucionálos, evidenciando movimento, participação, mobilização (ZARIFIAN, 2001). 5

Porém o saber-ser informa Zarifian (2001), é uma denominação imprópria para o enfoque das atitudes e dos comportamentos gerados pela competência. Explica o autor que o saber-ser refere-se à personalidade profunda e estável do indivíduo, a seus traços de personalidade e aptidões consideradas inatas, passíveis de serem verificadas por meio de testes de personalidade. Nesse contexto, o trabalhador é avaliado em sua totalidade, em seu “ser”. No entanto, a abordagem que enfatiza o comportamento e as atitudes diz respeito à “competência social”, diz Zarifian (2001, p.146), pois a avaliação recai “na maneira como um indivíduo apreende seu ambiente em situação, a maneira como se comporta”. O que se busca com essa abordagem é uma visão parcial e manifesta do indivíduo. O comportamento é adquirido e pode evoluir, razão pela qual a avaliação se dá em determinado momento. Não é o ser que se procura apreender, mas o seu modelo de conduta, diante de dado ambiente. O conceito de atitude sustenta o conceito de comportamento. A atitude traduz o que sustenta e estabiliza o comportamento; é manifestada individualmente; é social por ser produzida em meio sócio-cultural específico e por denotar certa maneira de posicionamento do indivíduo nas relações sociais. A atitude se traduz, portanto, no comportamento. No Brasil, Fleury & Fleury (2004, p.30) observam que a competência é “[...] um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”. Reportando-se a esse conceito de competência individual, Dutra (2004) acrescenta que o conceito deve ser aplicado a instrumentos de gestão que possibilitem às pessoas perceberem o que lhes agrega sua relação com a organização. Assim, a competência é atribuída a vários atores: a empresa dispõe de um conjunto de competências que lhe são próprias, decorrentes da “gênese e do processo de desenvolvimento da organização e são concretizadas em seu patrimônio de 6

conhecimentos, que estabelece as vantagens competitivas da organização no contexto em que se insere” (DUTRA, 2004, p.14). As pessoas, por sua vez, dispõem de um conjunto de competências aproveitadas ou não pela organização. No entanto, para Dadoy (2004, p.124), os empregadores sempre valorizaram a competência comportamental referente aos saberes relacionais (saber-ser):

[...] esses saberes, na realidade, sempre fizeram parte das qualidades esperadas pelos empregadores, mas essa exigência parecia tão natural que não havia necessidade de explicitá-la em um período em que os saberes técnicos eram ainda bastante raros no mercado de trabalho e era, então, a primeira preocupação dos empregadores (DADOY,2004, p.124).

Dadoy (2004) observa que as características pessoais dos trabalhadores sempre foram alvo de análise, com vistas a evitar problemas de relacionamento e conflitos existentes no ambiente de trabalho, relacionados à personalidade do trabalhador, ressaltando de modo especial o modelo comportamental submisso, controlado pela gerência taylorista-fordista. Segundo a autora, em todos os níveis de contratações, a demanda dos empregadores por trabalhadores adaptáveis e capazes de se inserir em grupos de trabalho é evidenciada. Ela ressalta no período 1976-1978, com a experiência francesa de “mobilização e inserção profissional de jovens sem qualificação, os saberes sociais apareceram explicitamente”, sugerindo que esses comportamentos “apresentam mais problemas que os saberes técnicos, que se tornaram mais abundantes e mais baratos”. Por outro lado, os saberes comportamentais, na visão de Dadoy (2004), não são concebidos como parte integrante da formação profissional, não sendo balizados por uma instituição oficial como a escola. Já Le Boterf (2006) explica: a competência é subjetiva, e, por si só, é invisível. Dessa forma, não é diretamente acessível, logo, sua validação depende dos conceitos, da metodologia empregada, dos atores implicados e dos pontos de vista 7

adotados. A competência está sempre ligada ao mecanismo de medida que lhe é aplicado e depende sempre do olhar que sobre ela recai. O que é avaliado não é a competência em si, mas aquilo que se designa por competência, por meio do mecanismo de avaliação (instrumentos, regras, instâncias). O trabalhador, para ser reconhecido como competente, o é em relação a alguma coisa, e esse parâmetro estabelece uma prescrição, um modelo, um limite para ser competente. Esclarece ainda Le Boterf (2006) que a limitação existe no nível de saber alcançado pela profissão do indivíduo, numa época determinada, ou seja, a competência depende do olhar do outro, e, portanto, a competência é situacional. O entendimento de competência de Tomasi (2004) aborda o indivíduo

[...] um indivíduo que, produzido nas relações sociais nas quais se encontra inserido, insiste em guardar suas diferenças em relação aos outros [...] e isso não significa, o estabelecimento de um dualismo entre ele e o coletivo, mas, diferente disso, o diálogo (TOMASI,2004, p.11).

Porém, no âmbito organizacional, Stroobants (2002) analisa que o conceito de competência se refere à modificação do perfil do trabalhador, cujo vocabulário é renovado, com termos relativos a saberes e competências. Por sua vez, Ropé & Tanguy (2002), indicam que tal conceito é ligado a um conjunto de conhecimentos, qualidades e capacidades relacionadas ao ofício. Salienta Dadoy (2004) que a assimilação do conceito de competência ocorreu em diferentes contextos, sendo aplicado a objetos distintos dos originais, sem que houvesse, por parte dos empregadores, sindicatos e educadores da área profissional uma reflexão mais aprofundada sobre suas diversas definições e utilizações.

A competência nas empresas: o trabalhador competente

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As pesquisas de Zarifian (2005) indicam que a competência, no meio empresarial, está ligada ao uso de dois tipos de instrumentos: a construção de referenciais e a realização de entrevistas com o empregado por seu superior hierárquico, visando a avaliar se o profissional está exercendo ou não, as competências requeridas. A construção de referenciais, segundo o autor, é feita por meio de listas de competências centradas no saber-ser, objetivando indicar, de maneira prescritiva, aquilo que os assalariados devem saber fazer e dizer, numa dada situação de trabalho. Contudo, essa construção assemelha-se àquela dos referenciais do trabalho taylorista, centrados na prescrição de tarefas. Nesse contexto, o trabalhador dito competente será aquele que, ao desenvolver seu trabalho, detém as competências atitudinais e comportamentais prescritas no referencial. Por outro lado, Le Boterf (2006) propõe que os métodos de avaliação da competência de um profissional aplicados nas organizações analisem a prática a que o trabalhador recorre para interpretar as prescrições de determinado trabalho. Uma prática não corresponde, item a item, a uma prescrição. Se assim fosse, a prática seria reduzida a uma simples execução de orientações e de normas. Nesse sentido, o alvo da avaliação não é o conjunto de competências do trabalhador, pois estas, por si sós, são invisíveis, mas aquilo que o mecanismo da avaliação designa como competências. Todavia, para Stroobants (2002), o reconhecimento da competência do trabalhador e de sua capacidade se dá pelo aspecto cognitivo do trabalho que é executado. Le Boterf (2003) observa que o profissional reconhecidamente competente é aquele que sabe agir com competência, mobilizando recursos provenientes da formação pessoal, biografia e socialização, formação educacional e experiência profissional. As competências são produzidas por meio de recursos e convertem-se em atividades e 9

condutas profissionais adaptadas a contextos específicos. O saber agir é distinto do saber-fazer, que é um conjunto de experiências e habilidades. Nas pesquisas desenvolvidas por Le Boterf (2003), foi constatada a existência de contradições entre o discurso oficial dos dirigentes de empresas e a realidade de sua gestão. Embora a maioria dos dirigentes julgue a contribuição dos trabalhadores fator importante para um satisfatório desempenho organizacional, muitos ainda consideram preponderantes os fatores materiais e financeiros. São poucos os investimentos na implantação de políticas

que estimulem o desenvolvimento das

competências e, embora muitos os considerem prioritários, apenas uma minoria harmoniza sua política com o discurso sobre a prioridade das pessoas na organização. A adoção dos princípios de gestão por competência pelos dirigentes das empresas pressupõe o reconhecimento de um trabalhador autônomo, em equipe e em rede e implica o desenvolvimento da competência do trabalhador na organização e o desenvolvimento da competência sobre a organização (DUTRA, 2004). Nesse modelo, a simples regulação da organização do trabalho torna-se desnecessária; a relação passiva, submissa do trabalhador com a empresa (gerência taylorista-fordista) tende à mudança, e o trabalhador, conforme explica Zarifian (2001, p.138), “pode se tornar ator explícito da evolução da organização”. A competência sobre a organização, por sua vez, é aos poucos desenvolvida, à medida que o trabalhador executa projetos de trabalho. Zarifian (2001) constata a hesitação dos dirigentes das empresas em desenvolver essa competência sobre a organização, sobretudo na base da pirâmide hierárquica, na qual a relação de poder, submissão/controle estabelece a prática gerencial taylorista-fordista. Por outro lado, Dutra (2004) ressalta haver dificuldades na compreensão do conceito de competência e nas formas de sua articulação pelos responsáveis pelas 10

empresas, pois coexistem nas organizações discursos carregados de modernidade, aliados à manutenção de posturas tradicionais, típicas do modelo de produção rígido. De tal forma, que o modelo da competência é entendido como inadequado para trabalhar as necessidades das organizações e considerado um modismo. Reportando-se ao atual modelo de gestão de pessoas adotado pelas organizações, Fleury & Fleury (2004, p.27) concluem “gerenciar por um modelo de competências implica somente uma mudança burocrática nos procedimentos para seleção dos indivíduos”. Nas organizações o trabalho a ser realizado passou do controle à tendência à autonomia exigindo responsabilidade, comprometimento, iniciativa capacidade de comunicação e desenvolvimento do pensamento crítico do profissional. Tais características quando mobilizadas em situação do trabalho e avaliadas pelos recrutadores e gestores são consideradas competências e diz-se que o trabalhador é competente. Essa tendência gerou mudanças no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores, até então centrado nos princípios do cargo e da pessoa certa para o cargo certo.

A competência e o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores

A profissão qualificada é uma unidade central no processo de trabalho. Desde as últimas décadas do século XX, tem-se verificado a tendência à busca por trabalhadores não apenas qualificados, mas competentes. A qualificação compreende os saberes relativos à profissão, adquiridos no ambiente escolar e no organizacional, por meio da experiência. A competência, por sua vez, é a mobilização dos saberes formais, informais e sociais, construídos ao longo da vida, abrangendo inclusive as atitudes individuais, em face das inúmeras situações de trabalho. 11

Com a adoção do conceito de competência pelo mundo do trabalho tanto na França, no Brasil, e, atualmente, outros países, as práticas de recrutamento e seleção tornaram-se mais rigorosas. Um dos primeiros aspectos foi a exigência de maior nível de escolaridade e para isso os diplomas deveriam atestar instrução mínima, ou seja, escrita, leitura e compreensão de textos, elaboração e entendimento de cálculos. Em suma passou-se a analisar em profundidade conhecimentos e disciplina comportamental do trabalhador. Os selecionadores passaram a comparar os indivíduos em situações reais de trabalho, a sua competência efetiva em relação às expectativas da empresa. Por lado analisando a história do processo de recrutamento e seleção de trabalhadores encontra-se em Villela (2008), o marco de um modelo primitivo de recrutamento e seleção foi encontrado na China, na dinastia Han, no ano 207 a.C. O Imperador, usando da premissa ‘dividir para reinar’, dividiu o território chinês em províncias, geridas por funcionários do poder central. Para ocupar os cargos referentes a tarefas e atividades de cobrança e arrecadação de impostos, administração de recursos, entre outras, instituiu a seleção de candidatos por meio de concurso público, baseado no mérito, no apadrinhamento e na indicação, criando uma longa e detalhada descrição da função de servidor público. A conclamação do Imperador chinês Wu Di fornece indícios dos princípios que envolviam aquelas práticas de recrutamento e seleção, de certa forma, presentes na atualidade: Queremos heróis! Trabalhos excepcionais exigem homens excepcionais. Um cavalo indócil pode vir a tornar-se um animal valioso. Um homem que é objeto de ódio pode mais tarde realizar grandes obras. O que acontece com o cavalo intratável passa-se também com o homem arrogante: é apenas uma questão de treinamento. Nós, desse modo, ordenamos aos funcionários distritais que procurem homens de talento brilhante e excepcional para se transformarem em nossos generais, nossos ministros e nossos emissários aos Estados distantes (MORTON,1986, p. 75).

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O discurso revela que o mercado demanda, como hoje, os melhores trabalhadores, porque o trabalho a realizar é excepcional e, para isso, há um modelo de trabalhador: um herói, valioso pela docilidade; não sendo, é uma questão de treinamento. Todavia, segundo o autor, os registros arqueológicos mostram que tal conclamação e os esforços dos funcionários distritais, embora estabelecessem um método de recrutamento e seleção, não foi suficiente. As contratações foram poucas e não funcionaram como esperado. Para Fernandez-Araóz2 (1999), “é impossível transformar o processo de contratação de uma pessoa em uma ciência”, ou seja, o processo de contratação de pessoas não tem um resultado exato, não se configura em um estudo sistematizado. Então, embora se recorra a uma série de práticas que busquem lógica e previsibilidade no processo de contratação, o sucesso continua indefinido, conforme sugere o índice de 30% a 50% de demissão ou renúncia na admissão de executivos. Se Taylor(1967) buscava “o que fazer” e “uma melhor maneira” de fazer as tarefas, delineando o cargo, as características pessoais avaliadas no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores configuravam um perfil obediente e disciplinado. O trabalhador, confinado a um cargo isolado e submetido aos controles administrativos, às regras, às imposições e à hierarquia, era impedido de atuar como pessoa “detentora de qualidades contextualizadas em situação de trabalho, tais como curiosidade, rigor, reatividade”, como aponta Le Boterf, (2003, p.124). Notadamente, era requerido o gesto do trabalhador, seus movimentos em tempos e tarefas pré-estabelecidas. O importante era recrutar mão-de-obra, e essa “mão” precisava fazer executar, tanto no chão de fábrica quanto no escritório. Porém, a ‘mão’, ou seja, o trabalhador deveria ser dócil, com perfil semelhante ao demandado pelo Imperador chinês. Para assegurar a eficiência, o trabalhador seria treinado, tornando-se um ‘animal’ valioso, restrito ao posto de trabalho, adequado para o trabalho repetitivo. Braverman (1987), citando os princípios da administração científica de Taylor3(1967) para a seleção científica de mão-de-obra, observa que estava centrado na condição física do trabalhador, valorizando o perfil de profissional submisso (tipo do boi). A seleção constava de “apanhar um entre os tipos comuns que são especialmente 2

Possui mais de 30 anos de experiência na área de headhunting; foi eleito pela Revista Business Week, de 25/03/2008, o 13o em uma lista de 50 caça-talentos mais influentes do mundo. Trabalha numa prestadora de serviços de recrutamento e seleção com sede em Zurique, Suíça, fundada em 1964, atuante em 37 países. 3 TAYLOR, Frederick Winslow. The principles of scientific management. New York, 1967.

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apropriados para esse tipo de trabalho”. Quanto às práticas da seleção científica, cabe aludir a regra inflexível estipulada por Taylor:

[...] conversar e tratar com um candidato de cada vez, visto que cada operário tem suas capacidades e limitações especiais, e visto que não estamos tratando com homens em massas, mas tentando desenvolver cada indivíduo ao seu mais alto estado de eficiência e prosperidade(BRAVERMAN,1987, P.96).

Portanto, para assegurar o princípio do candidato apropriado ao tipo de trabalho, o entrevistador recorria à prática da entrevista individual, na avaliação das características do trabalhador. Nas últimas décadas despontou a valorização das pessoas no âmbito organizacional. Frente a isso o cargo elemento central do processo de recrutamento e seleção vem sofrendo alterações, passando o foco das tarefas para as pessoas, priorizando o ocupante do cargo, a pessoa designada para desempenhá-lo. O incentivo, a motivação e a capacidade de interação das pessoas, relacionados à sua participação em decisões na execução das tarefas, são características essenciais (TOLEDO, 1992). Em vista disso, à prática da entrevista individual são acrescentados testes de personalidade entre outros que buscam desvendar o intelecto e a personalidade do candidato, por meio da análise de suas reações, comparadas a dados catalogados. Todavia, tais testes apresentam empecilhos, como tempo, custo e necessidade de psicólogos para aplicação. Foi adotado um questionário de personalidade, de prática mais simplificada, que consiste em uma série de perguntas em torno de situações práticas de vida. Também os saberes escolarizados e outros saberes adquiridos na trajetória profissional do indivíduo, são igualmente aspectos destacados e exigidos do trabalhador, por meio de prova de conhecimentos específicos e apresentação de diplomas (ALMEIDA, 2004). Por outro lado, sob enfoque estratégico o

recrutamento e a seleção, busca

conciliar os interesses empresariais e individuais. Para tanto busca

um profissional

participativo e fornecedor de conhecimentos (ALBUQUERQUE,1987). Nesse contexto, Dutra (2004) acrescenta o conceito espaço ocupacional (conjunto de atribuições e responsabilidades de uma pessoa que ocupa determinada posição). Todavia, o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores, apesar do caráter estratégico, mantém os princípios assentados no cargo e na pessoa certa para o cargo muito embora exista a valorização do conhecimento, da experiência e dos instrumentos de avaliação baseados em entrevistas, provas e testes como salientam Dutra (2004) e Almeida ( 2004). 14

Confrontando o objetivo do recrutamento e seleção de trabalhadores frente aos estudos referendados, cabe ressaltar o processo não deve ser reduzido a uma vaga a ser preenchida, a um cargo a ser exercido. Porém, como enfatizam os autores pesquisados a seleção deve ter o critério base que é a pessoa se identificar e ser identificada com a cultura da organização e que possa agregar valor a ambas. Assim, deve ser evitada a seleção de um profissional considerado ideal por suas habilidades para ocupar um cargo, mas, com pouca “aderência aos valores preconizados pela cultura” salientam Dutra (2004), Almeida (2004).

Competência – o entendimento do conceito nas empresas pesquisadas

Metodologicamente, esta investigação se distingue por um estudo qualitativo de múltiplos casos. A pesquisa qualitativa, segundo Godoy (1995 a, p.62), caracteriza-se por “ter o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental”. Além disso, na pesquisa qualitativa, os dados coletados aparecem sob a forma de transcrições de entrevistas, anotações de campo, dentre outras formas indicadas por Godoy (1995 a), visando à análise do ambiente de maneira holística, como um processo. A estratégia de estudo de caso abordada por Yin (2005) abrange técnica de coleta de dados e abordagens específicas para sua análise, além de permitir a variação de estudo de casos múltiplos, quando envolve dois ou mais sujeitos, duas ou mais instituições. Neste trabalho, são avaliadas oito empresas prestadoras de serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores. Além disso, o estudo de múltiplos casos pode ser usado para propiciar generalizações amplas, baseadas em evidências desses estudos, como indica Godoy (1995b). O ramo de recrutamento e seleção de trabalhadores em Belo Horizonte, de acordo com o Sistema TeleListas conta com 137 prestadores de serviços. A escolha dos casos se deu por meio dos seguintes critérios: tempo mínimo de dez anos de atuação no 15

mercado, abrangência nacional e seleção de candidatos para todos os níveis, ramos de atuação e porte organizacional. Tal escolha se justifica no fato de que no Brasil, a temática competência, no meio acadêmico e organizacional, passou a ser enfatizada a partir da década de 1990, conforme os autores Tomasi (2004), Fleury & Fleury (2004), Dutra (2004) e Ruas (2005). Portanto, a abordagem do tema é, de certa forma, recente, e os estudos empíricos voltados para a área de recrutamento e seleção, efetivados junto aos prestadores de serviços na área, se encontram em fase inicial e apresentam uma série de lacunas, apontadas pelos pesquisadores. O primeiro critério para escolha das empresas que comporiam o estudo foi o tempo de atuação das empresas prestadoras de serviço de recrutamento e seleção, na cidade de Belo Horizonte, há pelo menos dez anos. De acordo com dados online do SEBRAE4, 56% das empresas fundadas nos mais diferentes ramos de atuação não chegam a sobreviver por cinco anos. Esse fato denota a importância do tempo de permanência do estabelecimento no mercado, como elemento de sua maturidade em sua área de atuação. Optou-se, portanto, por empresas prestadoras dos citados serviços, que tivessem iniciado suas atividades antes de 1996, uma vez que esta pesquisa teve início no ano de 2006. Partiu-se do pressuposto de que esse tempo, teria sido suficiente para que os serviços de recrutamento e seleção vivenciassem as transformações no mundo do trabalho e a inserção da temática da competência entre seus critérios de seleção de trabalhadores. Tal escolha constituiu elemento relevante para a análise dos dados, por se relacionar ao contexto de mudanças no mundo do trabalho reportadas pelos entrevistados. O segundo critério de escolha objetivou evitar um entendimento particularizado, regionalizado, setorizado, funcional do conceito de competência 4

SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS – SEBRAE, 2004. Disponível em :< www.sebrae.com.br>. Acesso em 02/04/2006.

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praticada nos serviços de recrutamento e seleção, de forma a possibilitar o entendimento mais amplo possível do conceito. Assim, considerando que a competência é individual, portanto, demandada em todos os níveis organizacionais (TOMASI, 2004), buscou-se a participação na pesquisa, de empresas prestadoras de serviço que selecionassem profissionais para os mais diferentes níveis e cargos, bem como, com atuação em organizações de diversos portes. Os dados da pesquisa foram obtidos por meio de entrevista individual, semiestruturada com os responsáveis pelo processo de recrutamento e seleção indicados pelas empresas escolhidas num total de oito, abordando os tópicos registrados em roteiro previamente elaborado, com base no referencial teórico estudado. Durante as entrevistas, foi solicitado aos respondentes que apresentassem fatos e opiniões pessoais, a partir das perguntas abertas formuladas. As falas dos entrevistados foram gravadas, o que garantiu a fidedignidade das respostas e facilitou sua posterior análise e categorização. Assim, foi possível constatar que, na empresa R&S2, há a concepção de competência “[...] como algo que pode ser desenvolvido; junta-se a isso a habilidade que é algo já adquirido e a educação; e por último, você põe em prática esses elementos.” Para o representante da empresa R&S1 “[...]competências são essas habilidades que nós temos, que a empresa precisa, que eu apresento. A empresa pediu uma série de habilidades, uma série de competências. Essas competências é que vou avaliar.” Na visão da entrevistada R&S5, a competência compreende

[...]as habilidades que uma pessoa utiliza, suas habilidades interpessoais; são as características das pessoas, que se percebem em toda a vida, tanto na parte

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interpessoal, quanto no trabalho, em qualquer ambiente. Há três anos começou a se falar em competência. Hoje, eles valorizam muito esta parte interpessoal, lidar com pessoas. (R&S5)

O representante da Empresa R&S8 assim expressa sua percepção: Pelo conceito que eu pratico disso, [...] a pessoa tem conhecimentos, habilidades e atitudes ou comportamentos frente a uma determinada situação. Envolve todos esses. O comportamento, então, está incluído dentro de uma competência... R&S8

Esses juízos revelam o entendimento do conceito de competência ligada à habilidade, em consonância com os estudos de Fleury & Fleury (2004). A entrevistada representante da R&S7, por sua vez, se refere à gestão de competências como modismos passageiros: “teorias que aparecem por momentos e que são adotadas pelo mundo do trabalho”:

Hoje tem uma metodologia: as empresas estão tentando trabalhar com gestão por competências. Cada hora muda. Antes, você tinha gestão por objetivos; hoje é gestão por competências. Quando se trabalha com empresa, dá para não se pensar em objetivo? (R&S7)

Gestão por competências são teorias que aparecem por momentos, e acho que esta é mais uma delas, e ela sistematiza uma forma de funcionar. E quando falamos de metodologia, eu me lembro que aprendi uma vez: você tem de ter uma metodologia, não importa qual. Se você não tem, você não tem história, você perde as coisas. (R&S7)

Assim, R&S7 associa o modelo de competências a uma moda passageira, uma imposição metodológica, em consonância com o entendimento de Le Boterf (2003), Ruas (2005), Fleury & Fleury (2004) e Dutra (2004) de que o conceito de competência não passa de mero aspecto burocrático no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores.

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Em síntese, pode-se constatar nos serviços de R&S o entendimento de competência como saberes mobilizados em face de uma situação, alinhando-se com a visão dos citados autores. Foi possível ainda evidenciar que o pessoal incumbido do R&S de trabalhadores, ao intermediar o processo, influencia e é influenciado pelas demandas das empresas. No primeiro caso, é essa uma oportunidade para que busquem introduzir uma visão inovadora, voltada para a valorização do desenvolvimento do perfil autônomo e empreendedor do trabalhador, abrindo espaço para o desenvolvimento de competências, em consonância com a abordagem de Zarifian (2001). Tal percepção pôde ser identificada no representante da Empresa R&S8, cuja base do entendimento da competência, segundo declarou, “provém de cursos, de livros [...], no curso de pósgraduação.” Segundo R&S8,

[...]as empresas, quando elas nos passam as competências para a gente avaliar os profissionais, muitas delas já dividem essas competências em comportamento ideal para o cargo, conhecimento ideal e experiência necessária de vivência ideal [...] R&S8

[...] as empresas que não têm um RH estruturado, e a maioria não tem [... ], aí a gente tem de atuar como um consultor, orientando esses empresários pra começar a falar sobre competência, mas de uma forma mais técnica, de uma forma que ele compreenda a importância [...], pois numa descrição de perfil, às vezes, a pessoa tem muita dificuldade de fazer a descrição de perfil, identificar o que realmente precisa na empresa [...] e tudo isso depende do momento em que a empresa pode desenvolver os profissionais, ou num momento em que ela precisa de uma pessoa pronta (R&S8).

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O conceito de competência da representante da empresa R&S3, por sua vez, alinha-se com a visão da Escola Americana, conforme material fornecido pela entrevistada5 sobre a abordagem comportamental (behaviorismo cognitivista). Em resumo, o conceito de competência, no âmbito dos serviços de R&S, é definido, em alguns casos, tomando por base aquilo que a empresa contratante entende como competência e, como tal, o conceito pode vir ligado aos princípios tradicionais do cargo e da pessoa certa para o cargo certo. Observou-se a tendência à adoção do modelo de competências que analisa o candidato quanto à mobilização dos saberes escolarizados, experienciais e atitudinais. Esse entendimento de competência, atrelado à rigidez do cargo, choca-se com premissas básicas do conceito de competência, quais sejam, a autonomia e a responsabilidade, em face de uma situação de evento. Isso configura mudanças burocráticas nos procedimentos de seleção de pessoas, como afirmam Fleury & Fleury (2004) e Dutra (2004), ou seja, refere-se à atribuição de roupagem nova a velhos conceitos. Logo, a pesquisa evidenciou o uso de práticas renovadas no processo de recrutamento e seleção; práticas que buscam capacidades, qualidades do trabalhador, mas sustentadas em velhos princípios. Essa exigência gera a necessidade de novos referenciais para a avaliação do trabalhador. Constatou-se nas entrevistas, por meio da exposição do candidato a uma situação problema, que o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores na atualidade recorre ao conceito de competência, o qual engloba três saberes (acadêmico, experiencial e atitudinal). O saber escolarizado, atualizado e mobilizado é fundamental. A trajetória profissional é de responsabilidade do trabalhador, sendo preferencialmente

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David McCleland, no artigo publicado em 1973, intitulado “Testar competências no lugar de inteligências”, afirma haver melhores preditores de desempenho futuro do que os tradicionais testes de inteligência e aptidões. McCleland viu no behaviorismo cognitivista, o foco principal da análise das competências, como o comportamento observável.

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marcada por curtos períodos de tempo na função ou na empresa. O saber experiencial, por sua vez, diz respeito ao saber-fazer. O saber atitudinal, igualmente relevante, sempre foi demandado, porém, no passado, de maneira menos explícita; na atualidade, é considerado essencial, já que o desenvolvimento

organizacional

pressupõe

o

desenvolvimento das pessoas. Evidenciou-se também que, ao avaliar os saberes preconizados pela qualificação, além dos saberes atitudinais, os serviços de R&S atendem aos ditames atuais do mundo do trabalho; contudo, não se verificou o rompimento com o princípio do cargo, estabelecido no modelo de produção taylorista-fordista. Na verdade, esses aspectos hoje demandados sempre integraram as características pessoais do trabalhador. Em face de uma realidade que parece pedir um novo perfil de trabalhador, Dadoy (2004) e Tomasi (2004) afirmam que o atual mundo do trabalho precisa apenas reconhecer no profissional as qualidades já existentes, mas até então não valorizadas nem avaliadas. Segundo Tomasi (2004, p.12)

[...] os trabalhadores, individualmente ou em pequenos grupos, sempre reclamaram um conceito de competência que, no entendimento deles, fizesse justiça às suas capacidades, aos seus conhecimentos, aos seus saberes, que não os homogeneizasse em face das demandas dos postos de trabalho (TOMASI, 2004, P.12).

De fato, um trabalhador qualificado, ocupando seu posto de trabalho e fazendo jus a determinado salário, sempre percebeu diferenças em termos de desempenho, conhecimento, capacidade, em relação aos demais. Portanto, sempre foi desejo dos trabalhadores serem valorizados, avaliados em virtude dessas diferenças. Nas convenções coletivas, os patrões mantinham a concepção de trabalhador vinculada ao modelo do posto, cargo e saberes, sem levar em consideração as qualidades do

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trabalhador, “elementos que o distingue e que hoje, reconhecidamente, agrega valor à produção.” Por essa razão não mudavam a forma de negociação coletiva. Nessa ótica, diferentemente de Zarifian (2001, 2003), que associa a competência à ruptura do modelo de produção taylorista-fordista e à demanda do patrão, compreende-se que a passagem do modelo de avaliação do trabalhador, da qualificação para a competência, é uma demanda do trabalhador, num contexto neotaylorista, caracterizado pela renovação, pelo abrandamento e não pela ruptura6 com o modelo taylorista-fordista, em face da inserção heterogênea do modelo de produção flexível.

Considerações finais

Este estudo buscou compreender o conceito de competência praticado nos serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores em Belo Horizonte frente à demanda por profissionais competentes. Para isso foram entrevistados oito representantes de agências de emprego. As empresas escolhidas deveriam estar operando há mais de cinco anos. A revisão teórica confrontada à pesquisa de campo possibilitou concluir que o perfil profissional competente compreende a mobilização de saberes escolarizados acrescido de experiências pessoais que contribuam para a vida profissional e dos aspectos atitudinais, estes considerados difíceis de serem avaliados, uma vez que dizem respeito à subjetividade do indivíduo.

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Na fase de coleta de dados desta investigação, foram visitadas duas indústrias uma do ramo automobilístico e outra de tecido. Em ambas coexistem o modelo taylorista-fordista e a produção flexível. Constatou-se a presença, no mesmo espaço físico, de alta tecnologia, robotização e informatização da produção e, de equipamentos e procedimentos tipicamente tayloristas-fordistas. A novidade é o rodízio dos trabalhadores nas tarefas, funções para aprendizagem e melhor qualidade de vida no ambiente fabril.

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A análise e interpretação dos dados permitiram constatar que o processo de recrutamento e seleção, na atualidade, renovou-se, devido às transformações na sociedade em nível mundial, afetando o mundo do trabalho. Na análise das falas dos entrevistados, constatou-se que a qualificação, (verificada por meio do Curriculum Vitae), é insuficiente para captar as capacidades do trabalhador atualmente avaliadas, razão pela qual é adotado o modelo da competência. Os dados revelaram a associação da competência com o cargo (prescrição de tarefas) disponibilizado pela empresa contratante; o cargo, por sua vez, na moderna concepção de carreira, não é mais visto como uma posição estável e de ocupação duradoura. A carreira é hoje associada a experiências diversificadas e de curtos

períodos em um cargo, muitas vezes, em

diversas empresas, e tais elementos indicam a capacidade de mudança, adaptação e flexibilidade do trabalhador. As práticas dos serviços de R&S, para identificarem as demandas dos empresários, centram-se inicialmente na visita à empresa, na observação do ambiente e na conversa informal com os trabalhadores e o superior hierárquico, com vistas a identificar a cultura organizacional e a construção do perfil profissional demandado. A captação dos candidatos é feita por meio da publicação de anúncios em jornais, ou em sítios eletrônicos corporativos dos prestadores de serviços de recrutamento e seleção. A análise do candidato, com vistas a considerá-lo com perfil competente engloba entrevistas, testes de conhecimento e inventários, visando a identificar os saberes relativos à profissão, à experiência e às características pessoais ligadas ao exercício do cargo. Assim, muito embora os entrevistados tenham se referido à competência e recorrido a práticas que visam a atestá-la e reconhecê-la no candidato, o entendimento do conceito de competência ainda se vincula aos princípios do cargo e da escolha da 23

pessoa certa para o cargo certo. Os aspectos da cultura da organização e do candidato são pontos relevantes observados no cruzamento entre o perfil demandado pelas empresas contratantes e o perfil ofertado pelos candidatos às vagas a serem preenchidas. Quanto à análise do perfil profissional competente, de forma generalizada, os serviços de R&S participantes da pesquisa avaliam os saberes adquiridos na trajetória escolar e profissional dos candidatos às vagas. Para isso, recorrem à entrevista e dinâmica de grupo, a exposição de situações-problema visando à análise do saber comportamental do candidato. Alguns serviços de recrutamento e seleção recorrem a um conceito de competência originado de estudos acadêmicos e do entendimento das empresas contratantes quanto às competências desejadas. Pôde-se constatar que há empresas contratantes que não fazem uso do termo competência. Nesse caso, os serviços de recrutamento e seleção tornam-se consultores, alertando as empresas quanto à conveniência dessa abordagem. De modo geral, observou-se que o discurso dos entrevistados denota o nãorompimento com o modelo tradicional de gerenciamento de trabalhadores. Muito embora esteja presente no processo seletivo o conceito de competência, os serviços de recrutamento e seleção e as empresas contratantes mantêm o princípio do cargo e da pessoa certa para o cargo certo acrescido fortemente pelo componente da cultura organizacional. Assim, a dimensão das atitudes manifestadas nos comportamentos confere significado e valor ao trabalho humano de tal forma que o saber-ser é essencial no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores.

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