Manifesto Artivista

June 15, 2017 | Autor: Rui Mourão | Categoría: Anthropology, Performance Studies, Contemporary Art, Politics, Visual Arts, Artivism
Share Embed


Descripción

MANIFESTO ARTIVISTA




Estamos aqui em ocupação artivista do Museu Nacional de Arte
Contemporânea – Museu do Chiado. Estamos a ocupar o museu em defesa do
museu e não contra o museu.


Isto não é teatro, nem encenação, nem nós somos personagens, embora o
que estamos a fazer seja uma grande performance. Performance para a qual, a
partir de agora, estão todos convocados. Os que a apoiarem e os que a ela
se opuserem.


Este ato coletivo, ao qual abro um espaço para que possa acontecer, é
um gesto simultaneamente artístico e político. Começarei por falar da
dimensão política, que é também artística, para depois falar da dimensão
artística, que é também política.


Politicamente, enquanto público e enquanto criadores de Cultura,
estamos verdadeiramente indignados – muito indignados, mesmo – com a
desvalorização a que estão votados os museus, as bibliotecas, os arquivos,
o teatro, o cinema, a dança, a ópera, as artes visuais, o património
cultural deste país e a sua criação contemporânea. Enquanto contribuintes
líquidos para o orçamento de estado e enquanto legítimos beneficiários do
que o estado nos deve dar em troca, estamos completamente revoltados com a
gestão do que é público e, em particular, no que diz respeito às Artes e à
Cultura.


Não é de animo fácil que tomei a decisão de abrir este espaço de
dissensão política e fazer disso o meu trabalho artístico no Museu Nacional
de Arte Contemporânea. Tão pouco cada um dos inúmeros participantes que
embarcou nesta aventura tomou essa decisão de animo leve. Contudo, neste
sistema político-económico não dispomos de outras formas relevantes de
fazer ouvir a nossa voz. Não nos chega votar de 4 em 4 anos e depois nada
fazer durante os dias, meses, anos seguintes em que assistimos à destruição
do setor cultural deste país. Quando a democracia representativa e formal
não tem suficientes canais de escuta, partilha, participação e decisão que
tenham em conta as nossas vozes, só nos restam atos como este.


Durante esta ocupação pacífica mas ativa, faremos uma assembleia
cívica para debater medidas e estratégias para os Museus, Arte e Cultura em
Portugal. No final desejamos entregar as nossas propostas a um responsável
máximo que defenda os interesses do setor cultural, de igual para igual em
conselho de ministros, ou seja, o Ministro da Cultura.


Artisticamente, esta ocupação vem fechar a troika artivista
(videoinstalação + livro + performance) que desenhei com o projeto OS
NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS. Com os nossos corpos, a nossa
energia, a nossa ação, os nossos sonhos, estamos a realizar no museu uma
performance que pretende demonstrar ao vivo e in loco, que as chamadas
performances artivistas podem contribuir para operar representações de
cariz subversivo que funcionem como formas de contrapoder e contestação. Na
sequência do processo que realizei de interpretações artísticas de
conteúdos antropológicos para compreender interpretações artísticas de
conteúdos políticos, esta performance propõe-se demonstrar na prática
aquilo que a videoinstalação representa e o livro ensaiou: que a arte, de
facto, pode empoderar as pessoas e que o corpo é o medium mais democrático
e universal para o executar – todos temos um.


O objetivo desta noite passa por experimentar e difundir formas
artivistas de obter uma voz na esfera pública com impacto suficiente para
constituir os seus agentes como atores políticos. Estamos pois perante um
laboratórico artístico-político que inclusive incorpora uma certa dimensão
semiológica, pois vários dos artivistas que aparecem nos conteúdos
audiovisuais da videoinstalação e no texto do livro, encontram-se aqui in
loco a ocupar o museu.


Nesta, como em qualquer performance artivista, são necessários 4
fatores-chave para que seja bem-sucedida:


1º - transmitir uma vibrante dimensão dissonante, recorrendo a formas
de comunicação mais emotivas e simbólicas que lógico-racionais;


2º - exercer-se de forma inesperada, criando impacto pelo elemento
surpresa;


3º - em espaço e/ou tempo com significado especial, jogando com as
noções artísticas de site-specific (associado ao espaço) e de narrativa
dramática (associada a datas e eventos simbólicos);


4º - ser registada e transmitida pelos mass media e/ou pela internet,
fazendo da esfera pública e do ciberespaço público, o palco mediático
que gera o público (note-se que sem público não há performance).


Sendo um dos elementos de sucesso das performances artivistas o uso do
inesperado – é o inesperado que espoleta intensidade emotiva – até à
ocupação efetiva dos corpos no seio da instituição eu nada podia revelar no
Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado. Em nenhum momento,
nenhum funcionário, absolutamente nenhum, soube previamente o que se ia
passar. Esse não-envolvimento pretendeu salvaguardar essas pessoas e,
simultaneamente, permitir que a ação tivesse lugar. Note-se que se fizesse
um aviso prévio, das duas uma: ou a performance não era permitida, e tudo
morria antes de nascer, ou era autorizada mas aí já não era disruptora, não
tinha força. Como tal, a haver consequências desta ação, devem recair sobre
mim, o mentor de tudo isto, e sobre todas as pessoas que partilhando os
meus pressupostos artísticos voluntariamente aqui estão a participar nesta
ocupação, expressando a sua indignação política em defesa dos Museus, das
Artes e da Cultura.


O espaço desta performance é o museu, mas convoca para o seu interior
uma série de simbolismos para além do museu. Traz a ocupação do espaço
público, da Praça, da Polis para dentro do museu e faz disso arte, evocando
o espírito da Acampada do Rossio, do Occupy Wall Street, das Acampadas
espanholas e de todos os occupys internacionais que há não muito tempo
atrás, em inúmeros espaços públicos de todo o mundo, trouxeram a discussão
assembleária direta e sem representantes para a esfera pública, utopia da
sempre mítica ágora grega, matriz do sonho Democrático.


Pondo o meu ego de lado, tarefa como sabem sempre difícil para um
artista e nunca inteiramente conseguida, aquilo em que sempre me tenho
tentado centrar, que me moveu chegar a este ponto de não retorno e que
espero que saibamos concretizar hoje aqui, é realizar o extraordinário,
todos juntos, em nome do que é Belo e do que é Justo. Ao realizarmos esta
ação podemos mudar algo na sociedade - ou não! - no entanto, com o exemplo
desta ação de certo modo somos nós próprios que nos podemos transformar. É
uma mudança que vem da expressão de uma consciência cívica mais crítica,
audaz, criativa, interventiva, sentida e livre, que não se esgota nas
normas institucionais, nem no mero voto de 4 em 4 anos e que pretende levar-
nos a viver uma experiência política com maior intensidade. A viver uma
maior intensidade pela emoção na crença em valores em que acreditamos,
podendo ser igualmente inspiradores para outros. A viver uma maior
intensidade pela emoção no animo da lúdica dramatização política. A viver
uma maior intensidade pela emoção na partilha com o outro em luta pelo que
consideramos bem comum. A viver uma maior intensidade pela emoção de
rompermos com códigos normativos porque não baixamos os braços ao injusto
dominante. E sendo maior esta intensidade emotiva de transformação do que
nos rodeia e, indissociavelmente, de nós próprios, com esta nossa
performance artivista pretendemos afirmar que estamos VIVOS. Estamos vivos
para além de um sistema que desmotiva, que mata o sonho e desencanta com os
seus vícios, limitações e falhas. Porque estamos dispostos a melhorá-lo.
Toda e qualquer performance artivista, só por existir, afirma na esfera
pública o próprio ideal de Democracia. E enquanto nós, cidadãos ativos para
além da norma e da estrita regra, estivermos vivos, esse ideal não morre.
Nem dentro de nós, nem nas ruas, nas praças ou nos museus de todos.


É chegados a este ponto, onde cessa o discurso e a performance segue
inexoravelmente, que termino citando Hannah Arendt:


"Nas formulações de Péricles – e, aliás, também nos poemas de Homero –
fica eminentemente claro que o significado mais profundo do acto
praticado e da palavra enunciada não depende da vitória ou derrota, e
não deve ser afectado pelo resultado final, pelas suas consequências
boas ou más. (...) é da sua natureza violar os padrões consagrados e
atingir o plano do extraordinário, onde as verdades da vida quotidiana
perdem a sua validade (...) enquanto a polis inspirar os homens a
ousarem o extraordinário, tudo estará seguro (...) A grandeza,
portanto, ou o significado específico de cada acto, só pode residir no
próprio desempenho - na performance - e não nos motivos que o
provocaram ou no resultado que produz."


Rui Mourão
Lisboa, 4 de julho de 2014
Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.