Ilhas de resistência

June 20, 2017 | Autor: Igor Roberto | Categoría: Conservation Biology, Herpetofauna
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Descripción

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FORTALEZA - CE, DOMINGO - 1 DE NOVEMBRO DE 2015

ÓRGÃOS AMBIENTAIS

FALTA CONHECER

fauna e flora Instituições ambientais que administram as unidades de conservação, como a APA desmatada, pouco sabem sobre o potencial de fauna e flora IGOR JOVENTINO ROBERTO/ACERVO PESSOAL

ARTIGO

IGOR JOVETINO ROBERTO, [email protected]

Ilhas de resistência Brasil é o país com maior número de anfíbios no mundo: cerca de 1.026 espécies ou 13,8% das que ocorrem no Planeta. Apesar de ignorados pela sociedade, são importantes para a manutenção dos ecossistemas onde habitam. Controlam populações de insetos, servem de alimento para outras espécies, além de importantes para o desenvolvimento de novos medicamentos provenientes de substâncias produzidas na pele deles.

O Fêmea do Leposoma baturitensis : agressões ao meio ambiente podem ter determinado a redução da população na APA da Aratanha

U

ma das saídas para conter as agressões à biodiversidade nas áreas de proteção ambiental é conhecer, em detalhe, a pluralidade de espécies (fauna e flora) que interagem nos biomas e se relacionam (visível ou imperceptível) com as populações humanas que foram ocupando a floresta de maneira desordenada. O problema é que a maioria dos órgãos ambientais pouco sabe, do ponto de vista científico, sobre matas que fiscalizam e administram. Perguntado por e-mail sobre quais pesquisas a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) desenvolve em relação a animais em extinção ou não na Área de Proteção Ambiental (APA) da Aratanha, José Ricardo Araújo, titular do órgão, informou que a “Semace não foi comunicada nem convidada a participar de nenhum estudo sobre espécies

em extinção na APA”. O POVO insistiu sobre a existência de estudos na APA. Ricardo Araújo respondeu que a “atribuição de gerir a fauna no Ceará passou para o Estado no final de 2011, com a publicação da Lei Complementar 140. De lá para cá, a Semace firmou um termo de cooperação técnica com o Ibama para a gestão dos bens faunísticos. O levantamento da relação de animais ameaçados de extinção é uma das atividades a serem desenvolvidas”, reformulou o gestor estadual para revelar a falta de conhecimento sobre a fauna da unidade de conservação e ausência de perspectiva para viabilizar pesquisas.

Inventário Em Maranguape, o secretário do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Agrário, Paulo Roberto Neves, tenta fazer diferente.

A Prefeitura de Maranguape também não conhece o potencial da Mata Atlântica dali que se desenha entre a APA municipal e estadual (Aratanha). Mas firmou uma parceria com a Universidade Estadual do Ceará (Uece), e mais três instituições (IFCE, Sema, Nutec), que viabilizará um inventário de fauna e flora da Serra de Maranguape. Com ênfase numa espécie de anfíbio que é endêmica: a rã adelophryne maranguapensis. “Através do Sistema de Modelo Inteligente de Cidades estamos implantando no município a Estação de Inovação e Tecnologias Ambientais (Eita). Uma Organização Social que envolve aspectos como ensino, pesquisa e inovação. Um dos projetos da Eita é também a revitalização das nascentes d’água”, informa Paulo Neves. A maior parte dessas ações ainda não saiu do papel. Mas é um começo. E quem sabe, assim, se terá um plano de manejo para a APA de Maranguape. E se compreenderá que arrancar da serra, sem critérios, alguns tipos de bromélias (para levar pra casa) pode atingir a existência da rã adelophryne maranguapensis. Ela costuma pôr seus ovos, de três a oito, nas folhas destas plantas bonitas. (Demitri Túlio) LEIA MAIS NAS PÁGINAS 1, 2 E 6.

ENTENDA O CASO 9/10/2015 - O POVO denuncia que pelo menos quatro hectares de Mata Atlântica foram derrubados na APA da Aratanha,a 11Km do sopé da serra de Maranguape. Além de destruir parte da mata úmida, também foi barrada uma nascente d’água. (http://migre.me/rNWKr) 10/10/2015 - Semace embarga a obra clandestina. (http://migre.me/rNWGs) 14/10/2015 - Prefeitura de Maranguape informa que não autorizou a construção de empreendimento na APA.

15/10/2015 - Fiscais da Semace constatam que empresário não obedeceu ao embargo. Um operário foi levado à Delegacia e inquérito foi aberto.

23/10/2015 - Secretário Paulo Neves, do Meio Ambiente de Maranguape, comunica à Semace e à Polícia que o responsável pelo desmatamento é o empresário José Fernando Leal. Ele não quis falar com O POVO.

Apesar da relevância no ecossistema, fazem parte do grupo mais ameaçado de extinção entre os vertebrados. E a perda de habitat, causada pelo desflorestamento, é a principal causa do declínio mundial desses animais. O Ceará está inserido no bioma Caatinga, na região semiárida do Nordeste brasileiro. Apesar de caracterizado pela vegetação que perde as folhas no período seco, cheia de espinhos, uma adaptação para as condições de falta de água durante maior parte do ano, o território cearense possui algumas serras como a da Aratanha, Baturité, Ibiapaba, Maranguape e Chapada do Araripe. Nelas, a vegetação é diferenciada. Uma floresta úmida nas áreas mais altas, abrigo para a maior diversidade de espécies de anfíbios daqui. Essas áreas são denominadas brejos de altitude, praticamente ilhas em meio à Caatinga. Muitas espécies, como Adelophryne baturitensis e A. maranguapensis, têm origem amazônica demonstrando que, no passado distante, houve uma ligação entre a Floresta Amazônica e Mata atlântica. As serras do Ceará abrigam espécies tanto de habitats mais secos, como as que ocorrem na Caatinga, quanto indivíduos adaptados a ambientes florestais úmidos. Como a Mata Atlântica e Amazônia. Há nesses pequenos fragmentos de mata uma alta diversidade de espécies, o que torna imprescindível a conservação. Além disso, são serras onde ocorrem todas as espécies de anfíbios endêmicas do Ceará. Ou seja, só se desenvolvem aqui. No caso da serra da Aratanha, pesquisas preliminares registram 29 espécies de anfíbios, cerca de 51,7% das que vivem no Estado. Três delas endêmicas do Ceará: Adelophryne baturitensis, Pristimantis sp e Dendropsophus sp (aff. decipiens). As duas últimas são espécies que estão em processo de descrição pela ciência, o que demonstra o quanto ainda precisa ser feito para conhecermos a diversidade daqui. Um fato preocupante é que todas as espécies mencionadas são extremamente dependentes da vegetação e das características ambientais que ocorrem na mata úmida da Aratanha. Temperatura e umidade, garantindo habitats propícios para reprodução e desenvolvimento. Os desmatamentos, como o ocorrido na APA da Aratanha, são extremamente prejudicais para a existência desses anfíbios. Sinal do descaso com a conservação da biodiversidade no Ceará e do País. Sinal de que a maioria dos anfíbios, ameaçados de extinção e endêmicos, está desprotegida. Sendo “pseudoconservados” em unidades de conservação de uso sustentável como Áreas de Proteção Ambiental (APA), carentes de fiscalização e que legalmente não impõem medidas mais restritivas à a exploração e ocupação humana. Igor Jovetino Roberto é biólogo (UFC) e mestre em herpetofauna do o Ceará (Urca)

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