GORDON STRETTON: TRAJETOS DO JAZZ NA AMÉRICA LATINA -1920

June 8, 2017 | Autor: Marilia Giller | Categoría: Transatlantic History, Jazz History, Jazz In Latin America, Brazilian Jazz, Black British Jazz
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GORDON STRETTON: TRAJETOS DO JAZZ NA AMÉRICA LATINA - 1920 Marilia Giller

Jeff Daniels

Marilia Giller - Pianista, pesquisadora e professora do curso Bacharelado em Musica Popular da Universidade Estadual do Paraná - Campus II - Faculdade de Artes FAP/UNESPAR // Mestre em Música/Etnomusicologia (UFPR-2013) // Especialização em Música Popular Brasileira (FAP2005) // Bacharelado em Música Popular (FAP-2007). Ênfase em: musica popular; arquivos e documentação; Jazz na América Latina, Brasil e Paraná. Contato: [email protected]

Jeff Daniels - Liverpool Hope University - Creative Campus – Inglaterra - Masters Degree Popular Music and Society Feb-2013. Great nephew of William Masters / Gordon Stretton.

O presente estudo apresenta aspectos da trajetória do músico Gordon Stretton (Liverpool + 1887/Buenos Aires – 1983) e sua atuação na América Latina. O objetivo principal é observar os circuitos internacionais, assim como, entender as relações profissionais e musicais realizadas como parcerias, produções e os locais de circulação. Ao verificar a chegada do jazz e os elementos que o desenvolveram nos países do Cone Sul da América Latina notamos que muitas Jazz Bands norte-americanas e europeias transitaram entre as cidades do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile, levando para esses lugares os modelos musicais em voga. Em 1923, Gordon Stretton foi um dos pioneiros do jazz nas cidades por onde passou e sua contribuição artística e cultural o posiciona como um dos responsáveis pela internacionalização do jazz na América Latina. PALAVRAS-CHAVE:

Gordon Stretton, Jazz, América Latina, Música Popular,1920

Este artículo presenta los aspectos de la trayectoria del músico, Gordon Stretton (Liverpool + 1887 / Buenos Aires - 1983) y su actuación en América Latina. El objetivo principal es observar los circuitos internacionales, así como también entender las relaciones profesionales y musicales llevadas a cabo como asociaciones, producciones y locales de circulación. Al observar la llegada de jazz y los elementos que se desarrollaron en los países del Cono Sur de América Latina, nos damos cuenta que muchas de las Jazz Bands norte-americanas y europeas transitaron entre las ciudades de Brasil, Argentina, Uruguay y Chile llevando para estos lugares, los modelos musicales de moda. En 1923 Gordon Stretton fue un pionero del jazz en las ciudades por donde pasó y su contribución artística y cultural lo posicionan como uno de los responsables de la internacionalización del jazz en América Latina. PALABRAS CLAVE:

Gordon Stretton, Jazz, América Latina, música popular, 1920

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1. O JAZZ TRANSOCEÂNICO NA AMÉRICA LATINA

Um exemplo é a companhia francesa de revistas Ba-Ta-Clan que visitou a América Latina

Esta pesquisa busca estudar a trajetória do músico Gordon Stretton, realizada na América

acompanhada pela Gordon Stretton Jazz Band ou Syncopated Six (Daniels & Rye, 2010:5).

Latina no inicio da década de 1920, e principalmente, observar sua passagem pelo Brasil no ano de 1923. Neste tempo Gordon vinha atuando na Europa, Londres e Paris, logo, chegou a Buenos Aires, passou por Montevidéu e pelo Brasil, no Rio de Janeiro. Depois disto, fixou-se em Buenos Aires, até o fim de sua vida em 1983 (Daniels & Rye, 2010). Se analisarmos os movimentos culturais ocorridos durante a modernidade e pontualmente o advento do jazz na América Latina, notamos os novos modos de identidade social e cultural formadas após o fim da Primeira Guerra Mundial. Entre os novos hábitos citadinos, a dança moderna norte-americana, feita ao som de músicas sincopadas surgem, promovendo transformações e o aparecimento de um tipo de conjunto instrumental, conhecido como Jazz-band (Giller, 2013:66). É recente a abordagem sobre o jazz na América Latina e noções a respeito do jazz latinoamericano, assim como, a observação das rotas e intercâmbios musicais ocorridos entre os países ocasionados por músicos em transito. Em cada continente ou país, a tradição do Jazz desenvolveu-se conforme movimentos de circulação especificos, estes, são apontados por Mark Miller (2005) e Taylor Atkins (2003), e na América Latina por Pujol (2004), Delannoy (2012), Corti (2012). Alguns elementos fundamentais para o desenvolvimento do Jazz neste período foram desenvolvidos por meio de partituras, fonogramas, imprensa e também por companhias artísticas ativas em teatros, salões, cafés, clubes e boates, e mais tarde, nas salas de cinema e programas de rádio, gerando com isto, a circulação de músicos, artistas, entusiastas e

em 1923, trazendo como estrela de seu elenco, a vedete Mistinguett que dançava e cantava, Esta banda é possivelmente, a primeira Jazz Band formada por músicos negros a se apresentar no hemisfério sul, justificando assim a importância desta pesquisa, pois ainda, além de agregar músicos brasileiros, eles também levaram para a Argentina e Uruguai um novo modelo musical. Estas histórias de deslocamentos, como a de Gordon Stretton, principalmente frente ao panorama transoceânico do Jazz, reproduz em parte a ideia de Paul Gilroy (1993), no livro ‘Atlântico Negro’, que busca definir a modernidade a partir do conceito de diáspora negra e seus episódios de deslocamentos, viagens e perdas, mas, observadas aqui, aquelas trajetórias ligadas ao hemisfério sul do oceano Atlântico, ocorridas nos primeiros anos da década de 1920. Exemplo disso, a trupe francesa Ba-Ta-Clan1, sob direção da empresária Madame Bénédicte Rasimi, que além de marcar a renovação no mundo do espetáculo em geral na América Latina, tem participação direta na passagem de Gordon Stretton e o seu grupo ‘Syncopated Six’ no ano 1923. Para fixar este panorama em transito, nos amparamos na ideia do mapa de trajetórias, que vem sendo desenvolvido e realizado pelo ‘Grupo de Trabalho Jazz na América Latina’ do IASPM-LA (Corti 2012:361), o mapa nos traz à luz o complexo sistema de rotas efetuadas por artistas entre os continentes, formando um movimento transnacional, que também inclui o Brasil e as suas cidades portuárias, principalmente o Rio de Janeiro. Os caminhos marítimos realizados por passageiros de varias espécies, entre a Europa, o Brasil e a Argentina, foram estudados pelo pesquisador José Carlos Rossini (1995), que nomeia este trajeto como ‘Rota

produtores. Ao contemplar as primeiras aparições de grupos de jazz no Brasil notamos que muitas Jazz Bands internacionais chegaram acompanhando vedetes famosas dos palcos europeus.

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Nota-se que, a Companhia apresentou-se pela primeira vez no Brasil em 1922, no Teatro Lírico no Rio de Janeiro (RJ).

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Ouro e Prata2’, relacionando o ouro ao Brasil e prata à Argentina. Identificamos assim a trajetória de Gordon Stretton, e consequentemente dos músicos que o acompanharam.

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a temporada no dia 4 de maio, e para juntar-se a Companhia Gordon Stretton e seu sexteto chegam em Buenos Aires em fins de maio. Depois de quase dois meses, partem para Montevideo, no Uruguai, no dia 15 de julho e estreiam no ‘Teatro Solis’ no dia 19 de julho. No dia 29 julho, partem para o Rio de janeiro chegando dia 3 de agosto de 1923 (Daniels & Rye, 2010).

2. GORDON STRETTON NA ROTA OURO E PRATA Gordon Stretton nasceu como William Masters em 5 de Junho de 1887, e passou seus últimos anos, até sua morte em 03 de maio de 1983, na Argentina. Nascido em Liverpool, (UK) mas com ascendência jamaicana e irlandesa, inicia a carreira com nove anos acompanhando a trupe de dança de meninos sapateadores, chamada Eight Lancashire Lads. Depois, torna-se famoso no teatro britânico com seu canto e dança. Em 1907, participa do Jamaican Choral Union. Lidera o coro em Liverpool e atua em 1914 com o grupo Versátile Four, pioneiros do jazz na Inglaterra. Nos últimos anos da década de 1910, em Paris, Gordon Stretton, com 35 anos, monta o sexteto Orchestra Syncopated Six, sendo atração dos cafés franceses. Em meados do mês de maio grava seis faixas para o rótulo Pathé de Paris3, (Daniels & Rye 2010:82). Em 1923 o grupo acompanha a vedete Mistinguett na turnê da Companhia Ba-Ta-Clan realizada na América do Sul, incluindo a Argentina, Uruguai e o Brasil. Rumo a Buenos Aires, os jornais brasileiros anunciam a passagem da Companhia francesa pelo Rio de Janeiro no dia 28 de abril de 1923. Na capital portenha, a Ba-Ta-Clan inaugura

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Percebemos na pesquisa, dois pequenos pre-trajetos: o primeiro liga os EUA até a EUROPA, nele chegam músicos que mais tarde farão parte da história de Stretton, como Paul Wier, John Forrester, Will Marion Cook. O segundo pre-trajeto: a rota entre Londres e Paris, nele Stretton e os demais chegaram na capital francesa. (Daniels & Rye 2010; Miller 2005; Atkins 2003). Foram registradas por Crickett Smith e Bobby Jones nos trumpetes, Paul Wyer no clarinete, Adolph Crawford e Sadie Crawford nos saxofones e o trombonista John Forrester. Sabe-se que Gordon foi o cantor, a bateria foi de Dordley Wilson (Daniels & Rye 2010:82).

A Companhia Ba-Ta-Clan estreia no Rio de Janeiro no dia 4 de agosto, no ‘Teatro Lyrico’, fazem duas temporadas no Rio de Janeiro, em agosto e em outubro, estando durante o mês de setembro em São Paulo. A Jazz Band de Gordon veio para acompanhar as apresentações de Mistinguett e Earl Leslie, ambos já haviam consquistado os palcos de Paris, porém, no inicio de setembro, a dupla parte para Nova York, e Madame Rasimi, logo passa a anunciar a substituição dos artistas pelo cantor Randall em ‘Bonsoir’ a 3º revista do Ba-Ta-Clan. Porém, Gordon Stretton permanece no Brasil até dezembro e nestes tres meses no Rio de Janeiro, alarga seu espaço de ação profissional atuando em espaços diversos, realizando produções e contracenando com artistas locais. Pelas notícias de jornais do período, procuramos observar os movimentos de Stretton, primeiro pelas noticias relacionadas a Mistinguett e Leslie, e em um resumo da revista ‘C’est la Miss’, constatamos a apresentação da maioria das canções de Mistinguett como: “Une femme que marche”, “Carolina”, “La Lolita”, “Mon Homme”. Em seguida Earl Leslie aparece com “Speciality”. Em ‘La marche d l’etoile’ Mistinguett aparece no quadro “La fabrique des revues” e no 2º ato, surge em “J’em ai marre”, a seguir Earl Leslie apresenta “Lês Cannes” acompanhado de Mistinguett e da ‘Gordon Stretton Jazz Band’. Em “Le dancing” Mistinguett exibe a canção “Java”. (O Paiz, RJ, 14/08/1923). A produtora Madame Rasimi também organiza apresentações e chás dançantes em tardes elegantes nos hotéis de luxo. Em 10 de agosto, realiza-se a primeira ‘Festa da Moda’, com um ‘Chá Dançante’ animado pela ‘Gordon Stretton Sincopated’. No ‘Hotel Glória’, em 15 de agosto, acontece outra festa, para a comemorar do dia de Nossa Senhora da Glória e

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também data de criação do hotel. Entre as surpresas artísticas anunciadas, a apresentação da ‘Gordon Stretton Jazz’.

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No dia 06 de outubro, Gordon Stretton aparece organizando uma ‘soirée’ dançante no salão do ‘Palace Hotel’. O baile foi em homenagem aos oficiais do cruzador americano ‘Rich-

Mistinguett iria deixar a Companhia a partir do dia 24 de agosto, e neste mesmo dia os

mond’ (O Paiz, RJ, 06/10/1923). Neste jornal aparece uma foto do sexteto, como também,

artistas participam de um festival artístico no ‘Teatro Lírico’, realizado em benefício da ‘Casa

na Revista Fon Fon, 13 de outubro 1923. Nota-se em ambas a descontração na postura

dos Artistas’ e promovido pelo jornal A Noite do Rio de Janeiro (A Noite, RJ, 15/08/1923).

dos músicos, que procuravam estar vestidos de maneira idêntica, basicamente seguindo o

Durante a última semana de agosto os jornais passam a anunciar o baile de inauguração do

padrão - terno escuro, calça branca e gravata borboleta - na atmosfera geral notamos certa

“Hotel Copacabana Palace” para o dia 1° de setembro, como atração principal a estrela pari-

irreverência.

siense Mistinguett e seu bailarino Leslie supostamente acompanhados da ‘Gordon Stretton

Stretton e sua banda estreiam no ‘Cinema Central’ no dia 26 de outubro para uma tem-

Jazz Band’4. Alguns comentários sobre a festa noticiam a presença das “figuras mais em

porada longa. Em O Imparcial do dia 04 de novembro, encontra-se um desenho a lápis, em

voga dos teatros”, Mistinguett se apresenta naquela noite entre várias orquestras, uma delas

linhas que definem a imagem do sexteto que ainda apresentava-se no ‘Cinema Central’, em

a brasileira ‘Jazz Band Sul-Americana’ de Romeu Silva. Ainda, neste mesmo dia, a ‘Jazz Band

quatro horários e durante 20 minutos, alternando-se com outros artistas e as projeções cine-

Gordon Stretton’, apresenta-se no ‘Restaurante Assyrio’ durante todas as noites em uma lon-

matograficas da Fox Film. Incluindo uma temporada com a artista brasileira ‘Helly 1ª’ e o trio

ga temporada (A Noite, RJ, 03/09/1923).

de sapateadores: ‘Douglas, Marie Cook e Jones’, conhecidos como os ‘Reis dos Sapateado-

Após a partida de Mistinguett para Nova York, o nome de Gordon Stretton vem a público

res’ (O Imparcial, RJ, 04/11/1923).

com mais evidencia a partir do mês de setembro até fins de dezembro de 1923. Madame

Gordon faz uma temporada durante o inicio de dezembro no ‘Casino Teatro Phoenix’, e

Rasimi segue com a revista ‘Oh! La! La!’ e novos artistas principais: Diamant e Randall. Em

em meados daquele mês, estréia apresentando danças e cantos característicos ‘norte ame-

setembro, partem para uma temporada em São Paulo no ‘Teatro Santana’. Nota-se, portanto,

ricanos’. Ele aparece nos jornais brasileiros até o dia 22 de dezembro, depois disto, partiu

que Gordon não acompanhou esta temporada,visto que no dia 23 de setembro encontra-se a

para apresentar-se no verão de Mar del Plata na Argentina.

notícia de uma ação judicial dele contra os empresários do Ba-Ta-Clan, exigindo destes, seis

Em Buenos Aires, sabe-se que acompanhou filmes mudos no ‘Cinema Paramount’, e par-

passagens, uma para ele e as outras para seus companheiros, ao que tudo parece, o repre-

tilhou o palco com a Cayetano Puglisi Orchestra, foi o artista preferido do Príncipe de Gales

sentante da empresa entregou as passagens pedidas (Correio da Manhã, RJ, 23/09/1923).

(o futuro Rei Edward Vlll e Duque de Windsor) quando este visitou a Argentina em 1925. (Daniels & Rye 2010). No ano de 1928, consta que o clarinetista brasileiro Luis Americano, um

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Porém, no dia 31 de agosto, surgem dois protestos dos empresários brasileiros Lambart & C e Jose Loureiro, que gerenciavam o Ba-Ta-Clan no Brasil. Os protestos foram um contra Mme Rasimi, na qualidade de diretora da Companhia Ba-Ta-Clan e outro contra o Copacabana Palace Hotel, pois conforme clausula contratual, provavelmente os principais artistas da Companhia, não poderiam participar de outros acontecimentos artísticos.

dos ícones do Choro, trabalhou três meses tocando na orquestra de Stretton. Em julho de 1929 ele aparece no ‘Cine Teatro Suipacha’, em março de 1931 Stretton apresentava-se no ‘Side Beach Ocean Club’, Mar del Plata, Argentina.

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Em 1931, o jornal Diário Carioca de 7 de junho, anuncia a chegada da artista Little Esther

sensação do conjunto do baterista americano Gordon Stretton, o ‘Gordon Stretton Jazz Band’,

acompanhada da ‘Gordon Stretton Jazz Sinfônico’, formada por 15 músicos, do qual fazia

que acompanhava a cantora e bailarina Little Esther”. Neste trecho, observamos um equí-

parte o brasileiro Orozino Souza. Depois de uma longa temporada na Europa o grupo passa

voco, pois a primeira excursão da Companhia Francesa foi no ano 1922, e Gordon Stretton

por Buenos Aires e Rio de janeiro. Gordon continua trabalhando e produzindo até falecer em

acompanhou Little Esther somente em 1931, com um grupo em formação de jazz sinfônico.

Buenos Aires em 1983, aos 95 anos.

Mello acrescenta, em nota de rodapé, o nome dos músicos americanos que acompanharam Stretton, são eles: John Forrester (trombone ou piano), Paul Wiser6 (clarineta) e ainda, um trompetista que foi substituído pelo brasileiro Ignácio Acioly (Mello 2006:76). É interessante

3. EM TRÂNSITO PELA AMERICA LATINA

notar que estes músicos também aparecem na gravação da Andreozzi Jazz Band7, a maioria fox-trots americanos, Paul Wiser na clarineta e o trombonista John Forrester tocando piano.

Para perceber o caminho realizado por Gordon Stretton na América Latina, nos baseamos

A presença dos novos instrumentos nas formações instrumentais é notada no Brasil,

em livros de referência como: Guinle (1953); Ikeda (1984); Vedana (1997); Pujol (2004), Miller

quando neste tempo a maioria dos grupos brasileiros mantinha formações conhecidos

(2005); Mello (2007).

como “regional”, constituída basicamente por violão, flauta, cavaquinho e percussão. Os au-

O primeiro livro sobre Jazz no Brasil - ‘Jazz Panorama’ - lançado em 1953 com autoria de

tores concordam que a bateria foi trazida ao Brasil em 1919, durante a excursão do pianista

Jorge Guinle (1953) anuncia a passagem de Sretton em 1922 quando este acompanha “Mis-

euro-americano Harry Kosarin, acompanhado de sua Jazz Band (Guinle 1953; Ikeda 1984;

tinguett com sua companhia Ba-Ta-Clan, chega ao Rio para atuar no Teatro Lírico, trazendo

Tinhorão 1998; Mello 2007).

consigo uma orquestra de negros americanos cujo chefe era o baterista Gordon Straight”.

No livro ‘O Jazz em Porto Alegre’, Hardy Vedana (1987) lembra que o músico Herald Alves

Lembramos que a Companhia Ba-Ta-Clan não pertenceu a Mistinguett, e sim a Madame Be-

do Jazz Espia Só, começou a usar a bateria completa, a partir de 1924, quando “naquele ano,

nedict Rasimi, ainda, a vedete francesa Mistinguett vem ao Brasil no ano de 1923 e não em

um conjunto de jazz americano, de nome Gordon Stretton Jazz Band, tendo como cantora

1922. Também notamos que a orquestra é noticiada como sendo de “negros americanos”5,

Little Hester, fizera uma tournée pela América do sul com a Companhia de Revistas Ba-Ta-

vamos lembrar que alguns eram norte americanos, mas Gordon é nascido em Liverpool e

-Clan, da Mistiguett (...)”. É importante notar neste texto, o autor cita a passagem do Ba-Ta-

seu nome aparece como ‘Gordon Straight’ (Guinle 1953:90).

-Clan no ano 1924, e não em 1922 ou 1923. O autor diz que a cantora é Little Esther, além do

No capítulo cinco, do livro ‘Música nas Veias’ de Mello (2006:6), aparece a informação “Na primeira excursão da Companhia Ba-Ta-Clan ao Brasil, em 1923, o instrumento [a bateria] foi a 5

Esta questão que identifica os músicos como ‘norte americanos’, pode indicar aspectos que envolvem problemas inerentes a raça, nacionalidade, identidades locais ou produção de outras identidades como forma de negociar com as novas culturas intercontinentais.

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Paul Wier - aparece o nome Wiser, na realidade seu nome é Paul Wier, conhecido como Pensacola Kid (Miller, 2005).

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O grupo era liderado pelo violinista paulista Eduardo-Andreozzi (1892-1979), e apresentava-se na sala de espera do Cine Odeon e no ano 1923.

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nome ‘Hester’ estar escrito de forma diferente, reafirmamos que a artista não fez tournées

Nota-se a euforia daquele momento quando ele segue dizendo, “O jazz-band é o futurismo da

com o Ba-Ta-Clan, e somente passou pelo Brasil em 1931.

música. Na Europa, abalada e pasmada pela guerra, as tropas americanas não só levaram o

Dois autores indicam a possibilidade de Gordon ter se fixado no Brasil, em Pujol (2004:20),

triunfo de suas armas e o vigor de suas energias: fizeram muito mais do que isto, deixando o

lê-se que Stretton “no final dos anos [19]30 voltou para ficar - começou em Buenos Aires, de-

jazz-band”. Gordon explica que a “arte do jazz não é a arte comum de uma partitura qualquer.

pois de ter passado longa temporada no Brasil, e sendo bastante conhecido em Paris”. Hardy

Nem todo mundo pode ser jazz-bandista, porque para ser jazz-bandista é preciso que se seja

Vedana (1987:18) escreve: “Basta dizer que o baterista do conjunto, em virtude da fama que

um talento criador, saber converter todos os pequenos motivos que a hora sugere, em notas

aqui obteve, acabou se radicando no Brasil” (Vedana 1987:18). O grupo de Gordon também é

estranhas, dentro do ritmo particular, personalíssimo”. Sobre o Brasil ele diz “colhemos os

mencionado como introdutor do banjo, instrumento típico de Jazz Bands e que viria a subs-

louros de havermos introduzido aqui a música sem par que no velho continente se faz um

tituir o violão nos conjuntos musicais (Vedana 1987:17).

delírio” (A Pátria, RJ, 22/09/1923).

Em uma entrevista chamada: ‘Gordon mudou tudo no Rio’, localizada no Diário da Noite de

Uma questão que necessita reflexão é o fato da maioria dos autores e anúncios de jor-

1961, Jorge Guinle descreve a atmosfera da estréia do Ba-Ta-Clan: “Realmente, o Rio de Ja-

nais divulgarem Gordon Stretton como sendo um músico norte-americano, ou americano,

neiro em peso movimentou-se naquela noite de 4 de agosto de 1923 para assistir no Teatro

ou que sua Jazz Band é norte americana. Devemos levar em consideração que os fatores

Lírico”. Guinle descreve que “acompanhando o dançarino e cantor Earl Leslie (...), vinha esse

sociais na América Latina eram confusos e ainda estão em transformação. As questões de

famoso “The Gordon Stretton Syncopated Six”. Segundo o autor, “Gordon era um mulato es-

raça, nacionalidade e identidade, carregam histórias de colonialismo e racismo, visto que, a

curo, cabelo repartido, baixo e magrinho, mas tocava as ‘parpas’ o piano”.

miscegenação socio-cultural se processou em complexos panoramas. Nos meses que fi-

Guinle finaliza afirmando, “o Fox entrou, o Charleston, o Ring Times e outros ritmos toma-

cou no Brasil, Gordon manteve relações profissionais e musicais, foram realizadas parcerias

ram conta do Rio de Janeiro, apesar de já serem aqui tocados” e complementa “pode-se dizer

com cantores, instrumentistas e bailarinos, as produções atingiram uma proporção efetiva

que com a Gordon Stretton, todas as orquestras de jazz se modificaram no Rio”. E por supos-

nos principais locais de circulação. Gordon Stretton, além de um dos pioneiros, foi um dos

to, no Brasil e outros países da América Latina. Guinle conclui a entrevista contando sobre

responsáveis pela internacionalização do Jazz no panorama cultural transoceânico ocorrido

Gordon, “Quando veio ao Brasil tinha uma grande reputação em toda a Europa e realmente

na América Latina.

no período de 1923 modificou o sistema e a maneira de execução de nossas orquestras de jazz” (Diário da Noite, 1961). No jornal A Pátria, encontra-se uma entrevista peculiar de Gordon Stretton, chamada: ‘O

REFERÊNCIAS

Jazz - O que nos disse o Sr. Stretton’. Para ele, o Jazz Band é “Fruto ótimo de nossa época de movimentos, de rapidez, de desvairamentos, de super refinamentos, em que os nervos gastos de emoções violentas, sentem necessidades de coisas novas, estranhas, esquisitas”.

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