Família, violência e transgeracionalidade: estudo de caso

September 12, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoría: Sociologia, Violencia, Sociología, Violência, Familia, Estudios de Género y Familia
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Família, violência e transgeracionalidade: estudo de caso Paula Isabel Santos, Laura M. Nunes, Vera Silva e Teresa Brito Universidade Fernando Pessoa (Portugal)

Apresentaremos um estudo de caso sobre uma senhora, que acompanhamos em consultório, vítima de maus tratos por parte do marido durante cerca de duas décadas. Este caso parece ilustrar a teoria da transgeracionalidade, pois soubemos que a referida paciente havia já assistido a cenário idêntico em casa dos seus pais, ao visionar impiedosamente episódios de violência do seu pai, consumidor problemático de álcool, para com a sua mãe. Eventualmente este quadro familiar, “obrigou-a” a casar muito jovem, com 15 anos, imaginando estar a proteger-se da situação disfuncional que vivenciava, acabou por vê-la repetida, desta vez na primeira pessoa, tendo sido vítima de maus tratos por parte do marido, também ele consumidor de álcool, 15 dias após o casamento. Esta situação foi sendo consentida pelas fragilidades sócio-económicas que a senhora apresentava. Este caso a nosso ver, parece ilustrar como uma família disfuncional é muitas vezes a raiz de sofrimento e desajustamento social. We present a case study about a woman who followed in therapy, the victim of mistreatment by her husband for about two decades. This case seems to illustrate the theory of transgenerationality:, because we knew that this patient had already seen similar scenario in his parents' home, watch the ruthlessly violent episodes of her father, consumer of alcohol, towards his mother. Eventually this family picture, "forced" her to marry very young, at age 15, imagining themselves to be protecting the dysfunctional situation that was experiencing, just to see it repeated, this time in first person, having been the victim of abuse by her husband, also a consumer of alcohol, 15 days after the wedding. This was conceded by the socio-economic weaknesses of the young woman. This case, in our point of view, seems to illustrate how a dysfunctional family is often the root of suffering and maladjustment. Palavras-chave: Família, disfuncionalidade, violência, transgeracionalidade e álcool. Keywords: Family, dysfunctional, violence, alcohol and transgenerationality

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INTRODUÇÃO “Some of the most destructive violence does not break bones, it breaks minds.” (Vachss cit in Sani, 2002) A violência no seio da família foi sendo assistida e consentida pela sociedade durante séculos como forma de educação e com o pretexto de que “entre marido e mulher, ninguém mete a colher”, contudo, nas últimas quatro décadas temos vindo a assistir a um crescente interesse e preocupação por este fenómeno, que passou assim a ser objecto de investigação, actuação e até prevenção. Nesta última perspectiva apresentaremos um estudo de caso, no qual se constata que a violência acaba por ser “uma forma de vida”, fazendo esta, parte dos rituais familiares e acabando por passar de geração em geração quase incólume, sublinhando as teorias que apelam à transgeracionalidade de valores, de conceitos de normas, de medos e até de esperanças. Assim o presente caso terá como fim último, alertar para a prevenção deste fenómeno, que não sendo novo merecerá uma nova abordagem, não apenas a de ajuda à vítima, mas igualmente ao agressor/vitimizador e sobretudo à geração vindoura. Pois a prevenção será (também neste caso) a melhor forma de protecção. Depois de fazermos uma breve abordagem bibliográfica aos conceitos de família, violência e transgeracionalidade, será apresentando um caso clínico, que parece ilustrar de forma muito clara a teoria da transgeracionalidade, ao qual se seguirá a discussão do mesmo.

FAMÍLIA O conceito de família tem sofrido grandes reestruturações ao longo do tempo, e segundo a linha de pensamento de Barker (2000) é difícil definir o conceito de família. No entanto, e segundo o mesmo autor, o mais importante é ter em conta a capacidade que a família tem ou não de responder às necessidades materiais, emocionais e espirituais dos seus elementos.

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A família constitui a instituição social mais antiga, com origem na própria origem do homem. “A família é, pois, o espaço natural onde se faz a transmissão de valores éticos, culturais, sociais e cívicos” (Martins, 2002, cit. por Petronilho, 2007). Maxler e Mishler (cit in Gimeno, 2001) definem a família como um grupo primário, que convive ao longo das várias gerações e mantém relações de parentesco caracterizadas pela intimidade que se prolongam no tempo. Carter e McGoldrick (1995) acrescentam que a família é uma “unidade de pessoas em interacção”, cresce e evolui através do tempo, constituindo o contexto onde o indivíduo se desenvolve. Alarcão (2002) sobre a definição de família refere que “a família é assim um principais grupos sociais, com características e identidade próprias” (Alarcão, 2002, Relvas, 1996). Assim sendo, e como papel principal de referência onde o indivíduo cresce e aprende as normas e os valores que muitas vezes o acompanham para o resto da sua vida, a família assume sem dúvida um papel de enormíssima importância, quer na formação da personalidade quer na conduta do sujeito.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA A família devia ser a maior instituição protectora do indivíduo, aquela onde ele vai buscar carinho, valores, motivação, e orientação. A família devia ser o porto de abrigo, contudo, na verdade e subscrevendo Gelles (1993), a família (por vezes) é uma, senão a maior, instituição social violenta. O fenómeno da violência doméstica tem assumido, quer a nível nacional quer internacional, uma importância verdadeiramente pública, uma vez que atenta contra os direitos e contra a qualidade de vida das pessoas e de muitas comunidades e como tal, não deve ser considerada como uma questão de foro particular. É na família que ocorre um conjunto de crimes de que resultam vítimas, na sua maioria mulheres, crianças e idosos e/ou dependentes, que sofrem directamente os efeitos físicos da vitimização, bem como com as suas consequências sociais, as quais emergem na desorganização total ou parcial dos seus projectos de vida. Aos efeitos sociais da vitimização juntam-se todos aqueles que resultam da falta de respostas adequadas e decorrem da omissão de uma AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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política global para este problema social (Gonçalves & Machado, 2002; Matos, 2006; Azambuja, 2008). Assim, violência doméstica é qualquer acto, conduta ou omissão que envolva reiteradamente ou de forma não casual ou acidental sofrimento físico, psíquico ou sexual (por meio de ameaças, enganos, coacção ou qualquer outro meio), a qualquer pessoa que habitando ou não no mesmo local do agressor possua com ele uma relação de proximidade (e.g. ex-companheiro/a) ou de consanguinidade (Gonçalves & Machado, 2002; Coimbra et al., 1990). A violência na família constitui um fenómeno complexo, multifacetado e transversal, afectando vários elementos da mesma em diferentes vertentes da sua vida, quer social, quer económica, psicológica e até amorosa (Lourenço & Lisboa, 1992).

VIOLÊNCIA ENTRE O CASAL A violência no casal não diz respeito apenas a duas pessoas, ela incluiu todos os membros da família que vivem na mesma casa e o seu efeito devastador depende do papel que cada membro ocupa na estrutura familiar. Perry (1997) afirma ainda que a violência não resulta apenas em danos no corpo, ela regista danos sobretudo na alma. Nas famílias disfuncionais, o marido tende a ver-se como o poder absoluto dentro do sistema familiar. Ele acredita que a sua posição quando única fonte de rendimento na família lhe concede o direito de exercer o controlo de todos os aspectos da vida familiar e sobre todas as pessoas que vivem na mesma casa. Forte, Franks, Forte, e Rigsby (1996) acreditam que o marido agressor vê-se a ele próprio como tendo um papel muito mais importante, auto-conferindo-se direitos acrescidos, incluindo os da punição. Por outro lado a vítima acaba por aceitar estas “regras”, acabando não raras vezes por aceitar os seus castigos e muitas vezes culpabilizando-se pelos actos agressivos do parceiro, sofrendo frequentemente de “depressão, baixa auto-estima, medo, solidão, culpa e vergonha” (Peled, Eisikovits, Enos, Winstock, 2000). Não raramente a mulher sofre também de dependência económica, o que não lhe permite grande liberdade de movimento e/ou de pensamento (Forte, Franks, Forte, Rigsby, 1996, p. 62). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Quando existem filhos, a decisão de deixar o agressor ou ficar por causa destes não é fácil. Mulheres maltratadas consideraram cuidadosamente os prós e contras de manter a família unida, ou terminar o relacionamento, significando esta segunda opção a perda de recursos financeiros e muitas vezes a perda dos próprios filhos (Dutton, Gordon, 1996; Peled, Eisikovits, Enos, Winstok, 2000).

TRANSGERACIONALIDADE O fenómeno da violência não afecta aqueles que a vivem no presente. Para esses elementos como já referimos a violência deixará as suas marcas, contudo ela continuará os seus efeitos nas gerações seguintes, mesmo aquelas que ainda não eram nascidas quando a violência ocorreu, pois passará de geração em geração numa cadeia intergeracional. O padrão intergeracional é definido a partir dos legados, valores, crenças, segredos e mitos que se perpetuam e integram a história da família (Wagner, 2005). Desta forma, e numa perspectiva transgeracional, o processo de transmissão baseia-se no pressuposto de que o indivíduo se insere numa história pré-existente, da qual ele é herdeiro e prisioneiro (André Fustier & Aubertel, 1998, citado por Wagner, 2005; Bowen, 1978). Groisman (2000) e Guidi (2001) defendem que a análise dos processos de transmissão da violência podem ocorrer através de transmissão vertical e transmissão horizontal, sendo que a primeira corresponde a um fenómeno de hereditariedade social no qual a violência gerada no interior da própria família é transmitida de pais para filhos, enquanto a transmissão horizontal é um mecanismo através do qual a violência gerada na sociedade onde a família está inserida atinge a criança de forma directa ou indirecta. Em famílias disfuncionais, a vítima mostra fortes tendências a tornar-se mais tarde num agressor (Saunders, 1994). Rudo e Powell (1996) acreditam que os abusadores a mulheres e crianças foram eles próprios vítimas de abuso, replicando agora como maltratantes a situação vivida como maltratados.

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Em famílias disfuncionais onde a prática educativa é baseada no medo e na punição, as crianças criadas nesse ambiente são incapazes de adquirir habilidades sociais adequadas (Fraser, 1996), e provavelmente vão-se tornar agressivas em relação às pessoas em posição de autoridade, e aos seus pares (Perry, 1997). Outros factores correlacionados com a violência na família incluem a pobreza, o status sócio-económico baixo, a doença mental e o abuso de drogas e/ou álcool (Fraser, 1996). O abuso de drogas e/ou álcool é outro factor de abuso e maus-tratos. Por outro lado, mulheres vitimas de maus-tratos, podem elas próprias vir a sofrer de dependência e a negligenciarem a tarefa da parentalidade (Saunders, 1994; Dutton, Gordon, 1996). Mulheres e crianças que têm um histórico de abuso físico e/ou sexual, muito provavelmente sofrem de stress extremo, o que prejudica as suas capacidade emocionais, comportamentais, cognitivas e interpessoais (McNew, 1995). As crianças educadas em ambientes agressivos mostram muitas vezes dificuldades relacionais, tornando-se elas próprias agressivas, pois não têm outros modelos para resolver conflitos (Fraser, 1996). Depressão, raiva, baixa auto-estima e dificuldades de aprendizagem são também frequentes em crianças que assistiram ou foram vítimas directas de agressões familiares” (Burman & Meares, 1994; Marans, & Cohen, 1993) e têm fortes probabilidades de mais tarde se virem a tornar agressores (Rudo & Powell, 1996; James, 1994).

TRATAMENTO O tratamento para as famílias em crise depende de vários aspectos, incluindo quantas pessoas estão envolvidas nesta matéria, a duração e extensão do problema bem como de tentativas anteriores que a família efectivou no sentido de resolver o problema. O tratamento e intervenção devem ser direccionadas para as necessidades de cada indivíduo envolvido. O rastreio adequado irá determinar o plano de tratamento adequado. Este rastreio inclui avaliação psicológica e social de todos os elementos (Saunders, 1994, p. 54; Forte, Franks, Forte, Rigsby, 1996). O tratamento poderá passar AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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por terapia individual, terapia de grupo, ludoterapia e terapia familiar (Burman & Meares, 1994). O tratamento de crianças vítimas deve ser diferente do tratamento de vítimas adultas (Burman & Meares, 1994). É importante que as crianças tenham oportunidade de expressar os seus verdadeiros sentimentos e emoções, sem influências negativas, e sem receio de o fazer, com base na confiança e empatia. A ludoterapia centra-se em “romper as barreiras de comunicação”, com o uso de “técnicas de comunicação simbólica”. A terapia de família inclui todos os indivíduos envolvidos. O foco da terapia familiar é diminuir os actuais padrões de comportamentos negativos dentro da família. O tratamento deve acontecer o mais cedo possível no sentido de evitar mazelas irreversíveis. Outra abordagem é a terapia de casal. Durante as sessões, os cônjuges são estimulados a falar sobre os aspectos positivos, bem como os negativos na vida familiar (Peled, Eisikovits, Enos, e Winstok, 2000), incluindo treino de controlo de raiva e aquisição de habilidades parentais (Saunders, 1994). As equipas de intervenção devem ser multidisciplinares e incluir entre outros: psicólogos, assistente social, médico (Burman & Meares, 1994), no sentido de potenciar as capacidades dos elementos da família e da família enquanto sistema (Peled, Eisikovits, Enos, Winstok, 2000, p. 12). Enquanto o foco do tratamento forem os sintomas e não a causa em só, não haverá cura. Pelo que a melhor forma de tratamento é a prevenção. Ajudar as crianças no futuro é ajudar os seus pais no presente. Os membros das famílias onde a violência mora, não passarão incólumes às experiências vividas, os efeitos far-se-ão sentir quer a curto, quer a longo prazo.

APRESENTAÇÃO DO CASO Maria (nome fictício) tem 37 anos, é divorciada e vive actualmente com o seu terceiro companheiro, é a mais velha de cinco irmãos do casal “Pereira” constituído pela D. Fátima de 55 anos, dona de casa e pelo Sr. Carlos de 60, serralheiro. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Maria desde cedo se recorda de assistir a discussões “muito feias” entre os seus pais, acabando a maioria dessas mesmas discussões com a mãe a “levar pancada” do pai, nas suas palavras: - “Quando o meu pai chagava com aquele olhar e começava a implicar com tudo e com todos eu a minha irmã às vezes até fugíamos para debaixo da cama, íamos para o quarto, pois umas das vezes o meu pai até atirou com uma panela à minha mãe”. Face a este cenário e segundo os seus relatos, Maria “agarrou-se” à única possibilidade que via poder abrir-lhe portas daquele ambiente familiar. Na fábrica onde trabalhava o seu pai, existiam outros empregados, entre os quais um rapaz com 20 anos (na altura) e que gostava dela. Maria facilmente se deixou seduzir pela promessa de uma vida melhor. Casou aos 16 anos com a anuência dos pais e foi viver para uma casa que fora cedida pelos (agora) sogros. O que de início se assemelhava à prossecução de um sonho, de uma perspectiva de vida melhor do que a anterior, depressa se transformou num sofrimento alimentado na solidão entre o casal. João, o seu marido, bebia quando chegava do trabalho e volvidos 15 dias após o casamento, Maria relata o que foi o seu primeiro grande desgosto enquanto esposa. João implicou com o jantar (o mote foi a sopa que ele achou salgada) acabando por “presentear” a esposa com palavreado menos adequado ao que se seguiu a agressão física. Maria relata que nessa noite dormiu no sofá da modesta sala de que a casa dispunha, enrolada numa manta que lá se encontrava, pois o marido ameaçou levá-la a casa dos pais e pô-la na rua, depois de lhe chamar “incompetente” “parasita”: -“Estás a viver à minha custa e nem o jantar sabes fazer.” Nos dias que se seguiram a vida parecia voltar de novo ao normal, ao que se sucediam novos “episódios” de agressões, quer físicas quer verbais. “Nunca o deixei por vergonha, não queria ir pedir ajuda ao meu pai, e ele se calhar ainda me ia fazer pior, eu não trabalhava, não sabia o que fazer”. Esta situação durou cerca de 15 anos. Altura em que o marido adoeceu e Maria conheceu (no Hospital) um senhor viúvo que acompanhava o filho. Este senhor (na altura com 50 anos) Recorde-se que Maria tinha apenas 30, depressa se transformou no seu confidente e mais tarde novo AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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companheiro. Nos primeiros anos de união, a vida de Maria, parecia finalmente ter encontrado o seu lugar, mas às matrizes de afecto começaram a seguir-se crises de ciúmes (por parte do novo companheiro). Actualmente Maria tem três filhos (dois do primeiro casamento e um terceiro de uma segunda união) e vive em união de facto com um terceiro companheiro a que apelidaremos de Pedro, solteiro e aparentemente rapaz muito equilibrado (nas palavras da companheira). Maria encontra-se a trabalhar numa fábrica perto da zona onde reside e foi-nos solicitado apoio (por parte do actual companheiro), por se encontrar com sintomas coincidentes com um diagnóstico de depressão.

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GENOGRAMA Família Pereira

D P1

P2 P4

P3 P6

P5 PI

P7

Legenda: P1: D. Fátima (Mãe) P2: Sr. Carlos (Pai) P3: Maria, 30 anos (PI – Paciente Identificado) P4: Irmã de Maria P5: Relação 1 – Casamento com João P6: Relação 2 – União de facto com um viúvo de 50 anos P7: Relação 3 – União de facto com Pedro, Solteiro

DISCUSSÃO Este caso parece-nos reflectir as teorias transgeracionais, nas quais a geração seguinte acaba por ver a anterior “em espelho”. A importância que daqui retiramos prende-se sobretudo com o aspecto preventivo, ou seja prevenir a disfuncionalidade familiar é AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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começar sempre na geração actual para melhorar a qualidade de vida e funcionalidade da geração seguinte. A família é o local onde se cresce onde se aprende onde se devia ter conforto, estimulo e condições para a auto-realização, mas como nos ilustra este caso, nem sempre assim acontece, sendo que a família acaba por ser o local onde o sujeito é diminuído, mal tratado, e amputado nas suas perspectivas futuras, nos seus desejos e projectos. Situações como a que ilustrámos demonstram que por vezes a família é o agente “agressor” ou contêm em si mesmo um agente agressor, este último não raras vezes, seja ele próprio vítima de agressões na sua infância ou na sua própria família de origem que acaba por arrastar consigo para a nova família que criou. Assim, a intervenção dos técnicos acaba por surgir num “tardio” estádio de acontecimentos, pois o pai agride porque já era agredido e se assim continuar os filhos farão a mesma coisa. Intervir é necessariamente prevenir, é salvaguardar não apenas os elementos activos nesta geração, mas sobretudo as crianças para que a mudança seja efectiva e que se quebre o ciclo, com o intuito de que não se repitam os mesmos padrões transaccionais.

CONCLUSÃO A violência no seio da família recebeu uma quantidade crescente de atenção nos últimos anos. Milhares de famílias têm vindo a sofrer os efeitos devastadores da violência no seu ambiente familiar próprio. Isto, possivelmente porque ainda não se romperam com os estereótipos do passado da sociedade, e com os papéis da mulher dentro da família. Este estereótipo ainda é iminente na sociedade de hoje. O papel da mulher é visto como de menor importância e, portanto, é vista como tendo menos valor pessoal. Esta luta pelo poder entre marido e mulher é um processo contínuo e um preditor confiável de violência familiar. Dezenas de mulheres e crianças são vítimas de abuso psicológico, físico, emocional e sexual por alguém que conhecem. Um grande número de vítimas morre de ferimentos causados pelo agressor. Outras vão experienciando “mais ou menos” em silêncio uma realidade que devia ser afável, protectora, em vez de ser violenta e minimizadora do potencial humano. Este caso será AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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apenas um de entre os milhares que se perdem no anonimato. Quisemos contudo alertar para a necessidade de intervenção na geração actual se queremos proteger as futuras.

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