Entrevista Eugênio Trivinho (\"A dromocracia cibercultural\")

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Entrevista Eugênio Trivinho Sobre o livro “A dromocracia cibercultural – lógica da vida humana na civilização mediática avançada” Ed.Paulus 456 p. Por Jorge Félix1 (Publicada no Valor Econômico, em 2007)

Se você acredita na atualidade de seus conhecimentos de informática, sente-se moderno porque acabou de comprar um computador ou um celular novo, engana-se. O ser humano contemporâneo está condenado ao atraso tecnológico. Tal afirmação parece um paradoxo numa época de avanços inacreditáveis. A velocidade das novas tecnologias, porém, é a grande culpada. Ela impõe violentamente uma obrigação de dominarmos a informática como forma de sobrevivência. Mas também exclui impiedosamente. “A inclusão digital é utopia”, sentencia Eugenio Trivinho, professor de pós-graduação em Comunicação da PUC-SP, autor do livro “A dromocracia cibercultural”. Dromo, em grego, significa velocidade - característica que determina a lógica desta era. Em entrevista ao Valor, Trivinho afirma que nesta corrida todos lutam para serem ágeis ou dromoaptos, mas só quem consegue evitar a derrota é a indústria de informática. – Ainda é possível viver fora da lógica da velocidade? – Não, desde que se considere que o indivíduo necessite, para integrar-se ao mercado de trabalho, estar em sintonia com a época. Pela sua sobrevivência e para integrar-se também aos produtos de lazer, os games. A época exige um domínio das chamadas senhas infotécnicas de acesso. Deixa para aqueles que não entraram, não têm necessidade de entrar ou saíram do mercado de trabalho a prerrogativa de rescisão a este domínio dos instrumentos, das linguagens ou dos conhecimentos. No entanto, há muito pouca brecha para escape. A tecnocracia é a mais penalizada. Os executivos certamente não desfrutam do privilégio concedido pela época de não precisar responder a todas as exigências dromocráticas. Apenas o tecnófobo pode dizer “não”.

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Doutorando em Ciências Sociais (PUC-SP), bolsista Capes, mestre em Economia Política e professor da PUC-SP e da FESP-SP [email protected]

– Quais são as conseqüências deste fenômeno para a qualificação profissional? – A primeira é a inexorabilidade da sobrecarga civilizatória. O indivíduo deve dominar essas infotécnicas, mesmo para funções nas quais esse conhecimento sequer é um requisito. Isso faz parte da incorporação da violência típica desta época. O mercado exige dromoaptidão, ou seja, a capacidade de ser veloz. O mercado está cada vez mais dromocrático. Essa exigência cumpre a função de seleção. Mas é uma violência porque sobrepesa aos conhecimentos que já eram exigidos. E é pantópica, vem de todos os lados. – É neste aspecto que a dromocracia revela-se uma época violenta? – A cibercultura não é apenas uma época. É um processo civilizatório e busca sua perpetuação no tempo. É a fase atual do capitalismo tardio. Há um sobrepeso aos ombros de todos, embora a época estipule quem domina as novas senhas e quem não deve dominálas porque a seleção é econômica ou cognitiva. Esse sobrepeso se faz com requintes. Ela aponta para o horizonte sem definir o rumo. Existe uma cobrança para o domínio do ciberspace, mas é doce, sutil, uma pressão social invisível. Diz: “Você deve dominar essas senhas, são elas que prometem ‘garantir’ a sua inclusão na cibercultura”. – Esta promessa é cumprida? - É apenas um discurso. Vive do caudal publicitário das megaindústrias do ramo. Mas desse processo faz parte governo, terceiro setor, provedores de acesso e também a massa de consumidores que adere sem reflexão aos produtos. A lógica da ciberultura vive dessa dinâmica da reciclagem info-tecnológica estrutural. Não basta dominar uma senha. É necessário que esta senha esteja sempre atualizada. Porém, para este acompanhamento há necessidade de formação de capitais econômico e cognitivo. - E a mudança é cada vez mais rápida. - O coração desse movimento é a reciclagem estrutural, a passagem de uma mais potência para outra. Do hardware 486 para o Pentiun 1, por exemplo. Ou seja, não basta qualquer senha. O tempo de reciclagem hoje é de seis meses para todos os componentes! Nós nunca tivemos uma taxa de reciclagem tão alta para outras modalidades de objetos tecnológicos, como carro e televisão. - Os indivíduos, empresas ou governos conseguem acompanhar? - Esta é a síntese da lógica da reciclagem: a violência. Invisível. As indústrias do ramo têm necessidade de fazer girar o capital. O capitalismo cibernético tem necessidade de

reprodução. Todos, governos, empresas, nações, todos devem se vergar à lógica da mais potência. É um ódio valorativo ao que estava vigorando antes, como se o 4.0 fosse melhor que o 3.0, como se o Windows 98 fosse melhor que o 95. Isso é uma falácia. A lógica nos convence que status é ter acesso a senhas atualizadas. - E, como mudam rápido, estão cada vez criando mais excluídos. - A equação da época, com seus requintes sutis, diz: é necessário desenvolver um domínio privado, a partir do domo, com computador em casa, pleno, com todas as senhas infotécnicas atualizadas, e capital cognitivo para ter lugar ao sol da cibercultura. Aí começa o drama do nosso processo civilizatório. Esse domínio não é dado a todos. Abre-se, portanto, o fosso que separa uma elite, a nova, elite tecnológica, e aquela massa dromoinapta que não o é porque quer, é porque o processo é darwinista. Aí ocorre uma super exclusão. A exclusão é a regra da cibercultura e não a inclusão. - É um desafio para a política de inclusão digital? - Pensar na inclusão digital, como forma de inclusão social, é utopia. A inclusão digital só pode assim ser pensada como meta a ser cumprida no âmbito civilizatório. Sistema escolar, governos, fundações, ONGs podem trabalhar para saldar uma dívida. A escala é civilizatória. Não é localizada nem reduzida a uma época. A civilização tenta se desdobrar porque as necessidades comparecem e a sociedade tem que dar conta. Nós sabemos que o Estado, o capital, o terceiro setor ao falarem de acesso universal é apenas um discurso. A época exige acesso privado pleno. O discurso deixa a entender que o acesso universal já inclui socialmente. Essa filagrana é que precisamos notar. Sem isso, caímos numa ingenuidade política de que apenas a popularização dos equipamentos vai flexibilizar o acesso. É bom lembrar que o barateamento ocorre para os equipamentos defasados, quando a mais potência já se deslocou para categorias que têm capacidade econômica e cognitiva para acompanhar a reciclagem estrutural. Essa diferenciação interna da dromocracia cibercultural marca a complexidade da exclusão. - É impossível vencer a corrida tecnológica? - O incluído de hoje não tem garantia se amanhã aquela senha que ele domina terá validade. A dromoaptidão, um ano depois, está defasada. O acesso à vida da cibercultura muda. E aí vai a cidadania deste sujeito. Então, o Estado, o terceiro setor e o capital são os menos preparados para garantir esta inclusão. Estamos órfãos de infra-estrutura

competente para saldar as necessidades históricas que a cibercultura impõe. Todos serão sempre dromoinaptos diante da velocidade industrial. A exclusão é insolúvel. Estamos numa época em que o drama é órfão de horizonte favorável. Essa análise não é pessimista. É realista. E se dá conta das filigranas típicas da cibercultura.

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