Cineclubar é Preciso

Share Embed


Descripción

Cineclubar é Preciso Rodrigo Bouillet Organizador do Cineclube Tela Brasilis [email protected] Texto escrito para o programa da sessão de aniversário de 3 anos do Cineclube Tela Brasilis realizada na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 31 de agosto de 2006. A sessão de Sete dias de agonia (O Encalhe) (dir. Denoy de Oliveira, 1982) foi antecedida pela exibição dos curtas metragens Camareira (dir. Zona Bez, 2006) e Transtorno (dir. Pablo Cunha, Daniel Bosi, Fabíola Trinca, Márcio Bertoni e Bruno Cabús, 2006), como parte do Circuito Cineclubista de Estréias, e seguido de debate com Caio Cesaro, representante da Programadora Brasil/ CTAv, e Leopoldo Nunes, assessor da Secretaria Executiva do MinC.

I O Cineclube Tela Brasilis chega ao terceiro aniversário realizando sua 40ª. sessão. E há, com certeza, muita coisa a se comemorar. Não somente a exibição de quase 70 filmes brasileiros e a promoção de importantes debates sobre os mais diversos aspectos do cinema e da cinematografia nacionais. No mês de setembro próximo encerra-se o Curso de História de Cinema Brasileiro iniciado em junho 2005 e ministrado todos os sábados pelo professor e pesquisador Hernani Heffner. Foi uma jornada que proporcionou uma panorâmica sobre o cinema nacional através da exibição de filmes dos primórdios até a contemporaneidade da qual podem-se contabilizar mil inscrições em seus dois módulos. A experiência de destinar dez por cento das vagas em cada semestre a alunos de Escolas Populares de Audiovisual aproximou-nos deste rico universo. Atualmente, o Cineclube Tela Brasilis coordena, em parceria com Curso de Áudio e Vídeo do Núcleo de Comunicação da Escola Popular de Comunicação Crítica (Espocc), o Cineclube Sem Tela. A Espocc, projeto do Observatório de Favelas, é voltada para jovens de comunidades populares como Leopoldina, Vigário Geral, Parada de Lucas, Maré, Manguinhos, Complexo do Alemão e Jacarezinho. Em consonância com a filosofia de trabalho do Cineclube Tela Brasilis, a proposta do Cineclube Sem Tela é formar um público crítico a partir de exibições gratuitas de filmes nacionais, com a preocupação de dar prioridade a títulos que dificilmente chegam a essas comunidades. Entendendo que os estudantes da escola devam entrar em contato com produções e realizadores de outras entidades além de promover o diálogo de seu público com outras comunidades, as longas são acompanhados de produções de Escolas Populares de Audiovisual de todo o Brasil. As sessões são seguidas de

debate com os realizadores dos curtas e, recentemente, iniciou-se a extensão do convite aos diretores dos longas, sendo Eryk Rocha o primeiro a ser chamado. A experiência com a difusão e reflexão sobre o cinema brasileiro através da realização de cursos consagrou-se de vez. De outubro a dezembro deste ano, o Cineclube Tela Brasilis promoverá o Curso de História do Documentário Brasileiro. Serão nove aulas ministradas por diferentes especialistas (pesquisadores, professores e diretores) do Rio de Janeiro e de São Paulo oferecidas na Cinemateca do MAM-RJ, abordando os diversos períodos e movimentos do documentário brasileiro, dos primórdios aos dias atuais, sempre ilustradas pela projeção de filmes representativos de cada momento. Desta vez, serão abertas 150 vagas e mais 18 serão destinadas a alunos de Escolas Populares de Audiovisual. Por fim, o Cineclube Tela Brasilis também participa do movimento para a articulação dos cineclubes do Rio de Janeiro, que se iniciou em 2003, sendo um dos quinze cineclubes que estão dando início aos trâmites legais para a constituição da ASCINE (Associação de Cineclubes do Rio de Janeiro). Além disso, Rodrigo Bouillet, um dos organizadores do cineclube, é Diretor Administrativo da entidade e, através dela, coordena o Circuito Cineclubista de Estréias. II A atividade cineclubista no Rio de Janeiro confunde-se com a própria história da cidade, pois o primeiro cineclube do país surgiu aqui em 1917. Dele participava Adhemar Gonzaga, futuro fundador dos estúdios da Cinédia. Nos anos de 1950, o cineclubismo exerceu importante papel na formação intelectual e cinematográfica de jovens que mais tarde viriam a se tornar artífices do Cinema Novo, o mais celebrado movimento cinematográfico do país. Nas duas décadas seguintes, o cineclubismo ganhou um contorno mais politicamente engajado ao se tornar instrumento e espaço de encontro privilegiado da oposição ao regime autoritário que se instalou. Ainda assim, representaram uma alternativa para os realizadores excluídos da estrutura da Embrafilme. Com a redemocratização dos anos 1980, a atividade cineclubista passou por uma desarticulação, pois perdera seu principal papel de então, o de “conscientizar o povo através do cinema”. Ao longo dessa década, alguns cineclubes sobreviveram através de sua transformação em salas de exibição do circuito comercial (tornando-se, hoje em dia, em um grupo exibidor estabelecido), mas ao custo da perda de seus ideais básicos. Após um momento de quase paralisação da produção cinematográfica nacional no começo dos anos de 1990, na segunda metade desta década o filme brasileiro voltou a freqüentar paulatinamente as telas dos cinemas em um movimento que ficou conhecido como Retomada. No período que vai até 2002 a atividade cineclubista se manteve praticamente escassa, quando deu-se um novo boom de cineclubes por toda a cidade. Pode-se atribuir

essa iniciativa a jovens cineastas (a maioria de nível universitário) formados nesses anos de Retomada, dentro de uma nova cultura cinematográfica: a celebração da diversidade na curadoria (preferências por nacionalidade, metragens, gêneros...), na abordagem (perspectivas estéticas, históricas,... seguidas ou não de debates) e na forma e formato de exibição (em parceria com centros culturais, em locais a céu aberto, ou até mesmo sem o uso da tela, seja em película ou digital). Em 2003, através do convite da Secretaria do Audiovisual – composta de cineclubistas históricos – cineclubistas das antigas e novos cineclubistas foram convidados para um encontro durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, tendo como pauta a rearticulaçãoia do Cinema Brasilerio, tendo como pauta a rearticulaçum encontro durante o Festival de Brasspaços de luta pela democracia do movimento. Desta forma, um novo sopro de vida chega ao Conselho Nacional dos Cineclubes Brasileiros (CNC), entidade que representa os cineclubes de todo o Brasil existente há mais de 3 décadas que nos últimos anos esteve adormecido. Muitos estudos e mapeamentos depois, a nova diretoria toma posse na 25ª. Jornada Nacional de Cineclubes (encontro bienal sob o formato de fórum de discussão e deliberação), em São Paulo, e reinicia-se a articulação nacional organizada. Um dos resultados diretos destes encontros está em pleno curso. De 16 de Agosto a 14 de Setembro de 2006, vinte e cinco Cineclubes de sete estados – RJ (16) / SP (3) / PB (1) / PR (1) / RN (1) / RS (2) / SC (1) – participarão da primeira edição do Circuito Cineclubista de Estréias. Serão exibidos dois filmes produzidos durante a 26a. Jornada Nacional de Cineclubes, evento onde foi concebido. Uma vez por mês, os cineclubes participantes do Circuito somam às suas programações e curadorias normais um ou mais curtas-metragens inéditos, em um programa de até 10 minutos, a ser exibido no formato DVD. A curadoria do Circuito é alternada entre seus estados participantes, sendo a primeira fluminense. A previsão para esta primeira edição é que os curtas-metragens atraiam um público de 3 mil pessoas, equivalente ao de 10 eventos de grande porte da categoria. Os cineclubes participantes do Circuito Cineclubista de Estréias gravarão suas sessões para posterior montagem de um curta-metragem e contabilizarão o número de espectadores presentes em cada uma das sessões a título de registro nas empresas que lidam com números de mercado. Ambas as ações demonstrarão que os cineclubes são muitos, que estão em todos os lugares, que são diversificados em suas propostas, mas irmanados ao oferecerem um modo alternativo de lazer, cultura e reflexão através da exibição do audiovisual, bem como revelarão a medida da adesão do público. Hoje, dia 31 de Agosto, acontece um dos pontos altos do Circuito. Quatro cineclubes cariocas exibem os curtas do evento. Dentre eles, o Cineclube

Tela Brasilis em sessão especial comemorativa de seus 3 anos de aniversário seguida de debate sobre cineclubismo. Para termos uma idéia da importância do tema, recentemente a ANCINE encaminhou aos cineclubes uma proposta de resolução para regulamentação e reconhecimento da atividade, definindo e estabelecendo normas de existência e funcionamento; e o Ministério da Cultura, através de sua Secretaria de Audiovisual, lançou o edital de Implantação de Pontos de Difusão Digital, além do projeto da Programadora Brasil, operado pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAv) e pela Cinemateca Brasileira, que pretende distribuir programas e filmes brasileiros para entidades jurídicas não-comerciais. III Sempre tentando lançar um novo olhar sobre questões do Cinema Brasileiro, a sessão comemorativa de 3 anos do Cineclube Tela Brasilis promove a exibição do longa-metragem Sete dias de agonia (O Encalhe), dirigido por Denoy de Oliveira, sobre cineclubismo. O filme, praticamente desconhecido hoje em dia, foi rodado em 16mm e fez interessante carreira cineclubista como tantos outros à sua época, sendo distribuído por todo o país através do circuito alternativo. A trama ambienta-se em uma estrada de terra de um canto recôndito do Brasil totalmente enlameada por chuvas sucessivas que provocam um encalhe monumental. Ficam, então, atolados pelo caminho uma diversificada fauna de caminhoneiros, artistas de circo, retirantes, casais em crise, prostitutas, religiosos, um jornalista desiludido e um ricaço com seu garanhão puro-sangue. Através destes personagens o diretor tece um mosaico sobre a sociedade brasileira do final da década de 1970. Nos conflitos encenados há a alegoria dos impasses e descaminhos do próprio país. O Brasil estava como que num atoleiro. Apesar do processo de redemocratização já estar em processo, algumas questões eram prementes, por exemplo, para onde e como levar para frente um país de dimensões continentais que não consegue dar conta de suas proporções e não toma conhecimento dos micro-cosmos (e seus respectivos micro-caos) que o compõe. Denoy, no release promocional de seu filme, afirma que “um filme de sucesso não é obrigatoriamente popular. O Filme Popular é dinâmico e deflagrador. Um filme de sucesso, porém conformista, é o braço desarmado – mas eficaz – do escapismo, do delírio consumista e da dominação. (...) Mas a riqueza de uma cinematografia está na razão direta da sua diversidade”. Nada mais consoante ao atual espírito cineclubista, para além das obras exibidas o que vale é a postura que se têm diante delas. E é neste ponto de lançar um olhar novo sobre as questões que retomamos Sete dias de agonia (O Encalhe). Por vários momentos a

narrativa é suspensa para deter-se sobre um personagem que lança olhar para fora do quadro. Um momento de pausa, interiorização. Ao final, quando o céu se abre, o caminho a ser percorrido já não é visto da mesma forma. Deflagrar este estranhamento, cultivar a cada sessão um novo olhar sobre o cinema e as questões que ele nos traz é o espírito cineclubista.

Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.