Cariótipo fetal: podemos confiar sempre no seu resultado? Fetal karyotype: can we always trust its result?

July 15, 2017 | Autor: Cleide Borovik | Categoría: Case Report, Prenatal Diagnosis, Chromosomal abnormalities
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Descripción

relato de caso

Cariótipo fetal: podemos confiar sempre no seu resultado? Fetal karyotype: can we always trust its result? Carolina Leite Drummond1, Andréa De Marcos2, Carlos Geraldo Viana Murta3, Carlos Eduardo Czeresnia4, Cleide Largman Borovik5, Denise Araújo Lapa Pedreira6

RESUMO Estudo retrospectivo de seis casos em que houve discrepância entre cariótipo pré-natal e achados pós-natais. Em cinco deles as anomalias cromossômicas que foram encontradas inicialmente pela biópsia de vilosidades coriônicas ou amniocentese não foram compatíveis com resultados posteriores. Já em um caso, o cariótipo inicial normal pela biópsia de vilosidades coriônicas necessitou de novo controle devido ao aparecimento de sinais ultra-sonográficos pré-natais e sinais clínicos pós-natais. Na maioria dos casos a evolução favorável ultra-sonográfica foi o que levantou a dúvida sobre o cariótipo inicial anormal. Quando os achados ultra-sonográficos são discordantes do cariótipo encontrado inicialmente, muita cautela é necessária na interpretação dos resultados e no aconselhamento genético desses casais. O mosaicismo confinado à placenta é uma das principais causas de resultados discordantes. Desta forma, a interpretação do cariótipo fetal depende da correlação com os achados clínicos/ ultra-sonográficos pré-natais. Descritores: Diagnóstico pré-natal; Cariotipagem; Mosaicismo; Biópsia da vilosidade coriônica; Amniocentese; Dissomia uniparental; Relatos de casos.

ABSTRACT We retrospectively investigated six cases of discrepancy between prenatal fetal karyotype and postnatal findings. In five cases, the chromosomal abnormalities initially found by CVS or amniocentesis were not confirmed by later analyses and postnatal examination. In one case, the fetal karyotype found to be normal by CVS had to be checked due to sonographic features and clinical anomalies found after birth. In most cases, the normal development on sonographic

examination raised the doubt about the abnormal fetal karyotype. Discrepant findings between fetal karyotype results and sonographic findings require great caution in their interpretation and counseling of parents. Placental confined mosaicism seems to be the most frequent cause of such discrepant results. The interpretation of fetal karyotype results should always be correlated with sonographic and clinical findings. Keywords: Prenatal diagnosis; Karyotyping; Mosaicism; Chorionic villus sampling; Amniocentesis; Uniparental disomy; Case reports

INTRODUÇÃO Com o avanço do diagnóstico pré-natal e do rastreamento de anomalias cromossômicas, a análise do cariótipo fetal por meio da biópsia do vilo corial (BVC) vem sendo cada vez mais utilizada. Por ser realizada entre a 11ª e a 14ª semanas, a BVC permite um diagnóstico mais precoce, quando comparada à amniocentese realizada, em geral, após 15 semanas. As principais indicações para a sua realização são: idade materna avançada, antecedente de cromossomopatia, malformações detectadas à ultra-sonografia fetal e, mais recentemente, em pacientes com risco elevado no rastreamento de primeiro trimestre, quando se avalia a medida da translucência nucal e outros marcadores ultra-sonográficos e maternos (bioquímica sérica: PAPP-A e free Beta HCG). As técnicas mais utilizadas para a análise do cariótipo pela BVC são: o estudo direto e a cultura. No estudo direto é avaliado o citotrofoblasto em que se ana-

Doutora; Membro da Equipe de Medicina Fetal do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

1

Mestre; Membro da Equipe de Medicina Fetal do Hospital Israelita Albert Einstein –HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

2

Doutor; Chefe do Serviço de Medicina Fetal da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES,Vitória (ES), Brasil.

3

Membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

4

Doutora; Bióloga Especialista em Genética Humana – São Paulo (SP), Brasil.

5

Doutora; Coordenadora da Equipe de Medicina Fetal do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

6

Autor correspondente: Carolina Leite Drummond – Avenida Ibijau, 83 – apto. 53 – Moema – CEP 04524-020 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: 11 5054-1420 – e-mail: [email protected] Data de submissão: 8/7/2007 – Data de aceite: 11/3/2008

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lisam os cromossomos a partir de mitoses espontâneas de suas células, com resultado rápido (em três a cinco dias), sem risco de contaminação por células maternas. A cultura das células permite uma análise mais fina das estruturas dos cromossomos, porém o resultado pode levar de dez a 20 dias. A associação dos dois métodos permite diminuir os riscos de falso-positivo e negativo relacionados a cada uma das técnicas, além de permitir a elucidação de algumas anomalias estruturais e a presença de mosaicismo(1). Espera-se que o resultado do cariótipo encontrado no tecido trofoblástico represente o cariótipo fetal, visto que o desenvolvimento de ambos se faz a partir de um mesmo zigoto. Porém, em aproximadamente 2% dos casos, o cariótipo obtido por meio das vilosidades coriônicas pode revelar uma anomalia citogenética, na qual duas linhagens celulares diferentes são encontradas determinando a presença de um mosaico placentário. Na maioria dos casos essa alteração está presente somente na placenta e não é identificada no feto(2-5). Essa situação se denomina mosaicismo confinado à placenta (MCP) e pode estar associada no termo da gestação a uma restrição de crescimento sem causa aparente (idiopático)(6). No entanto, em 10 a 23% dos casos pode representar um mosaicismo verdadeiro, em que a alteração cromossômica estará presente, tanto no tecido placentário, quanto no feto. A detecção de mosaicismo na BVC ou de discrepância entre o achado citogenético e ultra-sonográfico, por exemplo, quando a BVC demonstra cariótipo incompatível com a vida e observa-se o feto vivo à ultra-sonografia, torna necessária a extensão da investigação através da amniocentese e/ou coleta de sangue fetal.

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Outra anormalidade genética que pode levar à discrepância entre o cariótipo obtido por meio da BVC e o da amniocentese é a presença de dissomia uniparental (DUP). A dissomia uniparental pode ocorrer em um terço dos casos de mosaicismo, podendo ser explicada pelo mecanismo de resgate trissômico, quando os cromossomos que ficam no feto diplóide são ambos herdados de um dos progenitores. A DUP pode se manifestar clinicamente devido ao fenômeno do imprinting ou originando doenças gênicas recessivas e conseqüentemente, anomalias fetais ou retardo mental(7-8). Dessa forma, a interpretação do cariótipo fetal (assim como a de qualquer outro exame laboratorial) depende da correlação com os achados clínicos/ultrasonográficos pré-natais(9-10).

OBJETIVO O objetivo deste relato foi alertar os ultra-sonografistas, obstetras e especialistas em Medicina Fetal sobre os aspectos que devem levantar suspeita na interpretação do resultado de um cariótipo fetal. MÉTODOS Foram avaliados seis casos de discrepância entre os resultados citogenéticos e os achados clínicos e ultra-sonográficos. Os seis casos são relatados abaixo e a comparação entre eles está relacionada na Tabela 1. Vale ressaltar que os cariótipos foram realizados em laboratórios distintos, salvo por um dos cariótipos de controle o qual foi realizado no laboratório do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE).

Tabela 1. Resultados e evoluções dos casos estudados Caso

IM

IG diagnosticada TN Indicação (semanas) (mm)

Cariótipo/amostra

Cariótipo complementar

Idade atual

Peso/IG ao nascimento (kg/semanas)

Resultados (ano/meses/dias)

1

36

18

1,5

CIUR

47,XX+16/BVC

46, XX/LA

1.530/35

DUP, DNPN

4 a 6 meses

2

32

11

3,0

TNA

48,XX+15+20/BVC

46, XX/LA

3.025/41

DNPN

4 meses

3

38

12

6,2

TNA

46,XX/BVC

46XX,+18, der(18) t(18;21)(p?11)(?q11)/SGF

2.500/39

Fácies sindrômica PCR e PR

6 meses

4

30

12

1,8

ONA

46XY,del (3)( q21→ q25), t(5;18)(q12;p11.2?)/LA

46, XY/LA

3.125/38

DNPN

1 ano

5

37

12

1,9

ONF

92,XXXX/BVC

46, XX/LA

SS

SS

SS

6

30

13

2,7

TNA

45,X/BVC

Mosaico46XX45X/SGF

2.600/38

15 dias

IM = idade materna, IG = idade gestacional, TN = translucência nucal, LA = líquido amniótico, DUP = dissomia uniparental, DNPN = desenvolvimento neuropsicomotor normal, CIUR = crescimento intra-uterino restrito, TNA = translucência nucal aumentada, PCR = parada cardiorrespiratória, PR = pneumonias de repetição, SGF = sangue fetal, ONA = osso nasal ausente, ONF = onfalocele, SS = sem seguimento, BVC = biópsia do vilo corial

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Drummond CL, De Marcos A, Murta CGV, Czeresnia CE, Borovik CL, Pedreira DAL

RESULTADOS Caso 1 Paciente do sexo feminino, IV G, I P, II A, 36 anos. Foi encaminhada por diagnóstico de restrição de crescimento intra-uterino (RCIU) simétrico com 31 semanas, observado desde a 18a semana. A translucência nucal realizada com 13 semanas mediu 1,5 mm. Na 31ª semana, a quantidade de líquido amniótico era normal, porém a placenta era bastante atípica, encontrando-se espessada e contendo múltiplas “imagens anecóides”. A ecocardiografia fetal revelou a presença de comunicação interatrial cardíaca (CIA) e doplervelocimetria das artérias umbilicais mostrava diástole zero, em uma e aumento da resistência na outra. Foi realizada amniocentese transplacentária e no momento da retirada da agulha foi realizada coleta de vilo corial. Na placenta foram analisadas 15 células que resultaram 47XX+16 e no líquido também foram analisadas 15 células que resultaram 46XX. O estudo molecular dos amniócitos revelou que o feto era portador de uma dissomia uniparental materna (DUP) do cromossomo 16 (ambos os cromossomos 16 do feto eram de origem materna) e este diagnóstico foi confirmado no sangue periférico colhido após o parto. A mãe evoluiu com pré-eclampsia grave a partir da 32ª semana que indicou o parto prematuro com 35 semanas (presença de ascite materna). O recém-nascido de sexo feminino pesou 1.530 g e foi confirmada a CIA que se encontra em acompanhamento (sem repercussões clínicas) até a idade atual de quatro anos e seis meses. O crescimento longitudinal e o desenvolvimento neuropsicomotor são normais, segundo avaliação do pediatra que a acompanha. Caso 2 Paciente do sexo feminino, IG, 32 anos. Na 11a semana (CCN=41 mm) a medida da translucência nucal foi de 3 mm, o osso nasal foi visualizado e o Doppler do ducto venoso era normal. Foi indicada uma biópsia de vilo corial que resultou em um cariótipo 48XX+15+20 em 20 células analisadas. Com 16 semanas, o feto permanecia vivo e aparentemente normal, sendo realizada uma amniocentese que revelou um cariótipo normal 46 XX. No acompanhamento ultra-sonográfico, foi observada hidropsia fetal importante com edema de tecido subcutâneo, ascite e derrame pleural, com 19 semanas de gestação. A ecocardiografia fetal era normal e a doplervelocimetria da artéria cerebral média não mostrava sinais de anemia fetal. No seguimento ultra-sonográfico, a cada duas semanas, observou-se uma resolução espontânea da hidropsia fetal com 24 semanas. A ecocardiografia fetal era normal. O parto cesáreo foi indicado com 41 semanas e o recém-nascido de sexo feminino pesou 3.025 g, não sendo observadas malformações einstein. 2008; 6(3):350-5

aparentes. A histopatologia da placenta foi normal. No seguimento da criança até quatro meses de idade, o desenvolvimento neuropsicomotor é normal, segundo informações do pediatra.

Caso 3 Paciente do sexo feminino, 38 anos, II G, I P. A ultrasonografia de 12 semanas revelou translucência nucal de 6,2 mm, tendo o risco de anomalia cromossômica (calculada por meio do programa da Fetal Medicine Foundation) passado de 1/117, baseando-se na idade da paciente, para um risco corrigido de 1/2. Uma biópsia de vilo corial realizada revelou um cariótipo normal (46XX). No acompanhamento ultra-sonográfico, suspeitou-se de rins policísticos, sendo diagnosticada RCIU associada a líquido amniótico de volume normal e doplerfluxometria sem alterações. Realizado parto cesáreo com 39 semanas e seis dias, devido à cesárea anterior e sem condições uterinas de indução de parto. O recém-nascido do sexo feminino pesava 2.500 g e apresentava fácies sindrômica, porém o casal optou por não realizar exames complementares. Aos dois meses de idade, sofreu parada cardiorrespiratória em domicílio com recuperação. Na investigação complementar, foi realizado cariótipo no sangue periférico que demonstrou 46 XX,+18, der (18) t(18;21)(?p11)(?q11). Essa criança evolui com pneumonias de repetição (três no total) e se encontra atualmente viva com seis meses de idade. A análise do cariótipo dos pais demonstrou resultado normal em ambos. Caso 4 Paciente do sexo feminino, primigesta, 30 anos. Realizou ultra-sonografia morfológica de primeiro trimestre com 12 semanas e seis dias, não sendo visualizado o osso nasal e a medida da translucência nucal foi de 1,8 mm. O risco para anomalia cromossômica calculado pelo programa da Fetal Medicine Foundation, passou de 1/667 relacionado à idade da paciente para 1/69 baseando-se na translucência e osso nasal e apresentou um risco final corrigido pelo estudo bioquímico de 1/486. Foi realizada uma amniocentese com 14 semanas e seis dias, em que foram detectadas as seguintes alterações estruturais: 46, XY,del(3) (q21→q25),t(5;18)(q12;p11.2?), sugerindo deleção intersticial de um segmento do braço longo do cromossomo 3 e uma translocação aparentemente balanceada entre o braço longo do cromossomo 5 e o braço curto do cromossomo 18 em 15 células analisadas. O cariótipo dos pais resultou normal. No seguimento ultra-sonográfico o feto apresentava um desenvolvimento normal e a paciente foi submetida a uma nova amniocentese que resultou 46XY. A gestação evoluiu sem intercorrências e o recém-nascido

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do sexo masculino, nasceu com 38 semanas e cinco dias de gestação, pesando 3.125 g, medindo 48 cm, com Apgar cinco e oito, sem anomalias aparentes. Vários fragmentos da placenta e o sangue periférico foram enviados para cariótipo com resultados também normais.

Caso 5 Paciente do sexo feminino, 2G1P, 37 anos, encaminhada com 12 semanas e dois dias por suspeita de onfalocele fetal (contendo fígado), que foi confirmada. A translucência nucal mediu 1,9 mm e o osso nasal foi visualizado. O risco pela idade materna de trissomias 13 e 18 que era de um em 274, subiu para um em quatro. Foi realizada biópsia de vilo corial que resultou em tetraploidia (92XXXX). O feto permaneceu vivo e com boa atividade até a 15ª semana, quando a paciente realizou amniocentese que mostrou cariótipo normal 46XX. A partir desse momento, perdemos o seguimento da gestação. Caso 6 Paciente do sexo feminino, 2G1P, 30 anos, 13 semanas e cinco dias encaminhada por aumento de translucência nucal, que mediu 2,7 mm (CCN 71 mm), sendo que o osso nasal foi visualizado. O risco de trissomia 21 baseado na idade materna (FMF-Londres) era de um em 667, levando em conta a medida da TN, aumentou para um em 399. Foi realizada biópsia de vilo corial e o cariótipo encontrado foi 45X em todas as 15 células avaliadas. A ecocardiografia fetal e demais ultra-sonografias de controle foram normais. O parto cesáreo foi realizado com 38 semanas (opção materna) com recém-nascido do sexo feminino que pesou 2.600 g. O cariótipo do sangue periférico revelou mosaico (46XX e 45X) em 15 das 30 células analisadas, ausência de mal-formações aparentes ou estigmas da Síndrome de Turner. A ultrasonografia abdominal e a ecocardiografia são normais, atualmente com 15 dias de vida. DISCUSSÃO Resultados divergentes entre o cariótipo fetal obtido por meio do vilo corial e/ou do líquido amniótico e o cariótipo e/ou o fenótipo ao nascimento, embora nãofreqüentes, podem ocorrer na prática clínica. Portanto, muita cautela é necessária na interpretação dos resultados e no aconselhamento genético desses casais. Apesar dessas possíveis divergências, a BVC é considerada um método seguro e eficaz detectando anomalias cromossômicas numéricas ou estruturais com uma acurácia de 99%(11). Em um grande estudo (EUCROMIC), no qual foram analisados os resultados de 62.865 biópsias de vilo corial foram encontrados

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94,8% de resultados verdadeiro negativo, 3,7% de verdadeiro positivo, 0,15% de verdadeiro mosaicismo, e 1% de mosaicismo confinado à placenta(12). Na experiência de um conceituado laboratório dos Estados Unidos, os autores relataram 62 casos de discrepâncias entre o complemento cromossômico sexual fetal e o sexo fenotípico entre 500.000 casos de diagnóstico pré-natal realizados durante um período de sete anos. Desses 62 casos, 18 eram discrepâncias biológicas verdadeiras, 14 devidos a falhas na identificação do sexo na ultra-sonografia, oito envolviam gestações múltiplas, 12 foram erros de digitação e seis devidos à troca de amostras(13). Nesta nossa série, a idade materna variou entre 30 e 37 anos (média de 33,5 anos) e a principal indicação para o procedimento invasivo foi a presença de um marcador/anomalia encontrado na ultra-sonografia de primeiro trimestre, como a translucência nucal aumentada nos casos 2,3 e 6; ausência de osso no caso 4, e a suspeita de onfalocele no caso 5. O aumento da translucência nucal é associado principalmente a cromossomopatias, doenças gênicas e malformações cardíacas fetais. Quando nenhuma dessas alterações está presente no feto é difícil encontrar uma etiologia para explicar o aumento dessa medida. Sabe-se que o acúmulo de líquido na região da nuca, que ocorre de maneira transitória nessa fase, está associado ao desenvolvimento da drenagem linfática; portanto, o atraso ou a alteração desse sistema de drenagem poderia per se levar a uma alteração da medida. Em um estudo, a associação entre translucência nucal aumentada e mosaico foi encontrada em dois casos do total de 151 recém-nascidos que apresentaram transparência nucal maior que 3 mm com cariótipo pré-natal normal(14). No entanto, as possíveis causas para essa associação ainda não são claras. No caso 2, encontramos uma anomalia na BVC (48 XX + 15 + 20) associada a um feto vivo, cuja amniocentese mostrou um cariótipo normal e no qual não se encontraram mal-formações antes ou depois do nascimento, mas que apresentou uma hidropisia fetal transitória. Essa associação poderia então ser explicada pela alteração placentária, porém, o mecanismo que a justificaria ainda está por ser estabelecido. Trissomia do cromossomo 20 em mosaico é um achado relativamente comum (~16%) em amniocenteses e em 90% dos casos não têm implicação fenotípica. Já sua ocorrência em outros tecidos fetais ou placenta é mais rara(15). Anomalias de crescimento e estruturais fetais são também indicações para a análise cromossômica fetal. Como no caso 1, o achado de restrição de crescimento fetal no acompanhamento ultra-sonográfico associado ao líquido amniótico em quantidade normal, foi o que levantou a suspeita de uma alteração cromossômica, leeinstein. 2008; 6(3):350-5

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vando à realização do procedimento. Na presença de RCIU sem causa aparente, o mosaicismo restrito ao tecido placentário é uma das etiologias possíveis podendo ser observado em até 20% dos casos de restrição de crescimento idiopático(16-17). Quando o mosaicismo confinado à placenta vem associado a uma dissomia uniparental, parece existir um efeito ainda mais negativo no crescimento fetal(18). Essa teoria poderia explicar a grave evolução do caso 1, com restrição de crescimento fetal associada a uma préeclâmpsia materna e ao baixo peso ao nascimento. Aparentemente, quanto maior o nível de aneuploidia encontrada no tecido placentário, maior o risco de repercussão fetal. Geralmente o acometimento fetal mais comum nesses casos seria no crescimento fetal, podendo alcançar 35% dos casos(6). Em um estudo no qual foram analisadas placentas de fetos com RCIU houve maior incidência de mosaicismo, principalmente relacionados à triploidia(19). Outro fato que deve chamar nossa atenção é a de um achado de cromossomopatia não-usual no resultado da BVC incompatível com os achados ultra-sonográficos. Nesses casos deve-se levantar a suspeita de uma anomalia confinada à placenta, visto que o mosaicismo placentário pode ser encontrado em 1 a 2% dos resultados de biópsia de vilo corial(20). Nos casos 2 e 5, a dúvida em relação ao cariótipo fetal decorreu de uma anomalia cromossômica pouco freqüente encontrada na análise do vilo corial, que normalmente seria incompatível com um desenvolvimento fetal normal. Principalmente nesses casos, o acompanhamento ultra-sonográfico e análises complementares do cariótipo fetal pelo líquido amniótico e pesquisa de DUP, parecem ser essenciais para elucidação do diagnóstico fetal, visto que, em ambos os casos, os achados pós-natais foram compatíveis com recém-nascidos normais. Já no caso 6, a evolução favorável do recém-nascido também levou ao controle do cariótipo pós-natal evidenciando uma discrepância entre a BVC e o sangue fetal. Frente a um mosaicismo encontrado na análise de vilo corial, é prudente o acompanhamento ultra-sonográfico desse feto e complementação de investigação(2). Porém, é importante lembrar que mesmo com um resultado de cariótipo normal no líquido amniótico existe um risco de dissomia uniparental, como visto no caso 1. A detecção de dissomia uniparental requer análise de DNA, por meio da biologia molecular para o seu diagnóstico(21-22). Apesar dessa alteração ter sido detectada no caso 1, houve uma evolução favorável com bom desenvolvimento neuropsicomotor até o momento. Trissomia do cromossomo 16 ocorre em cerca de 1% de todas as gestações clinicamente reconhecidas. Quando completa, geralmente resulta em aborto espontâneo no einstein. 2008; 6(3):350-5

primeiro trimestre da gestação. Assim, quando detectada em um feto com desenvolvimento normal levanta a suspeita de mosaicismo. Na maioria dos casos a evolução é favorável, havendo, entretanto, maior risco de parto prematuro(23). O mosaicismo pode persistir na placenta durante toda a gestação, podendo ser confirmado após o nascimento  por meio  da análise placentária(6) ou desaparecer e se encontrar negativo na análise placentária ao termo(24). Aparentemente, quanto menor a idade gestacional em que for realizada a análise placentária, maior a chance de se encontrar uma anomalia cromossômica. O falso-negativo da BVC tem uma incidência de 0,1% e parece ser maior no estudo direto do que na cultura longa(20,25). Em um uma revisão de 10.741 biópsias de vilo foram encontrados três casos de resultado normal no estudo direto, os quais foram corrigidos pelo resultado da cultura. O falso-negativo pode ainda mais raramente ocorrer também na cultura longa(26). Nesse caso, somente o acompanhamento ultra-sonográfico pode alertar para o falso-negativo no resultado da BVC. Como no caso 3, frente à presença de alterações nos achados ultra-sonográficos subseqüentes à BVC, devese suspeitar de um resultado falso-negativo e acreditase que exista a indicação da realização de uma amniocentese de controle. Já a incidência de mosaicismo verdadeiro encontrado na amniocentese é bem inferior àquela encontrada na biópsia de vilo corial(27-28). Normalmente a amniocentese é o método de escolha para elucidar os casos de mosaicismo placentário, pois representa o cariótipo fetal. Entretanto, em cerca de 12 a 14% das amostras de líquido amniótico submetidas à cultura detecta-se mais de um tipo de célula(29-30). Geralmente esse mosaicismo, chamado de pseudomosaicismo, não reflete um mosaicismo fetal verdadeiro. Nesses casos, a alteração cromossômica pode ter acontecido durante a divisão celular in vitro, isto é, na própria cultura. A discrepância encontrada no caso 4, em que o cariótipo fetal foi anormal na primeira amniocentese e normal na segunda, pode ser explicada por um menor número de células analisadas ou pela nãodetecção do mosaicismo pela diferença da velocidade de crescimento das células anormais em relação às células normais. Nesse caso, fica impossível se excluir totalmente a possibilidade de mosaicismo no feto(9).

CONCLUSÕES Nosso objetivo, relatando esses casos em que ocorrem discrepâncias entre as alterações do cariótipo e os achados ultra-sonográficos, é o de alertar principalmente aqueles que estão iniciando em Medicina Fetal sobre a possibilidade concreta do cariótipo não traduzir com 100% de acurácia, a normalidade ou a anormalidade

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cromossômica do feto. Essa complexidade do diagnóstico pré-natal torna o aconselhamento genético essencial antes de serem realizados os procedimentos invasivos. Sempre que houver discrepâncias entre a clínica e o resultado laboratorial, a complementação diagnóstica e o acompanhamento ultra-sonográfico parecem ser essenciais para uma conduta correta.

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