Análise cognitivo-funcional do internetês no Twitter

June 15, 2017 | Autor: Luan Brito | Categoría: TICS, Linguistica, Internetês, Funcionalismo Linguístico
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Descripción

ANÁLISE COGNITIVO-FUNCIONAL DO INTERNETÊS NO TWITTER Luan Talles de Araújo Brito – UERN ([email protected]) Demóstenes Dantas Vieira – UERN ([email protected])

Considerações iniciais

A análise de natureza funcionalista realizada pelo estudioso da linguagem ocorre por meio da observação da língua em uso, abstendo-se, para tanto, de quaisquer preconceitos ou visões reducionistas acerca dos fenômenos linguageiros. Nessa perspectiva, pretendemos analisar, no presente artigo, a emergente escrita eletrônica denominada de internetês, aqui entendida como consequência dos fatores pragmático-discursivos e extralinguísticos implicados na situação comunicativa eletrônica. Nesta perspectiva, o trabalho encontra-se dividido em três (03) subtópicos. O primeiro, intitulado “A linguagem sob a ótica funcionalista”, introduz uma discussão acerca das contribuições da vertente funcionalista para o entendimento dos fenômenos linguísticos, especialmente a tomada de enunciados reais como objeto de estudo, os quais são analisados tendo em vista as funções que desempenham no evento interativo. Discorremos ainda, de modo mais específico, sobre a tendência funcionalista denominada de Linguística Funcional Centrada no Uso (ou Linguística Cognitivo-Funcional), a qual defende que a estrutura da língua emerge a partir do seu uso. No segunda parte, “Metodologia”, delimitamos o nosso corpus de análise e explicitamos sucintamente os procedimentos utilizados para a sua coleta e análise. No terceiro e último momento, “O internetês no Twitter: análise da língua em uso”, partindo de algumas postagens retiradas da rede social Twitter, analisamos algumas características pertencentes ao internetês, mostrando como a sua estrutura é motivada por fatores pragmático-discursivos e extralinguísticos imbricados no processo comunicacional estabelecido via internet. .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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1 A linguagem sob a ótica funcionalista

A Linguística, enquanto ciência interessada pelo estudo da linguagem verbal humana (PETTER, 2002), é constituída por diferentes vertentes teóricas, e embora cada abordagem apresente visões próprias acerca dos fenômenos linguísticos, todas apresentam o mesmo objeto de estudo: a língua. De forma mais específica, tendo em vista as polêmicas em torno do formalismo e funcionalismo, Votre e Naro (2012) advogam que essas propostas de estudo apresentam importantes contribuições para a compreensão da linguagem verbal humana. Entretanto, o funcionalismo constitui uma corrente linguística que, diferente do estruturalismo e do gerativismo, interessa-se pelo estudo da estrutura gramatical da língua tendo em vista a sua relação com o contexto comunicativo em que ela é utilizada, postulando assim as “correlações entre função e forma” (NARO; VOTRE, 2012, p. 45). Segundo Furtado da Cunha (2012), a linguagem é concebida pelos funcionalistas enquanto instrumento que possibilita a interação social. Por tal razão, seu enfoque segue uma tendência de estudo linguístico que admite e analisa as relações existentes entre linguagem e sociedade, antes desconsideradas pelas abordagens linguísticas de cunho formalista. Logo, sua investigação não se detém à estrutura linguística, ultrapassa-a, uma vez que a configuração desta está fortemente vinculada a fatores contextuais presentes na situação comunicativa. Assim sendo, o funcionalismo “procura explicar regularidades observadas no uso interativo da língua, analisando as condições discursivas em que se verifica esse uso” (FURTADO DA CUNHA, 2012, p. 157). Neste sentido, levando em conta que o funcionalismo relaciona seu corpus de análise (enunciados e textos) às funções desempenhadas por estes em práticas efetivas de comunicação, suas pesquisas lidam, via de regra, com dados de fala ou escrita pertencentes a situações reais de interação social, evitando assim o trabalho com “frases feitas” (FURTADO DA CUNHA, 2012). De modo didático, Furtado da Cunha (2012, p. 158) resume em dois os principais pressupostos da análise linguística de cunho funcionalista: “a) a língua desempenha funções .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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que são externas ao sistema linguístico em si; b) as funções externas influenciam a organização interna do sistema”. Dessa forma, a autora alude ao fato de que a língua não é analisada sob uma perspectiva imanente, como se fosse autônoma, de dependências internas e independente de fatores sociais característicos da comunidade de falantes que efetivam o seu uso e dos fatores pragmático-discursivos implicados nesse processo. Pelo contrário, a língua é tida como maleável e sensível a fatores externos à sua estrutura (extralinguísticos e pragmáticos), ressaltando-se dessa forma o seu caráter adaptativo aos mais diversificados eventos interativos nos quais se concretiza a comunicação verbal humana. Longe de ser uma teoria homogênea e estática, Furtado da Cunha (2012) afirma que a abordagem funcionalista da linguagem apresenta diferentes propostas teóricas no que tange à natureza da linguagem, aos objetivos de análise, métodos, e dados a serem contemplados na análise linguística. Dessa forma, a autora defende a existência de visões funcionalistas diferenciadas, relacionadas a: a) modelos teóricos mais antigos, os quais dão ênfase à associação entre funções e organização interna da língua, como é o caso da Fonologia de Praga; b) modelos mais atuais, que ao estudarem as funções desempenhadas pela linguagem consideram em maior ou menor grau a dimensão cognitiva do ato comunicativo. No plano geográfico, grosso modo, o enfoque funcionalista da linguagem apresenta, pois, duas grandes vertentes: a) Funcionalismo Europeu, que tem como principais linguistas Mathesius, Trubetzkoy, Jakobson, Halliday, Dik etc.; e b) Funcionalismo Norte-americano, o qual será discutido a seguir. A expressão Linguística Funcional Centrada no Uso (doravante LFCU) refere-se a um modelo teórico funcionalista de análise das línguas, também denominado por alguns estudiosos da área de Linguística Cognitivo-Funcional, em virtude de essa abordagem resultar da união do conhecimento científico-acadêmico desenvolvido nos estudos de representantes da Linguística Funcional – Givón, Hopper, Thompson, Chafe, Bybee, Traugott, Lehmann, Heine, entre outros – e de autores conceituados da Linguística Cognitiva – Lakoff, Langacker, Fauconnier, Goldberg, Taylor, Croft, etc (FURTADO DA CUNHA; BISPO; SILVA, 2013). .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013, p. 14) destacam que o funcionalismo norteamericano ganhou projeção na década de 1970, designando pesquisas interessadas em “analisar a língua do ponto de vista do contexto linguístico e da situação extralinguística”, visando o entendimento da configuração da língua mediante a proposição do estudo simultâneo do discurso e da gramática, partindo do pressuposto de que há uma relação simbiótica (influência mútua) entre esses dois componentes. Já a Linguística Cognitiva, também tem o seu surgimento na década de 1970, e compreende o “comportamento linguístico” enquanto reflexo da cognição humana. O uso da língua é efetivado mediante o desenvolvimento de estratégias cognitivas, as quais são caracterizadas como “procedimentos relativamente automatizados que se utilizam para realizar coisas comunicativamente” (FURTADO DA CUNHA; BISPO; SILVA, 2013, p. 14). Estas habilidades cognitivas, por sua vez, são adquiridas pelo falante à medida que este desenvolve aptidão/aprendizagem no que tange ao uso da língua. As correntes supracitadas convergem no que diz respeito a alguns pressupostos teórico-metodológicos, dentre os quais se destacam: a defesa de que a sintaxe não é autônoma; a consideração dos aspectos semântico-pragmáticos em suas análises; o fato de que léxico e gramática não são domínios estritamente distintos, entre outros. Por seu turno, chama-nos atenção o princípio básico da LFCU segundo o qual a estrutura da língua emerge a partir do seu uso. Dessa forma, a gramática da língua não está pronta ou acabada, nem tampouco se confunde com a chamada Gramática Tradicional de cunho normativo. A LFCU considera, pois, a influência dos fatores extralinguísticos na constituição estrutural da língua, na modalidade falada ou escrita, defendendo ainda que “a gramática de uma língua é constituída tanto de padrões regulares no nível dos sons, das palavras e de unidades maiores, como os sintagmas e as orações, quanto de formas emergentes, em decorrência da atuação desses fatores” (FURTADO DA CUNHA; BISPO; SILVA, 2013, p. 15, grifos nossos). E é exatamente a partir deste princípio teórico-metodológico da LFCU que o presente artigo se justifica, à medida que pretende analisar a escrita eletrônica emergente denominada de .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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internetês, a qual apresenta uma configuração estrutural diferente se comparada à escrita padrão, seguindo princípios estruturais próprios. Neste sentido, o conceito de gramática postulado pelo aparato teórico funcionalista diz respeito ao “conjunto de regularidades fixadas e definidas pela comunidade linguística como as formas ritualizadas de uso, ou seja, aquelas que se tornam rotineiras e se constituem como valor de troca e interação entre os usuários” (RIOS DE OLIVEIRA; WILSON, 2012, p. 236, grifos nossos). Dessa forma, podemos estabelecer uma relação com este conceito e o internetês, à medida que este emerge do uso da língua nas modernas tecnologias da comunicação e apesar de seu caráter libertário apresenta também determinadas regularidades, as quais serão discutidas no terceiro momento deste trabalho.

2 Metodologia

O nosso corpus é constituído de postagens extraídas de diferentes páginas de usuários do Twitter, no dia 14/08/14, sendo que nem todas as publicações coletadas pertencem à referida data, visto que utilizamos o dispositivo de busca da própria rede social e fomos selecionando os exemplos que continham as principais características/regularidades do internetês, como sugerem os estudos de Gonzalez (2007), Moura e Pereira (2011), Rajagopalan (2013) e Xavier (2014). Dessa forma, por questões éticas, manteremos em sigilo os nomes dos usuários e utilizaremos a codificação Usuário 1, 2, 3, e assim por diante. Vale destacar ainda que utilizaremos o total de duas (02) postagens para cada princípio ou recurso do internetês analisado. Por conseguinte, em nossa análise, partiremos do pressuposto de que “a gramática funcional leva em consideração o uso das expressões linguísticas na interação verbal; inclui na análise da estrutura gramatical toda a situação comunicativa: o propósito do evento de fala, os participantes e o contexto discursivo” (PETTER, 2002, p. 22).

3 O internetês no Twitter: análise da língua em uso .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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No que se refere ao princípio da abreviação sobre o qual se assenta a configuração do internetês (GONZALEZ, 2007; MOURA, PEREIRA, 2011), coletamos os exemplos expostos a seguir:

98 ABREVIAÇÃO Supressão de letras

Supressão de sinais gráficos e acentos

Aqui em ksa agr vai ter wifi , naum vai precisa de ir na ksa da @nubiaalimaa roba o wifi dela mais nao hahahahahahahahhahahahaha 08:07 - 14 de ago de 2014 (USUÁRIO 1)

OOOiiii pessoal! Tenham todos uma ótima semana!!! Muita paz, luz e amor, além de muuuita música! Rs. E ja vamos... 07:14 - 4 de ago de 2014 (USUÁRIO 3)

to no twitter pra reclamar msm e se nao tiver Mais uma xicara de café por favor do q reclamar eu reclamo por n ter nd pra 11:55 - 14 de ago de 2014 reclamar, n gostou reclama (USUÁRIO 4) 07:40 - 13 de ago de 2014 (USUÁRIO 2)

Dessa forma, os excertos atestam que a abreviação do internetês se efetiva de duas formas. No primeiro caso, a “Supressão de letras”, percebemos que o USUÁRIO 1 faz referência à aquisição de um instrumento tecnológico, o “wifi”, por sua família, o que fará com que o internauta não precise mais se dirigir à casa de sua provável amiga ou conhecida para ter acesso aos benefícios e funções da referida tecnologia. Em sua postagem, o usuário recorre ao uso abreviado de algumas palavras, como é o caso de “ksa”, “agr”, “precisa”, “roba”, as quais na escrita padrão são grafadas, respectivamente, como: “casa”, “agora”, “precisar”, “roubar”. Esse uso abreviado, por sua vez, atende às exigências do meio em que a comunicação ocorre, sobretudo do gênero textual Twitter, o qual estabelece ao usuário a quantidade máxima de 140 caracteres em cada postagem. Neste sentido, o internauta lançou mão da abreviação de modo a não prejudicar a comunicação, tendo em vista que a sua intenção comunicativa seria informar um outro usuário sobre a aquisição acima mencionada, e para isso ele obteve essa abreviação mediante a redução .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

da quantidade de toques no teclado (GONZALEZ, 2007). Ao invés de teclar duas vezes para se obter a conceptualização de “casa”, que na grafia padrão exige 4 toques, ele obteve o mesmo sentido a partir de 3 toques, substituindo as letras “ca-“ pela letra “k”. Já nos itens “precisa” e “roba” ocorreu a supressão do “-r” final pós-vocálico das formas padrões correspondentes. Para Xavier (2014, p. 170), essa ausência da consoante “-r” no final das palavras serve para “marcar a descontração comum em conversas fortuitas entre conhecidos”; o que provavelmente acontece no exemplo analisado. O USUÁRIO 2 também faz uso da abreviação ao assumir uma postura crítica frente o uso da rede social Twitter, que para ele serve como instrumento de reinvindicação. Dentre suas formas abreviadas destacamos “msm”, “q”, “n” e “nd”, nas quais percebemos que há a supressão total das vogais desses itens, se considerarmos seus correspondentes da forma padrão: “mesmo”, “que”, “não” e “nada”. Mais uma vez notamos a redução de toques na escrita/digitação das palavras, que responde ao limite de caracteres imposto pelo gênero textual utilizado, e que não prejudica a comunicação do ponto de vista de um leitor que conhece a dinâmica deste código internáutico. Verificamos o mesmo quanto à supressão de sinais gráficos e acentos, nos tweets dos usuários 3 e 4, quando estes fazem uso das formas “ja” e “xicara”, respectivamente. Os exemplos que seguem, por sua vez, dizem respeito a como se efetiva o princípio da substituição:

SUBSTITUIÇÃO Troca de uma letra por outra

Troca de acento por forma correspondente

AI MEU CORAÇAUM, NÃO MEREÇU AI MEU CORAÇAUM, NÃO MEREÇU ISSU :'( ISSU :'( 11:08 - 30 de jul de 2014 11:08 - 30 de jul de 2014 (USUÁRIO 5) (USUÁRIO 5) kero apenas aki passar no meu perfil para falar Eh a vida de um #Beta que quer ser um #Lab ke por vezes a ausencia faz as pessoas naum eh fácil naum reflectirem sobre os erros... 04:12 - 14 de ago de 2014 (USUÁRIO 7) 11:26 - 14 de ago de 2014 .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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(USUÁRIO 6)

Como podemos perceber, o USUÁRIO 5 refere-se a alguma situação que o deixou abalado emocionalmente. Por isto, ele conclui a sua afirmação com a construção “NÃO MEREÇU ISSU”. Na grafia padrão, as formas em destaque correspondem às palavras “mereço” e “isso”. Dessa forma, nos dois casos o usuário substitui a letra “O” do padrão gráfico pela letra “U”. Isso ocorre tendo em vista que o usuário provavelmente quis imprimir à sua escrita um caráter de oralidade, já que a pronúncia do “O” final dessas palavras se aproxima muito do “U”, o que se torna coerente se lembrarmos que o internetês se encontra num continuum entre oralidade e escrita (MARCUSCHI, 2010). Neste sentido, o que se pretende com a substituição das vogais finais é a representação da “real sonoridade quando pronunciadas espontaneamente” (XAVIER, 2014, p. 170). Já o USUÁRIO 6 faz uso da substituição também relacionada à redução de toques tão considerada no princípio da abreviação. O internauta apresenta uma conclusão a que chegou, segundo a qual o sentimento de ausência impulsiona as pessoas a refletirem sobre os erros cometidos. Nessa postagem ele utiliza a substituição em três itens, “kero”, “aki”, “ke”, os quais referem-se às seguintes palavras do padrão ortográfico: “quero”, “aqui” e “que”. Assim, notamos que essa substituição segue um padrão coerente, já que nesses três casos ocorreu a substituição do “qu-“ pelo “k”, uma vez que o uso deste último elemento dá conta de atender aos propósitos comunicativos daquele. Neste momento, torna-se pertinente considerarmos as palavras do linguista contemporâneo Rajagopalan (2013, p. 45, grifo nosso), segundo o qual o internetês constitui uma escrita

moldada de acordo com as necessidades e conveniências que vão surgindo, movida e enriquecida constantemente pela criatividade e engenhosidade dos milhões de usuários e marcada pela concisão e compressão das redundâncias e de tudo o que é desnecessário do ponto de vista estritamente comunicacional.

Ora, se o usuário tem consciência de que está em um ambiente marcado por informalidade e que exige dele uma quantidade determinada de caracteres, o que ele fará? .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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Certamente fará uso de estratégias que deem conta de atender a esses quesitos. O que vemos, então, no exemplo acima descrito nada mais é do que a prática do principio da economia linguística, que elimina o que é redundante e desnecessário do ponto de vista do contexto e da pragmática da situação comunicativa.

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Quanto à troca de acentos por formas correspondentes, notamos que o USUÁRIO 2 substitui a sílaba “-ÃO” da palavra “coração” pela sílaba “-AUM” como forma de aproximar sua escrita da oralidade, imprimindo assim informalidade à sua comunicação. Já o USUÁRIO 7 ao lamentar que a vida de uma pessoa que deseja obter um plano de telefone móvel melhor é difícil, emprega o termo “eh” em substituição à forma padrão “é”. Notamos que a substituição efetuada tanto pelo USUÁRIO 2 quanto pelo USUÁRIO 7 não acarretaram redução de toques na sua digitação, todavia sabemos que esse código escrito internetizado tem como marca registrada “a vontade de desafiar a rigidez das normas estabelecidas” (RAJAGOPALAN, 2013, p. 49). Verificamos que esses internautas infringem as normas da Gramática Tradicional no que tange à ortografia oficial dessas palavras justamente como forma de imprimir uma identidade própria aos seus enunciados, a qual questiona os valores vigentes e tradicionais preestabelecidos socialmente quanto ao uso da língua. Como já discutido, a relação entre o internetês e o binômio fala-escrita é algo que chama a atenção de alguns estudiosos da linguagem, já que assim como outros fenômenos linguísticos contemporâneos, este código exige que se repense a tradicional delimitação desses domínios,

por

muito

tempo

considerados

antagônicos

nos

estudos

linguísticos

(RAJAGOPALAN, 2013). Dessa forma, por situar-se no continuum oralidade-escrita (MARCUSCHI, 2010), o internetês apresenta em sua configuração recursos que são comumente associados à oralidade: os não verbais ou para-linguísticos, que se referem às expressões gestuais e aos movimentos dos falantes; e os suprassegmentais, que seriam as pausas ao longo da fala e também o tom da vocalização (entonação). (MARCUSCHI, 2000). Passaremos, agora, à análise destes recursos.

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ASPECTO SUPRASSEGMENTAL Alongamento vocálico OOOiiii pessoal! Tenham todos uma ótima semana!!! Muita paz, luz e amor, além de muuuita música! Rs. E ja vamos... 07:14 - 4 de ago de 2014 (USUÁRIO 3) Você é a Dona do Melhor Beijo, Do Melhor Abraço, do Melhor Cheiro !! Como Eu Te Amooo Meu Amoooorrrr... 11:36 - 14 de ago de 2014 (USUÁRIO 8)

O USUÁRIO 3 saúda os seus seguidores do Twitter, desejando-lhes “paz, luz e amor, além de muuuita música!”. Notamos, pois, que ele faz uso do alongamento vocálico (repetição da letra “u”) na palavra “muita”. Dessa forma, podemos afirmar que o emprego dessa repetição não se deu arbitrariamente, uma vez que a possível intenção do internauta foi enfatizar ainda mais a quantidade daquilo que estava desejando aos seguidores, no caso “muita música”. O uso do alongamento vocálico também é visto logo no início da sua postagem, quando inicia a comunicação com os seus interlocutores. O “OOOiiii” é empregado também de forma motivada, uma vez que parte da necessidade de imprimir à sua escrita um sentimento de alegria, de motivação, e de chamar a atenção de seus possíveis leitores. O aspecto suprassegmental também pode ser percebido no enunciado do USUÁRIO 8, quando o mesmo após fazer uma declaração para a pessoa amada, atribuindo-lhe determinadas características, escreve “Como Eu Te Amooo Meu Amoooorrrr...”. O alongamento vocálico (XAVIER, 2014) nos itens em destaque indica que o internauta quis enfatizar o sentimento de amor que ele está sentido para a pessoa a que se destina a sua publicação. Por conseguinte, percebemos que os usuários 3 e 8 fazem uso da repetição vocálica como forma de imprimir às suas escrita o recurso da entonação que é tão comum na fala.

ASPECTO PARA-LINGUÍSTICO Emoticons ou caracteretas .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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Eu tenho uma chefe tão legal, mais amiga do que chefe. Só tenho que agradecer. :) 11:18 - 14 de ago de 2014 (USUÁRIO 9) sinceramente a vida estava maravilhosa a 1 semana atrás :( 11:16 - 14 de ago de 2014 (USUÁRIO 10)

No enunciado do USUÁRIO 9 notamos nitidamente que o enunciador demonstra um estado emocional de felicidade, tendo em vista que o mesmo assume uma postura de gratidão por possuir um relacionamento amigável com a sua chefe. Daí que o internauta finaliza a sua postagem com o emoticon “:)”, o qual reforça o seu sentimento de satisfação e de alegria pelo que está enunciando. De modo diferente é a postura do USUÁRIO 10, que ao fazer menção a como estava a sua vida, emprega a caractereta “:(“, indicando um estado de tristeza. Dessa forma, verificamos como que os emoticosn ou caracteretas imprimem à escrita da internet gestos e expressões faciais de seus usuários, sendo utilizada inclusive para evitar-se ambiguidades na compreensão do que está sendo enunciado. Por exemplo, se o USUÁRIO 10 tivesse empregado o emoticon “:)” ao final do seu enunciado, isso mudaria completamente o sentido da sua postagem, pois ele estaria direcionando o foco da enunciação para o sentimento de alegria e de bem estar que ele estava sentindo há uma semana da data de sua postagem.

Considerações finais Tendo em vista que a abordagem funcionalista investiga o uso linguístico real, incluindo em sua análise os elementos que compõem a situação comunicativa, partindo do pressuposto de que a gramática de uma língua não está pronta ou acabada, visto ser maleável e adaptável às necessidades comunicativas dos seus usuários, a proposta deste artigo foi analisar o internetês, na perspectiva da forma-função, isto é, considerando a influência de fatores pragmático-discursivos e extralinguísticos na sua estrutura. Apesar de ser marcado por uma liberdade no que se refere à sua configuração, pudemos perceber no uso do internetês uma regularidade que favorece o estabelecimento de um certo .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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conjunto de rotinas linguísticas ou princípios estruturais, a saber: supressão de letras; supressão de acentos e sinais gráficos; troca de letra por outra; troca de acento por forma correspondente, etc. Verificamos também como que estes princípios relativamente estáveis foram motivados pela situação comunicativa e seus fatores pragmáticos, discursivos e extralinguísticos. A sua forma abreviada, por exemplo, visa à reprodução da velocidade nas interações presenciais e responde às exigências do meio em que é utilizado, neste caso, no Twitter. Por conseguinte, a análise do corpus mostrou que mesmo sendo um “dialeto escrito” (XAVIER, 2014) o internetês possui estratégias que imprimem à comunicação traços comumente associados à modalidade falada da língua: recursos suprassegmentais e paralinguísticos. As estratégias de substituição buscam representar a pronúncia das palavras. Os alongamentos vocálicos também se relacionam à pronúncia e à ênfase dada a determinada informação enunciada. Os emoticons, por sua vez, assumem o papel de imprimir uma carga emocional nas postagens dos internautas e são utilizados ainda como forma de confirmar o sentimento do enunciador no momento da postagem, evitando-se possíveis ambiguidades e distorções na compreensão do que foi enunciado. Dessa forma, por situar-se no continuum fala-escrita, sendo um código emergente das práticas comunicativas contemporâneas, fruto do avanço nas tecnologias de comunicação a distância, o internetês pode ser visto como um “dialeto” (XAVIER, 2014) que muito contribui para o entendimento dos atuais processos de variação da língua.

Referências FURTADO DA CUNHA, Angélica. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo. Manual de linguística. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2012. p. 157-176. ______; BISPO, Edvaldo Balduino; SILVA, José Romerito. Linguística Funcional Centrada no Uso: conceitos básicos e categorias analíticas. In: CEZARIO, Maria Maura; FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica (Orgs.). Linguística centrada no uso: uma homenagem a Mário Martelotta. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2013. p. 13-39. .............................................................................................................................................................. ANAIS: III Encontro Regional de Estudos Funcionalistas/II Simpósio de Letras do Vale do Açu Tema: “Abordagens funcionalistas na pesquisa e no ensino: relações entre linguagem e sociedade” Açu/RN, 23 a 25/11/2015. ISBN: 978-85-7621-121-1

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GONZALEZ, Zeli Miranda Gutierrez. Linguística de corpus na análise do internetês. 2007. 123 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Marcadores conversacionais. In: Análise da conversação. 5. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 61-74. ______. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: MARCUSHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antonio Carlos (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 15-80. MOURA, Mirtes Zoé da Silva; PEREIRA, Ana Paula M. S. A produção discursiva nas salas de bate-papo: formas e características processuais. In: COSTA, Sérgio Roberto; FREITAS, Maria Teresa de Assunção (Orgs.). Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, 65-83. NARO, Anthony Julius; VOTRE, Sebastião Josué. Mecanismos funcionais do uso da língua: função e forma. In: VOTRE, Sebastião Josué (Org.). A construção da gramática. Niterói: Editora da UFF, 2012. p. 43-48. PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística. São Paulo: Contexto, 2002. p. 11-24. RAJAGOPALAN, Kanavillil. Como o internetês desafia a Linguística. In: SHEPHERD, Tania G.; SALIÉS, Tânia G. (Orgs.). Linguística da Internet. São Paulo: Contexto, 2013. p. 37-53.

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