A DOR E A DELÍCIA DE JÉSSICA CRISTOPHERRY

July 24, 2017 | Autor: André Bomfim | Categoría: Cinema, Queer, Audiovisual, Critica de arte
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AUDIOVISUAL/_ANDRÉ BOMFIM_

A dor e a delícia de Jéssica Cristopherry Publicado em 2 de abril de 2013 por CÍTRICA

O documentário de Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge é um mergulho sincero nas dualidades do mundo do transformismo.

E se uma mulher decidisse se transformar em uma drag queen? A pergunta inusitada é a espinha dorsal do documentário Jéssica Cristopherry, dirigido por Rodrigo Luna, Ronei Jorge e Paula Lice. Esta última, a mulher em questão. Porém, se a pergunta é considerada inusitada, é porque à primeira vista associamos a “montagem” de uma drag a um processo de simplesmente mimetizar ou se transformar em mulher. E esse é o maior mito a ser desvendado pelo filme. Paramentada pelo dream team do transformismo soteropolitano – as drags Rainha Loulou, Mitta Lux, Valérie O’hara, Carolina Vargas e Gina d’Mascar, Paula sofre para alcançar a ultrafeminilidade necessária para se tornar uma diva transformista. E nesse processo submete-se a hilárias lições de elegância, postura, expressão e presença de palco. Mas duas lições destoam do alegre manual da cartilha transformista: a dor e o sacrifício. A montagem de Paula é um processo que envolve a negação de si mesma e da própria aparência, para que surja uma Jéssica Cristopherry glamourosa e espetacular. E tem a tal dor, que segundo os próprios transformistas, é um elemento essencial aos números do gênero. E para que a dor se materialize em sua performance, a atriz passa por um laboratório cênico, no mínimo, nonsense. É nessa dualidade entre dor e delícia, nostalgia e brilho, trágico e cômico, que reside o encanto da arte do transformismo. E o filme de Paula, Rodrigo e Ronei tem sensibilidade

suficiente para captar esses matizes em meio à alegre algazarra dos rapazes. É dessa forma divertida que Jéssica consegue criar um dialogo salutar entre os pontos de vista hétero e homossexual, além de revelar o enorme talento desses artistas, quase sempre restrito ao circuito LGBT. Entre as proezas do jovem trio está também a construção de um documentário muito contemporâneo, em que o drama e a ficção escapam pelas brechas do real e o aparato cinematográfico é despudoradamente revelado, com câmeras e equipe muitas vezes à mostra. E, como todo bom filme, Jéssica Cristopherry nos conduz, a partir de sua pergunta inicial, ao exercício de pensar em várias outras questões: e se o diálogo entre as sexualidades fosse mais viável? E se o talento desses artistas fosse reconhecido além de guetos e rótulos? E se a sombra do preconceito não pairasse mais entre nós? E se?

André Bomfim é especialista em Análise de Cinema e TV e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas - FACOM/UFBA. [email protected].

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